sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Veneza, a cidade-água - Ivan Alves Filho

Eu conheço uma cidade-mulher. Ela existe, já que eu a conheço. Sei que ela existe, dentro e fora da minha imaginação. Acho que é a única cidade assim no mundo. Feminina. Pode ser que exagero, até, mas nunca vi nada tão sensual, ao menos em matéria de lugar. Trago até hoje seu doce perfume em minha pele e sua carne quente parece ter grudado para sempre na minha própria carne. Formamos uma coisa só, bem sei. As cumplicidades se forjam dessa maneira.

Essa cidade-fêmea foi o mais belo recanto que vi em toda minha vida. As ruelas, as pontes, as praças, os canais e o céu, de um azul cristalino e eterno, tudo ali parece ter vindo ao mundo para nos encantar e encher nossos corações de funda alegria. O nome dessa cidade-mulher, dessa Veneza tão luminosa e calma, rima com beleza - e com o que mais haveria de rimar?

Veneza é cidade e Veneza também é mar. A cidade das calçadas de água. A Veneza dosvaporetto – esses ônibus flutuantes – e dos gondolieri – esses homens aquáticos, que caminham com suas gôndolas pelas águas, exibindo suas camisas listradas, seus chapéus pitorescos e seus cânticos tão envolventes e serenos. Qual o nome do maior pintor da cidade flutuante? Canaletto – que outro poderia ser? O simbolismo do mar é ali de tal ordem que, soube certa vez, a Festa della Sensa – a Festa da Ascensão – celebra o casamento da cidade com as águas.

Veneza é um sonho e o sonho é algo tão forte que, como lembra o argentino Ernesto Sabato, o próprio filósofo francês Renée Descartes, o senhor da razão, sonhou três vezes com suas complicadas teorias, antes de expô-las em seu famoso livro. Sonho, logo existo. Esse o seu método e o seu mérito: alcançou a razão sonhando. Não sei se o filósofo conheceu Veneza - mas sei que ela é a razão hoje dos meus sonhos.

Ah, Veneza e sua arquitetura de água! Cidade-água! Tudo ali flutua, à semelhança das suas pitorescas gôndolas. Pois na mágica cidade de Veneza, pelos segredos e curvas e enlevos daquela cidade-mulher, navegam palácios, praças, igrejas, catedrais. Navegam ruas e prédios inteiros, em alucinante paisagem que se deslocam o tempo todo. Navegam ali também o meu e o teu coração.

Vitória-régia das cidades, Veneza chega a provocar ciúmes, uma vez que só se deita com as águas.

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