segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Indústria perde espaço no BNDES

Participação do setor nos créditos do banco caiu de 50%, em 2006, para 26,1% este ano

Vinicius Neder

RIO - A indústria da transformação perdeu espaço nos empréstimos oferecidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em um movimento que reflete a queda de participação do setor na economia.

Estudo elaborado para a seção Em Foco, da edição deste mês do Boletim Macro Ibre, publicado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), analisou os dados de desembolsos do banco e constatou uma substituição da indústria de transformação pelo setor de comércio e serviços.

Segundo o economista Gabriel Leal de Barros, pesquisador do Ibre/FGV e autor do estudo, a evolução das fatias de cada setor no total emprestado pelo BNDES é um sinal de que a estratégia de ampliar o poder de fogo do banco está perdendo eficácia como resposta à desaceleração da economia.

"É preciso atacar o fato gerador, a causa desses problemas, que é uma questão de (falta de) inovação e de competitividade da indústria", disse Barros. Na atual crise da indústria brasileira, além da falta de inovação, a competitividade é minada por custos elevados (energia, logística, mão de obra) e infraestrutura deficiente. Estes fatores têm pesado mais do que o alto custo do capital, ainda mais diante da queda recente nos juros. Por isso, Barros considerou um avanço a recente mudança da ação do governo, no pacote que teve como objetivo incentivar projetos de infraestrutura para tentar atacar esses problemas.

No estudo do Ibre/FGV, o ano de 2006 é o ponto de virada. Até então, a participação da indústria de transformação nos empréstimos liberados pelo BNDES se mantinha entre 40% e 50%. De 2007 em diante, o segmento perdeu espaço, chegando a 29% dos empréstimos em 2011 e a 26,1% neste ano, até maio.

Em contrapartida, o setor de comércio e serviços foi conquistando espaço. Em 2006, sua fatia no total desembolsado pelo BNDES foi de 40,5%. No ano passado, atingiu 61,4% e, em 2012, chegou a 65,2%, até maio.

O estudo elaborado pelo Ibre/FGV usa os dados do BNDES divididos por setores segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (Cnae), que diferem um pouco da classificação usada pelo banco de fomento em suas estatísticas mensais.
Na última segunda-feira, a Agência Estado revelou que os desembolsos do BNDES recuaram 3,8% no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2011. A indústria em geral recebeu um volume de empréstimos 18,9% menor, enquanto o setor de comércio e serviços conseguiu desembolso 33,5% maior.

Para o economista Júlio Gomes de Almeida, professor da Unicamp e consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o estudo evidencia um modelo de crescimento "capenga", que privilegia o setor de serviços, em detrimento da indústria.

Além disso, há algumas questões específicas. Setores como telecomunicações e construção civil investiram muito na última década, diante da carência de infraestrutura no País, contribuindo para o setor de comércio e serviços conquistar espaço. A participação dos empréstimos para o setor de infraestrutura tem acompanhado o crescimento dos desembolsos do BNDES.

"O Brasil tem pouco mercado de capitais e o investimento é financiado sobretudo pelo BNDES. Se a proporção de um setor cai no BNDES, é reflexo de que o investimento do setor está sendo relativamente menor", resumiu Almeida. Assim como Barros, do Ibre/FGV, o consultor do Iedi considerou positiva a mudança de foco na ação do governo, com o anúncio de mais concessões para a iniciativa privada e sinalizações em prol da redução do custo da energia.

O problema é que há muito a recuperar. "As medidas de agora podem dar resultado, mas ainda vai levar um tempo", completou Almeida, ressaltando que o País ficou de 20 a 25 anos sem política industrial.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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