sábado, 14 de abril de 2012

Discutindo a relação:: Merval Pereira

A partir da discussão das crises entre o Legislativo e o Executivo brasileiros registradas na nossa História, num confronto permanente reforçado pelas características parlamentaristas da Constituição de 1988, revisitadas e analisadas por cientistas políticos e historiadores em colunas anteriores, pretendo discutir neste fim de semana e na terça-feira possíveis soluções para equilibrar essa relação entre um Executivo "imperial" e um Legislativo forte.

Para o historiador José Murilo de Carvalho, membro da Academia Brasileira de Letras, o começo mais simples seria pelo lado dos sistemas eleitoral e partidário. "Os males do momento atual são o risco de paralisia decisória e a compra de votos e partidos para evitá-la, isto é, governabilidade e corrupção", diz ele.

Outras abordagens lembradas por José Murilo são a redução da dependência dos estados em relação ao poder central e o maior rigor contra a impunidade. "O que certamente não resolve são apelos à moralidade", ressalta.

Já o cientista político Sérgio Abranches, um estudioso do nosso "presidencialismo de coalizão", designação que ele cunhou, vê como medidas necessárias a proibição de alianças e coligações nas eleições proporcionais; a mudança do cálculo da proporcionalidade, para acabar com as sobras de votos que elegem representantes sem votos; e a descoincidência entre as eleições nacionais - presidente, senadores e deputados federais - das locais - governadores, prefeitos, deputados estaduais e vereadores.

Por sua vez, a cientista política Argelina Figueiredo, do Iesp - Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, não tem problemas com o número de partidos nem com nosso sistema eleitoral. Ela defende duas medidas para fortalecer o Legislativo: a implantação incremental do orçamento mandatório e a redução "não radical" dos cargos de nomeação política.

Mesmo reconhecendo que no Brasil "a posição dominante entre cientistas políticos é pelo voto proporcional por dar margem à manifestação de leque maior de opiniões", José Murilo não está convencido de que precisamos "de mais de 20 partidos para representar grandes correntes de opinião e grandes interesses, durante muito tempo divididas simplesmente entre centro, direita e esquerda, burguesia, operariado, classe média".

Quantos partidos entre nós representam de fato correntes de opinião e interesses coletivos?, pergunta. José Murilo resume em uma pequena fórmula o problema atual das relações Executivo-Legislativo, misturando os seguintes ingredientes: 1. sufrágio universal e eleições confiáveis; 2. partidos competitivos; 3. Congresso mais forte; 4. sistema eleitoral proporcional; 5. regime presidencialista.

"1 leva a 2 que leva a 3. 4 multiplica partidos que, dado 5, dificulta formação de base governista e produz atritos que podem gerar paralisia, evitada por cooptação legal ou ilegal, levando à corrosão da República."

Sérgio Abranches diz que não há soluções imediatas para os problemas estruturais de relacionamento entre Executivo e Legislativo.

Esses problemas, segundo ele, não têm a ver apenas com o imperativo da coalizão de nosso modelo presidencialista, mas com questões estruturais da sociedade brasileira e com o federalismo.

"A heterogeneidade socioeconômica no Brasil produz uma disparidade histórica de visões e interesses entre a Presidência e o Congresso", adverte.

Essas visões distintas são provocadas pela origem de cada voto: o colégio eleitoral do (a) presidente é nacional, a maioria dos eleitores é urbana, classe média e operária, com valores mais associados cosmopolitas, cidadãos mais autônomos, com capacidade pessoal ou coletiva de demandar e cuidar de seus problemas básicos.

Já os parlamentares são, na sua maioria, eleitos por um pequeno número de redutos, com populações ainda dependentes dos favores das redes clientelistas, economias muito especializadas, portanto, com interesses muito mais focalizados e uma visão de mundo muito mais local.

"Essa disparidade é insolúvel e não tem como eliminá-la do sistema político, a não ser com mais desenvolvimento e mais educação, criando situações socioestruturais mais homogêneas", analisa Sérgio Abranches.

Outra fonte de dificuldades nas relações Executivo-Legislativo apontada por Abranches é "a enorme centralização de poder fiscal - tributação e gasto - na União, sob controle praticamente monopolista do Executivo".

Daí, diz ele, a transformação dos parlamentares federais em "despachantes" dos estados, em busca de recursos, liberações e que tais. "Daí, também, a enorme importância das emendas parlamentares."

Subsidiariamente, ele lembra que o poder federal também tem muita influência local via delegacias de vários ministérios, principalmente educação, previdência, trabalho e transportes "áreas de forte atuação clientelista".

A solução, seria, aponta Sérgio Abranches, reduzir o peso da União e descentralizar poderes fiscais e regulatórios para os estados.

Argelina Figueiredo diz que, se compararmos com a Constituição de 46, "certamente na atual há um forte desequilíbrio na relação entre os poderes Legislativo e Executivo no Brasil. O Executivo brasileiro é de fato institucionalmente forte com a Constituição de 1988, e essa é uma herança da legislação autoritária".

Uma mudança radical na relação Executivo-Legislativo, para ela, seria a instituição de um orçamento mandatório. "Talvez o melhor seria sua implantação incremental, mas devendo se aplicar principalmente às emendas individuais, mantido um teto, como é hoje, para cada parlamentar".

Outra medida que afetaria as relações entre os dois poderes, mas que, para Argelina, não deveria ser radical, seria uma diminuição dos cargos de escolha política, "principalmente os que se situam nas camadas mais baixas, que, em princípio, não afetariam a implementação de políticas de governo".

Ela acha, no entanto, que "o barulho é maior do que fenômeno, tendo em vista que 75% dos DAS se aplicam a funcionários de carreira, e os 25% restantes são para altos cargos".

(Continua amanhã)

FONTE: O GLOBO

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