terça-feira, 22 de maio de 2012

'O governo insiste em modelo que dá sinais de esgotamento'

Especialista diz que é preciso estimular a economia por meio do investimento público, e não do consumo

Raquel Landim

Ao repetir medidas parecidas com as adotadas na crise de 2008, o governo insiste em um modelo de crescimento via expansão de consumo que já dá sinais de esgotamento, avalia o sócio-diretor da MCM Consultores, José Júlio Senna.

Na sua opinião, a administração Dilma deveria impulsionar os investimentos públicos, porque será difícil convencer os empresários a investir por conta da magnitude da crise externa. Senna duvida que a economia brasileira consiga crescer mais que os 2,7% de 2011.

Na crise de 2008, o governo foi bem-sucedido ao incentivar a economia com medidas para estimular a compra de carros. Agora utilizou um mecanismo parecido. Vai funcionar?

Há uma insistência em um modelo que já dá sinais de esgotamento. As autoridades brasileiras estão insistindo no impulso do consumo das famílias, principalmente na expansão do crédito. Na crise de 2008, não estávamos tão avançados nesse modelo. A chance era maior de produzir efeitos do que agora. Estamos começando a ver sinais de um certo esgotamento.

Que sinais?

O nível de inadimplência subiu de maneira preocupante. Na compra de veículos, por exemplo, a inadimplência é de 5,7%. Não é um número absurdamente elevado, mas a taxa dobrou em pouco tempo. Os dados do Banco Central mostram que o comprometimento da renda disponível com despesas financeiras - para quitar dívidas - hoje é 22%. É muito elevado. As decisões governamentais não estão levando em conta restrições que são naturais, que sinalizam um esgotamento do modelo.

Se o crescimento da economia não vem pelo consumo, o que deveria ser estimulado?

Deveriam ser estimulados os investimentos do setor público. Não há a menor dúvida que a precariedade da infraestrutura é um dos maiores entraves a um crescimento econômico mais rápido no Brasil. As autoridades estão despertando para pontos importantes, como o custo da energia e o peso dos impostos nas telecomunicações. Países como o Brasil muito raramente têm problemas de escassez de demanda. Nos EUA, no Japão, está faltando demanda. No Brasil, existem inúmeras oportunidades de investimento e carências de todo o tipo. Reduzir imposto é bom, mas deveria ser algo generalizado, não apenas para atender empresas que têm um lobby forte.

O governo também reduziu os juros das linhas do BNDES para a compra de máquinas e caminhões. Pode ajudar?

Empréstimos do BNDES a taxas subsidiadas não vão conseguir muita coisa em relação a expandir a atividade econômica no Brasil. Quando o ambiente não está muito favorável, não tem cristão que faça os investimentos serem retomados em escala importante. Daí a importância de estimular o investimento público. Na medida em que existam condições mais propícias, os investimentos privados virão com o tempo. A crise lá fora assustou o empresariado nacional, que está investindo pouco. Todos os sinais são de que os investimentos privados se contraíram no primeiro trimestre do ano algo entre 2% e 3%. Nos dois últimos trimestres do ano passado, o crescimento do investimento já era praticamente zero. Não vamos mudar nada via crédito. É preciso mexer nas condições de oferta que motivam a produção.

O governo tem um limite fiscal apertado e a arrecadação não vai tão bem. Como aumentar o investimento público?

Teria de ser feita uma reformulação na estrutura do dispêndio público. O resultado das contas públicas tem de se tornar superavitário enquanto sobe a parcela dos gastos aplicada ao investimento. Assim o governo pouparia e investiria ao mesmo tempo. Mas o governo não parece querer trocar despesa corrente por investimento.

É possível crescer mais que 3% este ano?

Acho muito difícil. O PIB provavelmente cresceu 0,5% no primeiro trimestre e algo não muito diferente no segundo. Para avançar 2,7%, precisamos de taxas de crescimento de 1,5% no terceiro e no quarto trimestre. Isso é quase 6% anualizado. Tem de mudar muito o jogo para isso acontecer. O mais provável é não crescer nem 3%.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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