segunda-feira, 30 de abril de 2012

OPINIÃO DO DIA – José Álvaro Moisés: CPI e mensalão

A minha convicção pessoal é de que o PT deu um tiro no pé ao imaginar que, constituindo a CPI, os fatos que serão divulgados serão exclusivamente sobre o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) e o governador Marconi Perillo (PSDB-GO). Existem muitas empresas envolvidas com o Carlinhos Cachoeira com grandes contratos no PAC. Na verdade, a CPI muito provavelmente vai mostrar o envolvimento de políticos de um espectro partidário muito mais amplo do que se imaginava de início. A corrupção tem um efeito extremamente perverso, de distorção da democracia, porque ela mina a legitimidade e retira recursos de políticas públicas. Nós estamos vivendo uma fase nova da democracia brasileira: tem opinião pública, tem manifestações contra a corrupção, e a mídia joga um papel extremamente importante de ecoar denúncias e, ao mesmo tempo, produzir novas informações.

MOISÉS, José Álvaro, cientista político da USP, em ‘O PT deu um tiro no pé ao apostar que a CPI vai ofuscar o mensalão’, O Estado de S. Paulo, 29/4/2012.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Portos terão investimentos de R$ 31 bi com privatizações
Demóstenes foi ao STJ por Cachoeira

FOLHA DE S. PAULO
Vídeo revela atuação de policiais para Cachoeira
Para FHC, corrupção é maior agora do que no período de seu governo
Brasil deveria dar prioridade ao combate à impunidade
Austeridade fiscal piora desemprego na Europa, diz OIT

O ESTADO DE S. PAULO
Governo opera para controlar foco da CPI
Importados estão parados nos portos e aeroportos
Cadastro de transplantes é falho, diz TCU

VALOR ECONÔMICO
Governo exige a troca de operadores de aeroportos
Soja mantém o fôlego de valorização
'Sucatões' da Presidência serão trocados
Novo sistema de licitações estreia com bons resultados
STJ julga liminar da Vale

CORREIO BRAZILIENSE
Receita ainda aguarda a declaração de 3 milhões
A CPI não tem tempo a perder, dizem congressistas
Pecuária no DF cresce com tecnologia

ESTADO DE MINAS
PF amplia leque dos investigados
Prevenção dá desconto em planos de saúde

ZERO HORA (RS)
Empresário gaúcho foi alvo de Cachoeira
Pacote de Tarso terá urgência na Assembleia

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Combate à seca

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Demóstenes foi ao STJ por Cachoeira

Senador procurou ministros para influenciar decisão envolvendo aliado do contraventor

Para evitar a condenação de um vereador de Anápolis (GO) aliado de Cachoeira, o senador Demóstenes Torres procurou ministros do STJ. Em conversa com o contraventor, disse que "aquele ministro que nós pedimos votou com a gente", em referência a Mauro Campbell Marques, único entre quatro que foi a favor da anulação do caso. Marques confirma que o recebeu, mas nega combinação de voto: "Se isso está nas gravações, ele está vendendo algo que não pode ter."

Lobby por Cachoeira até no STJ

Demóstenes procurou ministros e disse a contraventor que conseguiu voto de juiz, que nega interferência

Jailton de Carvalho, Roberto Maltchik

O senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) pediu a vários ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a anulação de um processo contra um aliado do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Gravações da Polícia Federal mostram que na véspera do julgamento, em junho do ano passado, Demóstenes telefonou para Cachoeira para pedir novamente o número do processo, para continuar o lobby pelos gabinetes dos ministros. O caso estava na Segunda Turma e o ministro Mauro Campbell Marques foi o único a votar pela anulação do processo contra Amilton Batista Faria (PTB), presidente da Câmara de Vereadores de Anápolis, importante aliado de Cachoeira. O ministro nega favorecimento, mas convicção jurídica no seu voto.

Batista foi condenado pelo Tribunal de Justiça de Goiás por contratar servidor fantasma às custas dos cofres públicos.

Depois de sofrer derrota no tribunal, em Goiás, o vereador tentou escapar da punição no STJ com a ajuda de Cachoeira e Demóstenes. O próprio Cachoeira reconhecia o vereador como réu confesso, mas acreditou que o senador Demóstenes poderia ajudá-lo.

A pedido do bicheiro, depois da primeira ronda, o senador repassa a ele algumas informações sobre a empreitada.

A conversa foi interceptada no dia 15 de junho do ano passado.

— To chegando aqui. Aquele ministro que nós pedimos, votou com a gente.

O outro votou contra. Então tá um a um — avisa o senador.

Cachoeira manda Demóstenes continuar seu périplo pelos gabinetes.

— Tem que pedir os outros, né. Agora é decisivo aí — ordena o bicheiro.

Em outras conversas Demóstenes pede dados do processo contra o vereador.

Uma das ligações ocorreu no gabinete de um dos ministros.

— Tô aqui para falar com o outro ministro e esqueci... Dei o papel lá para outro e tô sem as anotações aqui, e você podia me arrumar o número do recurso, que tipo de recurso e o nome do recorrente — pede o senador no seu papel de despachante de Cachoeira.

Juiz: não houve pedido de voto l Do outro lado, o bicheiro repete o nome do vereador e diz que também está sem os papéis em mãos. Demóstenes avisa que é preciso pressa: — Liga aí urgente, que eu tô entrando aqui na sala dele.

Minutos depois, os dois voltam a conversar e Cachoeira repassa os detalhes necessários. À noite, em mais uma conversa sobre o assunto, Demóstenes fala que um outro ministro daria decisão favorável ao grupo. O senador não cita o nome do magistrado.

— O outro ministro lá garantiu que vai votar conosco. Falou? — disse.

— Excelente, Doutor — comemora Cachoeira.

