sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

OPINIÃO DO DIA - Hannah Arendt: A Pluralidade Humana

A pluridade humana, condição básica da acção e do discurso, tem o duplo aspecto da igualdade e diferença. Se não fossem iguais, os homens seriam incapazes de compreender-se entre si e aos seus antepassados, ou de fazer planos para o futuro e prever as necessidades das gerações vindouras. Se não fossem diferentes, se cada ser humano não diferisse de todos os que existiram, existem ou virão a existir, os homens não precisariam do discurso ou da acção para se fazerem entender. Com simples sinais e sons poderiam comunicar as suas necessidades imediatas e idênticas.

Ser diferente não equivale a ser outro - ou seja, não equivale a possuir essa curiosa qualidade de «alteridade», comum a tudo o que existe e que, para a filosofia medieval, é uma das quatro características básicas e universais que transcendem todas as qualidades particulares. A alteridade é, sem dúvida, um aspecto importante da pluralidade; é a razão pela qual todas as nossas definições são distinções e o motivo pelo qual não podemos dizer o que uma coisa é sem a distinguir de outra.

Na sua forma mais abstracta, a alteridade está apenas presente na mera multiplicação de objectos inorgânicos, ao passo que toda a vida orgânica já exibe variações e diferenças, inclusive entre indivíduos da mesma espécie. Só o homem, porém, é capaz de exprimir essa diferença e distinguir-se; só ele é capaz de se comunicar a si próprio e não apenas comunicar alguma coisa - como sede, fome, afecto, hostilidade ou medo. No homem, a alteridade, que ele tem em comum com tudo o que existe, e a distinção, que ele partilha com tudo o que vive, tornam-se singularidades e a pluralidade humana é a paradoxal pluralidade dos seres singulares.

Hannah Arendt, (1906-1975. Filósofo e cientista política alemã in 'A Condição Humana'

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
STF devolve ao CNJ poder de investigar e punir juízes
Minc: Cais do Porto tem '100% de explosividade'
Leilão de privatização de aeroportos atrai pelo menos 11 grupos
Conflito no Paraguai é iminente
'Dilma veio com carteira aberta e olhos fechados'
Negromonte cai, mas o PP fica nas Cidades

FOLHA DE S. PAULO
Supremo mantém poder do CNJ para investigar juízes
Colégios do país incluem tablet em lista de material
Agnelo vai sair do cargo de camburão, diz chefe de polícia
Cai 7º ministro de Dilma após acusações de irregularidades
Partido aliado faz pressão sobre Guido Mantega e preocupa Dilma

O ESTADO DE S. PAULO
Por 6 a 5, Supremo decide manter poderes de investigação do CNJ
Brasil impõe condições ao México para manter acordo automobilístico
Protesto após mortes em jogo fere 400 e leva caos de volta ao Egito
Kassab silencia PT com afago a Lula
Leilão de aeroportos tem 11 interessados

VALOR ECONÔMICO
Bancos médios se ajustam depois de investida do BC
Estádios da Copa correm risco de greve
Sem o México, montadoras reveem planos
Disputa pelos aeroportos será acirrada
Corte orçamentário
VarigLog suspende operação
Energia eólica atrai estrangeiros

CORREIO BRAZILIENSE
Escândalo, demissão e videotape
Negromonte cai, Aguinaldo assume
CNJ mantém poderes de investigação
Preço do JK passará de R$ 582 milhões

ESTADO DE MINAS
Ameaçada. Desprotegida. Assassinada
Lobista registra dívida por serviços a Rogério Correia
Supremo mantém poder do CNJ de fiscalizar juízes
Novo ministro assume a pasta e já enfrenta denúncias

ZERO HORA (RS)
Petrobras assina hoje projeto para triplicar gás industrial no RS
CNJ retoma o poder de regular juízes

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Posseiros param Suape
Cai sétimo ministro do governo Dilma
Procuradora é morta pelo marido a facadas em Minas Gerais

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Gramsci e a análise das crises:: Giuseppe Vacca

O texto que propomos foi extraído dos Cadernos do cárcere (Caderno 15, § 5) e foi escrito em fevereiro de 1933. É um texto chave para a interpretação do pensamento político de Gramsci, mas não é esta a razão pela qual o republicamos. Pensamos em repropô-lo porque pode ser um ponto de referência útil na discussão atual sobre aquela que é comumente definida como “crise financeira”, começada nos Estados Unidos em 2007 e transformada progressivamente em crise econômica global. Por isso, limitamo-nos a comentar alguns pontos do escrito de Gramsci que nos parecem particularmente significativos para refletir sobre a crise atual.

Queríamos antes de tudo observar que, quando nos encontramos em presença de uma crise econômica de proporções mundiais, é errôneo e enganoso isolar um dos seus aspectos ou buscar para ela uma só causa; deve-se, ao contrário, buscar reconstruir todo um período histórico no qual as manifestações econômicas da crise, que variam no tempo e se diferenciam de país para país, possam ser explicadas de um modo útil para resolvê-la. Em outras palavras, é importante não isolar os aspectos puramente econômicos do fenômeno a não ser por comodidade analítica, sob a condição de que sejam enquadrados numa reconstrução histórica de conjunto em que se possam definir os atores e as estratégias necessárias para criar novos equilíbrios mundiais e uma nova estabilidade.

Aplicando este critério ao andamento da crise entre 1929 e 1932, Gramsci apontava sua origem no contraste entre o cosmopolitismo da economia e o nacionalismo da política e, por isso, propunha inscrever aqueles quatro anos num período histórico muito mais longo, caracterizado pela manifestação daquela contradição e pela incapacidade das classes dirigentes de resolvê-la no único modo possível, isto é, adequando as formas e os espaços da regulação política àqueles de uma economica cada vez mais plenamente mundial. Desde 2007, os paralelos entre a crise atual e a de 1929 são muitas vezes recorrentes, mas quase sempre impróprios e superficiais, porque as explicações da crise atual são resumidas em slogans do tipo “a globalização da finança expropria a política”, ou se reduzem à denúncia do enorme crescimento das desigualdades redistributivas como causa dos desequilíbrios da economia, ou, por fim, à acusação feita à “especulação” de criar as crises das dívidas soberanas.

No entanto, para dar só um exemplo, como se faz para explicar com um ou outro daqueles slogans a explosão das dívidas soberanas na Europa, quando é inteiramente evidente que a valorização ou a desvalorização do euro, para não falar do spread entre os títulos da dívida alemã e os da dívida de outros países europeus, dependem da política do governo alemão? Portanto, refletir sobre o escrito de Gramsci pode servir para ativar algumas defesas imunológicas contra aquelas narrativas ou, pelo menos, eliminar os aspectos contraditórios de representações nas quais pode acontecer que se ouçam, no mesmo discurso, uma reconstrução minuciosa do modo unilateral e agressivo pelo qual a Alemanha exerceu sua liderança na Europa do euro, até provocar sua crise, e explicações da crise geral baseadas num suposto, fatal predomínio da economia sobre a política.

Houve um breve período, em 2010, no qual as vicissitudes da economia mundial foram representadas como “guerra das moedas”. Esta também era uma interpretação inadequada, mas pelo menos estimulava as mentes a se perguntarem: quando começou a “guerra”? Quem está em guerra contra quem? E como se pode sair dela? Em síntese, era um modo de narrar os acontecimentos mais próximo de uma interpretação histórica e, portanto, do senso comum dos cidadãos, que gostariam de compreender e não se sentirem oprimidos pela impotência diante de fantasmas indecifráveis como “a economia que expropria a política”, “a especulação internacional” que ameaça a soberania dos Estados e coisas semelhantes. Mas aquele período terminou justamente quando tal abordagem deveria ser aperfeiçoada para investigar a crise do euro.

Se o contraste entre o cosmopolitismo da economia e o nacionalismo da política era uma chave explicativa das crises internas e internacionais da primeira metade do século XX, ele aparece ainda mais explosivo num período histórico em que a globalização da economia mundial é muito mais extensa, as classes dirigentes imputáveis de nacionalismo são bem mais numerosas e, ao mesmo tempo, estão propensas antes a um “neomercantilismo continental” do que ao nacionalismo político ou econômico tradicional. Portanto, a chave de leitura do comportamento delas poderia ser extraída da reconstrução dos seus sucessos e dos seus fracassos ao governar as interdependências e as assimetrias de poder que caracterizam a estrutura do mundo de quarenta anos para cá.

No entanto, não me parece que se possa propor o paralelo entre a crise atual e a de 1929 sob outros aspectos. O primeiro é que os países protagonistas do conflito econômico mundial de então podiam recorrer à guerra, ao passo que, para o bem da humanidade, esta possibilidade parece hoje definitivamente vedada. Mas, paradoxalmente, o número maior de partners da economia mundial hodierna torna ainda mais imprevisíveis a duração da crise e as possibilidades de acordo que produzam um novo equilíbrio mundial estável e progressivo, como foi aquele das três décadas sucessivas à Segunda Guerra Mundial.

