sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O papel dos micronanicos - Maria Cristina Fernandes

O contracheque de três algarismos com que iniciou sua exposição de oito minutos numa audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte deu à professora Amanda Gurgel mais de 2 milhões de acessos no You Tube. E lhe rendeu a maior votação proporcional de um candidato a vereador entre todas as capitais do país. Amanda teve 9,23% dos votos em Natal.

Foi uma votação quatro vezes maior, em termos proporcionais, do que aquela recebida por Roberto Trípoli (PV). Vereador recordista em votos de São Paulo, Trípoli foi eleito pelo hospital público para animais domésticos que conseguiu arrancar de um Executivo que não fez uma única unidade para humanos.

A votação de Amanda também foi o triplo daquela recebida pelo ex-governador do Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, que ganhou uma vaga na Câmara Municipal de Campo Grande.

É visão colonizada a de que partido bom é grande e forte

Levantamento do ValorData mostra que dos 57.197 vereadores do país, o PSTU só elegeu dois. E Amanda foi um deles. O outro é um peão de obras em Belém.

O PSTU é um dos dez partidos que elegeram vereadores, mas não têm cadeiras na Câmara dos Deputados. Entre os 22 partidos com representação federal, há nove com menos de dez vagas na Casa. São nanicos por lá, mas nas Câmaras Municipais melhoram de categoria.

O PSL, por exemplo, o menor dos partidos federais, com um único deputado, somou 759 vereadores no país. Perto do PSL o PSTU é um micronanico.

Com uma representação minúscula em casas legislativas relegadas ao limbo da opinião pública - o leitor lembra de algum projeto aprovado por seu vereador na atual legislatura? -, essas legendas estão aí para lembrar que as regras da competição política criam um mercado eleitoral que o senso comum deturpa e mistifica.

É opinião corriqueira que o Brasil tem partidos demais. Há quem lamente que o bipartidarismo que lá gorgeia não gorgeie cá. Mas se o critério de sobrevivência fosse aplicado à Câmara dos Deputados, por exemplo, o PSDB, com a terceira bancada da Casa, ficaria de fora.

Vá lá que se deixassem os dez maiores partidos. Menos que isso é legenda de aluguel, vaticina-se. Mas nas Câmaras Municipais do Pará e do Paraná, por exemplo, a barreira dos dez maiores garantiria a presença do PSC - o partido cujo símbolo é um peixinho - e jogaria no lixo os votos recebidos por partidos com passagem por governos estaduais e ministérios, como o PSB, o DEM e o PR.

No Rio Grande do Norte, a barreira garantiria a presença do PMN, que lá desbanca três partidos com assento na Esplanada dos Ministérios: PDT, PCdoB e PRB.

Em Rondônia, a coisa fica ainda mais grave. Lá a representação do PSDC nas Câmaras Municipais ultrapassa até o PSDB, timoneiro nacional da oposição.

O PCdoB, que abriga o único alagoano da Esplanada dos Ministérios, Aldo Rebelo, foi ultrapassado no Estado natal do titular do Esporte por legendas que parecem dever sua existência ao Google. PRP e PTdoB têm mais vereadores em Alagoas do que o PCdoB.

No Amazonas é o PTN que ultrapassa o badalado PSB. No Rio, o DEM elegeu um ex-prefeito da capital, Cesar Maia, à Câmara dos Vereadores. Mas ficou em 19º lugar no Estado. Perdeu para o PHS e empatou com o PRTB.

Em Sergipe a decantada polarização nacional entre PT e PSDB inexiste quando o assunto é o legislativo municipal. Os petistas estão em sexto e os tucanos, em décimo. Juntos não somam 10% das vagas.

A polarização tem seu berço em São Paulo, mas inexiste nas Câmaras Municipais. Para se chegar a dois terços das cadeiras no Estado é preciso somar nove legendas.

Essas pequenas siglas têm os sinais vitais preservados porque ocupam um mercado eleitoral quase sempre desprezado pelas grandes.

As mais ideológicas, como o PSTU, elegeram vereadores em coligação com parceiros do mesmo lado, como o PSOL. As que são mais comumente chamadas de legenda de aluguel fazem as contas do pragmatismo para sobreviver, porque não são de direita, nem de esquerda, nem de centro. Talvez nunca cheguem à Prefeitura de São Paulo nem à Esplanada, o que talvez revele sua inaptidão para a conquista do poder, mas não justifica o preconceito.

A lei reconhece como partido aquele que tiver como signatários o equivalente a 0,5% dos votos válidos à Câmara dos Deputados distribuídos em um terço dos Estados. Há quem ache a lei pouco exigente, mas não há dúvidas de que é inclusiva.

A ideia de que partido bom é partido grande e forte denota uma noção colonizada de democracia que guarda pouca relação com os fatos. Basta ver a ficha corrida acumulada pelas principais legendas nacionais de todas as colorações.

Os micronanicos sobrevivem em Câmaras Municipais esvaziadas por uma Federação cada vez mais centralizada. Foi em busca de civilidade que políticas nacionais como o SUS e Fundeb evoluíram para estabelecer metas e vincular gastos nos municípios.

Mas a contrapartida desse centralismo civilizatório foi a redução do poder de manobra dos legislativos municipais. As grandes políticas públicas são definidas em Brasília e executadas pelos prefeitos com margens de manobra proporcionais à capacidade de arrecadação própria.

As pequenas legendas têm sabido se adaptar e sobreviver às circunstâncias de legislativos municipais esvaziados de prerrogativas. Servem de trampolim para carreiras políticas tanto quanto a maioria das legendas.

Para usar o léxico consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, talvez custem mais barato. Em muitos lugares são esses nanicos que possibilitam a competição eleitoral, que não garante mas é condição de uma disputa democrática.

Em Natal, os 32.819 eleitores de Amanda Gurgel talvez nunca tenham votado para o Executivo num partido que prega a estatização dos bancos. Mas foi esta legenda que abrigou a brava professora que pega três ônibus para dar aula, ajuda alunos a carregar a carteira na cabeça e tem sua presença no refeitório dos alunos tratada como uma liberalidade das autoridades da Educação. Talvez esses eleitores cheguem a 2016 com alguma ideia do que a sua vereadora fez no mandato.

Fonte: Valor Econômico

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