sábado, 21 de abril de 2012

Crônica - Um Homem-Cordilheira::Ivan Alves Filho

Eu avistei Pablo Neruda durante algumas manhãs de sol. O poeta caminhava solitário pelas alamedas sossegadas do bairro parisiense de Latour Maubourg. Tinha o perfil adunco dos índios araucanos e andava sempre de mãos cruzadas para trás – e boina enfiada na cabeça, como costumam fazer os bascos de Espanha. 

Eu o avistava simplesmente de longe. Saía frequentemente o sol em Paris naquela época do ano, mas também fazia frio e o poeta ia para seu passeio matinal muitíssimo bem agasalhado. Mas como todo bom chileno, o vento não lhe assustava nem um pouco. E como costumava ventar em Latour Maubourg, à beira do rio Sena! 

Mesmo assim, o poeta caminhava por aquelas ruas sossegadas, quase modorrentas de Latour Maubourg. Pablo Neruda era o embaixador de seu país na França e já possuía, àquela quadra, o corpo corroído pela doença que iria vitimá-lo pouco depois. Ia solitário, mas a dor como que o acompanhava. 

Por acaso existe poeta sem dor? Meu velho pai, pouco antes da vitória de Salvador Allende no Chile, fizera uma viagem clandestina àquele país andino. Isso se deu em 1969. E voltou dizendo: “Neruda está doente e por isso não será o candidato do Partido chileno à Presidência. Foi o que o pessoal de lá me informou. O candidato será o socialista Salvador Allende”. 

Foi aí que fiquei sabendo três coisas. Primeiro, que o poeta Pablo Neruda estava quase no fim. Segundo, que ele era respeitado o suficiente para ter seu nome cogitado para o cargo de presidente em uma hora dificílima da vida chilena. Finalmente, que Allende seria o homem que unificaria as esquerdas no Chile. 

 Mas em que pensava exatamente o poeta Pablo Neruda, quando assim caminhava pelas ruas de Paris? Pressentia a tragédia que já ameaçava àquela altura seu povo? Preocupava-se com a terra natal tão distante? Temia pela sorte do amigo e companheiro de tantas jornadas, o querido Salvador Allende? 

“Saudade é amar um passado que ainda não passou, 
É recusar um presente que nos machuca, 
 É não ver o futuro que nos convida...” 

 São tantas as perguntas! Eu admirava o poeta Pablo Neruda de longe naquelas cálidas manhãs de sol. Nunca ousei me aproximar daquela Cordilheira.

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