segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Brasil 2020 - Luiz Carlos Mendonça de Barros


Em minha coluna passada reafirmei a convicção de que não acredito no fim do capitalismo, apesar de estarmos vivendo uma das crises econômicas mais graves da história da humanidade. Esta afirmação, se feita há algum tempo atrás, poderia parecer uma bravata. Vivíamos então sob o domínio dos analistas defensores da tese do FIM DO MUNDO. Hoje essa posição já não goza do mesmo entusiasmo dos mercados e seus principais defensores andam em baixa junto à mídia.

Mas uma nova ameaça ronda a economia do mundo de acordo com uma segunda - e mais moderada - geração de pessimistas. Segundo eles, vamos entrar em uma década de crescimento muito baixo, principalmente no chamado mundo desenvolvido. Embora essa mensagem esteja mais próxima da minha posição em relação ao futuro, não concordo com as previsões de uma década perdida.

Aprendi durante minha vida de analista algumas lições sobre as chamadas economias de mercado: a primeira é que, sem uma regulamentação eficiente, os mercados acabam por criar algum tipo de bolha de ativos. Com a ruptura dessas bolhas, seguem-se desequilíbrios micro econômicos que acabam por desestabilizar a situação macro de países ou mesmo de regiões inteiras.

Não estamos vivendo o padrão histórico das recessões do passado e cabe refletir sobre as razões dessa mudança

A segunda lição é que existem mecanismos eficientes de ação dos governos para lidar com esses desequilíbrios e evitar um mergulho na depressão econômica. Essas ações permitem que seja reencontrado - mais adiante - o equilíbrio macro econômico perdido. Historicamente esse período de ajuste é de cerca de 2 anos.

Ora, na crise atual já estamos no quinto ano de um processo recessivo que atingiu todo o mundo desenvolvido e, segundo os especialistas, mais dois ou três anos serão necessários para atingirmos a normalização. Portanto não estamos vivendo o padrão histórico das recessões do passado e cabe refletir sobre as razões dessa mudança de comportamento.

Várias são as causas dessa particular recessão que estamos vivendo. A primeira deriva do fato de que a bolha especulativa de agora, ao atingir o mercado imobiliário americano, afetou parte importante da maior economia do mundo e não apenas setores emergentes, como foi o caso da bolha da internet que ocorreu no fim do século passado. Em segundo lugar, pela dimensão desse mercado, as hipotecas representavam parte importante dos ativos do sistema financeiro. Essa qualificação é particularmente verdade no caso dos bancos de Wall Street, depois que a criação dos derivativos de crédito transformou essas instituições em agressivos participantes desse mercado. Por essa razão a crise financeira que se seguiu foi muito mais forte do que as anteriores.

Em terceiro lugar, esses títulos de crédito com garantia de hipotecas individuais, pela sua liquidez e taxas de juros elevadas, acabaram fazendo parte da carteira de ativos de instituições fora dos Estados Unidos, levando a crise para outros sistemas bancários.

Por essas razões, o estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos, contaminou em extensão nunca vista antes as economias do chamado G-7 e obrigou os governos desses países a uma intervenção de dimensões inusitadas. Os déficits orçamentários que se seguiram, nos Estados Unidos e nos países europeus, levaram a um crescimento estratosférico das dívidas públicas nacionais, com a quase totalidade delas superando o valor do PIB de cada país. Essa é a jabuticaba dessa crise e a grande fonte de diferença em relação às experiências passadas.

Pressionados pelos mercados os governos foram obrigados a reduzir seus desequilíbrios fiscais, mesmo com a recuperação econômica ainda frágil, o que fez com que a trajetória de normalização do passado não esteja ocorrendo agora. Mesmo nos Estados Unidos, onde a maior confiança na sua moeda e no valor dos títulos do governo tem permitido um ajuste mais suave do déficit - da ordem de 1,5% ao ano - a pressão deflacionista sobre a economia tem levado a um crescimento anêmico de menos de 2% ao ano. No caso da Europa, principalmente nas economias mais frágeis e de maior risco de crédito, essa situação de anemia da economia, por conta de um ajuste fiscal mais rápido, é ainda mais grave. Não por outra razão, a recessão já é muito mais forte do que nos Estados Unidos e deve se estender por pelo menos mais dois anos.

Apesar dessa situação mais complexa que vivemos hoje acredito que, principalmente nos Estados Unidos, chegaremos a um novo período de crescimento sustentado. A agressividade da política monetária do Fed - outra jabuticaba de agora - vai permitir essa recuperação mesmo durante o período de ajuste do déficit fiscal. Na Europa o reencontro com o crescimento será mais lento e, principalmente, menos homogêneo. As dúvidas sobre a viabilidade de uma união monetária entre países e sociedades tão diferentes são reais e não têm uma resposta ainda.

Mas se esse quadro de recuperação lenta, mas sustentada, no G-7 permear as mentes de investidores, principalmente das empresas, poderemos ter uma retomada do investimento a partir de 2013. Isso será mais consistente no mundo emergente que ainda representa um dos poucos bolsões de demanda forte no mundo de hoje.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

Fonte: Valor Econômico

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