Além disso, um ano depois de ter escrito este texto, Gramsci ordenou as notas dedicadas ao “americanismo” e apontou o taylorismo e o fordismo como as alavancas de um novo industrialismo, que poderia expandir-se mundialmente e subverter as estruturas antiquadas da velha Europa. Podia indicar, assim, um novo modelo de organização das massas e da economia que, difundindo-se no mundo mais desenvolvido, modificaria e levaria adiante aquela contradição, com efeitos incrivelmente progressivos. Não me parece que, na crise atual, possa distinguir-se algo comparável a que possamos nos aferrar.

Muito mais plausível, no entanto, parece o paralelo com um outro aspecto da análise gramsciana: a ênfase na estabilidade monetária internacional como solução da crise da economia mundial. É o elemento hoje evocado por todos aqueles que favorecem “um novo Bretton Woods”. Naturalmente, uma moeda ou uma cesta de moedas de reserva negociadas em nível mundial não poderiam coincidir com nenhuma moeda nacional, e isso também, somado ao número dos atores e às assimetrias de poder que originam suas tensões, não permite prever se e quando se poderá alcançar o objetivo. Incidentalmente, pode-se observar que as economias do Atlântico Norte, no seu conjunto, constituem o maior agregado de recursos que poderiam ser postos à disposição de uma nova ordem mundial e são a parte mais integrada e interconectada do globo. Mas não se vê como elas poderão convergir para criar novos equilíbrios e uma nova estabilidade da economia mundial, sem superar preliminarmente o dualismo entre euro e dólar, cujo antagonismo talvez seja a verdadeira causa das crises paralelas, americana e europeia, da última década.

Caderno 15 (1933)
§ 5. Passado e presente. A crise. O estudo dos acontecimentos que assumem o nome de crise e que se prolongam de forma catastrófica de 1929 até hoje deverá atrair atenção especial. 1) Será preciso combater todos os que pretendam dar destes acontecimentos uma definição única ou, o que é o mesmo, encontrar uma causa ou uma origem única. Trata-se de um processo, que tem muitas manifestações e no qual causas e efeitos se interligam e se sobrepõem. Simplificar significa desnaturar e falsear. Portanto: processo complexo, como em muitos outros fenômenos, e não “fato” único que se repete sob várias formas em razão de uma causa e uma origem únicas. 2) Quando começou a crise? A questão está ligada à primeira. Tratando-se de um desenvolvimento e não de um evento, a questão é importante. Pode-se dizer que a crise como tal não tem data de início, mas só algumas de suas “manifestações” mais clamorosas, que são identificadas com a crise, de modo errôneo e tendencioso. O outono de 1929, com o crack da bolsa de Nova Iorque, é para alguns o início da crise; e, como era de supor, para os que pretendem ver no “americanismo” a origem e a causa da crise. Mas os eventos do outono de 1929 na América são exatamente uma das manifestações clamorosas do desenvolvimento da crise, e nada mais. Todo o após-guerra é crise, com tentativas de remediá-la que às vezes têm sucesso neste ou naquele país, e nada mais. Para alguns (e talvez não sem razão), a própria guerra é uma manifestação da crise, ou melhor, a primeira manifestação; a guerra foi precisamente a resposta política e organizativa dos responsáveis. (Isto mostraria que é difícil separar nos fatos a crise econômica das crises políticas, ideológicas, etc., embora isto seja possível cientificamente, ou seja, mediante um trabalho de abstração). 3) A crise tem origem nas relações técnicas, isto é, nas respectivas posições de classe, ou em outros fatos, como legislações, desordens, etc.? Decerto, parece demonstrável que a crise tem origens “técnicas”, ou seja, nas respectivas relações de classe, mas que, em seus inícios, as primeiras manifestações ou previsões deram lugar a conflitos de vários tipos e a intervenções legislativas, que jogaram mais luz sobre a própria “crise”, não a determinaram, ou acentuaram alguns de seus fatores. Estes três pontos — 1) que a crise é um processo complicado; 2) que se inicia pelo menos com a guerra, ainda que esta não seja sua primeira manifestação; 3) que a crise tem origens internas, nos modos de produção e, portanto, de troca, e não em fatos políticos e jurídicos — parecem ser os três primeiros a ser esclarecidos com exatidão.

Outro ponto é que se esquecem os fatos simples, isto é, as contradições fundamentais da sociedade atual, em favor de fatos aparentemente complexos (mas seria melhor dizer “artificiosos”). Uma das contradições fundamentais é esta: que, enquanto a vida econômica tem como premissa necessária o internacionalismo, ou melhor, o cosmopolitismo, a vida estatal se desenvolveu cada vez mais no sentido do “nacionalismo”, da “autossuficiência”, etc. Uma das características mais visíveis da “crise atual” é, apenas, a exasperação do elemento nacionalista (estatal-nacionalista) na economia: quotas de importação e de exportação, clearing, restrição ao comércio de divisas, comércio equilibrado apenas entre dois Estados, etc. Então se poderia dizer, o que seria o mais exato, que a “crise” é tão somente a intensificação quantitativa de certos elementos, nem novos nem originais, mas sobretudo a intensificação de certos fenômenos, enquanto outros, que antes apareciam e operavam simultaneamente com os primeiros, neutralizando-os, tornaram-se inoperantes ou desapareceram inteiramente. Em suma, o desenvolvimento do capitalismo foi uma “crise contínua”, se assim se pode dizer, ou seja, um rapidíssimo movimento de elementos que se equilibravam e neutralizavam. Num certo ponto, neste movimento, alguns elementos predominaram, ao passo que outros desapareceram ou se tornaram inativos no quadro geral. Então surgiram acontecimentos aos quais se dá o nome específico de “crises”, que são mais ou menos graves precisamente na medida em que tenham lugar elementos maiores ou menores de equilíbrio. Dado este quadro geral, pode-se estudar o fenômeno em seus diversos planos e aspectos: monetário, financeiro, produtivo, de comércio interno, de comércio exterior, etc.; e não se pode excluir que cada um destes aspectos, em consequência da divisão internacional do trabalho e das funções, possa ter aparecido, nos diferentes países, como predominante ou como máxima manifestação. Mas o problema fundamental é o produtivo; e, na produção, o desequilíbrio entre indústrias dinâmicas (nas quais o capital constante aumenta) e indústrias estacionárias (nas quais conta muito a mão de obra imediata). Compreende-se que, dado que também no campo internacional ocorre uma estratificação entre indústrias dinâmicas e estacionárias, foram mais atingidos pela crise os países nos quais as indústrias dinâmicas existem em abundância, etc. Disso resultam variadas ilusões, decorrentes da incompreensão de que o mundo é uma unidade, queira-se ou não, e de que todos os países, se se mantiverem em determinadas condições de estrutura, passarão por certas “crises”. (Sobre todos estes temas, deve-se ver a literatura da Sociedade das Nações, de seus especialistas e de sua comissão financeira, que servirá pelo menos para que se possa dispor de todo o material sobre a questão, bem como as publicações das mais importantes revistas internacionais e das Câmaras de Deputados.)

A moeda e o ouro. A base áurea da moeda se tornou necessária em razão do comércio internacional e do fato de que existem e operam as divisões nacionais (o que leva a fatos técnicos particulares deste campo, dos quais não se pode prescindir: entre os fatos, está a rapidez da circulação, que não é um fato econômico menor). Dado que as mercadorias se trocam por mercadorias, em todos os campos, a questão é saber se este fato, inegável, ocorre num tempo curto ou longo e se esta diferença de tempo tem importância. Dado que as mercadorias se trocam por mercadorias (compreendidas, entre as mercadorias, os serviços), é evidente a importância do “crédito”, ou seja, o fato de que uma massa de mercadorias ou serviços fundamentais, isto é, que indicam um completo ciclo comercial, produzem títulos comerciais e que tais títulos deveriam se manter constantes a cada momento (com igual poder de troca), sob pena da paralisação das trocas. É verdade que as mercadorias se trocam por mercadorias, mas “abstratamente”, ou seja, os atores da troca são diferentes (ou seja, não existe “escambo” individual, e isto exatamente acelera o movimento). Por isto, se é necessário que no interior de um Estado a moeda seja estável, tanto mais necessária se mostra a estabilidade da moeda que serve às trocas internacionais, nas quais “os atores reais” desaparecem por trás do fenômeno. Quando num Estado a moeda varia (por inflação ou deflação), ocorre uma nova estratificação de classes no próprio país; mas, quando varia uma moeda internacional (por exemplo, a libra esterlina e, em menor medida, o dólar, etc.), ocorre uma nova hierarquia entre os Estados, o que é mais complexo e leva a interrupção no comércio (e com frequência a guerras), ou seja, há transferência “gratuita” de mercadorias e serviços entre um país e outro, e não só entre uma classe e outra da população. A estabilidade da moeda, internamente, é uma reivindicação de algumas classes e, externamente (para as moedas internacionais, nas quais se assumiram os compromissos), de todos os que comerciam. Mas por que elas variam? As razões são muitas, certamente: 1) porque o Estado gasta demais, ou seja, não quer que suas despesas sejam pagas diretamente por certas classes, mas por outras, indiretamente, e, se possível, por países estrangeiros; 2) porque não se quer diminuir um custo “diretamente” (por exemplo, o salário), mas só indiretamente e num prazo prolongado, evitando atritos perigosos, etc. De qualquer modo, também os efeitos monetários se devem à oposição dos grupos sociais, que nem sempre se deve entender no sentido do próprio país em que o fato ocorre, mas no de um país antagonista.

