quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Supremo muda cultura do País, diz Britto

No último discurso como presidente do STF, ministro também manda recado velado a Joaquim Barbosa, falando em "serenidade" no cargo

Mariângela Gallucci

BRASÍLIA -  Num discurso de despedida ontem do plenário do Supremo Tribunal Federal, o presidente, Carlos Ayres Britto, disse que a Corte está mudando a cultura do País. "O Supremo Tribunal Federal está mudando a cultura do País a partir dessa Constituição, que quer essa mudança para melhor", afirmou. Ayres Britto citou ainda o "amigo" Márcio Thomaz Bastos, advogado de um dos condenados no mensalão, e aproveitou para mandar um recado velado a Joaquim Barbosa, que ocupará o cargo a partir da próxima semana e tem se desentendido com colegas. "Entendo que é direito e direito sagrado e inalienável do jurisdicionado saber que sua causa está aos cuidados de um juiz sereno e equilibrado."

O conselho indireto a Joaquim Barbosa foi dado dois dias após o relator do processo do mensalão ter se desentendido publicamente no plenário com o revisor, Ricardo Lewandowski. Barbosa acusou o colega de tentar obstruir o julgamento. Como reação, Lewandowski abandonou o plenário.

Por causa do desentendimento, ministros do STF e advogados demonstram reservadamente preocupação com a presidência de Barbosa, que tomará posse no próximo dia 22. A aposentaria de Ayres Britto deverá ser publicada na segunda-feira, um dia após ele completar 70 anos, idade que leva à aposentadoria compulsória. A presidente Dilma Rousseff não indicou ainda quem será seu substituto na Corte.

Reconhecimento. O presidente da Corte reconheceu que Thomaz Bastos "muito contribuiu" para a sua nomeação para o STF em 2003. O advogado do ex-vice-presidente do Banco Rural no processo do mensalão era na época ministro da Justiça do ex-presidente Lula e recomendou a indicação de Ayres Britto.

Além de Thomaz Bastos, Britto citou o "notável" advogado Marcelo Leonardo, que defende o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, acusado de ter sido o operador do mensalão e já condenado a penas que ultrapassam 40 anos de reclusão.

Os dois advogados assistiram ao discurso porque em seguida o STF retomaria a fase de dosimetria das penas dos condenados por envolvimento com o esquema.

Ayres Britto disse que os nove anos de STF passaram muito rápido e que o cargo de ministro do Supremo deve ser exercido com bom humor. "Passou num piscar de olhos, num estalar de dedos. O tempo só passa veloz, célere, para quem é feliz. Para quem não é feliz o tempo é penoso, um fardo. A honra de pertencer ao Supremo Tribunal Federal é, como disse Ophir Cavalcante (presidente da Ordem dos Advogados do Brasil) citando Fernando Pessoa, arrumar as malas para o infinito. Não temos nem o direito de ter mau humor."

Com a aposentadoria, Ayres Britto deixará de participar da conclusão de processos de grande repercussão nos quais ele atuou no tribunal como relator. Um deles envolve a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol.

Salários. A dois dias de deixar a Corte, o presidente do Supremo intensificou as negociações com o Congresso para tentar garantir aumento de salário para os juízes e servidores do Judiciário. Para tentar sensibilizar os parlamentares sobre a necessidade de aprovação de projetos que propõem reajustes para magistrados e funcionários, ele recebeu ontem em seu gabinete o relator-geral do orçamento, senador Romero Jucá (PMDB-RR), líderes do Congresso, presidentes de tribunais e de associações representativas de magistrados.

O ministro Joaquim Barbosa, que assumirá a presidência do STF na próxima semana, também participou do encontro.

Atualmente, o salário de ministro do Supremo é de R$ 26.700. Projetos em tramitação no Congresso propõem que os vencimentos subam para R$ 32.100.

Como a estrutura de remuneração do Judiciário é escalonada, toda vez que o vencimento do Supremo aumenta ocorrem reajustes em cascata na Justiça. Além disso, como o salário do Supremo é o teto do funcionalismo, qualquer revisão repercute no serviço público.

Na reunião, Ayres Britto disse que há uma defasagem salarial para magistrados de 28% e de 50% para servidores que causa uma desprofissionalização das carreiras. Ele pediu "compreensão do Legislativo" e alertou para um "temerário desprestígio" da magistratura.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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