segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O Congresso e o pós-mensalão - José Roberto de Toledo

Mensalão à parte, o que mudou entre os governos Lula e Dilma no relacionamento com o Congresso? A pedra no sapato de Luiz Inácio Lula da Silva virou palmilha ortopédica para a sucessora. O Senado tem sido muito mais amigável do que foi para o ex-presidente e tornou-se a casa legislativa de melhor trânsito para Dilma Rousseff - exatamente o oposto da era Lula.

Os deputados, em compensação, têm submetido a presidente a uma dieta de derrotas frequentes. É um sururu de origem partidária, regional ou eleitoral? A receita tem muitos ingredientes.

Comparando-se os primeiros 23 meses de Lula e Dilma, há diferenças notáveis. A maior delas é o tamanho do núcleo duro dos dois governos na Câmara. O de Lula, ao final do segundo ano de governo, tinha 301 deputados que votaram no mínimo 90% das vezes com o presidente. Sob Dilma, ele não chega nem à metade absoluta da Câmara: 214 dos 513 deputados.

Não foi por falta de assunto. Votou-se bem mais no começo do governo Lula do que no de Dilma: 211 votações a 124, e de temas polêmicos. Houve reforma tributária e da Previdência, alteraram-se alíquotas de Imposto de Renda e PIS/Cofins, criou-se o Bolsa Família, aprovou-se a Lei dos Transgênicos. Apesar de mais votações, Lula perdeu menos vezes na Câmara do que Dilma. Porque a fidelidade dos partidos da base era maior, exceto a do PMDB.

Os peemedebistas estão onde sempre estiveram, alugados ao poder. A taxa de governismo dos deputados do PMDB hoje é exatamente igual à que era no mesmo período do governo Lula: 89%. Não é coincidência, é estilo. O apoio dá ao partido vantagens inerentes a quem é situação, mas vez ou outra vota-se contra para lembrar ao presidente de plantão que o apoio é transitório e, sobretudo, tem preço. Ter a vice-presidência não conta.

Poucas coisas são tão previsíveis quanto o morde-e-assopra do PMDB. Só, talvez, o governismo oposicionista de Lael Varela. No biênio 2003/2004, o deputado mineiro votou com o governo Lula 89% das vezes. No biênio 2011/2012, votou 85% com Dilma. A única coisa que mudou nesse tempo foram as letras de sua sigla: de PFL para DEM. O partido permaneceu na oposição, e ele, na situação.

Não foi o único. O PSD de Lula chamava-se PL. Como o novo partido presidido por Gilberto Kassab, a agremiação comandada por Valdemar Costa Neto promoveu, após a eleição de 2002, um catado de deputados eleitos pela oposição. Eles podiam não simpatizar com o partido do novo presidente, mas precisavam do governo federal para sobreviver politicamente.

No começo do governo Lula, o PL de Valdemar e do vice-presidente José Alencar garantiu 95% dos votos de seus deputados para o presidente. Parte da contrapartida recebida então está sendo dosimetrada agora pelo STF no julgamento do mensalão.

Na gestão Dilma, o PL já entrou PR. Mudaram as letras, mas não as pessoas, tampouco as práticas. O partido caiu na vassoura da faxina presidencial, minguou e fez pirraça: só 78% dos votos dos deputados seguiram a orientação do líder do governo nesses 23 meses. A taxa de apoio declinou na razão proporcional à fatia do orçamento federal sob os, por assim dizer, cuidados do PR.

O PSD nasceu governista, virou oposição durante a campanha municipal e, agora, entrou na muda, de olho em quanto fubá vai ganhar de Dilma. Sua taxa de governismo em 2011 foi de 98%. Em 2012, caiu para 74%. O partido de Kassab votou contra a orientação presidencial na divisão dos royalties do petróleo e nas mudanças para constranger prefeituras e governos estaduais a pagarem dívidas do Pasep.

Algumas dessas votações tiveram influência de prefeitos e governadores. Houve disputa entre Estados que ganhariam ou perderiam com as mudanças. Também as eleições municipais influíram no comportamento dos deputados, mas prevaleceu, na média, a lógica partidária.

PTB, PDT e PP estão todos menos governistas na Câmara em 2012 do que foram em 2011. No caso dos petebistas, a queda foi de 93% para 75%; no dos pedetistas, de 86% para 78%; e no dos pepistas, de 93% para 84%. Também caiu no PSB, mas menos, de 94% para 87%. Dos maiores partidos, só o PT permaneceu totalmente fiel a Dilma: foi de 98% de governismo em 2011 para 99% em 2012.

Todos esses números estão no Basômetro - ferramenta online criada pelo Estadão Dados. Eles sugerem que as taxas de governismo variam, mas o jogo continua o mesmo. Os votos dos partidos ainda dependem de favores do governo, de qualquer governo. A punição dos crimes do mensalão é simbolicamente importante. Mas falta muito para ultrapassar o simbolismo.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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