terça-feira, 9 de outubro de 2012

Armadilha do baixo crescimento - Yoshiaki Nakano


Este ano a economia brasileira vai crescer metade da média dos países latino-americanos. Serão dois anos sucessivos de baixo desempenho, colocando em dúvida a ideia de que a boa performance, desde 2004 de crescimento médio anual de 4% ao ano, seria um pré-anúncio de um futuro com crescimento acelerado e sustentável. Dois anos de crescimento médio medíocre, próximo à média do período anterior a 2004, apesar do conjunto impressionante de medidas para estimular a economia que o governo vem tomando, trouxe de volta o diagnóstico de que estamos ainda encalhados numa "armadilha de baixo crescimento".

De fato, desde o Plano Real, o comportamento da economia brasileira tem sido de sucessivos ciclos de expansão e contração. Com certeza, o conjunto de medidas tomadas pelo governo está estimulando a economia brasileira. Já vemos sinais de recuperação e tudo indica que podemos crescer 4% em 2013? E para os próximos anos?

Enquanto o investimento público em infraestrutura ficar rastejando em torno de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) e a taxa de investimento da economia ficar abaixo dos 20% do PIB, vamos continuar nesta "armadilha de baixo crescimento".

Antes de entrar nas explicações de por que a taxa de investimento é baixa no Brasil, é preciso enfrentar uma questão aritmética, ou seja, a restrição física da economia. Para crescer de forma sustentável a 6% ao ano é preciso ampliar o investimento em infraestrutura em 4% a 5% do PIB e a taxa de investimento para mais de 25% do PIB. No entanto, isto só é possível se reduzirmos a participação do consumo no PIB em 6%. Portanto, é necessário um ajuste estrutural da economia. Se isto não acontecer, vamos continuar, na melhor das hipóteses, reproduzindo o desempenho passado.

Nos últimos anos, o governo foi bem sucedido em tomar medidas de política fiscal anticíclicas e de curto prazo. Tivemos uma recuperação impressionante a partir do segundo semestre de 2009, depois do colapso do último trimestre de 2008; e agora novamente, neste segundo semestre. Da mesma forma que o impulso que a economia brasileira ganhou em 2010 não se transformou em mudança de patamar nas taxas de investimento, nada garante que isso acontecerá no próximo ano. A razão é elementar: no curto prazo uma economia pode se recuperar expandindo o consumo, ou seja, a política fiscal de estímulo à demanda agregada funciona até ocupar toda capacidade produtiva. Depois vem a inflação ou déficit em conta corrente, isto é, aumento do passivo externo, ambos impõem limites ao crescimento ou atolam na "armadilha de baixo crescimento". Mas, no médio prazo e ao longo dos ciclos, para crescer é preciso ampliar a taxa de investimento e, para isto é preciso reduzir relativamente o consumo.

Segundo as nossas contas nacionais, grosso modo, em 2011 o consumo total abocanhou 81% do PIB (consumo dos governos 21%, o consumo das famílias 60%) e os investimentos 19% do PIB. Como a poupança doméstica foi de cerca de 17% do PIB, tivemos que recorrer à poupança externa de cerca de 2% do PIB, isto é, aumentamos o passivo externo nesta magnitude. Hoje ele é de mais US$ 1,7 trilhão, e impõe pesado ônus de cerca de US$ 50 bilhões por ano de pagamentos de juros e dividendos sobre a sociedade brasileira. Como não podemos continuar aumentando o passivo externo indefinidamente, precisamos aumentar a taxa de poupança doméstica, isto é, reduzir o consumo em relação ao PIB.

O problema maior que se coloca para acelerar o crescimento da economia brasileira hoje é se devemos reduzir o consumo do governo ou das famílias. No nosso caso não há dúvidas que é o consumo do governo, pois este, nos últimos anos, aumentou a carga tributária em mais de 10% do PIB, e reduziu a taxa de investimentos públicos. É preciso limitar o crescimento do consumo abaixo do crescimento do PIB, para abrir espaço para os investimentos.

Se reduzirmos o consumo do governo de 21% do PIB para 15% do PIB, a taxa de investimento poderá saltar para 25% do PIB. Há urgência, pois cada ano com baixo investimento, significa aumentar os estrangulamentos, os custos e a distância em relação aos demais países que crescem.

As famílias já tiveram seu consumo reduzido de 65% em 1999, para 60% do PIB em 2011. Esse é o elemento dinâmico da economia brasileira. Numa economia capitalista de mercado, o empresário só investe se houver demanda. Por mais baixa que seja a taxa de juros, por mais depreciada que seja a taxa de câmbio e por maior que sejam os subsídios dados pelo governo, o empresário não ampliará a capacidade produtiva se não houver perspectiva de que conseguir vender os bens produzidos, pois senão incorrerá em prejuízos.

Além disso, a ampliação do consumo das famílias por meio do aumento da massa salários reais, acompanhado de crescimento da produtividade, transformou-se no principal trunfo da economia brasileira. De fato, independentemente das transferências sociais do governo e do aumento de crédito, há um elemento endógeno e sistemático no crescimento da demanda doméstica: o aumento da salário real. Portanto, o aumento de produtividade do trabalho adquiriu papel-chave para sustentar o círculo virtuoso do crescimento acelerado. Mais uma razão para o governo reduzir seu consumo e ampliar os investimentos em infraestrutura, que sabidamente têm fortes impactos sobre a produtividade geral da economia.

Yoshiaki Nakano, mestre e doutor em economia pela Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP/FGV). Ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP)
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Fonte: Valor Econômico

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