segunda-feira, 13 de agosto de 2012

As teses que dividem o Supremo

Ministros do STF mostram divergências em alguns pontos cruciais do mensalão

Carolina Brígido

UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA

BRASÍLIA. Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ouvidos pelo GLOBO se mostram divididos sobre um dos mais difíceis nós que precisarão desatar no julgamento do mensalão: é necessário haver o chamado ato de ofício para configurar o crime de corrupção passiva? De acordo com o artigo 317 do Código Penal, uma pessoa pratica o crime quando "recebe direta ou indiretamente vantagem indevida ou promessa de tal vantagem". Seria necessário comprovar materialmente a contrapartida do servidor público para enquadrá-lo no ilícito? Para três ministros, a resposta é sim. Outros dois defendem a tese contrária. Se considerarem necessária a contrapartida aos pagamentos, os ministros vão analisar se as votações no Congresso podem ser classificadas como ato de ofício, conforme diz a denúncia do Ministério Público.

No processo, 12 réus respondem por corrupção passiva. Desses, sete então deputados teriam votado a favor do governo em votações importantes após receberem dinheiro. Algumas defesas alegam que o dinheiro foi para pagar dívidas eleitorais. Com isso, não configuraria corrupção passiva, mas caixa dois - crime que já estaria prescrito.

Há apenas um precedente sobre esse assunto no STF. Em 1994, o ex-presidente Fernando Collor foi inocentado da acusação de corrupção passiva por falta de provas. Para os ministros, era necessária a comprovação do ato de ofício, algo que o Ministério Público não teria conseguido comprovar. Collor foi acusado de receber cerca de R$ 5 milhões do chamado Esquema PC. Apesar da comprovação do recebimento do dinheiro, não havia provas de que ele adotou alguma medida para favorecer o esquema.

O ministro Celso de Mello é o único integrante do STF atual que participou do julgamento de Collor. Na época, ele afirmou que é necessária a comprovação do ato do agente público para configurar o crime. Para o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, as situações são diferentes.

- No caso Collor, o que se entendeu é que não haveria ato de ofício, e que a falta do ato de oficio impediria que se identificasse o delito. No caso em questão, havia atos de ofício e são listados em alguns exemplos. O ato de ofício pode haver se eu voto em determinado sentido em matéria de interesse do governo e recebi determinado valor. Ato de ofício clássico - disse Gurgel no dia 1º de agosto, véspera do início do julgamento do mensalão.

Apesar de ter declarado na semana passada que não é necessária "prova cabal" para a comprovação de crime de corrupção, o ministro Marco Aurélio Mello evitou emitir opinião, dizendo ainda ser cedo para tomar posições.

No julgamento, os ministros vão se posicionar sobre várias teses jurídicas. Uma delas é sobre a acusação de formação de quadrilha, feita pelo Ministério Público contra 22 dos 38 réus. Pelo menos quatro integrantes do STF devem aceitar essa parte da denúncia. A defesa sustenta que réus não poderiam ter sido denunciados por quadrilha porque, no Código Penal, o crime só pode ser cometido por pessoas unidas para um mesmo fim. No caso do mensalão, a suposta quadrilha era composta por pagadores de propina e recebedores do benefício. O argumento dos advogados não convence os ministros ouvidos pelo GLOBO.

Há outras teses, algumas inéditas, que terão que ser analisadas. Um exemplo é a alegação de que houve caixa dois, e não corrupção - ou seja, o dinheiro pago a parlamentares era uma ajuda eleitoral não declarada oficialmente. A tese - defendida, por exemplo, pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e pelo publicitário Duda Mendonça - não tem muita chance de vingar entre os ministros.

O STF também precisará definir se a investigação prévia do assunto feita pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios pode ser usada no processo. O ministro Celso de Mello, mais antigo integrante da Corte, já declarou que os documentos não têm peso no julgamento. Ao GLOBO, o ministro Marco Aurélio afirmou o contrário.

- Eu não desprezo (a investigação da CPI), porque é um órgão da maior respeitabilidade. O juiz aprecia o conjunto do documento do processo. A Constituição diz que as CPIs têm poder investigatório próprio do Poder Judiciário. Não é uma crítica ao nosso decano. O colegiado é um somatório, cada qual tem sua formação técnica e humanística. Se pensássemos igual, não seria um colegiado - disse Marco Aurélio.

Pelo menos outros três ministros concordam com Marco Aurélio. Um deles disse, reservadamente, que as provas de uma CPI costumam ser mais fracas em um julgamento, a menos que tenham sido confirmadas em investigação do Judiciário. Para este ministro, é o caso da CPI dos Correios.

Outro assunto que promete render nos debates é a Teoria do Domínio do Fato. Nascida na Alemanha pós-guerra, a tese diz que, para ser punida por um crime, a pessoa precisa estar ciente de todo o esquema por trás de seus atos. A tese é recorrente em discussões no STF e os ministros costumam considerá-la nos julgamentos de ilícitos.

O argumento foi usado por advogados de vários réus - como, por exemplo, o de Simone Vasconcellos, ex-diretora financeira da SMPB. A defesa alega que ela entregou cheques para deputados, mas não sabia o motivo. Como ela era assalariada de uma empresa de Marcos Valério, não teria noção de que poderia estar contribuindo para um esquema de corrupção - ou seja, não tinha o domínio do fato.

FONTE: O GLOBO

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