quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Mal estar na democracia brasileira - Marcus André Melo

A despeito do regozijo coletivo com o desempenho do STF pelo julgamento do mensalão, há um mal estar entre os brasileiros. Avaliar a democracia em um determinado país exige a consideração preliminar de seu desenho institucional porque este embute trade offs importantes. Certos arranjos institucionais que favorecem a tomada de decisões implicam menor potencial de responsabilização. Da mesma forma, arranjos que garantem maior inclusividade implicam menor eficiência decisória, reduzindo a clareza de responsabilidade e debilitando os mecanismos de accountability. Maior participação de atores com poder de veto, por outro lado, podem garantir maior credibilidade às políticas e menos volatilidade, o que seria desejável em algumas áreas como regulação e política monetária.

Dependendo do critério pelo qual se realiza a avaliação, os resultados obtidos serão distintos.

As instituições não produzem corrupção ou ineficiência

A ciência política produziu nas últimas décadas várias tipologias de desenho institucional: sistemas políticos majoritários versus consensuais, de autoridade concentrada versus difusa, sistemas centrípetos versus descentralistas. As democracias do primeiro tipo - cujo paradigma é a Inglaterra - tendem a exibir governos de gabinete de partido único, bipartidarismo, legislativo unicameral, e estrutura territorial unitária. Além disso, tendem a adotar sistema eleitoral com distritos uninominais, e o poder judiciário exibe baixo ativismo, inexistindo revisão judicial (ou até constituição escrita). Nestes países há grande eficiência em levar a cabo reformas. E grande clareza de responsabilidade quando há fracasso ou sucesso. As democracias do segundo tipo tendem a adotar a representação proporcional e consequentemente prevalece o multipartidarismo e governos de coalizão. São ainda federativas, bicamerais e possuem um judiciário ativista com poderes de revisão judicial, além de contarem com constituições de elevada rigidez. Nelas o padrão é incremental.

Segundo Gerring, um grupo de 34 países de sua amostra de 124 democracias possui escore menor que 3, em uma escala de 0 a 6, que mede o vetor centrípeto. A grande maioria dos países europeus - inclusive Alemanha - está neste grupo. Com escore zero - o mesmo dos EUA - o Brasil é classificado como país com autoridade política difusa. Mas o sistema político brasileiro contém um forte elemento majoritário: um poder executivo forte constitucionalmente. O Brasil representa um caso de híbrido institucional.

Como estas características afetam o trade off referido acima?

Parte do mal estar no país em relação ao funcionamento das instituições reflete o seu desenho institucional. Mas parte importante não resulta dele mas de como o poder é exercido.

A percepção de que o processo político é marcado por um padrão incrementalista no qual as mudanças efetivas são difíceis de acontecer claramente decorre dos inúmeros pontos potenciais de veto no sistema (senão de veto pelo menos de "ruído "). E mais: processos erráticos de barganha e negociações envolvendo partidos, entes federativos e interesses regionais. Com seu fortalecimento, o STF e o Ministério Público converteram-se em ator fundamental em certas áreas cruciais de política, e passam a ser parte do jogo decisório. O padrão de tomada de decisões públicas certamente é moldado pelo desenho institucional. Alardeia-se em toda parte que o amplo leque de atores não tem produzido paralisia decisória ou ingovernabilidade. Mas há um mal estar generalizado.

Parte da malaise institucional origina-se também na baixíssima capacidade de responsabilização dos governos no qual outros atores podem sempre ser responsabilizados pelo insucesso ou por graves irregularidades. E não só os partidos da coalizão: também o Judiciário, a Constituição, governos subnacionais, agências de Meio Ambiente, Ministério Público, ou entes reguladores.

Convertidas em plebiscitos, as eleições esvaziam-se em seu papel de punir ou premiar o desempenho. Há baixa clareza de responsabilidade.

Os governos de coalizão engendram uma estrutura de incentivos que levam a um conluio suprapartidário que desencoraja a fiscalização do governo por parte de parceiros potenciais: por que incorrer no ônus que ela traz se isto pode afetar - para usar uma expressão de Victor Nunes Leal - o "privilégio de apoiar o governo", no futuro? Neste quadro o que esperar de uma CPI? A escassa legitimidade do Poder Legislativo reflete o papel limitado que coube aos partidos: de apoiamento irrestrito ao governo.

A fragmentação do poder não tem apenas custos: ela impede a dominância de forças majoritárias - o flagelo que assola as novas democracias. Ao tornar imperativa a formação de coalizões, o multipartidarismo enfraquece o Poder Executivo e mitiga o potencial de abuso presidencial. A delegação de extensos poderes ao ministério público, ao judiciário, aos tribunais de contas, fazem parte também desta estratégia maior. O sistema torna-se também mais legítimo por ser inclusivo. As mazelas resultantes desta estratégia são os custos que a sociedade brasileira paga para evitar o abuso. Estes custos não incluem a corrupção como tem sido argumentado.

Não há nada nos sistemas de autoridade política descentralizada que produza necessariamente corrupção ou ineficiência econômica. Um estudo econométrico de Noorudin mostra que as políticas dos governos de coalizão são menos voláteis e por isso garantem maiores fluxos de investimentos. Tampouco que sejam causa de corrupção. O estilo de gerenciamento presidencial que engendrou práticas corruptas em escala inédita no país mantém pouca ou nenhuma correlação com o desenho institucional.

Marcus André Melo é professor da UFPE, foi professor visitante da Yale University e do MIT.

Fonte: Valor Econômico

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