sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Um morde e a outra assopra - Maria Cristina Fernandes

São dois os principais combustíveis de quem quer atazanar a vida da presidente Dilma Rousseff em 2014: a insatisfação de Estados e municípios com a perda de repasses decorrente da desoneração da produção e a desconfiança de investidores em relação ao tempo de maturação das medidas tomadas pelo governo para aquecer a economia.

Nesse paiol, qualquer fagulha se alastra rapidamente. Daí o barulho provocado pela notícia de que o Ministério Público é guardião de depoimento que coloca o guizo do mensalão no pescoço do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É tudo o que muitos - e não apenas da oposição - sempre aguardaram.

Rosemary Noronha está aí para lembrar não apenas as fronteiras de taipa entre público e privado como também que a busca pelo Fiat Elba do lulismo ainda está muito longe de acabar.

Vinte anos de denuncismo acabam com a memória de qualquer um. Foi um Fiat Elba que comprovou Fernando Collor de Mello como beneficiário do esquema montado por Paulo César Farias.

A bonança econômica e o ativismo político do governo Lula ajudaram a abortar a ideia de impeachment. Hoje os principais prejudicados por uma ação judicial contra o ex-presidente seriam a sucessora e seu partido.

Dilma e Lula jogam para manter aliança de poder

Com Lula desarmado, o PT perderia o amálgama e a capacidade de aglutinar a aliança que mantém Dilma no poder. É a esta arapuca que ambos começaram a reagir. E ainda é muito cedo para dizer se o fazem com prumo, mas não deve haver dúvidas de que jogam em dupla. Sempre que precisou jogar o lulismo ao mar, Dilma o fez em doses calculadas para manter o controle da nau frequentemente desgovernada pelas intempéries de seu primeiro biênio.

A dupla ataca nas duas frentes que ameaçam a sustentação do Planalto. De Paris e Brasília, Lula e emissários mandaram alguns recados. Ao dizer, de viva voz, que espera um dia receber votos de banqueiros e empresários, que "nunca ganharam tanto dinheiro" quanto em seu governo, Lula não está, necessariamente, assumindo-se candidato.

Nessa fase em que futuros contendores de Dilma colhem apoio junto ao capital, o discurso provocativo do ex-presidente em Paris, acrescido da reclamação de que banqueiros e políticos recebem tratamento desigual da imprensa, é um recado de que a profusão de denúncias contra si não o impedirá de ir à rua em defesa da reeleição de Dilma.

Essa disposição foi detalhada no gabinete mais lulista da Esplanada dos Ministérios, onde se soube que as caravanas da cidadania serão retomadas. Foi de lá também que partiu a informação que Lula se empenhará para demover o governador Eduardo Campos da disposição de se candidatar em 2014 com a promessa de que dali a quatro anos o PT o apoiará.
Enquanto Lula promete o que ninguém sabe se poderá entregar, Dilma usa a caneta e alguma política para baixar a fervura na Federação e no empresariado. Anunciou medida provisória para mudar o indexador da dívida depois de a política monetária de redução de juros ficar em gritante disparidade com a rolagem de dívida que há anos leva Estados e municípios a enxugar gelo.

Para não pender demais para a São Paulo de Fernando Haddad, o canto mais endividado da nação, Dilma também resolveu que não ia mais esticar a corda nos royalties do pré-sal.

Depois de vetar o projeto aprovado pelo Congresso, que incluía Estados e municípios não confrontantes como destinatários dos royalties do pré-sal já licitado, Dilma, face à evidência de que os vetos serão derrubados, lavou as mãos.

A derrubada dos vetos pode dar um fôlego fiscal mais imediato a Estados e municípios que, além da queda nos repasses federais, tiveram que arcar com uma pressão extra de gastos como o reajuste quatro vezes maior que a inflação no piso nacional dos professores.

A presidente não poderá ser acusada pelos produtores de jogar do outro lado, mas, com a provável derrubada dos vetos, ganhará fôlego na pressão federativa por maior redistribuição de receita.

Junto ao empresariado o esforço para aparar as arestas passa por tentar desfazer as impressões, alimentadas pelo próprio governo, de aumento exponencial do Estado na economia. Na privatização dos aeroportos, por exemplo, o governo acabará mantendo o modelo do primeiro leilão, em que o capital privado é majoritário, depois de ensaiar uma alternativa que deixaria o controle com a Infraero.

Também é mais amigável ao setor privado o modelo de leilão do trem-bala, além daquele que fará a concessão das ferrovias. Resta a briga pela aprovação das regras para a renovação das concessões de energia elétrica. O primeiro teste do modelo junto ao setor privado se dará hoje com o primeiro leilão de energia desde a aprovação da MP 579.

Há, de fato, um esforço para se desfazer impressões generalizadas de que este governo tem um viés mais estatizante que o anterior. Mas é difícil para o governo Dilma Rousseff convencer o mercado de que não é dirigista na regulação, o que só aumenta a pressão. Quem dirige não pode errar.

Na tentativa de reconquistar confiança, a presidente colheu, no Valor, dois depoimentos, ambos de ex-colaboradores tucanos.

Francisco Lopes, ex-presidente do Banco Central, citou o crescimento anual de 10% da venda de máquinas e equipamentos para duvidar que a economia tenha perdido sua capacidade de investir. No dia anterior (11/12), Yoshiaki Nakano, ex-secretário de Fazenda do governo Mário Covas, já havia dito que o mau humor dos investidores estrangeiros, verbalizado pela "The Economist", explica-se pela política que, nos últimos 15 meses, fez desaparecer os ganhos acima dos juros no mercado brasileiro.

É um apoio que ainda precisa ser encorpado para dar esteio à longa travessia da maturação de medidas. Desigualmente afetados, agentes econômicos e governos locais precisam de bons indicadores de crescimento para assistir à caravana de Lula passar.

A Fundação Getúlio Vargas publica trimestralmente um índice de confiança do Judiciário em relação a outras instituições. A lista é quase monótona de tão constante. As Forças Armadas sempre estão no topo e os partidos, na lanterna. Naquele divulgado ontem, o primeiro desde o início do julgamento do mensalão, o Judiciário foi a única instituição a perder posição. Caiu de 6º (42%) para 7º lugar (39%).

Fonte: Valor Econômico

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