No dia seguinte, por três votos a um, a Segunda Turma decidiu pela validade do processo contra o vereador. O único a votar a favor da anulação do caso foi o ministro Campbell. Procurado pelo GLOBO, o ministro confirmou que se reuniu com o Demóstenes.

Campbell negou, no entanto, que o senador tenha pedido para votar a favor do vereador. Demóstenes teria pedido apenas para que o processo fosse colocado na pauta de votação o mais cedo possível.

— Ele não me pediu conteúdo de voto algum. Eu não teria nenhum constrangimento em te afirmar isso categoricamente.

Necessariamente não houve pedido. Sequer disse qual era o motivo que se discutia nos autos. Não chegamos nem a esse ponto. A audiência foi curta. Ele pediu apenas preferência — disse o ministro Campbell.

O ministro disse ainda que votou pela anulação da investigação contra o vereador por convicção jurídica. O processo teria uma falha, segundo ele, porque a funcionária fantasma do gabinete do vereador não teria sido chamada para depor na fase inicial. Campbell considerou deploráveis as declarações de Demóstenes. O senador teria usado indevidamente o nome dele: — Se isso aí está nas gravações, ele está vendendo algo que, absolutamente, não pode ter — disse.

No relatório da Operação Monte Carlo encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, há indícios de tráfico de influência do senador: "(...) nos deparamos com importantes diálogos no sentido de que o senador possa estar praticando, em tese, crime de exploração de prestígio em auxílio a Cachoeira (...)".

Amilton Batista recorria de uma decisão do TJ-GO, que o condenou por improbidade administrativa, por ter pago com verba do Legislativo salários de uma funcionária fantasma que morava na Espanha. O parlamentar justificou no processo que os vencimentos estavam sendo pagos à irmã da fantasma, argumento rejeitado. A decisão do TJ, discutida em junho de 2011 no STJ, ordenava o ressarcimento do dano causado ao Erário, com juros e correção monetária, além da cassação do mandato e da perda de direitos políticos por oito anos. O processo prossegue, e o vereador continua no cargo de presidente da Câmara de Vereadores.

FONTE: O GLOBO

Bicheiro conseguiu avião para Cavendish

Segundo gravação da PF, aeronave seria usada em deslocamento da Bahia para o Rio

Roberto Maltchik, Jailton de Carvalho

BRASÍLIA. O contraventor Carlinhos Cachoeira providenciou a liberação de um avião para prestar ajuda ao expresidente da Delta Fernando Cavendish, após o acidente de helicóptero que causou a morte da mulher do empresário, em junho de 2011. O pedido foi feito a Cachoeira um dia após a tragédia, no litoral baiano, pelo ex-diretor da Delta no Centro-Oeste, Cláudio Abreu, preso pela Polícia Civil do Distrito Federal na semana passada. A aeronave foi emprestada pelo suplente do senador João Ribeiro (PR-TO), Ataídes de Oliveira (PSDB-TO), amigo de Cachoeira e, à época, no exercício do mandato no Senado.

O objetivo do empréstimo do avião, de acordo com conversa telefônica interceptada pela Polícia Federal entre Cachoeira e Ataídes, era conduzir Cavendish e Cláudio Abreu da Bahia rumo ao Rio de Janeiro. Na Bahia, antes do acidente, Fernando Cavendish comemoraria seu o aniversário na companhia de familiares e amigos, como o governador do Rio, Sérgio Cabral. A tragédia resultou na morte de sete pessoas.

O ex-presidente da Delta vem sustentando que desconhecia a ligação entre Cláudio Abreu e o grupo do bicheiro Cachoeira.

Abreu faz o pedido a Carlinhos Cachoeira em 18 de junho, sábado. O ex-executivo da Delta aparece como o porta-voz de uma solicitação do diretor de operações da empresa no Rio, Dionisio Janoni Tolomei, que estaria enfrentando dificuldade para encontrar uma aeronave disponível na cidade do Rio.

— Será que seria demais pedir o avião do Ataíde emprestado, cara? — pede Abreu.

— Pode ligar para ele aí. Liga aí — autoriza Cachoeira.

— Tá uma dificuldade. (...) O diretor lá do Rio, o Dionísio, me pediu ajuda.

Tá pedindo até pra mim ir pra lá (Bahia).

Tô combinando de ir para lá amanhã, pela manhã — explica Abreu.

Em outra ligação, logo após o próprio Cachoeira telefonar para o então senador Ataídes e pedir o empréstimo do avião, Abreu lamenta profundamente o acidente e pede ao contraventor que envie uma mensagem de condolências para Fernando Cavendish.

— Mandei uma mensagem para ele.

Depois você manda uma mensagem também. Telefone, ele não tá atendendo, mas mensagem ele tá respondendo.

Me emocionei com a mensagem que ele me respondeu — relata Abreu.

Na conversa com Ataídes de Oliveira para pedir a aeronave emprestada, Carlinhos Cachoeira explica que "Fernando" está acompanhado do governador do Rio, Sérgio Cabral.

Porém, não menciona se a aeronave serviria ou não para transportar também Sérgio Cabral.

— O Cláudio (Abreu) ligou mais cedo, contando a história do Fernando.

Eu falei: "Caramba, meu Deus" — relata Ataídes.

— Tava lá com o governador do Rio.

O Sérgio.... como é que chama? — questiona Cachoeira.

— É o bom de fala. O Sérgio Cabral.

Você não vai, não? — pergunta Ataíde.

— Não. É só o Cláudio. O Cláudio vai lá no Fernando. E o Fernando vai no Rio com o Cláudio, entendeu? — explica o contraventor.

Os advogados de Carlinhos Cachoeira e da Delta Construções vêm afirmando que não podem se manifestar sobre conversas telefônicas interceptadas dentro do processo judicial, divulgadas de forma pinçada e descontextualizada.