Este é um princípio pouco aprofundado, mas que é decisivo para a compreensão da história: que um país seja destruído pelas invasões “estrangeiras” ou bárbaras não quer dizer que a história desse país não esteja incluída na luta de grupos sociais. Por que aconteceu a invasão? Por que se deu determinado movimento de população, etc.? Do mesmo modo como, em certo sentido, num determinado Estado, a história é a história das classes dirigentes, assim também, no mundo, a história é a história dos Estados hegemônicos. A história dos Estados subalternos se explica através da história dos Estados hegemônicos. A queda do Império Romano se explica através do desenvolvimento da vida do próprio Império Romano, mas isto sugere que “faltam” certas forças, ou seja, é uma história negativa e, por isto, insatisfatória. A história da queda do Império Romano deve ser buscada no desenvolvimento das populações “bárbaras” e até mais além, porque os movimentos das populações bárbaras eram frequentemente consequências “mecânicas” (isto é, pouco conhecidas) de outro movimento inteiramente desconhecido. Eis por que a queda do Império Romano gera “peças de oratória” e se apresenta como um enigma: 1) porque não se quer reconhecer que as forças decisivas da história mundial não estavam então no Império Romano (mesmo que fossem forças primitivas); 2) porque não dispomos dos documentos históricos de tais forças. Se há enigma, não se trata de coisas “incognoscíveis”, mas simplesmente “desconhecidas” por falta de documentos. Resta ver a parte negativa: “por que o Império se deixou vencer?”; mas precisamente o estudo das forças negativas é aquele que menos satisfaz, e com razão, porque pressupõe de per si a existência de forças positivas e nunca se quer confessar que estas são desconhecidas. Na questão da formulação histórica da queda do Império Romano, também entram em jogo elementos ideológicos, de vaidade, que estão longe de ser desprezíveis.

FONTE: TAMTÀM DEMOCRATICO & GRAMSCI E O BRASIL.

O “laranja” estatal :: Roberto Freire

Definido como sede da Copa do Mundo, em 2014, e da Olimpíada, em 2016, o Brasil foi inundado por uma vaga de propaganda patriótica. No entanto, por trás dessa onda de justo júbilo do povo brasileiro, o governo Lula e sua base aliada, sobretudo o condomínio do Ministério do Esporte, sob a guarda inicial de Agnelo Queiroz e posteriormente Orlando Dias, ambos do PC do B urdindo “tenebrosas transações” que levaram a exoneração, na raiz de um escândalo nacional, o último deles.

Era antiga a desconfiança dessa parceria PCdoB/Esportes e que vinha do acontecido com o Pan, realizado no Rio de Janeiro, em 2007, cujo orçamento inicial era de R$ 386 milhões, e que terminou custando algo em torno de R$ 5 bilhões.

Esse descalabro foi devidamente denunciado pelo Tribunal de Contas da União - TCU, envolvendo as três esferas de governo, pois tanto o poder municipal e estadual como a administração federal estavam envolvidos nesse escândalo de desvios de verbas.

Se isso aconteceu com a construção de uma mera vila olímpica, para uma competição intercontinental, imagine-se o que não acontece com a construção de inúmeros estádios e a necessária infraestrutura para viabilizar uma Copa do Mundo e uma Olimpíada? O jornal O Estado de S.Paulo, em sua edição do último dia 30, dá-nos uma boa ideia de como funciona o governo do PT, por meio de uma reportagem que denuncia a malversação de dinheiro público.

Essa reportagem informou que o Ministério do Esporte pagou R$ 4,65 milhões, sem licitação, para a Fundação Instituto de Administração (FIA) ajudar na criação de uma estatal que foi extinta antes de funcionar! A criação, só no papel, da Empresa Brasileira de Legado Esportivo Brasil 2016 durou um ano.

Mesmo depois de decidido que seria liquidada, ainda assim a FIA recebeu R$ 1 milhão, as quatro últimas parcelas graças a dois aditivos ao contrato, firmado em 2010.

E mais grave: para mostrar o total desrespeito com a coisa pública desse governo, a referida empresa estatal por não ter CNPJ, ficou “impedida de cumprir com suas obrigações tributárias”. Ou seja, não pagou impostos, conforme nota emitida por auditores independentes que acompanharam o balanço.

Algo semelhante observa-se em todos os ministérios que tenham agências empresas ou estatais.
Sua utilização, exclusivamente em benefício do condomínio de poder que se instalou no governo Lula/Dilma para administrar os interesses partidários e/ou particulares de seus “chefes”, como acabamos de constatar no Dnocs, ligado ao Ministério do Interior, ou o que vem ocorrendo no interior da Petrobras, ligada ao Ministério das Minas e Energia.

Em toda parte, o que se observa é a manutenção das novas e velhas oligarquias com o auxílio luxuoso dos governos do PT, logo depois das denúncias do “mensalão”, quando se adotou a estratégia de consolidar sua base parlamentar, oferecendo, para tanto, a estrutura estatal, transformada em um condomínio das forças aliadas, sob a administração da Casa Civil.

Assim, o Brasil não é apenas o país da jabuticaba.

O governo do lulopetismo deu à luz um novo “instituto jurídico”.

Além da pessoa física e pessoa jurídica, temos a pessoa cítrica, o “laranja”, do nosso desconforto moral, escoadouro dos desvios de verbas públicas, nos escaninhos de nossa estrutura estatal.

Roberto Freire, deputado federal e presidente do PPS

FONTE: BRASIL ECONÔMICO

Tempos difíceis:: Merval Pereira

Eleição em tempo de crise foge completamente dos padrões. O discurso dos candidatos fica pelo menos mais honesto, já que não é possível pintar com cores alegres o quadro econômico que todos estão sentindo na pele. Com um índice de desemprego alto em todos os países, na Europa e nos Estados Unidos, todos os candidatos têm de apresentar um programa de desenvolvimento, mas ao mesmo tempo têm também de preparar os eleitores para os tempos duros que ainda virão.

Fica difícil prometer futuro brilhante quando se tem de cortar custos e aumentar impostos.
O máximo que se pode fazer é dar a entender que o eleitor do adversário sofrerá mais do que o seu.

E, mesmo nos Estados Unidos, país onde a arrecadação de fundos privados para a campanha eleitoral serve como termômetro para medir a capacidade de cada candidato, ser rico é arriscado nos dias de hoje.

É o caso do provável candidato republicano, Mitt Romney, empresário de sucesso, que é atacado por isso pelos dois lados.

A campanha de Obama já o acusou de ser um "destruidor de empregos" ao comprar empresas quando atuava no setor privado.

O presidente americano também anunciou a criação de uma alíquota do imposto de renda para os "muito ricos", dizendo que feria o "senso comum" um milionário não pagar pelo menos 30% de imposto de renda.

Romney rejeitou as críticas e contra-atacou dizendo que o número de desempregados passou de 22 para 24 milhões nos Estados Unidos sob o governo de Obama, e também que a dívida pública aumentou de US$ 10,4 trilhões em janeiro de 2009, quando Obama assumiu a Presidência, para US$ 15 trilhões.

No front interno, Romney está sendo acusado por Newt Gingrich de ser milionário e, o que é pior, de falar francês.

Falar uma língua estrangeira parece ser um pecado capital para políticos americanos, e os monoglotas parecem mais "autênticos" ao eleitor médio, como é o caso de George W. Bush e do próprio Obama.

O candidato democrata em 2004 John Kerry também foi muito atacado porque passava as férias na região francesa da Bretanha com sua família quando era jovem.
Os assuntos delicados, como reformas no sistema previdenciário, também devem ser esquecidos durante a campanha eleitoral, embora tenham que ser retomados logo que o vencedor assuma o governo.

No caso brasileiro, nem a presidente Dilma nem seu adversário tucano José Serra trataram da questão previdenciária, mas hoje o governo está empenhado em aprovar o fundo de previdência dos servidores públicos, aprovado por Lula em 2003 e que até hoje não saiu do papel, mas é fundamental para equilibrar as contas da Previdência.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, quando foi candidato em 2006, saiu de uma reunião com economistas na Casa das Garças, um instituto de estudos econômicos ligado ao Departamento de Economia da PUC do Rio, com a sensação de ter recebido a agenda mais antieleitoral que poderia haver.

Os economistas — Edmar Bacha, Armínio Fraga, Francisco Gros, Pedro Malan, entre outros, todos ligados de alguma maneira ao PSDB — focaram suas preocupações na Previdência Social, classificada como um ponto crítico do quadro fiscal.

Não haver limite de idade para a aposentadoria no sistema privado seria uma bomba de efeito retardado.

Em outra reunião, de líderes do PSDB com empresários do Iedi em São Paulo, levantou- se a necessidade de se separar o reajuste do salário mínimo das aposentadorias da Previdência.

O presidente do PSDB na ocasião, Tasso Jereissati, disse que, se um político apresentasse essa proposta na campanha eleitoral, não precisaria nem esperar o resultado das urnas: seria derrotado fatalmente.

