sexta-feira, 27 de abril de 2012

Há 75 anos morria Gramsci: Antonio Gramsci, uma vida:: Laurana Lajolo

Aprofundando os testemunhos sobre Antônio Gramsci e suas páginas autobiográficas, tive a intenção de reconstituir - imargem do personagem  “forçadamente” mítico – a personalidade de um homem no qual a vivência privada e a história do partido revolucionário terminaram,  quase necessariamente, por coincidir. Desenvolvi, assim, a idéia de uma biografia com seu próprio valor histórico, a qual, recorrendo ao ensaio político-filosófico, tivesse o significado de  apresentar a evolução da vida de Gramsci tal como essa se explicitou e através da articulação de suas enunciações teóricas.
O núcleo da narração é o homem Gramsci, quase como se fosse uma tentativa póstuma de autobiografia, na qual os eventos políticos são vividos segundo a ótica subjetiva do protagonista.  Ou seja: coloquei-me “do ângulo de Gramsci”, através de uma gradual e prolongada apropriação do personagem, para explicar suas opções,  seus sentimentos, seus juízos sobre fatos e pessoas, articulando interpretações psicológicas e políticas,  sem pretender superpor uma análise histórica às avaliações que o próprio Gramsci tinha dos eventos em questão.
De qualquer modo, achei necessário,  para estudar um pensador “privado de sistema”, como Gramsci,  recompor o fio condutor intelectual de sua vida na proposta estratégica da revolução como ataque molecular contra o Estado burguês a partir de baixo, percorrendo o processo de sua formação cultural, de sua atividade política e de suas elaborações ideológicas e filosóficas.
Fora da perfeição do mito heróico, a personalidade de Gramsci – naturalmente problemática e implacavelmente crítica e irônica, racionalmente lúcida nas opções, mas velada pela nostalgia dos afetos -  resulta de um fascínio sutil e por vezes destruidor.
É a personalidade trágica de um homem que viveu longos momentos de solidão desesperada, mas que,  buscando o otimismo entre  o “otimismo da vontade”  e o “pessimismo da razão” , lutou em conjunto com outros homens para vencer,  mesmo quando estava plenamente consciente da derrota;  de um homem que não quis renunciar à sua coerência moral  e intelectual, nem mesmo quando o isolamento  do cárcere  já produzira nele a desagregação psíquica e física.
Gramsci recusou com extraordinária tensão cognoscitiva, graças a uma opção racional e ética, as formas de dogmatismo ideológico; e, ao contrário,  buscou uma concepção dinâmica e historicista da revolução, articulada sobre a democracia de base dos conselhos de fábrica e sobre o bloco histórico  entre operários, camponeses e intelectuais, não como proposta utópica, mas como programa de organização política de massa, alimentando uma fé apaixonada  na emancipação  do proletariado  para além das possíveis derrotas do movimento.
Com efeito, ele não concebeu a revolução proletária como um ato de força de uma vanguarda armada da classe operária, mas como um processo de transformação e de regeneração moral e cultural dos homens. A formação dos militantes, portanto, foi para ele um valor irrenunciável para a revolução, a qual deve saber modificar não apenas as relações econômicas e políticas, mas o conjunto dos homens que são os sujeitos da história.
E Gramsci foi homem de grande humanidade. Das comovidas recordações da infância, das intensas cartas de amor, das narrações fascinantes das fábulas para seus filhos, de tudo isso emergem os sentimentos que marcam a originalidade de sua personalidade: a relação com a mãe, força benéfica e terna de sua infância; a ligação com a Sardenha; o amor tragicamente não vivido por Júlia; a aspiração a uma “paternidade viva”; e, sobretudo o medo da solidão, o angustiante sentimento que o acompanhou por toda a vida.
Gramsci teve uma acentuada tendência a sofrer, a viver na dor, mesmo sem ceder à autocomiseração.  Estudando-se o significado privado e público de sua vida, percebe-se a constante hipoteca da derrota, quase como um “destino” (mas sem nenhuma acepção fatalista) ao mesmo tempo humano e político: do corpo deformado ao fracasso do movimento dos conselhos de fábrica, do amor arrebatado e ao mesmo tempo fugidio por Júlia à repressão fascista, da concepção não realizada do partido de massa à desagregação do corpo  e da mente na prisão.
Mas suportou o seu “destino” de derrota com a coragem e a sobriedade intelectual que lhe eram próprias, sem concessões ao patético, conservando sempre o controle racional dos sentimentos.  O estilo deste livro, intencionalmente seco e voltado para o essencial, quer precisamente – também na forma – respeitar esse comportamento.
Esta narração da história de Gramsci, indo além do mito, por definição irreal e, portanto, inconsistente, pretende assim dar a conhecer a personalidade de um homem, dotado de capacidade e vontade incomuns, o qual, doente de solidão,  empenhou-se com tenacidade  para transformar o “mundo grande e terrível”, vivendo com dramática dignidade a sua derrota humana.
LAJOLO, Laurana. Antonio Gramsci – Uma vida (22/01/1891-27/4/1937), p. 13-4. Brasiliense, São Paulo, 1982

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