Ontem, a reportagem procurou Ataídes de Oliveira, porém ele não retornou aos contatos até o fechamento desta edição

FONTE: O GLOBO

Cabral diz que arcou com gastos pessoais em viagem

Ex-governador Garotinho divulgou em blog vídeo que mostra comemoração em restaurante de luxo em Mônaco

Ao longo do fim de semana, o ex-governador e deputado federal Anthony Garotinho (PR) divulgou em seu blog vídeos e fotos que mostram o governador Sérgio Cabral, sua mulher, Adriana Ancelmo, e outras autoridades estaduais na companhia do empresário Fernando Cavendish, dono da Delta Construções, em 2009. Cavendish se afastou do comando da empresa na semana passada, depois de relatórios da Polícia Federal, na Operação Monte Carlo, apontarem a Delta como financiadora de empresas fantasmas criadas pelo contraventor Carlinhos Cachoeira. Dois vídeos mostram um jantar de comemoração do aniversário de Adriana em um restaurante de luxo, onde estavam presentes, além de Cabral e Cavendish, a então noiva do empresário, Jordana Kfouri, o secretário estadual de Saúde, Sergio Côrtes, e sua mulher e um casal não identificado.

O jantar teria sido realizado no restaurante do Hotel de France, em Mônaco, segundo Garotinho, em 17 de setembro de 2009.

Segundo a assessoria de imprensa do governo, Cabral esteve em Paris nos dias14 e15 de setembro de 2009 para compromissos oficiais. Procurada pelo GLOBO, a assessoria afirmou que o governador arcou com todas as despesas pessoais durante a viagem, mas não especificou os valores. Os vídeos mostram a proximidade de Cabral e Cavendish: em certo momento, o governador incentiva o empresário a marcar a data do casamento com Jordana e planeja detalhes das comemorações. Jordana faleceu em junho de 2011, em acidente de helicóptero que matou outras seis pessoas (entre elas a namorada do filho de Cabral) que iam para a festa de aniversário de Cavendish, em Porto Seguro. Em outras imagens divulgadas por Garotinho, também registradas em setembro de 2009, aparecem ao lado de Cavendish, além de Cabral e Côrtes, os secretários estaduais dos Transportes, Julio Lopes, de Governo, Wilson Carlos, e da Casa Civil, Régis Fichter, além do atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Aloysio Neves, um dos responsáveis por fiscalizar os contratos do governo com as empresas. Inimigo político de Cabral, Garotinho, que não revelou a fonte das imagens, diz ter outras fotos e vídeos do governador com Cavendish.

Segundo o governo, a Delta recebeu R$ 1,176 bilhão em contratos desde a posse de Cabral, o que corresponde a 7,98% do investimento total em obras neste período, enquanto a participação da empresa nos investimentos do governo anterior teria sido de 8,07%. Em nota divulgada no fim de semana, o governador reconhece a amizade com Cavendish, mas nega ter conhecimento de que a Delta fazia negócios com Cachoeira: "Nunca misturei amizade com interesse público", afirmou.

FONTE: O GLOBO

"Delta faz no país o que aprendeu no Rio", diz Marcelo Freixo

Guilherme Serodio

RIO - O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) se notabilizou por encarar embates célebres na área da segurança pública. Após presidir a CPI das milícias, ganhou prestígio até no cinema ao inspirar o professor Fraga do "Tropa de Elite", de José Padilha. As brigas que compra lhe renderam o maior aparato de segurança da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A da vez são as relações da construtora Delta, que está no epicentro da CPI do Cachoeira, no Congresso Nacional, com o poder público no Rio.

Em entrevista ao Valor, Freixo, que é pré-candidato à prefeitura da capital, revela o resultado de um levantamento que fez nos contratos entre a Delta e o governo estadual. Dos 58 contratos levantados com secretarias do Estado, 30 foram assinados em caráter emergencial. Somados, os contratos sem licitação totalizam R$ 206,8 milhões. A maioria é da Secretaria de Obras. A seguir, a entrevista:

Valor: Quando a Delta começou a chamar sua atenção?

Marcelo Freixo: Fiz no ano passado um requerimento de informação [feito em 22 de junho de 2011 ao governo do Rio sobre os contratos da Delta e do grupo EBX com diversos órgãos do Poder Executivo do Estado]. E até hoje a Assembleia Legislativa não publicou o requerimento. Eu e vários deputados assinamos.

Valor: A Assembleia dificultou a investigação?

Freixo: Vários deputados [sete] assinaram o pedido de esclarecimento sobre todos os contratos. Mas a Assembleia não quis nem publicar. Acho engraçado o governador vir a público dizer que acha ótimo que se investigue e que ele vai nomear um conselho, mas o conselho é feito só por funcionários dele. Por que não publica o nosso requerimento de informação e não responde a gente?

Valor: Quantos parlamentares da Assembleia estão na oposição nesse caso da Delta? Há a possibilidade de se instaurar uma CPI?

Freixo: É muito difícil. O governo tem ampla maioria. Geralmente, dos 70 [deputados] a gente consegue 14 ou 15 votos contra o governo. Então, você tem ali no máximo 20% dos parlamentares contra o governo. Uma CPI sobre isso é muito difícil. Seria fundamental que o Ministério Público e o Poder Judiciário se mexessem na sua função fiscalizadora, mas quando você vê o prédio do Judiciário ser reformado pela Delta, é difícil acreditar. Contratos [da Delta] com as secretarias dão quase R$ 1 bilhão. São R$ 932 milhões. Só com a Cedae até o ano passado eram R$ 627 milhões. Só que a Cedae, como entrou no mercado de ações, foi tirada do Siafem, que é o instrumento de controle. Isso é um absurdo. Os números mostram que a Cedae é campeã de contratos com a Delta. E ainda há a Delta envolvida em consórcios que são o Novo Operação (R$ 377,8 milhões), Acqua-Rio (R$ 104 milhões) e Maracanã (R$ 784,8 milhões).

Valor: E na prefeitura?

