terça-feira, 8 de maio de 2012

Prêmio Nobel - Amartya Sen: 'O IDH é uma forma bruta de se representar qualquer coisa'

Amelia Gonzalez e Camila Nobrega

Não é qualquer hora que se tem a chance de ouvir de perto as palavras de um prêmio Nobel. Foi pensando nisso que nós decidimos acompanhar os passos de Amartya Sen, o indiano de 78 anos, Premio Nobel de Economia em 1998, quando ele esteve aqui no Rio de Janeiro dia 27 de abril. Apesar da idade, Amartya tem um vigor invejável. Depois de participar de um debate no Centro promovido pelo Unibanco, ele atravessou a cidade para ser ouvido, na Barra da Tijuca, por estudantes do Ibmec. Tanto em um, quanto em outro encontro, defendeu seu pensamento mais contundente: em defesa da liberdade e da justiça. Amartya criou, na década de 80, o Indice de Densenvolvimento Humano para tentar ampliar a medição, sobretudo, da felicidade humana. Mas agora faz sérias críticas ao índice. Sempre ladeado pela esposa, que cuidava dele o tempo todo, o prêmio Nobel esteve aqui também para lançar o livro "Justiça, esperança e pobreza". Abaixo, os principais tópicos abordados por Amartya Sen no Rio.

ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO: " Este índice é uma forma muito bruta de se representar qualquer coisa. Em primeiro lugar, há de se reconhecer isso. É incompleto. O surgimento dele começou numa conversa com o amigo paquistanês Mahbub ul Haq. Conhecemo-nos em Cambridge e desde a primeira aula conversamos sobre o problema da medição do progresso econômico. Ele negava o Produto Interno Bruto ( PIB). Achamos que pegar a renda de um indivíduo pode ser um mal reflexo sobre a liberdade dele. Duas pessoas podem ter a mesma renda, mas se uma tem uma limitação e precisa de hemodiálise, por exemplo, a necessidade da renda é diferente. Ou seja: olhar para a renda nos dá uma impressão errada. Continuamos em contato até que, em 1989, ele me disse: precisamos de uma abordagem do desenvolvimento humano. Sabíamos que, nesse novo índice, era necessário entrar mortalidade, educação, a sensação de segurança e insegurança dos indivíduos no mundo. Ele me disse: "Podemos ter um só número? Introduza a renda e outros aspectos, poucos." Eu disse: "Não o faça, porque o resultado vai ser muito bruto." E ele concordou, mas me convenceu argumentando que precisávamos de um índice tão simples quanto o PIB. Mas não podemos ser ingênuos de que isso possa medir a liberdade das pessoas. Se eu lhe perguntar: "Como está sua vida?", você vai me responder: "137"? Não é um índice que vai dar essa resposta. Mas a ideia é pensar, deslocar a atenção do PIB. Quando produzimos o IDH conseguimos o que queríamos. Saímos no "Le Monde", "New York Times", "Guardian". A questão é, se quiséssemos incluir mais variáveis no índice, as que estão perderiam peso. Preferimos simplificar. Ficamos com longevidade, educação e renda per capita. Mas eu poderia incluir pelo menos outros dez fatores.

RIO+20: "A conferência deve discutir a questão do PIB. No Brasil, por exemplo, houve redução de desigualdades, com crescimento econômico. Precisamos converter renda em boa qualidade de vida. Leituras modernas de Adam Smith mostram que ele não aponta o lucro como objetivo final. O estado depende do mercado para ter a receita de que precisa. Mas, quando a receita pública cresce, é preciso usar essa receita em ações de interesse público. E há ganhos que não têm nada a ver com crescimento econômico. O nível de democracia de uma sociedade, por exemplo.

