sábado, 11 de agosto de 2012

Os ciclos da demanda reprimida - Paulo R. Haddad

Desde o início do Plano Real, uma parte significativa dos fatores que vêm impulsionando o crescimento econômico do Brasil é a descompressão da demanda agregada reprimida. Uma vez feita essa descompressão, tem-se iniciado um ciclo de crescimento que pode ter maior ou menor duração, dependendo das características estruturais dos fatores que inibem a demanda agregada.

Num primeiro momento, quando o Plano Real conseguiu abortar o processo da superinflação que acompanhava a economia brasileira desde os anos 80, a demanda agregada se expandiu significativamente, graças à recomposição do poder de compra da massa salarial com o fim do imposto inflacionário. A partir do segundo semestre de 1994, consolidou-se um novo patamar do consumo privado, com a incorporação de milhões de famílias de trabalhadores aos mercados de bens de consumo duráveis e não duráveis. Esse ciclo expansionista vingou sem impactos inflacionários ou de desabastecimento, ao contrário do que ocorreu à época do Plano Cruzado, pois já se estava num contexto da economia brasileira mais aberta e globalizada.

A oferta global de bens e serviços se complementava com importações mais desregulamentadas e com tarifas médias significativamente menores. Esse tipo de ciclo não é muito longo, pois o fim do imposto inflacionário tem a capacidade de mudar o patamar da demanda agregada de uma única vez, pela elevação dos níveis de consumo, mas não a capacidade de lhes dar uma taxa sustentada de crescimento.

Quando se trata do consumo agregado, é preciso destacar também o papel das políticas sociais compensatórias implantadas a partir da Constituição de 1988. Como se sabe, o mercado interno de um país depende de três fatores fundamentais: o tamanho da população, os níveis de produtividade e o perfil da distribuição da renda e da riqueza. Quanto maior a população, quanto mais elevados os ganhos de produtividade total dos fatores de produção e mais bem distribuída a renda e a riqueza de um país, maior será o seu mercado interno.

Ora, desde o início dos anos 90 vieram sendo implementados no Brasil os direitos sociais, muitos dos quais previstos na Constituição de 1988: a Previdência Social, a Lei Orgânica de Assistência Social, o Bolsa-Família, o seguro-desemprego. Essas e outras políticas sociais compensatórias se aceleraram particularmente ao longo dos dois mandatos do presidente Lula. Como essas políticas têm como referência do ajuste de seus benefícios o salário mínimo, e este subiu em torno de 50% acima da inflação naquele período, explica-se a mudança do novo patamar da demanda agregada via elevação do consumo de milhões de famílias localizadas nas áreas menos desenvolvidas do País, assim como nas periferias das grandes metrópoles.

Quanto mais se pode esperar desse ciclo de expansão da demanda agregada via políticas sociais compensatórias? Não muito, embora a redução das taxas de juros tenha contribuído para incorporar crescentemente os grupos sociais C e D nos mercados de bens duráveis de consumo. Há restrições orçamentárias para se expandirem as despesas correntes do governo federal, onde se situam as políticas sociais compensatórias. A manutenção do valor absoluto dessas despesas em termos reais é o cenário mais provável num contexto em que se clama por mais investimentos públicos na infraestrutura econômica do País.

Tudo indica que a melhor alternativa para a ativação da demanda agregada, atualmente, está em descomprimir o potencial dos investimentos privados na infraestrutura econômica frágil, vulnerável e decadente da economia brasileira. Para que um ciclo de expansão venha a ocorrer a partir desses investimentos, é preciso que se estruture a construção de um tripé baseado numa inteligente engenharia de financiamento interno e externo, em regras de precificação e de tarifação compatíveis com a economia social de mercado e, principalmente, a minimização dos riscos jurídico-institucionais dos processos de privatização ou das estruturas regulatórias.

Paulo R. Haddad, professor do Ibmec/MG; foi ministro do Planejamento e da Fazenda no Governo Itamar Franco

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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