Um dos reflexos da crise na campanha presidencial aqui na França é que nenhum dos candidatos pode fazer proselitismo político sem falar em aumento de imposto.
Mesmo o candidato socialista, François Hollande, admite que ,"seja qual for o eleito, haverá aumento de imposto".

Mas ressalva: "O importante é saber quem pagará a conta." Ele garante que seu programa fará com que apenas os bancos, as grandes empresas e os ricos pagarão mais impostos, mas seus adversários já apontam inconsistências nos seus planos.

O aumento de imposto para as empresas atingirá também pequenos e médios empresários.

A promessa de tapar os buracos na legislação que permitem a redução de impostos, os chamados "nichos fiscais", atingirá ao mesmo tempo as empresas e os profissionais liberais.
E a taxação de horas extras poderá prejudicar também os cerca de nove milhões de assalariados que as utilizam.

Ele promete também criar uma alíquota de 45% para os "muito ricos".

O plano de Hollande também é criticado por dar um papel secundário ao corte de gastos do governo.

Já o candidato centrista, François Bayrou, apresentou também seu projeto econômico, que prevê redução dos gastos públicos em 50 bilhões de euros e outros 50 bilhões em aumento de impostos, inclusive a criação de duas novas alíquotas do imposto de renda, de 45% e 50%.

O presidente francês, Nicolas Sarkozy, que concorrerá à reeleição, anunciara domingo, em cadeia de televisão, que haverá um aumento de 1,6% do imposto sobre valor agregado de produtos e serviços, que hoje é de19,6% e incide sobre bens de consumo.
Segundo ele, a mudança financiará isenções de encargos trabalhistas no valor de 13 bilhões de euros.

Ele também confirmou que a taxa sobre as transações financeiras de 0,1% deverá ser aplicada a partir de agosto, uma taxa que a França cobrará sozinha "para dar o exemplo", mas que pode fazer com que muitos negócios saiam da França.

Sarkozy está sendo criticado até mesmo pelo acordo com a Índia para a compra de 126 jatos Rafales, pois, pelo acordo, a maior parte desses aviões será montada na Índia, e apenas os 18 primeiros serão construídos na França, gerando empregos.

Um dos motes da campanha de Sarkozy é defender os produtos fabricados na França, para gerar mais empregos.

FONTE: O GLOBO

Paparicando:: Dora Kramer

O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, vem dando vigorosas contribuições àquele modo de fazer política ao qual se dá o nome de politicagem.

Primeiro, cansou de ser oposicionista aguerrido, virou governista mais ou menos assumido e escapuliu de um partido porque o barco fez água. Depois, criou outro ao molde de uma associação recreativa propositadamente desprovida de doutrina a fim de propiciar abrigo a quem se interessar independentemente dos critérios de ações e pensamento.

Em seguida, pôs a legenda a serviço de todos os governadores, acertou-se com uma quantidade substancial de prefeitos, conquistou fornida bancada na Câmara dos Deputados e na eleição da cidade que administra acende uma vela a cada uma das forças políticas tradicionalmente adversárias.

Ou seja, topa qualquer parada, desde que vantajosa. Há quem veja nisso uma grande esperteza e reserve desde já um lugar para Kassab no panteão dos grandes feiticeiros políticos de nossa História.

Assim como há quem veja no projeto de lei que enviou à Câmara Municipal propondo a doação de 4,4 mil metros quadrados de terreno no centro da cidade ao Instituto Lula, um lance de alta envergadura.

O prefeito mesmo define seu gesto como um ato de “gratidão” para com o ex-presidente e de grande generosidade para com a coletividade, pois, segundo ele, a construção vai valorizar sobremaneira a região da Nova Luz, hoje degradada pela cracolândia.

Francamente, não é uma coisa nem outra. Gilberto Kassab simplesmente lança mão de um patrimônio público, tira proveito da cadeira onde senta e da caneta que empunha, para paparicar Lula e o PT com quem quer se aliar na eleição que se avizinha.

Alguma diferença entre o que faz o prefeito e o que fizeram ministros (alguns) obrigados a deixar seus cargos porque usaram dinheiro público ou se valeram da condição de ocupante de cargo público para obter benefícios próprios e/ou partidários?

Na essência, nenhuma diferença. Ah, trata-se de uma lei que ainda precisa ser aprovada pelos vereadores? Ora, Kassab controla a Câmara. À exceção da bancada do PT, todos votam com o prefeito.

Aliás, será interessante observar se os vereadores petistas desta vez deixarão de lado a sistemática de votar sempre contra Kassab para aprovar a lei da bajulação. E os do PSDB, como se comportarão?

Se não quiserem abrir mão de agradar ao prefeito, terão de arranjar alegação diferente da que circula por aí dando conta do benefício que a instalação do Instituto Fernando Henrique Cardoso levou a outra área do centro da cidade de São Paulo.

FH não ganhou nada do Estado, comprou as instalações da massa falida do Automóvel Clube. A comparação correta é com o Maranhão de José Sarney.

Se aprovada a lei e aceita a doação, Lula e Sarney estarão ainda mais unidos: aí na condição de ex-presidentes donos de memoriais instalados em espaços de propriedade pública.

Gilberto Kassab tem o direito de adular quem quiser, de se aliar a quem bem entender e de atuar na política como achar melhor. Só não pode esperar unanimidade acrítica. Mas, sobretudo, não pode dar seguimento a seus projetos à custa do patrimônio de todos os cidadãos que não têm nada a ver com as conveniências político-eleitorais partidárias do prefeito de São Paulo.

Se a ideia é conquistar o eleitorado do PT, corre o risco de se enganar e ainda perder o apoio do paulistano que o elegeu, aquele mais afeiçoado aos tucanos conjugado com a parcela egressa do malufismo.

Quanto ao partido, este não veio ao mundo para dividir poder. Se Kassab pensa que com meia dúzia de gentilezas faz o PT se desviar um milímetro de seus planos hegemônicos, basta um telefonema ao PMDB para saber como funciona a coisa.

Conjunto da obra. Note-se que Mário Negromonte saiu do Ministério das Cidades depois de longa agonia, mas, sobre a razão explícita e específica de sua demissão, o governo não deu palavras. Deixou que apenas vicejassem versões.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Pente fino, mas nem tanto:: Eliane Cantanhêde

Depois de se declarar "mais firme do que as pirâmides do Egito", Mário Negromonte desabou do Ministério das Cidades ao ruírem seus três pilares: o PP, o governador Jacques Wagner (BA) e a presidente. Virou pó no deserto.

Se ele saiu mal, seu sucessor, o também deputado Aguinaldo Ribeiro (PB), não entrou muito melhor. Dilma preferia Márcio Fortes, que já foi ministro. O PP, dividido, lhe impôs Ribeiro. E quem fez o anúncio do seu nome não foi o Planalto, e sim o presidente do partido, Francisco Dorneles. Soou como demonstração de força -em cima da presidente.

Se Dilma entrega ministros enrolados à própria sorte, é bem mais cautelosa ao tratar os partidos deles. Como regra, os ministros voltam para casa, mas os partidos continuam com a chave do gabinete e do cofre, apenas vigiados de perto por alguém de confiança do Planalto. O problema só muda de figura e de nome.

Com Aguinaldo Ribeiro no lugar de Negromonte, a premissa parece mais do que verdadeira, e os motivos vêm de longe. Pode-se argumentar, com razão, que ninguém responde pelos atos e crimes do avô e que pode acontecer nas melhores famílias ter um coronelzão citado em dois livros do governo federal por envolvimento no assassinato de líderes camponeses. Mas não é tão simples.

Ribeiro tem boa cara, mas vem de uma cultura em que os nomes, os mandatos, não raro os métodos e, sobretudo, o poder passam de pais para filhos, de avós para netos. A herança costuma incluir uma farta distribuição de cargos públicos para a parentada. Daí a surgirem escândalos é um passo -ou uma reportagem.

Ao abdicar de Márcio Fortes e engolir Aguinaldo Ribeiro, Dilma sabia o que estava fazendo: o governo passou um "pente fino" no histórico do novo ministro. Só que, como os partidos têm cada vez menos opções e os cargos têm que ser dos partidos, os "pentes" vão ficando cada vez mais largos, flexíveis, convenientes.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

As eleições municipais e seu lugar:: Fabiano Santos

Não há controvérsia sobre o que marcará a política brasileira neste novo ano. O grande acontecimento de 2012 será o pleito eleitoral para prefeituras e câmaras municipais. Em breve, o foco das principais lideranças partidárias, bem como de congressistas e governantes, estará voltado para o desempenho de seus candidatos nas pesquisas e demais desdobramentos típicos de campanhas eleitorais. Tema sempre presente nas análises em tal período é o dos impactos destas eleições sobre os próximos embates no nível federal. Depois de muita discussão e pesquisa empírica parece que se chegou a um consenso sobre o ponto: não há nenhuma inferência consistente que se possa fazer a respeito de eleições presidenciais futuras tendo como ponto de partida os apoios recebidos por candidatos e agremiações nas eleições municipais pretéritas.

