quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Combinada, defesa individualiza talentos - Rosângela Bittar

Sem dúvida, o procurador geral da República, Roberto Gurgel, o acusador do mensalão, que já vinha dando de dez a zero no PT e em Fernando Collor ao se livrar, com vantagem, da CPI do Cachoeira e outras armadilhas construídas para pegá-lo antes do julgamento, venceu também a primeira batalha contra os advogados dos réus políticos mais importantes do caso. Confrontada a sexta-feira, da sessão de apresentação do procurador, com a segunda-feira, dos advogados de clientes notórios, a convicção de que o mensalão foi um crime de corrupção não se abalou. Nem na opinião pública, nem na percepção da realidade política do ponto de vista dos acusados. Na opinião pública, a fala de Gurgel pegou bem: foi monocórdica, sóbria, aparentemente sem ódio e contundente.

Comparados os advogados entre si, porém, os notáveis da primeira rodada, a peça apresentada pelo procurador perdeu um pouco de seu alicerce condenatório, embora politicamente tenha se mantido de pé. Esses advogados estão há muito combinando estratégias, reuniram-se várias vezes em São Paulo, mas o momento real fez aflorar as diferenças, o talento de cada um, a experiência. Nas avaliações feitas em Brasília, inclusive em meios jurídicos, o melhor de todos foi Marcelo Leonardo, advogado de Marcos Valério.

Conciso, direto, claro, citou crime por crime de que seu cliente foi acusado pelo chefe do Ministério Público e rebateu um a um, argumentando com dados do processo. A principal alegação de Leonardo é que tudo o que foi citado como prova e obtido sem o contraditório não pode ser usado para condenação criminal. Nesse caso estão as evidências reunidas em CPI e em inquérito da Polícia Federal.

Condenação penal não aceita prova sem contraditório

Leonardo referiu-se longamente a isso, ao fato de que condenação criminal só é possível quando há o contraditório. Da mesma maneira que fez o advogado de Marcos Valério, outros utilizarão esse dispositivo do Código de Processo Penal para repelir o procurador.

Sem perder o foco no processo, e além dessa questão substantiva, Leonardo seduziu a audiência em dois momentos. A forma como destacou o relator e o tribunal: lembrou que era o primeiro advogado mineiro a usar aquela tribuna e gostaria de homenagear o tribunal nas pessoas dos ministros mineiros Carmem Lúcia e Joaquim Barbosa. Fugiu dos incensos aos caramurus em que se transformam os juízes das causas difíceis. E não perdeu a objetividade nem mesmo no final, em que pretendeu emocionar ao dizer que Valério raspou a cabeça em solidariedade ao filho de seis anos que teve câncer.

A defesa de José Dirceu, feita por José Luis de Oliveira Lima, o Juca, outra atuação forte do primeiro dia de enfrentamento das teses da acusação, foi avaliada como melhor do que fez o mesmo advogado à época do recebimento da denúncia, jogou menos para a plateia que de outras vezes, mas se perdeu naquela que pode ser definida como parte social do discurso, quando chama a atenção para si e rende-se aos sábios juízes.

Pareceu titubeante, enrolou-se com bobagem, como uma menção à pergunta de um estagiário que lhe indagou, como a seu tempo de estagiário perguntara também, o que se sente naquela tribuna. Juca elogiou muito Celso de Mello numa clara busca de simpatia do decano, que é o mais respeitado entre os ministros do STF. Um início arrastado, piegas, gongórico, que fluiu quando se restringiu ao processo.

Arnaldo Malheiros, outros famoso defensor de um destacado integrante da bancada de réus, Delúbio Soares, precisou admitir um crime, o eleitoral, de caixa dois, mas pela experiência conseguiu demonstrar segurança e intimidade real com o Supremo, com um ponto forte destacado pelos que ouviram seu discurso: os gráficos de comparação entre os saques do mensalão e as votações no Congresso, mostrando que os maiores saques corresponderam a menor apoio ao governo. É a desconstrução do mensalão formal, oficialmente entendido como compra de voto pelo governo e não uma distribuição de dinheiro, inclusive público, a políticos do PT e aliados para gastar como quisessem.

De uma forma geral, os advogados abandonaram o discurso político, a retórica de efeito imediato, e enfrentaram a acusação do procurador. Quem não fez isso se deu pior. Luiz Fernando Pacheco, o advogado de José Genoíno, descreveu todos os passos do ex-presidente do PT, desde o nascimento, em Quixeramobim, passando pela guerrilha do Araguaia aos mandatos no Congresso, trajetória que não o levou a aumentar seu patrimônio. Explicou que Genoíno, como presidente, atuava para o PT na política, delegando a Delúbio Soares as transações financeiras. Mas no processo está lá a assinatura do presidente do partido nos empréstimos bancários do mensalão, e o advogado não enfrentou a realidade.

Para o tribunal aceitar a argumentação de Pacheco, teria que julgar Genoíno pela biografia, politicamente. Exatamente o contrário de tudo o que os réus e sua banca de defesa procuram nesse julgamento.

O médico Roberto Kalil entrou esta semana na campanha eleitoral de São Paulo para acalmar a militância petista, impaciente com a falta de reação do candidato Fernando Haddad nas pesquisas de intenção de voto. Kalil avalizou para todo o país a volta do ex-presidente Lula aos palanques, onde poderá falar pelo tempo que quiser sem prejuízo ao seu tratamento contra o câncer.

A campanha está sem comando, Marta Suplicy não dá sinais de engajamento, Luiza Erundina atua, como fez no último fim de semana, para complicar pois reavivou a crítica à aliança do PT com o Maluf, e das carreatas não se sabe o trajeto ou o número de participantes. A direção do partido passou a apostar que a subida do candidato é fava contada com o início do horário eleitoral. Mas precisava de Lula. Como o ex-presidente vinha se sentindo bem disposto, já perguntava sobre os candidatos do PT nos Estados, e dava sinais de impaciência com a imobilidade, a medicina seguiu em seu socorro para referendar a volta ao batente.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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