quinta-feira, 31 de maio de 2012

O mundo do juro zero é um horror:: Vinicius Torres Freire

Investidores na prática pagam para emprestar dinheiro à Alemanha ou aos EUA; isso é pânico grave

O juro real no Brasil se aproxima de 2% ao ano. Para quem vive o dia a dia de juros no cheque especial a 180% ao ano e paga em torno de 25% ao ano para financiar a compra do carro, a frase parece fantástica ou, no melhor dos casos, irrelevante.

Mas, sim, a taxa de juros real no Brasil se aproxima de 2%. Trata-se aqui da taxa de juros para grandes transações no mercado, para 360 dias, descontada a expectativa de inflação no período. Mais precisamente, a taxa real de juros estava ontem em 2,3% ao ano. Deve ir a 2% até agosto. Talvez abaixo disso.

O juro real baixa na praça do mercado porque a política do Banco Central é de reduzir a "sua" taxa de juros, a taxa que o BC influencia, a Selic, sobre a qual toma decisões mais ou menos a cada mês e meio, como o fez ontem.

A política de juros do BC é baixista porque a autoridade monetária brasileira acredita que a inflação não deve ser um problema no futuro próximo. O BC acredita nisso porque, entre outros motivos complexos, a economia brasileira tem andado muito devagar e a do mundo rico pode ir para o vinagre.

No mundo euroamericano, as taxas de juros são negativas, menores que zero, mais ou menos desde 2008, 2009, e continuam caindo.

Negativas? Sim. Descontada a inflação, quem empresta aos governos dos Estados Unidos e aos governos solventes da Europa (Alemanha e países menores do norte europeu) recebe menos do que emprestou.

Isso é sinal de pânico.

Há pânico porque os grandes investidores do mundo temem que a Espanha e/ou seus bancos possam ir à breca, o que pode provocar quebras em outras instituições financeiras da Europa e do mundo, deflagrando nova e feia recessão.

Para Espanha e Itália, no bico do corvo, os juros e outras demandas de segurança do mercado continuavam a subir para níveis críticos.

Mas as taxas de juros para empréstimos de dez anos para os governos dos Estados Unidos, da Alemanha e de países solventes da Europa chegaram a mínimas não vistas faz mais de 60 anos.

Outro modo de dizer a mesma coisa: investidores aceitavam ontem ficar com títulos dos governos americano e alemão, com prazo de dez anos, pelas taxas de 1,62% ao ano e 1,26% ao ano, respectivamente. Isso quer dizer que esses títulos estão caros. Grosso modo, os juros que pagam esses papéis resulta da diferença do valor de face, do "preço inicial" desses títulos, e o preço pelo qual são negociados no mercado.

Tais papéis estão caros porque multidões de investidores querem comprá-los. Quanto maior a procura, maior o preço, menores os juros.

Por que há tanta procura? Porque muitos donos do dinheiro grosso temem aplicar seus recursos em qualquer outra coisa menos segura ou procuram transferir aplicações em negócios mais arriscados para títulos de governos que não dão calote, como EUA, Alemanha e mesmo em países como a Dinamarca.

O nome disso é "fuga do risco". O medo é tamanho que os donos do dinheiro colocam seus recursos em aplicação de rentabilidade menor que zero (descontada a inflação).

Pode ser que o medo passe, como passou em outras rodadas dessa crise que já dura meia década (ou não passe...). Mas o pânico vai deixar sequelas, aqui no Brasil também.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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