Não obstante tal consenso, muito ainda se fala a respeito da natureza do poder local no país e sua capacidade de configurar os alinhamentos e clivagens existentes em âmbito nacional. Em algumas análises, o argumento é levado ao exagero: nada se pode saber sobre a política brasileira em escala nacional sem adequado entendimento a respeito do que se passa no contexto dos municípios, por menores que sejam. O conhecimento sobre a dinâmica política brasileira dependeria, em suma, de correta análise sobre motivações, atitudes e decisões das elites que controlam a vida política nas pequenas e médias cidades, algumas vezes chamadas de grotões.

Interessante observar como a imagem de um Brasil paroquial e pautado pelo predomínio de elites assentadas no controle de recursos econômicos em âmbito local ainda exerce influência sobre nosso imaginário. Interessante observar a resistência de preconceitos que permeiam a visão que temos de nossa vida política, mesmo diante de evidências coletadas e corretamente analisadas.

Disputa monta as redes de apoio para as eleições federais

Nada existe de mais equivocado sobre a vida política contemporânea em nosso país do que afirmar que ela dança conforme as idas e vindas de clivagens e alinhamentos no contexto local. Muito importante e decisivo no desenlace e desdobramentos da Revolução de 30, o debate hoje é certamente anacrônico. Na famosa disputa entre Nestor Duarte, importante Constituinte de 45, pelo Estado da Bahia, autor do clássico "Ordem Privada e a Organização Nacional", e Vitor Nunes Leal, o grande jurista mineiro, autor da clássica resposta a Duarte, "Coronelismo, Enxada e Voto", este último saiu-se vitorioso. Para o primeiro, o entrave para a evolução política nacional consistiria em seu fundamento, o poder local, o município, marcado pelo predomínio de chefes locais, latifundiários desprovidos de visão nacional dos problemas do país. Nunes Leal, na contrafacção, mostrou o inverso - o que caracterizaria a evolução do cenário político brasileiro seria uma lenta e contínua centralização dos recursos em mãos do poder central, tornando a competição política nos pequenos municípios pautada pelos interesses das elites que comandam níveis superiores da organização federativa. O assim chamado coronelismo seria essencialmente uma manifestação política da decadência econômica enfrentada pelas oligarquias rurais.

Décadas depois da famosa controvérsia, análises recentes comprovam de maneira ainda mais cabal o acerto da visão de Vitor Nunes Leal e o equívoco dos que veem no dia a dia da política local a chave para o entendimento da política em âmbito nacional. Pouquíssima margem de manobra resta para prefeitos e vereadores no que tange decisões de gasto em torno de políticas públicas fundamentais, como saúde e educação. O mesmo vale para políticas de arrecadação e contratação de pessoal. O controle sobre o manuseio de verbas públicas é cada vez mais estreito e sofisticado, reduzindo margens para a corrupção e utilização de verbas para patronagem. Maneira alternativa de ver a questão consiste em observar o peso que hoje tem para o sucesso de administrações locais um bom entrosamento da gestão municipal com os demais entes federativos. Os políticos que optam, uma vez eleitos para a chefia do Executivo municipal, por estabelecer uma relação de tensão e contraste com o governador e a Presidência da República acabam colhendo poucos frutos em termos de resultados de gestão. Incorrem, ademais, em severo risco de terem seus mandatos caracterizados como fracassos retumbantes.

Não surpreende, pois que partidos e ideologia sejam, com a exceção do que ocorre nas grandes cidades, de pouca utilidade em eleições locais - tais categorias pouco informam sobre o que chefes de Executivos e representantes locais farão uma vez eleitos. Suas escolhas alocativas em temas de responsabilidade local encontram-se, em boa medida, balizadas por princípios legais, sendo alvo de constante monitoramento da parte do governo central e seus órgãos de acompanhamento. O mesmo vale para cursos de ação pretendidos no âmbito extrativo, de coletagem de impostos, e de pessoal. Não surpreende, portanto e ainda, que haja intenso troca-troca de partidos entre políticos que competem no nível local - tais movimentos nada mais indicam do que uma busca de orientação política, dadas alterações ocorridas na correlação de forças no nível nacional.

A pergunta que se faz é então: não teriam as eleições municipais nenhum significado político mais amplo? Seriam as eleições para a prefeitura nada mais do que uma eleição para síndico, apenas em escala mais ampla? Não devemos incorrer no erro oposto, isto é, a de descaracterizar as eleições locais como elemento importante do jogo político nacional. A natureza política da disputa é inarredável - trata-se, contudo, de detectar exatamente sobre qual dimensão do embate partidário e ideológico mais amplo podem incidir tais pleitos. De imediato me ocorrem dois impactos: a montagem de redes de apoio para as eleições de deputados federais, ponto bem anotado em artigo recente de Marcos Coimbra; e a socialização de lideranças políticas que almejem projeção em futuro próximo para a disputa política nacional. Outros certamente existem e serão lembrados pelos leitores. O que definitivamente devemos descartar é a expectativa de que algum grande segredo sobre a política nacional possa advir das eleições de 2012.

Fabiano Santos é cientista político, professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Eleições e cidade inteligente:: Fernando Gabeira

Este ano é de eleições municipais. Elas costumam ser mais empolgantes do que algumas presidenciais. Estimuladas pela proximidade dos problemas, as pessoas acompanham mais, opinam mais e pedem mais mudanças.

Não dá para prever uma eleição com base na anterior, pois, assim como as batalhas militares, eleições não se repetem. O momento é de satisfação econômica e desânimo com a política. Mas a crise das metrópoles assusta, como se viu na cracolândia, em São Paulo, ou na queda de três prédios no centro do Rio.

O desenvolvimento econômico resolve muitos problemas, mas agrava alguns e cria outros. Por mais que a imagem dos políticos tenha decaído, é temerário fechar os olhos para as eleições municipais.

Existe algo a favor: nunca os meios tecnológicos para uma gestão inteligente foram tão desenvolvidos como agora. E uma das primeiras grandes contradições está precisamente entre o avanço desses meios e a cabeça de grande parte dos políticos.

Vi de perto duas experiências que merecem ser avaliadas: nas cidades de Curitiba e do Rio de Janeiro foram montados centros de controle e tomada de decisão capazes de recolher grande número de dados, monitorar câmeras, expor mapas - enfim, um aparato capaz de reunir o maior número de informações para uma tomada de decisão. O centro no Rio foi montado com a ajuda da IBM, no seu programa global de cidades inteligentes. O de Curitiba é mais antigo, mas desenvolveu mais a interação com os moradores.

O sistema paranaense dispôs-se a responder a qualquer reclamação em 48 horas. Os moradores são atendidos e convidados a se inscrever como colaboradores. Quando há uma intervenção urbana com repercussão na vida da comunidade, o governo já tem geoprocessados os colaboradores da área, que são consultados sobre o projeto.

No caso do Rio, a energia maior está concentrada na gestão de desastres naturais e na intervenção num trânsito cada vez mais lento por causa das grandes obras. A recente queda dos três prédios levantou o problema da fragilidade da fiscalização, que só pode ser superada com o esforço coletivo.

Buenos Aires viveu um desastre semelhante e encontrou uma solução inteligente: pôr à disposição, na internet, todas as licenças de obras na cidade. Isso abre a possibilidade de cada indivíduo se informar a respeito de alguma obra que tenha repercussão na sua vida e na de sua família. Se não houver licença, ele pode notificar as autoridades.

No caso de prédios caídos, o sistema ajuda também a definir responsabilidades. A notificação de uma obra sem licença, em caso de desastre, é uma prova contra o governo. Em zonas urbanas degradadas, como a cracolândia, a interação com moradores é igualmente vital para avaliar a teoria da janela quebrada: segundo ela, se não a consertamos, a tendência é que as outras janelas sejam quebradas também.

Um dos problemas que os novos prefeitos encontrarão é exatamente dar resposta rápida ao surgimento dessas áreas degradadas. As eleições terão de abordar outros temas além dos que se destacaram neste início de ano. Em todos eles, principalmente no da sustentabilidade, a escolha estratégica por uma cidade inteligente deveria ser levada em conta.

Os governos encontram em 2012 uma nova realidade social. Milhões de moradores das metrópoles têm acesso à internet e se integram em redes sociais. Não se deve temê-los por desejarem ter acesso aos dados do governo, mesmo porque os que querem transparência já venceram no plano legal, somente esperam que o governo se organize para cumprir a lei. Deve-se é respeitá-los, pelo potencial de contribuição, sobretudo nos momentos caóticos, em que as metrópoles se tornam grandes e complexas demais para os recursos mentais do governo.

Faz alguns anos que se repete a tese de que, numa região metropolitana, uma cidade, sozinha, não resolve os seus problemas. Mas não se avança na construção de uma governabilidade mais ampla. Os novos instrumentos podem contribuir para o primeiro passo: a troca de dados. Que pode evoluir para operações mais complexas, como, por exemplo, a compra conjunta de remédios, com potencial de reduzir o seu custo em 20%.

Claro que a corrupção sempre ronda projetos desse gênero. Mas, embora não seja uma panaceia, o novo instrumento é o mais indicado para se obter a transparência. Essa necessidade de transparência poderá ser um tema importante em cidades como Campinas, Teresópolis e Friburgo, onde prefeitos foram afastados, acusados de corrupção.

