domingo, 9 de dezembro de 2012

A república nem tão federativa do Brasil - Poder da União ameaça autonomia dos estados

Governadores reclamam de redução de receitas e aumento de responsabilidades

Municípios também se queixam de que a obrigatoriedade de manter programas criados pelo governo federal acaba limitando a execução de projetos próprios

A queda na arrecadação federal e a política de incentivos fiscais da União fizeram cair este ano repasses federais para estados e municípios. O quadro aumentou a insatisfação de governadores e prefeitos da base e da oposição com o que consideram uma ameaça ao pacto federativo. "Temos que ter autonomia para lidar com nossas diferenças", diz o governador de Minas, Antonio Anastasia (PSDB). "Estados e municípios estão pedindo socorro", afirma o governador do Ceará, Cid Gomes (PSB). Outra reclamação é política: a criação de convênios diretamente com prefeituras, reduzindo a influência dos estados.

Autonomia ameaçada

União reduz repasses, gastos de estados e municípios não mudam e Pacto Federativo volta à pauta

Paulo Celso Pereira, Cristiane Jungblut, Gilberto Scofield e Maria Lima

BRASÍLIA e SÃO PAULO - A redução no repasse da União para estados e municípios em 2012, em função da queda na arrecadação federal e das políticas de incentivos fiscais do governo Dilma, trouxe de volta à pauta política o debate sobre o chamado Pacto Federativo brasileiro. Governadores e prefeitos, inclusive aliados do governo, vêm reclamando intensamente da redução das receitas, o que levou estados e cidades a ficar em situação dramática para honrar os compromissos assumidos. No caso dos municípios, a grita foi ainda maior por este ano ser o último dos atuais mandatos dos prefeitos. Muitos derrotados atribuíram o resultado eleitoral à redução dos recursos federais.

A situação financeira piorou a partir da crise internacional de 2009, quando, após anos de bonança e recordes na arrecadação dos impostos federais que fazem parte do rateio com estados e municípios, os repasses caíram muito. Para conter os efeitos da crise internacional, os governos Lula e Dilma tomaram medidas econômicas que consistiram, em grande parte, na desoneração de vários setores da economia. Segundo anúncio feito na terça-feira pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, as desonerações somente em 2012 somarão R$ 45 bilhões, quase o mesmo valor do Fundo de Participação dos Estados (FPE) de 2011, que fechou o ano em R$ 48 bilhões.

As desonerações afetam sobretudo o IPI, o Imposto sobre Produtos Industrializados, e por isso impactam diretamente no FPE, que é formado por percentuais do IPI e do Imposto de Renda (IR) arrecadados pela União. No início dessa política de desonerações, o Palácio do Planalto se mobilizou para dar compensações, o que não ocorre mais.

Perfil de gastos é problema central

Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, o problema não é exatamente a queda de repasse. Segundo os estudos, desde 1997 os repasses quase sempre registraram aumento acima da inflação. Ainda que esses valores pudessem ser maiores sem as desonerações, os especialistas são unânimes em dizer que o problema central é o perfil dos gastos estaduais e municipais.

Sempre que a arrecadação de impostos do governo federal cresce, os repasses também aumentam. Mas, enquanto a União tem margem para usar esse dinheiro com políticas públicas e investimento, estados e municípios têm usado grande parte desta receita para fazer funcionar programas nacionais, cumprir as premissas da Constituição para investimentos em Saúde e Educação e contratando mais pessoal. A consequência disso é a criação das chamadas despesas continuadas, ou seja, que não podem ser canceladas depois.

- Criou-se no Brasil, lamentavelmente, um quadro onde os estados federados estão perdendo receita, perdendo autonomia, perdendo competência e, em contrapartida, tendo despesas agravadas que eles não têm como fazer frente - diz o governador de Minas Gerais, o tucano Antonio Anastasia, que pretende tomar a frente de um movimento em defesa de novo pacto federativo.

Novas regras têm de ser aprovadas este ano

A pauta financeira do Pacto Federativo explodiu este ano no Congresso, mas ainda sem resultados práticos. O Congresso poderá fracassar definitivamente se não votar os novos critérios para a distribuição dos recursos do FPE. O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional os atuais critérios e, em 2010, determinou que o Legislativo aprovasse até o fim deste ano as novas regras para valer a partir de janeiro de 2013. Caso a medida não seja aprovada nas próximas semanas e o Supremo não mude seu entendimento, muito estados podem abrir o ano sem recursos para pagar sequer o funcionalismo.

A questão financeira, no entanto, não é a única face dessa disputa. Governadores reclamam da redução de sua influência política nos municípios, especialmente em função das políticas incentivadas a partir do governo Lula, que passaram a firmar convênios diretamente com as prefeituras, sem qualquer interferência dos governos estaduais.

- Estados e municípios estão pedindo socorro. A União deixou de repartir a Cide (o chamado imposto do combustível) e ano que vem o repasse vai ser zero para os estados. O FPE caiu 20% por causa da redução do IPI. Quando os estados fazem uma política de desoneração com renúncia fiscal, é guerra fiscal. Mas quando o governo federal abre mão do IPI para socorrer um setor, o automobilístico, é política de manutenção de empregos? Isso está errado e tem que ser corrigido! -protesta o governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), aliado da presidente Dilma.

- A desoneração que o governo faz teria que ser linear. Como ela é feita hoje, por setores que não têm presença em todo país, favorece uns estados e outros não - avaliou recentemente o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB).

Para o o senador Francisco Dornelles (PP-RJ), ex-secretário da Receita Federal, essa é a fonte do problema:

- A grande distorção que ocorreu nos últimos anos é que a União reduziu as alíquotas dos impostos que são partilhados com estados e municípios.
O economista Gabriel Leal de Barros, especialista em finanças públicas do Ibre/FGV e autor de um recente estudo sobre pacto federativo no Brasil, explica que os impostos que fornecem as principais receitas que alimentam o FPE e o FPM são o Imposto de Renda e o Imposto sobre Produtos Industrializados. Mas ao longo dos anos, o maior esforço de arrecadação do governo federal tem recaído sobre as chamadas contribuições sociais - Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL), PIS Cofins, CPMF (até ser extinta em 2008) e CIDE-Combustível -, que não precisam ser repassadas para estados e municípios.

Ou seja, o governo é o dono das contribuições sociais e costuma até elevar suas alíquotas para aumentar sua receita. Mas, por outro lado, faz isenções em cima do IPI, o que afeta em cheio o rateio com estados e municípios.

Segundo cálculos da FGV, de 1997 a 2011, a arrecadação com impostos federais subiu 1,9 pontos percentuais, algo como R$ 203 bilhões, enquanto a arrecadação do contribuições sociais subiu 2,1 pontos, chegando a R$ 175 bilhões.

O economista José Roberto Afonso considera que a União precisa ser mais generosa na divisão dos tributos, incluindo no bolo do FPE e do FPM as contribuições sociais, e não apenas IR e IPI.

- Este é o maior problema e está claro há anos. O ideal é ampliar a base, pegando todos os tributos federais. A Federação existe, o que se discute é se ela pode ser mais ou menos descentralizada, ou seja, como você lida com a distribuição de recursos públicos. É preciso discutir o tamanho do bolo e como se distribui este bolo - disse José Roberto.

Atualmente, no rateio feito pela União entre estados, os que mais perdem são os que mais contribuem, como Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, o Distrito Federal e os do Sul. No ano passado, por exemplo, o Rio repassou R$ 114 bilhões para o governo federal. Em troca, recebeu de volta R$ 730 milhões (0,6% do total).

Fonte: O Globo

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