Freixo: Na prefeitura a Delta tem também a Transcarioca. Agora, olha quanto dá a Delta só no governo. Está chegando em R$ 3 bilhões. Isso são números de 2012 com os valores da Cedae desatualizados. E há uma quantidade enorme de contratos sem licitação [dos 58 contratos da Delta com as secretarias do governo, 30 foram assinados em caráter emergencial]. Desde a época do Garotinho há contratos. Tem contratos lá de 2001. Alguns são vergonhosos. Tem contrato no valor de R$ 24 milhões que teve R$ 185 milhões em aditivos [o contrato foi firmado com a Cedae]. E a lei diz que aditivos só podem ser de 25% do valor original dos contratos. No governo Garotinho era muito comum haver aditivos. No Cabral, isso muda. O problema na gestão Cabral não são os aditivos, é a dispensa de licitações. Há muitas com a Delta.

Valor: Se o Rio foi o Estado onde a Delta começou, por que nunca se investigou a empresa antes?

Valor: É curioso porque você vê aquele escândalo do hospital federal da UFRJ [Hospital Universitário Clementino Fraga Filho] que envolveu Locanty, Rufolo, Toesa, aquelas empresas lá. A reação do governo foi "vamos cancelar todos os contratos com eles". Em relação à Delta, o governo tenta dizer que não precisa ter CPI. O governador vai para Brasília, o vice-governador se empenha para tentar não deixar ter CPI. É estranho, muda bastante a postura diante da denúncia. Por quê? Por que o governador não age dizendo "eu vou pegar todos os contratos com a Delta e vou torná-los transparentes para todo mundo olhar"? Eu desafio o governador a fazer isso. Se fizer, não termina em liberdade. É o mínimo que ele tinha que fazer diante de denúncias tão graves de corrupção envolvendo essa empreiteira.

Valor: Qual o valor dos contratos com a Delta que estão vigentes?

Freixo: No governo do Estado a Delta é a empresa que tem o maior número de contratos. Somam R$ 2,8 bilhões. Fora os da prefeitura. Aí o gabinete do [vereador do PSOL] Eliomar Coelho tem bastante informação. Porque é isso mesmo, é um projeto de governo que envolve o PMDB, então você pode ter diferenças de detalhes do governo para a prefeitura, mas a lógica é a mesma.

Valor: E há quanto tempo vocês estão em cima dessas relações do governo com a Delta?

Freixo: Tem muito tempo. A gente tem representação no Ministério Público, tem pedido de investigação, tem milhões de iniciativas. Mas a gente é minoria na Assembleia. Nesses casos, quando mexe diretamente com a estrutura do governo e pode ameaçar o governo há uma blindagem muito forte porque eles são maioria.

Valor: Blindagem na própria casa?

Freixo: Sim. Agora, o Ministério Público tem a função de fiscalizar. Não sei por que até agora não se pronunciou. Pelo contrário, quando se pronuncia é para dizer que arquivou. O Tribunal de Contas também tem funções claras de fiscalização. Nesse ponto acho que esses órgãos têm que se explicar.

Valor: O que o senhor sabe das relações do governador com o Fernando Cavendish, dono da Delta?

Freixo: Se essa cachoeira desembocar no Rio, vai ser difícil o Cabral dizer terra à vista. Eu acho, honestamente, que se a gente tiver uma mínima investigação sobre isso, esse governo não escapa. Porque essas relações pessoais são o primeiro fruto de um governador que não tem a mínima ideia de seu papel republicano. Então, nós temos um problema aí que tem a ver com a figura do próprio governador. Não sabe o seu papel. Fica buscando dizer que não é ilegal quando evidentemente é imoral. Não tem a dimensão do que significa estar no governo do Rio, não tem o preparo para isso. Por outro lado, essa é uma estrutura de corrupção de difícil controle, quando você tem um Ministério Público e um Tribunal de Contas que não fiscalizam e um governador que não vê problema em ir no jatinho de um empresário na festa de outro. Aquele episódio da Bahia só vazou porque acabou lamentavelmente com a morte das pessoas. Ele tinha viajado no avião do Eike Batista, que dá uma declaração à imprensa dizendo emprestar o avião pra quem quiser. Isso é verdade. O problema é o governador aceitar [em 17 de junho um helicóptero que transportava convidados para a festa de aniversário de Fernando Cavendish caiu no sul da Bahia. Entre os sete mortos estava a namorada do filho do governador]. Essas relações são muito ruins para o interesse público.

Valor: Como o senhor tem tentado encaminhar uma CPI no Estado?

Freixo: A gente pode até pedir CPI para marcar posição, mas o governo tem maioria ampla e a gente não consegue instaurá-la. Não é à toa que a Delta é a empresa que mais ganhou dispensa de licitações. Por quê? Eu não tenho a menor dúvida que a Delta faz fora do Rio o que ela aprendeu a fazer aqui. Não venha me dizer que a Delta tem determinadas práticas só fora do Rio, que no Rio ela sempre foi correta se a empresa começou aqui. Ela exportou o que aprendeu no Rio. É óbvio.

Valor: Que mudança houve entre os governos Garotinho e Cabral?

Freixo: Não mudou. Os contratos da Delta são de 2001 e vários dos contratos que começam com o Garotinho continuam recebendo aditivos no governo Cabral. Nos contratos a partir de 2010 vários já aparecem sem licitação. Já é governo Cabral. A Delta se torna uma grande empreiteira nas relações com o governo. Aproximou-se do governo para crescer. Antes era pequena.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Empresa recebeu mais de R$ 1 bi da gestão Cabral

Guilherme Serodio

RIO - Nas ruas da capital fluminense, as placas da Delta Construções estão por todo lado. A empreiteira constrói um prédio para o Tribunal de Justiça do Rio orçado em R$ 141 milhões. Em 2006, tocou as obras de outro prédio do TJ, no valor de R$ 59 milhões. De acordo com a Secretaria de Fazenda, o Poder Judiciário do Estado destinou à Delta R$ 196 milhões entre 2005 e 2011.