Traumas urbanos, traumas éticos. Certamente as cidades que comparecem às urnas estão mais amadurecidas para participar de um tipo mais inteligente de governo. Inteligente não apenas porque utiliza instrumentos tecnológicos, mas porque se enriquece com a inteligência social.

Isso pode parecer ingenuamente otimista. Diante desse argumento, só posso responder com as condições combinadas: problemas urbanos cada vez mais complexos, novos e poderosos instrumentos tecnológicos de gestão e uma sociedade mais ligada. Ignorar essa conjunção, representa quase o mesmo que ignorar nos programas para as cidades litorâneas a tendência à elevação do nível do mar. Aliás, nas cidades pernambucanas de Paulista, Jaboatão e Recife, de certa forma, o futuro já chegou: o avanço do mar é visível há alguns anos.

Que vengan los toros. Mas depois do carnaval. É quando se começa a notar a presença dos candidatos. E avaliar como se comportam diante de novas realidade, como os desastres climáticos, por exemplo. Palco de um debate indispensável sobre o destino de suas cidades, o Brasil abriga ainda em 2012 a Rio+20. Sua agenda - combate à miséria, economia verde, sustentabilidade, proteção dos mares - pode entrelaçar-se com o debate metropolitano.

Há muito que esperar do processo eleitoral de 2012, embora um morador do Rio tenha ainda de se guardar para as visitas do Sobrenatural de Almeida, o personagem de Nelson Rodrigues. E ele não respeita fronteiras.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Lançamento do Livro Werneck Vianna, em S. Paulo - Convite

O engasgo da Petrobras :: Rogério Furquim Werneck

Ao dar por encerrada a longa permanência de José Sérgio Gabrielli na presidência da Petrobras, o Planalto deflagrou saudável debate na mídia sobre as dificuldades que a empresa vem enfrentando, para cumprir a parte que lhe cabe no problemático modelo de exploração do pré-sal.

Nesse modelo, exigiu-se, de um lado, que a Petrobras tivesse monopólio da operação dos campos do pré-sal e participação de pelo menos 30% em cada consórcio que viesse a explorar tais campos. E, de outro, que arcasse com a "nobre missão" de desenvolver a indústria de equipamentos para o setor petrolífero no país.

Tais atribuições vêm impondo enorme ônus à Petrobras. Com necessidades de investimento brutalmente sobrecarregadas, a empresa teve de apelar para uma ruidosa operação de capitalização em 2010, envolvendo nada menos que R$ 75 bilhões de preciosos recursos do Tesouro, que, num país de tantas carências, poderiam ter tido destino incomparavelmente mais nobre. E, mesmo com esse aporte tão generoso, a empresa continua engasgada com as funções que lhe foram atribuídas.

Como todos os campos do pré-sal têm de ser operados pela Petrobras e, em cada consórcio, a empresa tem de manter participação mínima de 30%, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) tem sido obrigada a postergar o anúncio de novas licitações para não sobrecarregar em demasia a estatal. Tal sobrecarga vem sendo agravada pelo vertiginoso encarecimento dos custos de investimento que a empresa vem tendo de absorver, para cumprir a "missão" de desenvolver a indústria nacional de equipamentos para o setor petrolífero. Na especificação dessa "missão", a insensatez que pautou a concepção do modelo de exploração do pré-sal assumiu proporções assustadoras.

A exigência de que os equipamentos utilizados no pré-sal tenham nada menos que 65% de conteúdo nacional vem tendo efeitos devastadores sobre custos e prazos dos projetos.
A experiência ilustra de forma lapidar a enorme distância que pode separar intenções e resultados, na condução de políticas públicas. Ao dar asas à ideia de dar à Petrobras sólido controle da exploração do pré-sal e, ao mesmo tempo, transformá-la num poderoso cartório de distribuição de benesses a produtores de equipamentos, o governo estava fascinado com os enormes benefícios políticos que poderia extrair desse arranjo. O que antevia era uma gigantesca operação de "parceria" com o setor industrial, em que a estatal controlaria "o cofre das graças e o poder da desgraça", para usar a forma inspirada com que Victor Nunes Leal caracterizou, há mais de 60 anos, os poderes da situação política dominante no interior do país.

Mas as contradições do modelo não tardaram a aflorar. E o que agora se vê não é bem o que o governo esperava.

No fim do ano passado, horrorizada com os preços preços de contratação de sondas marítimas de perfuração de alta tecnologia, a Petrobras se viu obrigada a parar tudo e simplesmente cancelar a licitação. O que fez acender a luz vermelha no Planalto.

A engenheira Maria das Graças Foster, que deverá assumir a presidência da Petrobras, vem sendo descrita na mídia como pessoa determinada e com grande disposição para levar adiante as mudanças que se fazem necessárias na empresa. Será muito bom se puder fazer bom uso da ascendência que parece ter sobre a presidente Dilma Rousseff, para fazer ver ao Planalto que o modelo de exploração do présal, concebido no calor da precoce mobilização do governo com a eleição de 2010, precisa ser repensado e flexibilizado.

Não faz o menor sentido — nem para a Petrobras nem para o Brasil — que grande parte do excedente potencial do pré-sal acabe dilapidada em faustoso programa de favorecimento à produção local de equipamentos Será lamentável se a determinação da nova presidente da Petrobras se traduzir apenas na disposição de pagar o que for necessário pelos equipamentos, por proibitivos que sejam os preços, para cumprir a qualquer custo o cronograma de investimento da empresa.

Não é desse tipo de "eficiência" que o país precisa.

FONTE: O GLOBO

Uma novidade para investir:: Vinicius Torres Freire

Novo papel abre fonte de fundos para empresas e cria opção de investimento sem IR para pessoas físicas

Enfim começou a caminhar uma invenção dos governos Lula/Dilma que pode se transformar em novidade séria no financiamento privado de grandes obras de infraestrutura e em uma opção rentável de investimento mesmo para o poupador comum, pessoa física.

Na semana final de janeiro, a Secretaria de Aviação Civil e o Ministério dos Transportes regulamentaram negócios com debêntures de infraestrutura. Não é preciso se assustar com o nome horroroso da coisa.

Debênture é um título de crédito, enfim, um tipo de empréstimo que se faz a uma empresa. Por meio da compra desse título (ou da cota de um fundo de investimento que tenha esses títulos), será possível investir, por enquanto, nos aeroportos que serão privatizados na semana que vem (Guarulhos, Viracopos e Brasília) ou em projetos de transporte.

Mais tarde, está aberta a possibilidade de aplicar em transporte urbano, energia, telecomunicações ou saneamento, por exemplo. E daí?

Para começar pelo simples: pessoas físicas não pagarão Imposto de Renda sobre o rendimento de tais papéis, que vêm sendo chamados de DIs (debêntures de infraestrutura), ou de fundos que tenham ao menos 85% investidos nesses títulos. Pessoas jurídicas pagariam 15%.

Com a taxa de juros real rondando 4,5%, com os fundos de investimento oferecidos por bancos rendendo ainda menos e a poupança rendendo nada, pode se tratar de uma opção de aplicação financeira interessante. Lembre-se que sobre aplicações financeiras em geral incide IR de 15% a 22,5%, a depender do prazo do investimento.

Por ora, não sabemos nada a respeito de rentabilidades, claro. É preciso que sejam criadas empresas dirigidas para um investimento "aprovado" pelo governo (Sociedades de Propósito Específico, SPEs), é preciso conhecer o retorno possível do empreendimento e que o papel seja colocado no mercado.

Sabe-se apenas, de interesse mais prático, que os papéis terão prazo médio de quatro anos e que os juros serão prefixados (isto é, sabemos o rendimento nominal de antemão).

Mas a coisa, enfim, andou. Começou como medida provisória no penúltimo dia do governo Lula (a MP 517), que se tornou lei apenas em junho de 2011 (lei 12.431, para quem quiser consultar), a qual foi regulamentada em novembro de 2011 (decreto 7.603). Agora, ministérios e secretarias do governo passaram a regulamentar como será possível criar na prática as SPEs e seus papéis.

Quais empreendimentos poderão emitir debêntures? Investimentos em infraestrutura ou em empresas intensivas em pesquisa e inovação, desde que o negócio seja considerado "prioritário" pelo governo.

Como a aplicação nas DIs a princípio é interessante (o imposto é menor, o investimento não é enrolado e as alternativas são cada vez menos rentáveis), pode aparecer aí um modo de as empresas tomarem dinheiro emprestado a taxas decentes, sem pedir fundos ao BNDES.

Em vez de emprestar dinheiro ao governo, empresta-se a empresas.

Note-se que, quando aplicamos em fundos de investimento "de bancos", nos mais comuns, ao menos, apenas emprestamos dinheiro ao governo por meio de um intermediário, que faz as operações por nós: o fundo administrado pelo banco.

Sim, por ora, a coisa apenas promete. Mas, enfim, é uma novidade.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O custo da indústria:: Celso Ming

Todos os dias o noticiário vai sendo martelado por informações de que o setor produtivo brasileiro (e não só a indústria) vai ficando inviabilizado por seus custos excessivos.

Ontem, por exemplo, o brasileiro ficou sabendo que o governo Dilma decidiu romper o acordo automotivo com o México, porque as importações de veículos made in Mexico estão tomando o mercado do produto brasileiro.

