terça-feira, 17 de julho de 2012

Crédito com risco:: Míriam Leitão

O BNDES concedeu outro crédito-ponte de R$ 1,8 bilhão para a Norte Energia, empresa que está construindo Belo Monte. Ao todo, já colocou à disposição do empreendimento R$ 6,6 bilhões. O Ministério Público comunicou ao Banco Central que empréstimos têm sido concedidos sem a devida análise de risco. O BNDES concedeu o crédito, apesar de o Ibama ter multado Belo Monte em R$ 7 milhões por problemas ambientais.

A multa imposta pelo Ibama é pelo não cumprimento de compromissos assumidos na concessão da licença prévia. Pelas normas do BNDES, repetidas em nota enviada ontem à coluna, empréstimos só são concedidos para empresas que estão em dia com obrigações ambientais.

O segundo empréstimo foi concedido sem que o Ministério Público do Pará, que vem acompanhando essa questão detalhadamente, soubesse. A primeira informação foi divulgada por uma ONG. O primeiro crédito-ponte foi de R$ 1,1 bilhão; o segundo empréstimo, de R$ 1,8 bi, além do crédito através do Plano de Sustentação do Investimento no valor de R$ 3,7 bilhões.

A obra é controversa, continua no meio de muita polêmica, mas nada disso impediria o banco de conceder o empréstimo, se tivesse respeitado os seguintes requisitos: uma análise de risco de crédito, o cumprimento por parte do tomador de empréstimo da legislação ambiental e uma ampla publicidade ao fato.

Só se soube que o crédito foi concedido, porque a ONG International Rivers procurou o recém-criado Serviço de Informação ao Cidadão do BNDES e pediu o dado. Foi surpresa para o próprio Ministério Público do Pará, que pedirá o contrato do adiantamento. Ontem, perguntei ao banco se o crédito tinha, de fato, sido mesmo concedido e, em nota, ele informou que sim. "Duas operações de curto prazo no valor total de R$ 1,8 bilhão, realizadas na modalidade indireta, por meio de repasse de recursos dos agentes financeiros Caixa Econômica Federal (R$ 1,5 bilhão) e Banco ABC (R$ 300 mil)".

Segundo a nota do BNDES: "Com relação ao segundo empréstimo-ponte, o BNDES estabeleceu uma série de obrigações e condições, entre as quais a de manter em situação regular suas obrigações junto aos órgãos de meio ambiente, inclusive como condição para utilização de recursos". Após a coluna ter perguntado por que o banco concedeu o empréstimo em fevereiro (contratado em março), apesar de a multa do Ibama ter sido dada naquele mês, o BNDES respondeu que, ao ser informado da multa, suspendeu a liberação dos recursos.

"O dinheiro relativo a este segundo empréstimo-ponte só começou a ser desembolsado após comprovada a regularidade ambiental. A Norte Energia apresentou ao banco no final de março ofício do Ibama atestando que, embora tivesse sido aplicada a multa, a licença de instalação do projeto continuava válida e que a empresa permanece autorizada a prosseguir com as obras para implantar a usina". O banco disse isso quando foi consultado pela coluna pela segunda vez.

O Ibama multou a empresa em fevereiro pelos "atrasos constatados na implementação do Projeto Básico Ambiental". As licenças prévias do Ibama foram concedidas com o condicionante de que seria feito o PBA para adotar ações de mitigação do impacto da usina para a vazão do rio e os moradores da região.

Sem saber desse novo empréstimo de R$ 1,8 bilhão, o Ministério Público, no final de maio, havia consultado o BNDES sobre outra dúvida em relação ao primeiro empréstimo-ponte de R$ 1,1 bilhão e ao crédito do Programa de Sustentação de Investimento de R$ 3,7 bilhões. O MP quer saber se existem estimativas de custos de mitigação e compensação de impactos ambientais e sociais que estão previstas na concessão das licenças prévia e de instalação. Queria saber também dos "resultados da análise de risco" e da "análise técnica da viabilidade econômico-financeira" de Belo Monte para conceder o empréstimo principal. A consulta ao presidente do banco, Luciano Coutinho, foi assinada pelos procuradores Cláudio Terre do Amaral e Bruno Alexandre Gütschow.

Foi enviado também ao BC no dia 30 de maio, ao chefe do Departamento de Supervisão de Bancos, Carlos Donizeti Macedo Maia, informações sobre esses empréstimos "com a finalidade de instruir Inquérito Civil Público". O ponto do MP é que o próprio BNDES havia informado em relação ao primeiro empréstimo-ponte o seguinte: "ainda não foi possível elaborar a classificação de risco dessa operação de financiamento". Segundo os procuradores, não há nada que permita a concessão de crédito sem análise de níveis de risco.

O que os documentos mostram é que Belo Monte, mesmo com seu pedido de empréstimo de R$ 23 bilhões não aprovado ainda, já teve dois empréstimos-ponte de R$ 2,9 bilhões, mesmo recebendo multa do Ibama por descumprimento básico da lei. E ainda teve um crédito de R$ 3,7 bilhões do Plano de Sustentação do Investimento. É isso que está sob investigação do Ministério Público.

FONTE: O GLOBO

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