BOLSA FAMÍLIA: "Dar às pessoas uma renda básica é uma forma em que a desigualdade de renda foi atacada em diversos países. É uma forma de dar às pessoas oportunidade de pensar o futuro. Algumas pessoas dizem que políticas desse tipo podem fazer os beneficiários ficarem dependentes. Dizem que as pessoas ficam improdutivas. A minha posição é que num lugar onde a exclusão é forte, essas políticas podem funcionar. As complementações indiretas, como microcrédito, são importantes no mundo todo, mas há situações extremas em que garantir a renda básica é crucial para a sobrevivência das pessoas."

RELATÓRIO STIGLITZ: "A principal conclusão a que chegamos foi que não há um índice que congregue todas as informações de que precisamos para medir a qualidade de vida das pessoas. Nem sempre se pode captar tudo de forma quantitativa. Nada vai substituir a comunicação entre os indivíduos. Os índices são só analogias. Um índice é antipensamento, antipoesia. Não podemos nos concentrar tanto neles."

JUSTIÇA: "Nós lidamos ainda com uma sociedade baseada no conceito de contrato social. Acreditamos em instituições ideais, justas. O problema é que nessa abordagem é necessário ter um estado soberano. Há muitos filósofos estudando a justiça global, mas o que há hoje é o monetarismo global. Há milhões de pessoas morrendo de inanição, a medicina que poderia salvar pessoas de doenças tem outros objetivos em jogo. Precisamos pensar primeiro em como reduzir as injustiças, uma a uma. Não vamos resolver tudo de uma vez só.

BRASIL: "O Brasil está numa posição importante na discussão de justiça global. Quando escrevi meu livro ("Desenvolvimento e pobreza" ) em 1989, o Brasil tinha muitos problemas na sua economia de mercado. Agora, está construindo uma forte economia, com ações do estado. Os brasileiros podem olhar os resultados ainda insatisfeitos, mas houve avanços na educação, a transferência de renda tem sido importante. A renda per capita cresceu. E os indicadores desumanos caíram. A Índia tem muito a aprender com o Brasil. O grande papel do Brasil será no G20, há uma grande responsabilidade. E também há voz no Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e Africa do Sul). E o Brasil tem a vantagem de não manter um arsenal nuclear."

LIBERDADE: "Há liberdades muito importantes que não estão nos índices. A liberdade de informação, de imprensa, por exemplo. Liberdade de criticar o governo. É preciso medir acesso a recursos. Entra aí a questão de patentes, pois o sistema dificulta o acesso a drogas por pessoas que precisam delas e são menos privilegiadas."

CHINA: "Quando falo em democracia, vão me dizer "mas a China teve crescimento econômico". Sim, mas lá não há liberdade de se criticar o governo. E a cobertura de saúde tem problemas. Era universal, depois adotou um modelo parecido com os Estados Unidos, agora está voltando à cobertura universal. Há passivos no crescimento chinês, e não há editoriais nos jornais contra isso. Três quartos das execuções que acontecem no mundo ocorrem na China. Precisamos respeitar o que os chineses têm feito, mas é preciso trazer à tona as consequências do regime antidemocrático. Crescimento não vale por crescimento em si. Depende do que você faz com os recursos dele."

EDUCAÇÃO: "Educação é uma coisa muito complicada. Tendo a concordar com a definição segundo a qual a educação pode vir pelos cinco sentidos. Estamos falando de diferentes formas de desenvolvimento de capacidades. Compreender é muito importante, mas imaginar também é. Num currículo escolar formal, ler e escrever é primordial. São coisas importantes, mas também é essencial ler poesia. E é difícil avaliar isso. A escola padrão erra ao concentrar-se muito em habilidades cognitivas."

CRISE ECONÕMICA: " O foco na redução da dívida levou a um retrocesso. O Estado e a economia de mercado estão muito conectados. A sociedade saiu prejudicada. Há uma taxa de desemprego enorme agora. O foco na dívida pública é uma idiotice econômica. Tirar pessoas de seus empregos não é inteligente. Algo deu errado. E os países europeus saíram do estado de bem estar. A remoção da injustiça depende da lógica em que operamos. Não podemos acabar com um problema sem pensarmos nesta lógica"

Fonte: Razão Social/O Globo

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