As queixas são recorrentes. Vêm do setor produtor de máquinas, passam pela área têxtil, surgem na indústria eletrônica e se estendem até aos produtores de brinquedos. Na semana passada, o presidente da Embraer, Frederico Curado (foto), advertia em Davos, durante o Fórum Econômico Mundial, que o gasto com mão de obra no Brasil estava ficando proibitivo para sua empresa. Segunda-feira, o Estado publicou que a execução do programa Minha Casa, Minha Vida vem se tornando difícil dado o aumento dos custos de terrenos, materiais e da mão de obra - até há alguns anos, considerada das mais baratas do mundo.

Não é de hoje que o setor produtivo tem esses problemas, mas, em vez de buscar soluções, prefere eleger culpados. Entre eles, o mais citado é o câmbio, "sempre defasado em, pelo menos, 30%" - como já nos anos 70 reclamava o então presidente da Duratex, Laerte Setúbal, fosse qual fosse a cotação do dólar. Lá pelas tantas, o governo tratava de "dar câmbio" para devolver algum mercado para a indústria, no entanto, até agora, não houve câmbio que chegasse. (Para o caso dos veículos do México, veja ainda o Confira.)

Além do câmbio, são apontados outros culpados: chineses, coreanos, crise global (que empurra encalhes de mercadoria para o Brasil) e, agora, mexicanos, que conseguem a proeza de enfiar cada vez mais veículos e autopeças nas tabas tupiniquins.

Não é preciso ter QI de Ph.D. para desconfiar que o buraco é mais embaixo. E não custa bater no mesmo bumbo em que esta Coluna vem batendo. O grande problema do setor produtivo brasileiro chama-se custo Brasil. Com algumas diferenças, é a mesma lista de barreiras à produção há mais de 50 anos: carga tributária insuportável; quarta mais cara energia elétrica do mundo; juros escorchantes; encargos sociais cada vez mais altos (de que se queixa o presidente da Embraer); e infraestrutura cara e precária.

Nos últimos anos, foram os serviços que passaram a custar o olho da cara. Faz sentido pagar de R$ 20 a R$ 30 por uma hora de estacionamento em São Paulo? Por que tarifas de banda larga e telefone no Brasil estão entre as mais caras do planeta? Por que se cobra R$ 1,6 mil para impermeabilizar dois metros lineares de caixilhos? Por que qualquer assistência técnica tem preços elevados? E o que tem a ver o câmbio com essas maluquices?

Com esses diagnósticos capengas, em vez de tratar de derrubar o custo Brasil, o governo Dilma vai enveredando para o protecionismo tosco, à la Argentina, e para opções de reserva de mercado, porque já não pode mais "dar câmbio" para compensar esses desequilíbrios. É o que faz agora, especialmente na indústria têxtil e na de veículos.

Durante certo tempo, esses artifícios reduzem o afluxo de importados. Mas não restabelecem a competitividade do setor produtivo nacional no mercado externo.

CONFIRA

No gráfico, a trajetória do peso mexicano ao longo de 2011. Sua valorização em relação ao dólar foi, no ano passado, alguma coisa maior do que a do real (também em relação à moeda americana): de 12,9%, enquanto a do real foi de 12,6%. São números que desmancham o argumento de que a baixa competitividade do veículo brasileiro em relação ao mexicano seja “o câmbio brasileiro fora do lugar”. E é um elemento a mais para comprovar que o automóvel brasileiro perde mercado até para o veículo mexicano, porque os custos industriais de produção do México são mais baixos do que os do Brasil.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

É bolha ou melhora?:: Míriam Leitão

As autoridades da Europa e dos organismos multilaterais falaram muito de crise desde a virada do ano. Ontem, de novo o FMI alertou que a América Latina deve "se preparar para o pior". Mas a Petrobras conseguiu uma captação recorde de US$ 7 bilhões, há empresas se preparando para abrir capital na bolsa e o mês de janeiro foi de disparada de valorização de vários ativos. É bolha ou melhora?

O diretor para Hemisfério Ocidental do FMI, Nicolás Eyzaguirre, disse em seu blog que a economia da América Latina não conseguirá escapar este ano dos efeitos da crise internacional. Mas em janeiro abriu-se uma janela de oportunidade que ainda não se fechou.

O mês de janeiro foi um sonho para os investidores. Juros em queda, aumento da circulação de moeda, apetite por risco novamente em alta. O Ibovespa fechou o mês de janeiro com alta de 11,1%. Em dólares, 19,9% de alta porque o real foi a moeda que mais se valorizou. As commodities metálicas fecharam o mês com alta de 15,4%. A bolsa da Rússia subiu 8%, a de Xangai, 10,6%, e a da Alemanha, 9,5%. O cobre subiu 10%, a prata saltou 19%, o ouro, 11%. Algodão e petróleo se contentaram com 4,2% e 3,8%. Somente em janeiro entraram na bolsa brasileira US$ 7,1 bilhões, a maior enxurrada desde 2009.

Há um pouco de melhora e um pouco de bolha na valorização de vários ativos nas últimas semanas. O Banco Central Europeu conseguiu evitar aquele cenário de fim de mundo quando ofereceu dinheiro barato sem limites para os bancos. Foram 500 bilhões e haverá novo leilão este mês de mais 500 bilhões. Quis evitar um novo Lehman Brothers, mas pode alimentar a formação de bolhas. Confira no gráfico abaixo a expansão monetária do BCE.

A Brasil Travel está se preparando para o primeiro IPO (abertura de capital) de uma empresa brasileira em seis meses. A diretora de relações com empresas e institucionais da BM&F Bovespa, Cristiana Pereira, diz que a janela de oportunidade não é garantia de que o mundo tenha melhorado:

- Não houve melhora significativa na economia mundial. Há realocação de recursos. Fundos de investimento estrangeiros tendo que buscar rentabilidade em um contexto de juros baixos nos seus países. Então eles buscam mercados que tenham algum tipo de crescimento.

O desempenho dos setores prova isso. Os considerados de proteção tiveram baixo desempenho, os de maior risco subiram mais. O setor de telecomunicações fechou com 0,4% de queda, e o de energia elétrica, com magros 2% de alta. Já a construção civil disparou 18%. Subiram também petróleo e gás, 17,8%; e siderurgia e mineração, 14,6%.

Para o analista-chefe da XP Investimentos, Rossano Oltramari, a alta atingiu setores que não estão necessariamente com bom desempenho:

- A construção civil subiu muito em janeiro, apesar da redução na venda de imóveis e o resultado ruim de algumas construtoras. O apetite por risco fez os investidores correrem para mercados que tinham caído mais.

Fábio Silveira, da RC consultores, disse que a ação do BCE foi semelhante à do Fed. Jogou dinheiro no mercado emprestando aos bancos a 1% por três anos. Isso aumentou a quantidade de euros em circulação e os bancos e investidores aplicam parte desses recursos em ações ou commodities.

A euforia tem que ser temperada com a cautela, avisa a consultoria inglesa Capital Economics e dá um exemplo. O cobre subiu 10% mas os índices de produção industrial da Europa e do Japão mostraram queda, o que significa menor consumo do produto.

Paulo Bittencourt, consultor da Apogeo Investimentos, acha também que é preciso não se deixar levar pela euforia porque a economia brasileira teve forte desaceleração no ano passado:

- Foi um bom começo de ano, mas não podemos achar que será assim o ano todo. Dos Brics, o Brasil é o país com maior estabilidade e previsibilidade, mas os dados de atividade decepcionaram. A indústria andou de lado, o comércio começou a dar sinais de perda de fôlego com o maior patamar de endividamento das famílias. Houve aumento de inadimplência em algumas carteiras de crédito, como a de automóveis, por exemplo.

A boa notícia é que o pior foi evitado na Europa, até agora. Mas estamos ainda no terreno da volatilidade em que bolhas se formam com facilidade.

FONTE: O GLOBO

Balança desbalanceada

O comércio exterior brasileiro estreou 2012 produzindo um rombo na balança comercial como não se via há 39 anos em meses de janeiro. O mau resultado representa a outra face de uma moeda conhecida: o enfraquecimento da indústria nacional. As perspectivas são cada vez mais sombrias.

Em janeiro, o déficit comercial foi de US$ 1,29 bilhão, o maior para o mês desde 1973 e o primeiro resultado negativo na balança brasileira em dois anos. Com isso, inaugura-se um ano em que o desempenho do comércio internacional do país certamente será cadente.

Estima-se que o Brasil só conseguirá produzir um pequeno superávit em 2012 - se conseguir. Os cálculos variam, mas indicam que o saldo pode cair a apenas US$ 3 bilhões, no prever da Associação de Comércio Exterior Brasileiro (AEB). Será uma reversão expressiva ante os US$ 29,8 bilhões de saldo de 2011 e, mais ainda, ante os US$ 40 bilhões registrados em 2007.

As transações comerciais brasileiras com o exterior estão cada vez mais dependentes de produtos básicos. No geral, as matérias-primas já somam 62% das exportações nacionais. Mais que isso, dentro das cadeias dos produtos mais importantes da nossa pauta vende-se cada vez mais os itens de menor valor agregado. Por exemplo, comercializa-se mais soja em grão do que óleo e farelo; mais açúcar em bruto do que refinado.

