sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Um passo à frente – Editorial / O Estado de S. Paulo

Sete anos após o es­cândalo do mensalão ter-se tornado público e após qua­tro meses e 49 ses­sões plenárias dedi­cadas ao julgamen­to da Ação Penal 470, o STF definiu as penas a serem cumpridas pelos 25 réus condenados. Há questões importantes ainda pen­dentes de decisão, mas a conclusão da complexa etapa da chamada dosimetria das penas pode estar inscre­vendo na História do Brasil o marco inaugural de uma nova era - o fim da ancestral impunidade dos poderosos. É claro que se trata apenas da abertu­ra de uma perspectiva alvissareira: a de que o efeito pedagógico da decisão do STF se impregne na consciência da sociedade brasileira, condição es­sencial e imprescindível para a efeti­va reversão desse processo de corrup­ção sistêmica que está na raiz de qua­se todos os males de que padece a ad­ministração pública no País.

Seria pouco realista, portanto, ima­ginar que, a partir da condenação de José Dirceu & Cia., o fim da impuni­dade dos corruptos dos altos esca­lões da República se tenha tornado uma conquista definitiva da cidada­nia. E muito menos que a corrupção na administração pública vá acabar. É fácil imaginar que depois de 8 anos em que os brasileiros se habituaram a assistir ao primeiro mandatário do País tratar com indulgência os malfei­tores de colarinho branco, permitin­do-se, no máximo, desempenhar o pa­pel do "apunhalado pelas costas", os corruptos apaniguados tenham se sentido estimulados a atrevimento e ousadia sem precedentes. Os mais re­centes escândalos revelados nos cír­culos das relações íntimas de Lula são um deplorável exemplo disso, Menos mal, assim, que a exemplo do que já havia feito em seu primeiro ano de mandato, com a ampla "faxi­na" ministerial, a presidente Dilma Rousseff tenha afastado de suas fun­ções, rapidamente, os enredados na trama descoberta pela Polícia Fede­ral, inclusive a poderosa ex-secretária de José Dirceu e ex-chefe do gabinete de Lula em São Paulo. Ações desse tipo - na contramão da antiga rotina de passar a mão na cabeça de "aloprados" - também têm importante efei­to pedagógico.

Outras questões relevantes suscita­das pelo julgamento do mensalão são, por exemplo, a quebra do "garantismo", ou seja, a não predominância de aspectos formais da lei; a conve­niência, ou não, da "popularização" dos julgamentos possibilitada pelas transmissões televisivas; e - assunto que deverá esquentar na próxima se­mana - a perda automática, ou não, dos mandatos dos parlamentares con­denados.

As garantias processuais destinadas a coibir os excessos do poder pu­nitivo do Estado foram integralmen­te respeitadas, mas no julgafriento da Ação Penal 470 certamente houve um avanço no sentido de corrigir uma distorção que invariavelmente li­vrava os podèrosos das consequências de seus atos criminosos. Não fo­ra a aplicação da teoria do domínio do fato - atacada como antigarantista, o que, de fato, não é -, José Dirceu e seus cúmplices se teriam eximido da culpa que até as pedras sempre souberam que carregam.

Quanto à veiculação das sessões plenárias ao vivo pela TV, levanta-se o argumento de que o peso da exposi­ção pública é um fator de pressão irre­sistível a influenciar o comportamen­to dos magistrados, Além de subesti­mar tanto a experiência de vida quan­to a consciência profissional dos mi­nistros, esse argumento não leva em conta o fato de que é muito mais sau ­dável a pressão pública transparente do que aquela que eventualmente é movida, à sorrelfa, por interesses na­da republicanos.

Finalmente, a questão da perda dos mandatos. A controvérsia é grande. Estabelece a Constituição que uma condenação transitada em julgado im­põe a perda de direitos políticos. E em seu aitigo 55 é categórica ao esta­belecer que "perderá o mandato o de­putado ou senador" que, discrimina: o inciso IV, "perder ou tiver suspen­sos os direitos políticos". A controvér-; sia, contudo, surge dos termos do parágrafo 2.°, segundo o qual, no caso, "a perda do mandato será decidida pe­la Câmara dos Deputados ou pelo Se­nado Federal, por voto secreto e maioria absoluta (...) assegurada ampla defesa". É difícil imaginar como garantir mandato eletivo a quem perdeu os direitos políticos. Mas a Cons­tituição, como se sabe, não é unívoca. E é exatamente para interpretá-la que existe o STF.

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