O Ministério Público do Rio mantém 17 investigações sobre a empreiteira envolvendo irregularidades em contratos não só do governo do Estado, mas também prefeituras.

Procurada pelo Valor, a Delta informou em nota apenas "que a saída do consórcio Maracanã Rio 2014 é resultado de decisão estratégica e empresarial e não tem relação com as recentes denúncias" e que continuaria trabalhando normalmente nas demais obras contratadas. Na quinta-feira, a Delta deixou também o consórcio Transcarioca, que tocava com a Andrade Gutierrez. A empreiteira era responsável por 42% da construção orçada em R$ 789 milhões. O Transcarioca é um corredor expresso de ônibus que ligará a Barra da Tijuca ao aeroporto do Galeão.

A comissão montada para verificar irregularidades nos contratos com a Delta já está atuando. Presidida pelo secretário da Casa Civil, Regis Fichtner, conta com o subprocurador do Estado, Leonardo Espíndola, o auditor-geral do Rio, Eugênio Machado, e o subsecretário de Planejamento, Francisco Caldas. E "tem toda a isenção para fazer este trabalho", diz o governo em nota oficial.

O Executivo estadual pediu a seus órgãos e secretarias levantamento dos contratos com a construtora. Mas a Secretaria da Fazenda indica que o percentual de participação da Delta em contratos do governo se mantém estável entre a gestão anterior (8,07%) e a atual (7,98%).

Subordinado à Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), o Tribunal de Contas do Estado tem em seu site registro de 202 processos relacionados à Delta. Até o fechamento desta edição, o TCE não respondeu aos pedidos de informação do Valor.

Nas eleições de 2010, a Delta doou R$ 2,3 milhões a comitês partidários. Foram R$ 1,15 milhão em doações para o PT e o PMDB.

Acusado por Freixo de trazer a Delta para as concessões do Estado, o deputado federal Anthony Garotinho (PR) se defende. "O Fernando Cavendish foi introduzido na administração do meu governo por Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na época meu aliado, e de quem é grande amigo", diz. Cunha teve posição de destaque na Cedae, segundo Garotinho, e "o volume de contratos da Delta com a Cedae foi muito grande, mas nada que fuja aos padrões normais de uma empresa de um Estado grande", diz.

Garotinho governou o Rio de 1999 a 2002, quando deixou o cargo para concorrer à Presidência. Sua esposa, Rosinha Matheus, comandou o Estado entre 2003 e 2007.

O deputado afirma que não é o governador quem autoriza aditivos. Mas diz que mesmo com os aditivos o volume de dinheiro destinado à Delta era muito menor na sua gestão. O deputado estadual Luiz Paulo (PSDB) afirma que entre 1999 e 2002 a Delta recebeu R$ 146 milhões do governo do Rio. Segundo a Secretaria de Fazenda, desde a posse de Cabral, em 2007, o Executivo do Rio pagou à Delta R$ 1,095 bilhão. "No meu governo era mais um empreiteiro; no governo Sérgio Cabral ele é o empreiteiro", diz Garotinho.

Em seu blog, Garotinho divulgou um vídeo que comprova a intimidade de Cabral e de integrantes de sua gestão - inclusive alguns designados para fiscalizar contratos com a Delta - com Cavendish. As imagens mostram Cabral e Cavendish em jantar informal na Europa.

A Cedae, segundo nota oficial da empresa, deixou o Siafem em dezembro de 2010 por ter se tornado independente do governo do Estado e como parte do planejamento para voltar ao mercado de capitais. A empresa destaca que os contratos no sistema foram firmados em gestões anteriores à de Cabral. E diz que os contratos sem licitação foram de curto período, todos já concluídos. A Cedae diz ter contratos de regime continuado que podem se estender por seis anos por aditivos, aumentando o valor de registro no Siafem.

Os 12 contratos da Delta com o município do Rio - sete com a Secretaria de Obras, sendo dois em caráter emergencial, - somam R$ 384 milhões. Os números pulam para R$ 703 milhões se acrescido o percentual no consórcio Transcarioca.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Para FHC, corrupção é maior agora do que no período de seu governo

Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a corrupção aumentou em relação a seu governo. Ele diz que Dilma Rousseff talvez não avalie o risco político que corre em sua "faxina".

"O Congresso é mais forte do que se pensa. Se não tem certa capacidade de entender o papel do Congresso no sistema brasileiro, você pode se dar mal ", disse FHC em Abu Dhabi.

Mercado Aberto

Maria Cristina Frias

Entrevista Fernando Henrique Cardoso

Corrupção cresceu em relação a meu governo, diz FHC

Com "capitalismo enorme e governo interferente" passam a existir muitas possibilidades de negócios, segundo ex-presidente

Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a corrupção aumentou em relação ao que havia em seu governo. A "faxina" da presidente Dilma Rousseff é importante, mas, afirma, "talvez ela não avalie o risco político que está correndo".

"O Congresso brasileiro é mais forte do que se pensa. Se não tem certa capacidade de entender o papel do Congresso no sistema brasileiro, você pode se dar mal", disse Fernando Henrique em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, antes de partir para Paris, na quinta-feira passada.

Demonstrando vigor, curiosidade e constante bom humor, o ex-presidente cumpriu durante uma semana uma intensa agenda no Qatar e nos Emirados Árabes. Deu palestras e teve encontros com investidores e autoridades locais, organizados pelo Itaú Unibanco.

FHC reclama da falta de planejamento de longo prazo no Brasil.

"Falta rumo. O que vamos fazer com o dinheiro do pré-sal? Precisa colocar em ciência, tecnologia, educação, como eles estão fazendo aqui", afirmou. "O Qatar tem um plano de metas para o ano 2030. Eles todos têm visão estratégica de longo prazo."

