quinta-feira, 7 de junho de 2012

A crise e a inflação da manicure:: Vinícius Torres Freire

Inflação de serviços ainda cai mais devagar que a de bens industriais ou aqueles negociáveis no exterior

A alta do preço da manicure e a do corte de cabelo serviram nos últimos dois ou três anos de metáfora para a inflação de serviços e era um sinal de que o povo mais pobre estava remediado, gastando em algo mais do que o essencial ("a ascensão da classe C", como diz o clichê).

Esse era também um dos sinais de que a economia brasileira não era capaz de acomodar, em vários setores, o ritmo de aumento da renda e, pois, do consumo. Faltaria oferta de produtos, serviços e de mão de obra qualificada; sobraria procura, demanda. O resultado seria inflação extra.

Talvez uma inflação menor, pois, indicasse que a lerdeza da economia brasileira se espraiou pelas "classes", a "C" inclusive, e por vários setores além da indústria.

O assunto é enrolado e controverso, mas parece evidente que o aumento da renda encareceu os serviços e tudo aquilo que não está sujeito à concorrência de importações.

Como diz o batido exemplo do manual para iniciantes de macroeconomia, não dá para importar ou exportar cortes de cabelo (como se faz com TV, celular, carro etc.).

O preço médio dos bens comercializáveis (no exterior) subiu 3,5% nos últimos 12 meses (trata-se, grosso modo, de bens cujo preço tem forte influência do mercado internacional, de produtos que podem ser vendidos aqui ou lá fora, exportados ou importados). O preço dos bens não comercializáveis aumentou mais que o dobro, 7,5%.

No caso dos bens duráveis (carro, TV, geladeira etc.), há deflação desde abril de 2011. Por exemplo, nos 12 meses encerrados em maio passado, o preço dos duráveis caiu em média 2,5%.

O dos serviços subiu 7,6%. Serviços pessoais, 11%. O da depilação, 16%! Manicure e pedicure: 10%.

Deixe-se claro, por favor, que não se está a dizer que a inflação brasileira é culpa da manicure. Como se explicou no início do texto, trata-se de uma metáfora para uma conjuntura da economia brasileira.

Porém, a inflação dos serviços, além de muito mais alta, cai mais devagar que a média (o IPCA), e ainda mais devagar que dos bens industriais ou comercializáveis no exterior (sempre na medida da inflação acumulada em 12 meses).

No mês que passou, maio, o aumento médio do preço de alguns serviços até que tropeçou, ou perdeu fôlego. Mas um mês apenas não diz grande coisa (a variação mês a mês é grande demais quando se trata de itens específicos).

A crise, ou marasmo, ainda não bateu no setor de serviços para valer -pelo menos até maio e a julgar apenas pela inflação. Também não chegou ao varejo de itens relativamente mais baratos (alimentos, roupas, itens de supermercado).

No mais, parece ter chegado ao fim a temporada de baixa da inflação (na medida de 12 meses), que chegou em maio a caprichosos 4,99%, mas deve voltar a um tico mais que 5% a partir de junho.

Ou seja, não houve o "descontrole inflacionário" bobamente previsto por tanta gente em meados (e até setembro!) do ano passado. Mas vai ser difícil que a inflação chegue perto dos 4,5% da meta oficial até o fim do ano. Quer dizer, pode ser até que chegue, mas tal "sucesso" será um sinal de que a economia do Brasil terá esfriado ainda mais, e rápido.

Aí vai começar a faltar emprego -também para manicure.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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