Além disso, a dependência em relação à China é crescente e cavalar: do saldo obtido no ano passado, 39% deveram-se ao país asiático. E do que segue para lá, nada menos que 84% são commodities e matérias-primas. Somos hoje, em termos comerciais, a colônia e eles, a metrópole.

Neste janeiro, como os chineses diminuíram suas compras de minério de ferro, o resultado da balança brasileira despencou, indicando quão o nosso desempenho externo está ligado a Pequim. Também pesou a crise que assola a União Europeia, que neste início de ano comprou 25% menos do Brasil do que em janeiro de 2011.

A outra face da moeda do desbalanceado comércio exterior brasileiro é o enfraquecimento da produção industrial nacional, que cada vez mais perde espaço para concorrentes estrangeiros. No ano passado, a participação dos produtos importados no consumo interno de bens industriais atingiu recorde de 22,8%, mostra o Valor Econômico.

Ou seja, praticamente uma de cada quatro peças consumidas nos processos produtivos internos veio de fora. Há nove anos, apenas uma em cada dez (11,1%, para ser mais preciso) era importada, segundo cálculos da LCA Consultores.

Em alguns segmentos, a penetração externa é ainda mais contundente. Nos têxteis, por exemplo, um quarto do consumo interno é atendido por concorrentes estrangeiros. Em 2011, enquanto a fabricação local diminuiu 15%, o volume importado pelo setor cresceu 8,8%. Consequência direta é que 15 mil a 20 mil postos de trabalho foram fechados nas tecelagens.

A indústria brasileira padece de males conhecidos, como altos custos de financiamento, logística deficiente e câmbio desfavorável, para falar apenas dos mais gritantes. Neste ambiente, não surpreende que o nível de produção atual do setor seja praticamente o mesmo de setembro de 2008, quando eclodiu a crise mundial que ainda não se dissipou.

"Todo o desempenho ao longo desses mais de três anos só nos fez recuperar o patamar alcançado então. O PIB deve ter acumulado um crescimento de cerca de 10% no período, mas a indústria parou", escreveu Antonio Corrêa de Lacerda ontem na Folha de S.Paulo.

Diante de resultados tão feios, o governo federal voltou a prometer medidas para melhorar o desempenho exportador brasileiro. Fala-se, mais uma vez, em ampliação de financiamento, simplificação de trâmites e incentivos para que empresas de menor porte exportem. Nenhuma novidade, portanto.

Não é de hoje que promessas desta natureza vêm sendo reiteradas, mas quase nada produziram de relevante até agora. Um dos exemplos mais emblemáticos é a dita "política industrial" batizada de Brasil Maior. Por ora, sequer os setores que seriam beneficiados pelo programa com reduções tributárias receberam o que o Planalto prometeu. O máximo que se produziu foram indesejáveis barreiras protecionistas tópicas.

A regressão da indústria nacional tem impactos negativos diretos sobre a obtenção de divisas para o país e, mais importante, sobre a geração de valor e a criação de empregos de melhor qualidade. O recuo do setor já vem se dando há bastante tempo a olhos vistos. As oportunidades para agir estão acabando.

FONTE: INSTITUTO TEOTÔNIO VILELA

Roberto Silva - Se acaso você chegasse

STF devolve ao CNJ poder de investigar e punir juízes

Decisão por seis a cinco mostrou divisão do tribunal, mas esvazia crise

Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) devolveu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o direito de iniciar investigação contra juízes por desvio de conduta, independentemente de ações nas corregedorias dos tribunais estaduais. Em dezembro, o ministro Marco Aurélio Mello dera liminar restringindo a investigação às corregedorias. O CNJ só poderia atuar em caso de omissão dos órgãos locais. A decisão de ontem reduz a tensão entre o tribunal e o CNJ. Durante a sessão, o relator Marco Aurélio Mello e os demais ministros que queriam limitar a atuação do CNJ chegaram a propor um acordo, mas a maioria não concordou. O Supremo também decidiu sobre outras normas do CNJ e liberou, por exemplo, que o julgamento de juízes seja aberto.

STF mantém poderes do CNJ

Por seis votos a cinco, Corte decide que Conselho pode investigar juízes antes das corregedorias

Carolina Brígido e Catarina Alencastro

Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) devolveu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o direito de iniciar investigação sobre juízes por desvio de conduta.
Em dezembro, o ministro Marco Aurélio Mello havia dado liminar restringindo essa tarefa às corregedorias dos tribunais locais. O CNJ só poderia atuar em caso de omissão dos órgãos. Foi a estreia da ministra Rosa Maria Weber, que votou em prol do conselho.

A decisão esvazia a crise instaurada entre o STF e o CNJ, cujos membros vinham trocando farpas em público e nos bastidores. A tensão entre os dois órgãos começou em setembro, quando a corregedora do conselho, ministra Eliana Calmon, disse que havia "bandidos escondidos atrás da toga", em protesto contra o risco de o CNJ ser esvaziado. O presidente do STF, Cezar Peluso, não gostou. Nem as associações de juízes.

A decisão de ontem foi tomada no julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade proposta em novembro de 2010 pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). A entidade contestou artigos da Resolução 135 do CNJ, que fixou regras para unificar a fiscalização dos tribunais e da atividade dos juízes. Ontem, em votação apertada e repleta de discussões acaloradas, o plenário do STF derrubou a liminar dada por Marco Aurélio.

Durante a discussão, o relator e os demais ministros que queriam limitar a atuação do CNJ chegaram a propor um acordo. A ideia era permitir que o conselho abrisse processos administrativos contra juízes mesmo antes da atuação das corregedorias locais, desde que justificasse essa atitude. Entre os motivos permitidos estaria, por exemplo, a falta de isenção do tribunal para julgar um integrante. A maioria dos ministros rejeitou a proposta.

— A motivação significa a exposição de um determinado motivo, o que geraria uma série de questionamentos que emperrariam o sistema.

Não é necessária a motivação formal. Seria uma fonte de embaraço, não de maior eficiência — argumentou Cármen Lúcia.

— A intervenção do CNJ, tendo por pressuposto a existência de um vício, tem que estar justificada. Como todos os órgãos são falíveis, pode ser que o conselho também erre.

Não consigo entender a resistência à necessidade de motivar. Não há mutilação nenhuma de competência — respondeu Peluso.

Estreia com voto decisivo

A primeira a votar foi Rosa Weber. Marco Aurélio a inquiriu, de forma veemente, sobre a possibilidade de adesão à sua proposta.

Com o semblante assustado, a novata titubeou no início. Em seguida, foi socorrida por Gilmar Mendes, que sustentou sua posição contrária à medida. Educadamente, Rosa pediu a palavra em seguida e reforçou sua posição contrária ao relator. Até esse ponto do julgamento, a ministra limitava-se a manifestações breves.

Durante o julgamento, ficou claro que o plenário estava dividido: de um lado, cinco ministros defendiam com unhas e dentes que o CNJ só atuasse depois que as corregedorias locais abrissem investigação contra juízes. Além do relator, integraram o time Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Luiz Fux. Do outro lado, alinharam-se Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia e Rosa Weber.

— Até as pedras sabem que as corregedorias não funcionam quando se cuida de investigar os próprios pares. Jornalistas e jornaleiros dizem isso. Quando se exige que o processo comece na corregedoria do tribunal, se quer transformar o CNJ num órgão de correição das corregedorias. Isso é um esvaziamento brutal das competências do conselho — disse Gilmar Mendes.

— Uma única corregedoria não pode substituir as 90 corregedorias existentes e pagas pelos contribuintes — rebateu o ministro Marco Aurélio, ao defender a atuação prioritária dos órgãos fiscalizatórios dos tribunais.

O ministro Gilmar Mendes afirmou que as corregedorias trabalham mal. Ele lembrou que o CNJ foi criado para suprir essa deficiência.

O ministro ponderou que, limitando- se os poderes do conselho, todos os atos do órgão poderiam ser questionados: — Assumiríamos um sério risco.

Vamos ter um sem-número de nulidades de ações do conselho.

Vamos provocar insegurança jurídica! Ao fim das quase sete horas de julgamento, Peluso afirmou que o resultado do julgamento deixava implícito que as corregedorias dos tribunais eram acusadas de serem omissas. Segundo o presidente do STF, essa afirmação era muito grave, e o Judiciário não poderia ser conivente com essa falha.

Mesmo com tantas horas de discussão, o assunto não foi esgotado.

Na próxima quarta-feira, outros artigos serão discutidos. Um deles diz que, antes da decisão sobre a instauração de um processo disciplinar, o juiz terá prazo de 15 dias para defesa prévia.

Também será debatido um artigo que prevê o afastamento de magistrado antes da instauração do processo disciplinar. Por fim, o STF julgará a validade de norma que permite a aplicação de pena mais leve em caso de não haver maioria absoluta na escolha de uma punição contra juiz em processo administrativo.

Ao final do julgamento, o relator Marco Aurélio, derrotado na principal votação, ironizou: — Só falta agora o CNJ mandar o Supremo sair do prédio

FONTE: O GLOBO