A seguir, trechos da entrevista dada no Hotel Jumeirah at Etihad Towers, onde se hospedou em Abu Dhabi.

Folha - Quais as suas impressões sobre a viagem?

Fernando Henrique Cardoso - Isso daqui foi em 40 anos do deserto a cidades globais, olhando para o futuro. Eles têm um sentido estratégico. Hoje um dos investidores me dizia que atualmente o petróleo é para eles só 30%, 40%. Um país que era petroleiro, conseguiu fazer o que outros não conseguiram, diversificar a economia. E como aqui há em tudo a mão, não sei se posso falar de Estado, ou da soberania do dinheiro, estão criando polos culturais, universidades, incentivando o turismo, tentando diversificar a economia.

O que eles questionam no Brasil?

Têm duas preocupações: por que o país não cresce mais e se há memória inflacionária. Hoje me perguntaram se o governo não está derrapando, forçando a taxa de juros baixar, com protecionismo aqui e ali.

Qual foi a sua resposta? O governo Dilma está derrapando?

Quando estou fora do Brasil, sou cuidadoso. As críticas eu faço lá. Aqui eu justifico, o que é possível. Acham que Brasil possa sofrer muito com a diminuição do crescimento da China, mas a taxa de dependência da economia do paísem relação a exportações é de 10%. Nós temos um mercado doméstico grande.

O interesse deles é maior em imóveis, infraestrutura...

Em infraestrutura, perguntam se realmente o governo vai deixar... O governo ainda não entendeu bem que, com um marco regulatório frouxo, o investimento não vai. Eles têm medo. O grande dinheiro que vai é para Bolsa ou empresa ligada ao mercado interno ou exportadora.

Como o sr. vê o resultado da Primavera Árabe?

Como você vai ligar esse mundo da conectividade imediata com as instituições? Montesquieu são as instituições. Rousseau é a vontade geral. Agora deu uma explosão da vontade geral. E cadê as instituições? Não sei se no Egito vem uma ditadura muçulmana. Depois da explosão, é difícil conter tudo, mas um predomínio [do regime muçulmano] é mais provável. Na Tunísia, mais modernizada, pode dar uma acomodação entre Montesquieu e Rousseau. A gente pensa que, feita a explosão rousseauniana, vem a democracia. Não, vem um ponto de interrogação. Por outro lado, há as forças de mercado, empresas que impulsionam. Será um processo de 20 anos.

A mais recente pesquisa Datafolha mostrou aprovação recorde da presidente Dilma, mas Lula ainda é o preferido para a sucessão...

Por enquanto...

É questão de tempo?

É questão de economia... a menos que ela faça uma grande bobagem. E, em segundo lugar, da existência de um ponto de vista diferente que politize os problemas que existem. Se não, não adianta a economia ir mal. Não vou torcer obviamente para haver problemas econômicos no Brasil...

O sr preferiria o Lula?

"Entre les deux, mon coeur ne bouge pas" [parodiando o dito francês, entre os dois, meu coração não mexe] (risos). A população não está reagindo ao carisma dela, mas ao bolso.

Só? E a "faxina"...

Isso é bom, para a classe média. E é bom em si que haja faxina. A Dilma não está propriamente fazendo uma faxina. Ela está deixando que aconteça, provavelmente torcendo para que aconteça.

A corrupção mudou ou é mais do mesmo?

Não é mais do mesmo não. O antigo não deixa de existir, mas se agregam dimensões funcionais novas. Com o capitalismo enorme no Brasil e o governo interferente, passam a existir muitas possibilidades de negócios. Perde visibilidade o clientelismo em favor de facilitação de negócios. Alguns partidos buscam posições com o objetivo de se financiar. Passa a ser algo sistêmico, não só no Brasil. Acho que aumentou. E a transparência também.

Em relação a seu governo?

Acho que sim. Eu estou na pré-história desse capitalismo (risos)... Agora está em expansão. Não havia discussão: "Dá um ministério fechado para esse partido". E eu ainda podia dizer: "Vai esse e não aquele", o que você vai perdendo com o tempo, com o exercício do poder. Tinha muito mais capacidade de controle. Onde havia problema era em emendas parlamentares e ministérios periféricos. Agora, precisa haver aperfeiçoamento do sistema de vigilância e punição. Não sou pessimista com essas coisas no Brasil. Claro que, se fosse candidato, estaria. Mas, como sou sociólogo, não estou pessimista. As coisas não estão piorando, o que não diminui a necessidade de denúncia. [Apesar da corrupção maior], há um processo que permite certa recuperação institucional. Tem de mudar o sistema eleitoral, o modo de fazer campanha. Já há financiamento público e não resolve. Também não é justo passar para o povo a conta toda. Tem de baratear a campanha. Pode-se fazer uma lei diminuindo o aspecto propagandístico da campanha [na TV]. A corrupção é uma questão institucional e de cultura.

A presidente está encaminhando bem isso?

Ela está se deixando levar, o que é bom. A nossa cultura é de transgressão. Não é a lei que resolve. É da cultura. Você aceita, não causa uma indignação. Não temos indignados lá. À medida que não há reação maior da sociedade, pessoas que querem manter esse sistema têm força.

Há risco? A presidente está ciente do risco político que corre nesse embate?

Talvez não. O Congresso brasileiro é mais forte do que parece. Funcionou quase ininterruptamente. Parou pouco mais de dez anos, mesmo na ditadura o mantiveram. Quando Jango caiu, era claro que ele havia perdido a capacidade de governar porque o Congresso não seguia mais as determinações. O Congresso bloqueia. Jânio caiu porque se chocou com o Congresso também. Tinha a maioria do povo, mas não tinha o Congresso. O Collor, também. O Lula entendeu [o papel do Congresso], talvez, não no sentido que eu acharia melhor. Ele cedeu no que não deveria ceder. Não sei se a Dilma percebe os riscos. Ela, ao contrário do Lula, não reage politicamente. Dá a sensação de que ela não gosta do sistema "dá cá toma lá". Lula tem a tradição sindical. Algum tipo de negociação tem de haver no sistema democrático. Nos sistemas autoritários, você não precisa negociar. Mesmo assim, negociam internamente nas famílias, aqui (risos).

