quinta-feira, 7 de junho de 2012

O Dia D + 1:: Míriam Leitão

Terça-feira foi Dia do Meio Ambiente e ontem foi aniversário do desembarque na Normandia. Deixe-se de lado o quase septuagenário instante em que a França recebeu apoio marítimo na guerra contra a Alemanha. Hoje os países são íntimos, melhor nem lembrar briga velha já que ambos têm novas frentes de batalha. O que deve ser celebrado é o único dia do ano dedicado àquilo sem o qual não haveria vida na Terra, nem aqui nem na Normandia.

Está quase começando a decisiva Rio + 20, e a presidente Dilma arrematou com pressa um pacote para ajudar a compor a imagem de anfitriã de importante reunião ambiental. A maquiagem verde não escondeu os hematomas que a terra carrega.

O governo Dilma criou as primeiras unidades de conservação da sua gestão. Esse movimento não apaga a nódoa de cinco meses atrás. No dia 5 de janeiro, saiu publicado no Diário Oficial a Medida Provisória 558, que fez a revisão dos limites de sete unidades de conservação nos estados do Amazonas, Pará e Rondônia. São 1.500 Km2 que eram protegidos e deixaram de ser, em três parques nacionais, três florestas nacionais e uma área de preservação permanente.

A decisão é um atentado ambiental e cria outros problemas. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, move uma Ação Direta de Inconstitucionalidade porque entende que não se pode reduzir por MP áreas protegidas. O governo quer, com a MP, facilitar a concessão de licenças ambientais para hidrelétricas, algumas ainda nem licitadas, como as da Bacia do Rio Tapajós: de Jatobá, São Luis de Tapajós e Tabajara. O governo está limpando previamente o terreno para as usinas, tirando obstáculos que, para serem contornados na licença, exigiriam compensação. Está reduzindo a compensação que seria exigida da empresa que vier a ganhar o leilão das hidrelétricas ainda não projetadas. Isso é que é visão de longo prazo. Tivesse o governo o mesmo binóculo em outras áreas e estaríamos em excelente momento.

O desmatamento caiu um pouco, mas ainda significa, segundo Paulo Barreto, do Imazon, 480 milhões de árvores derrubadas num período de 12 meses. O governo comemora o desmatamento menor, como se não houvesse amanhã. O futuro exige de nós a meta incontornável do desmatamento líquido zero. E é possível. Outros países estão com taxas de aumento da área com vegetação natural. O Brasil não consegue isso nem mesmo na Mata Atlântica, onde restam tão exíguos 7% da cobertura original. Barreto, no seu twitter @paulobarreto, postou um mapa da Amazônia, dias atrás, com as áreas onde mais se desmatou. Acertou quem imaginou que foram no entorno das hidrelétricas em construção: as duas do Madeira e a de Belo Monte. A energia para ser limpa tem que ser integralmente limpa. Uma usina hidrelétrica só pode ter essa classificação se o for do começo ao fim. Existem casos históricos de desastres ambientais causadas pela energia de fonte hídrica.

Tudo o que aconteceu em torno do Código Florestal também significa retrocesso. Os vetos e a MP não mascaram o fato simples de que houve sim uma anistia. Quem desmatou ilegalmente, e foi flagrado, tem a multa suspensa e terá que recompor apenas uma parte do estrago feito. Foi derrubada silenciosamente a Resolução do Banco Central que proibiu a concessão de crédito de bancos públicos ao produtor irregular do ponto de vista ambiental.

A saída dessa resolução foi à francesa. Ela é de aplicação imediata, aí a proposta do Senado deu um ano para a legalização ambiental sob pena de não ter financiamento. A Câmara retirou essa exigência, acabando com a resolução, e o governo fingiu que a reintroduziu, mas com um detalhe: deu mais prazo ao produtor. Se em cinco anos ele não tiver o Cadastro Ambiental Rural - o primeiro passo para a regularização - ele não poderá ter financiamento. É com esse tipo de expediente esperto que se faz uma anistia ao desmatador: dando mais prazo para cumprir leis, resoluções, normas, e flexibilizando as punições.

O crédito público é uma arma poderosa e poderia ser usado para induzir um novo tipo de comportamento das empresas. Quase a metade do crédito no Brasil - e todo o de longo prazo - vem de bancos públicos. Se o governo quisesse, as empresas teriam que mudar. Ontem, o JBS foi novamente acusado de ter comprado gado de fazenda em terra indígena e desmatada ilegalmente. O Greenpeace divulgou mais um dos relatórios com os quais monitora o não cumprimento do acordo feito pelo frigorífico em 2009.

Conversei com o presidente da Associação Brasileira de Supermercados, Sussumu Honda, sobre esse problema. Ele foi na terça-feira a Brasília assinar um termo de cooperação com o Ministério Público para informar de quem os supermercados compram a carne. Ele não desconhece as notificações do MP à empresa, mas admite:

- Os supermercados brasileiros não conseguem se abastecer sem o JBS e o Marfrig.

Isso é resultado da política deliberada do BNDES de concentrar o setor de carne. Se usasse seu poder de sócio e financiador dos frigoríficos para induzir boas práticas o ambiente já tinha começado a mudar. Se o governo quisesse ele protegeria com sua força econômica o meio ambiente no Brasil. Não fazer isso é, para usar as palavras da presidente Dilma, "o pior dos egoísmos".

FONTE: O GLOBO

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