domingo, 23 de setembro de 2012

Depois do julgamento - Tereza Cruvinel


Se há poucas dúvidas sobre o desfecho, muitas são as indagações sobre o pós-julgamento

Na medida em que o Supremo avança rumo ao desfecho que parece inexorável para o julgamento da Ação Penal 470 — a condenação a penas pesadas de todos os réus, exceto uns poucos coadjuvantes —, vão surgindo sinais de que a radicalização política, ao invés de arrefecer, vai se intensificar depois do julgamento. Não pode dar em boa coisa a combinação entre o escárnio exibido pela oposição e o rancor, por ora contido, da militância petista, afora a mágoa de outros feridos na batalha. Despontam também preocupações com as consequências jurídicas da flexibilização de provas e garantias que o STF vem praticando, abrindo caminho para uma anômala judicialização da política.

Com as indicações de um desfecho severo, cresce o júbilo de alguns segmentos com o andar da carruagem, num arco que vai dos partidos adversários (PSDB, DEM e PPS) ao anônimo cidadão indignado com a "roubalheira dos políticos", passando pelos meios de comunicação. Mas talvez seja o Ministério Público a instituição mais exultante com a dinâmica do julgamento, na expectativa de que ele trará mudanças positivas para o combate à corrupção, pondo fim à complacência do Judiciário. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Alexandre Camanho, é um legítimo tradutor dessa satisfação institucional. Diz ele:

"Acredito que este julgamento porá fim a 20 anos de indulgência do Judiciário para com a corrupção. A Justiça é mais lenta que a sociedade e leva um longo tempo para acolher o sentimental social sobre determinados assuntos. Estamos felizes porque, finalmente, o STF ouviu o Ministério Público em vez de brincar o jogo dos sete erros, como gostam de fazer os juízes."

Ele explica a comparação com o conhecido jogo de encontrar discrepâncias entre desenhos quase iguais. Apresentada uma denúncia, os juízes passavam a procurar falhas e erros formais, sempre secundários, para recusá-la. E há também, diz ele, o jogo da "catianga": na mesa de truco, um jogador sempre ganhava no grito dizendo essa palavra e puxando todas as cartas. Um outro o imitou, gritou um "catianga", mas foi atropelado por um berro: "Catianga real!". Blefou de novo e recolheu as cartas. Ou seja, sempre que o Ministério Público decifrava o jogo, os juízes mudavam a regra, mantendo a complacência. É compreensível a satisfação de procuradores dedicados a combater o ilícito, enfrentando uma Justiça paquidérmica e indiferente.

Receios com a nova ordem. Já não havendo dúvidas sobre a trilha do julgamento, preocupações com suas consequências reúnem políticos, juristas e intelectuais, embora ainda pese a inibição para externar críticas ao Supremo. O cientista político Wanderley Guilherme segue em voo quase solo, questionando a heterodoxia do julgamento. Em entrevista publicada na sexta-feira pelo jornal Valor econômico, ele garante: "Não haverá, nunca mais, outro igual, porque esse é um julgamento de exceção, que ignora o sistema eleitoral vigente e reage à democracia que criamos".

Os ministros, de fato, vêm revelando total desconhecimento (real ou proposital, sabe-se lá) sobre o funcionamento do sistema político, a dinâmica do Congresso e o processo legislativo, que guardam tão estreita relação com os delitos que estão sendo julgados. Não buscaram conhecer, ou, pelo menos, não explicitaram conhecimento a respeito do sistema eleitoral e do modelo de financiamento das campanhas. Parecem ignorar que o presidencialismo brasileiro exige a formação de coalizões, ainda que reunindo partidos ideologicamente opostos. Que, na Câmara, a maioria absoluta é de 257 votos. Tendo apenas 151, logo, um deficit de 106 votos, por que a coalizão governista comprou o apoio de apenas sete não petistas? A discussão dessas questões lançaria mais luz sobre a intrincada novela do mensalão, servindo, pelo menos, para separar do joio algum trigo.

Se há poucas dúvidas sobre o desfecho, muitas são as indagações sobre o pós-julgamento. Há receios com o impacto da nova jurisprudência que o STF está criando, contraditória inclusive com votos passados de seu decano, Celso de Mello, sobre as instâncias inferiores. Ela não abrirá caminho para a "justiça do inimigo", principalmente lá no interior, onde juízes são frequentemente alinhados com um grupo político local? A teoria do domínio do fato, que já se diz, permitirá a condenação de José Dirceu, não será usada para justificar perseguições? Daqui para a frente, os bancos delinquentes (e foram tantos os delitos do setor nos últimos 20 anos) serão julgados com a mesma severidade que o Banco Rural? Tratará o STF de demonstrar que não fez um julgamento de exceção, aplicando a outros processos os mesmos procedimentos usados na Ação Penal 470? Sobram indagações, mas, agora, poucos se preocupam com o que virá. Poucos se expressam temendo ser patrulhados como "defensores de mensaleiros". Um sinal de que a radicalização está mesmo no horizonte.

A marcha. A temperatura subiu na semana passada, com a ofensiva da oposição, a nota dos partidos governistas e a nota da presidente Dilma, corrigindo o voto do relator Joaquim Barbosa quanto a declarações suas. Vai atingir fervura com o julgamento de Delúbio, Genoino e Dirceu na semana eleitoral, a próxima.

Dispersão. O PSDB e o PT lideram as disputas, mas devem, ambos, conquistar menor número de prefeituras de capitais. As pesquisas sugerem aumento da dispersão do poder municipal entre um grande número de partidos. Pior para a reforma política, sem a qual o STF ainda julgará mais mensalões.

Disputa. Na briga por votos, a questão é: o que vale mais perante o eleitor, os indicadores de melhora na vida das famílias, trazidos pela Pnad, ou os intestinos do mensalão, com narração de Joaquim Barbosa?

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

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