segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Ainda não é o fim - Wilson Figueiredo

Em Minas, onde não é bem vista, a pressa não tem tratamento especial e continua  considerada –  sob reserva, claro -  inimiga da perfeição. Entre mineiros,  qualquer evidência instintiva e imediata é admitida pela procedência grega, mas sem declinar sua condição real: nunca é  citada como axioma, nem em conversa de poucos para poucos. As verdades intuitivas têm confiança insubstituível entre a gente das montanhas. E ninguém dá a designação de axioma a uma verdade óbvia, seja num salão ou num botequim. Os mineiros adotaram o método de agregar, no velho e bom idioma que falamos, um reparo segundo o qual, se não deu certo, é porque ainda não é o fim. E estamos conversados.

A trapalhada que atende pelo nome de mensalão, depois de passar pelo crivo da justiça,  tudo indica, ainda não se encaminha para o fim. Não se esgotou no julgamento do Supremo. Mas já se destaca o perfil do ex-presidente Lula, mais arredondado do que no tempo em que não era o grande empresário de postes em épocas eleitorais. Ele curtia o tédio de governar na maneira informal de falar, e de se comportar com displicência. A inversão da ordem natural de entrada dos personagens em cena, quando o mensalão estourou, não definiu a função de Lula nem sua cota óbvia de maior responsabilidade. Já ex-presidente, ainda não sabia e, ao ficar sabendo do que se passou debaixo de suas barbas,  perdeu a oportunidade da mesma forma que era, e não sabia, o personagem principal. Sem ele, o mensalão teria morrido no ventre materno. Sobrou para o chefe da Casa Civil, José Dirceu, que agüentou sozinho o papel e as conseqüências que batem à porta dos mensaleiros.

 Lula ainda duvidava, ou fingia bem, quando despachou Dirceu, e foi até coerente, pois não o chamou de volta para chefiar, em desagravo, o gabinete, mesmo depois de se declarar convencido de que não tinha havido mensalão algum. Houvera apenas José Dirceu. Mas à distância da Casa Civil, com a incoerência que Lula pratica por princípio, meio e fim. Enquanto a questão se arrastou, Lula foi em frente como se não existisse mensalão nem, muito menos, José Dirceu. Apagou um e outro.

A última fornada eleitoral oficializou por fora, com o jeito inconfundível de Lula, a falta de estilo  na participação direta da presidente da República, pela mão do ex titular, na campanha eleitoral para prefeitos. Em nome da democracia, claro. E no interesse do candidato Lula, também claro, de olho em 2014. Foi um desacato premeditado à melhor frase, no discurso de posse do primeiro presidente eleito (pelo voto direto) depois de derrubada do Estado Novo, quando o próprio Eurico Gaspar Dutra declarou seu compromisso político de tratar igualmente, no exercício das suas prerrogativas, todos os brasileiros. Mesmo que não tenha sido, a intromissão oficial nas campanhas eleitorais  se fazia com luvas e elegância. O eleito na sucessão presidencial de Dutra em 1950 foi ninguém menos do que o ex-ditador Getúlio Vargas, que voltou pelo voto quando ainda não havia pesquisa eleitoral e sobrava confiança, pois o direito de votar excluía analfabetos funcionais na margem de incerteza ou de qualquer outra natureza.

Afinal de contas, se não deu certo nem sob o manto do farisaísmo liberal, como se viu na repetição da preferência autoritária em 1964, só pode ser porque ainda não se completou a democracia ajustada para rodar em falso com mais facilidade do que parece. Se a soma de vícios, na prática dos costumes aparentemente democráticos, não chega à perfeição pretendida e os resultados são colhidos com mão de gato, não será, certamente, porque ainda não é o fim - que pode estar de tocaia no meio do caminho - do aperfeiçoamento eleitoral perseguido com perseverança, mas na direção oposta. Também não é o começo aproveitável de uma etapa produtiva de valores e costumes condizentes com pretensão democrática da boca para fora.

Nem se pode aceitar ler como novo começo o que está mais para a consolidação do que se disfarça sob aparência de novidade. Fala-se de reforma política para aproveitar a oportunidade, mas com uma intenção declarada e outra embutida para inviabilizá-la na primeira ocasião. Se eleições separadas por dois anos já fazem estragos na credibilidade das urnas, imagine-se o que será no dia em que a escolha de prefeito, vereador, deputado estadual, governador, senador, deputado federal e, last but not least, presidentes da República, se fizer, apertando apenas um botão eletrônico num país que cresce para dentro e para fora como se nada fosse.

Fonte: Jornal do Brasil

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