domingo, 16 de setembro de 2012

A virada da ampulheta - Tereza Cruvinel

A fina areia do tempo terá escorrido da ampulheta, que será então invertida, começando a contagem regressiva para a reeleição

No presidencialismo quadrienal brasileiro, a eleição municipal marca o fim dos primeiros dois anos de governo. A fina areia do tempo terá escorrido da ampulheta, que será então invertida, começando a contagem regressiva para a reeleição, se o governante está no primeiro mandato, como Dilma Rousseff. Ou para a eleição do sucessor, quando se está no segundo. Dilma já começou a se preparar para a virada da ampulheta, tanto na economia quanto na política.

Na economia, já resignado a um crescimento magro este ano, o esforço do governo é para garantir um índice mais robusto em 2013 e no curso de 2014. A semana que passou foi pontuada por três medidas fortes neste sentido. Na terça-feira, houve o lançamento do programa de barateamento da energia, para consumidores e empresas. Junto veio a desoneração da folha de pagamento para mais 25 setores industriais, depois dos primeiros 15 já beneficiados. Para fechar a semana, o Banco Central anunciou a liberação de R$ 30 bilhões em depósitos compulsórios, que irão irrigar a economia. O crescimento em julho foi de apenas 0,4% em julho, contra 0,6% em junho mas o governo festejou o índice raquítico como sinal de que a retomada se mantém, devendo se acelerar no último trimestre.

No calendário de Dilma estão ainda novas concessões ao setor privado, na área de portos e aeroportos, e até a redução do preço do gás, para consumidores e produtores industriais. As medidas tomadas, até agora, têm recebido elogios de empresários e analistas econômicos. Mas, o mesmo governo que abre o cofre para bancar essas medidas, endurece com funcionários e continua distante dos movimentos sociais. Dilma será chamada a olhar também para este lado.

Na política, os resultados eleitorais exigirão da presidente a revisão da composição do governo em função da força política dos partidos. Segundo interlocutores, a reforma ministerial (ou mero ajuste, dependendo da extensão) ficará para o início de 2013. Será seu primeiro lance com a ampulheta virada. A troca de Ana de Hollanda por Marta Suplicy, na pasta da Cultura, deve ser entendida como ato isolado, ditado pela questão eleitoral. As outras mudanças, Dilma fará olhando o mapa eleitoral, mirando o Congresso, mas de olhos bem postos em 2014.

O PT, ferido pelo julgamento em curso no STF, talvez sofra uma redução no número de prefeituras, fortemente compensada por eventual vitória em São Paulo. Mas mesmo assim, como o PT paulista já tem agora, com Marta, seis ministérios, dificilmente ganhará mais um.

O PMDB, ela deve reconfirmar como partido preferencial da coalizão, não só apoiando Henrique Eduardo Alves (RN) para presidente da Câmara mas talvez lhe entregando mais uma pasta. Hoje mais próxima de seu vice Michel Temer, ela até já teria exclamado com um interlocutor que sondava seus planos reeleitorais: "Trocar para quê?"

A coalizão governista no Congresso deve ser ampliada, muito possivelmente, com a adesão do PSD do prefeito Gilberto Kassab. Em janeiro, não sendo mais prefeito, ele mesmo poderá ir para o ministério representando o partido. Uma incógnita é o relacionamento com o PSB do governador Eduardo Campos (PE). Vai depender, é claro, do resultado eleitoral em Recife e em Minas. Mas hoje, nem ele mesmo sabe o rumo que seguirá na encruzilhada. Se o PSDB sair muito enfraquecido, ele pode se animar a partir logo para a ocupação de um espaço livre na oposição. Mas pode optar pela cautela, por manter-se no campo governista, apoiar Dilma em 2014 e guardar-se para 2018.

Por fim, alguns ministros devem ser trocados, não por razões partidárias, mas porque são quase anódinos e/ou não estão apresentado os resultados esperados por Dilma. O tempo encurtou para ela e esgotou-se para alguns deles.

Mensalão: jogo jogado. Duas frases foram muito reveladoras, durante as sessões do Supremo na semana passada, mostrando que aquele jogo já foi jogado antes de começar. O ministro Ricardo Lewandowski fez o relator Joaquim Barbosa perder a sobriedade quando falou que o julgamento era "heterodoxo". E Ayres Britto, o presidente-poeta, com a afirmação de que "da nascente à foz, um rio é o mesmo rio".

Ambos disseram coisas plenas de sentido. Ninguém, no meio jurídico, discorda de que o julgamento esteja fugindo ao cânone ortodoxo. Ou seja, afastando-se de exigências clássicas do devido processo legal para valorizar os indícios e a narrativa da acusação, deduzindo que houve culpa embora falte a chamada prova robusta. Falta é jurista que diga isso em "on". Ninguém quer briga com o STF.

Já a metáfora de Britto revela o cálculo perfeito do relator com o fatiamento, para garantir o resultado esperado. As "fatias" começaram pelas acusações com mais lastro material, os R$ 50 mil de João Paulo Cunha, terminando com a mais abstrata delas, a formação de quadrilha. Condenados os acusados das primeiras "fatias", por que haveria uma outra lógica para a última?

Hoje os advogados de defesa entendem que esta foi a verdadeira razão da negativa do desmembramento.

Custos somáticos. O ex-deputado José Genoino interna-se amanhã no Incor de São Paulo para realizar um cateterismo com colocação de stent. Na semana passada, os exames indicaram bloqueio em uma de suas coronárias.

Na sexta-feira morreu Silvana Japiassú, ex-secretária da Presidência da Câmara na gestão de João Paulo Cunha. Ela virou notícia em 2005 quando se descobriu que havia recebido uma passagem aérea de Marcos Valério, o que a levou a um quadro depressivo. Não virou ré no mensalão, mas respondia a outro processo, por recebimento de vantagem indevida.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

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