Que saída ela teria?

Não sei, é difícil porque ela teria de fazer um certa mudança em quem a apoia, caso por caso. Mas ela não tem força para isso porque ela tem o PT no meio. A diferença entre o PT e o PSDB é que o PSDB não tinha força diante de mim. E o PT tem força diante de qualquer presidente. Uma coisa é o povo, outra é o Congresso. O povo não está no dia a dia. A popularidade ajuda se for para dar o golpe. Não é o caso. Popularidade é bom, partidos ficam com receio de confrontar, mas há mil meios de dificultar sem confrontar.

E a CPI do caso Cachoeira?

Ah... Minha experiência com CPI... É tudo muito complicado. Eu concordei com a CPI do sistema financeiro, que deu num caos. O BC pagou um preço altíssimo. Em certas circunstâncias não há jeito, como agora, tem de fazer. Transbordou. Mas depois que transborda... Saiu da pasta de dente, botar o creme dentro de novo...

A troca de ministros ocupou muito do primeiro ano de governo?

Não é por ela, mas a máquina perdeu eficiência, nunca teve muita. Houve paralisação da modernização do Estado e certa regressão. Nesse primeiro ano, não conseguiu montar algo e dizer por aqui vai. O Lula foi com projetos de impacto o tempo todo, navio que não saiu do estaleiro, ligação do rio São Francisco que não ocorreu. Não dá mais para não enfrentar certas questões. Nós não tivemos nenhuma discussão substantiva sobre o que fazer com o nossa possibilidade de petróleo, etanol, eletricidade.

Sua avaliação do governo Dilma é, então, fraca?

Ela está no início e acredito que tenha tentado... Mas os resultados não se fizeram sentir. Não quero dizer que seja a Dilma. Podia estar eu lá e ter o mesmo problema. Precisa ser um projeto nacional. Difícil fazer com que esses temas tenham acolhida. Até no meu próprio partido...

Colaboraram: Joana Cunha, Vitor Sion, Luciana Dyniewicz e Maria Paula Autran

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Governo opera para controlar foco da CPI

Base aliada quer restringir investigações a Marconi Perillo e desviar as atenções da empreiteira Delta

Partidos aliados do governo, em especial o PT, já definiram a estratégia para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Cachoeira. Os principais pontos são concentrar as investigações no governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), evitar eventuais vazamentos de documentos sigilosos e poupar a Delta Construções, limitando a apuração aos funcionários da empreiteira com participação no esquema do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Os petistas, incentivados pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, querem também tirar o foco da Delta por sua condição de principal construtora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Governo opera para restringir CPI a Perillo e tirar empreiteira Delta do foco

Eugênia Lopes

BRASÍLIA - Centralizar tudo nas mãos de poucos para evitar eventuais vazamentos de documentos sigilosos, poupar a Delta Construções, limitar a apuração aos funcionários da empreiteira com participação no esquema do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, e tentar pôr o foco das investigações em cima do governador de Goiás, o tucano Marconi Perillo. Esta é a estratégia que começou a ser montada pelos partidos aliados do governo, em especial o PT, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Cachoeira.

Incentivados pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os petistas buscarão tirar o foco das investigações de cima da Delta Construções, principal empreiteira do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. A ideia é impedir a convocação de empregados da empresa que não têm relação com o esquema de Cachoeira, como defende a oposição. A oposição estuda elaborar requerimentos, que os governistas tentarão derrubar, propondo a convocação dos diretores e gerentes da Delta dos 23 Estados onde existem obras da empresa.

Ao mesmo tempo em que tentam restringir as investigações em torno da Delta, a orientação é procurar incriminar o governador tucano no esquema ilegal de Carlinhos Cachoeira. A tática dos governistas é verbalizada pelo líder do partido na Câmara, Jilmar Tatto (SP), e será posta em prática tão logo sejam analisados os documentos das operações Vegas e Monte Carlo, da Polícia Federal.

Parlamentares do PT estão convencidos de que a atividade criminosa em Goiás tinha como parceira a Segurança Pública do Estado. Ou seja, em última instância, contava com o aval do governador Marconi Perillo.

Em relação ao governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), que teve seu nome citado por integrantes do esquema de Cachoeira, os petistas tentarão poupá-lo neste primeiro momento de trabalhos da CPI.

Porém, nos bastidores já avisaram que, se for necessário, não vão titubear em entregar a "cabeça de Agnelo". "O envolvimento neste momento é muito maior do governador do PSDB", diz Tatto, para quem está claro que Perillo tem uma "relação muito próxima com Cachoeira".

Controle. Para conseguir manter as rédeas da CPI, os governistas também já decidiram que não vão ceder ao apelo da oposição para criar sub-relatorias por temas dentro da comissão. Dessa forma, estão certos de que evitaram vazamentos de informações e o esvaziamento do relator Odair Cunha (PT-MG). O temor é que as sub-relatorias ganhem "vida própria" e acabem se tornando mais importantes do que o trabalho do relator.

A blindagem da CPI tem a anuência do presidente da comissão, Vital do Rego (PMDB-PB), que já avisou ser contrário às sub-relatorias.

Reticente em relação à criação da CPI, o PMDB participa da comissão com parcimônia, com nomes apontados como de "segundo escalão" dentro da hierarquia partidária. Bem diferente do PT que reforçou a CPI com suas estrelas partidárias.

A não ser que apareça alguma surpresa, como o depoimento inusitado de algum personagem envolvido no esquema de Cachoeira, os governistas estão confiantes de que conseguirão manter a CPI sobre controle. Nem mesmo o eventual depoimento do ex-diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) Luiz Antonio Pagot assombra os aliados.

A avaliação é que Pagot não vai dar "um tiro no pé". Um líder governista lembra que Pagot não vai correr o risco de "sair de exonerado para preso", se realmente quiser falar. Além disso, argumenta o aliado, o PR, partido do qual Pagot se desfiliou somente na semana passada, controla a maioria dos Dnits do País. Não seria, portanto, de interesse do PR incentivar a "rebeldia" de Pagot que, em última instância, poderá acabar enredado na teia de eventuais irregularidades.

Cautela. Nestes primeiros dias de CPI, a cautela impera entre os integrantes da comissão. Tanto governistas quanto oposição apostam que os trabalhos da CPI começarão a deslanchar daqui a dez dias, com a análise dos inquéritos da Polícia Federal. "Só aí poderemos aprovar requerimentos de convocação e de quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico", diz o ex-líder Cândido Vaccarezza (PT-SP), um dos integrantes da comissão.

Apesar do estardalhaço em torno da CPI do Cachoeira, integrantes da comissão veem com parcimônia os trabalhos do grupo. Alegam que a parte principal das investigações já foi feita pela Polícia Federal, que descobriu o esquema ilegal de Cachoeira e suas ramificações.

Acostumado a comissões de inquérito, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) é um dos que arriscam que a CPI do Cachoeira só vai ganhar fôlego se surgir um "depoimento bombástico", como o do motorista Eriberto França, que foi a gota d"água para o pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992.

Motorista de Ana Acioli, secretaria particular de Collor, Eriberto revelou pegar dinheiro e cheques nas empresas de Paulo Cesar Farias para efetuar pagamento do então presidente da República. Também foi uma entrevista ao Estado, em 2006, do caseiro Francenildo Santos Costa que levou à queda do então poderoso ministro da Fazenda Antonio Palocci. Na época, o caseiro disse ter visto Palocci se reunir com lobistas e partilhar dinheiro numa mansão, em Brasília, onde eram realizadas festas animadas por garotas de programa.

"Na verdade essa CPI está começando do fim: o Cachoeira está preso, o dono da Delta diz que a empresa está quebrando e o senador Demóstenes Torres já é alvo de processo para ter o mandato cassado", resume o deputado Sílvio Costa (PTB-PE).

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Delta já recebeu R$ 3 bi de recursos do PAC

Levantamento mostra que construtura pivô do caso Cachoeira é segunda empresa que mais recebe dinheiro do programa, só perde para a Caixa

Lu Aiko Otta

BRASÍLIA - A Delta Construções é a empreiteira que mais recebeu recursos do Orçamento federal para executar projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

De 2007, ano de criação do programa, até agora, foram perto de R$ 3 bilhões, segundo levantamento da organização não-governamental Contas Abertas. A Queiroz Galvão, que fica em segundo lugar, recebeu R$ 1,7 bilhão no período.

Os dados não levam em conta os serviços que a Delta prestou a empresas estatais, como a Petrobrás. Nesse universo mais amplo, a empreiteira já embolsou R$ 4,130 bilhões, segundo informou o governo à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Cachoeira.

"A Delta é pentacampeã do PAC", disse o coordenador do Contas Abertas, Gil Castelo Branco. A empresa só não foi a líder de recebimentos de recursos orçamentários do PAC em 2008, quando foi superada pela Queiroz Galvão. De 2009 para cá, a Delta só recebe menos dinheiro do PAC do que a Caixa Econômica Federal, responsável pelo programa Minha Casa Minha Vida.

No sábado, o Estado divulgou que, mesmo flagrada em uma série de irregularidades pela Controladoria-Geral da União (CGU), a Delta deverá seguir prestando serviços para o governo federal. A empresa é alvo de um processo administrativo no qual pode ser declarada inidônea e ficar proibida de firmar novos contratos com o governo. Entretanto, os que estão em andamento poderão ser mantidos.

Desde o início do escândalo do caso Cachoeira, a Delta anunciou sua saída de duas obras no Rio: o Maracanã e a Transcarioca. Mas nada ocorreu em relação a obras federais. A empresa divulgou comunicado afirmando que "continuará a cumprir os contratos, obrigações e compromissos assumidos com fornecedores e clientes, com a habitual regularidade".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Agnelo perde apoio e PSB e PPS ameaçam deixar base

Partidos aliados não resistem à pressão sobre governador e devem seguir debandada iniciada pelo PDT; relação com PMDB, do vice Filippelli, também é frágil

Vannildo Mendes

BRASÍLIA - Abandonado à própria sorte pelo Palácio do Planalto, sob ameaça de ser convocado pela CPI do Cachoeira, o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), enfrenta debandada de aliados. Nos próximos dias, dois partidos importantes da base - PSB e PPS - devem anunciar seu desembarque do governo, seguindo o caminho do PDT.

Crítico dos rumos do governo e ressentido com o espaço que ocupa, o PSB chegou a marcar sua saída na semana passada, mas cedeu a um apelo de Agnelo. Adiou a decisão por dez dias, período em que consultará diretórios. A tendência é que a legenda devolva duas secretarias e 52 cargos de confianças. "Discutir a saída é sinal de que há uma insatisfação grande", resumiu o senador Rodrigo Rollemberg, maior liderança local do partido.

Na esperança de seduzir a base com maior oferta de cargos, Agnelo passou a última sexta-feira em frenéticas negociações até conseguir o adiamento. Apelou até para o presidente nacional do partido, o governador Eduardo Campos (PE), que liberou os correligionários locais para decidirem livremente. "Nossa crítica não é oportunista", explicou Rollemberg. "Desde o final do ano passado discutimos nossa relação por se tratar de um governo dominado por forças conservadoras e com problemas sérios de gestão".

Além disso, segundo ele, o governo tem sido leniente no combate a corrupção. Sua alusão é ao envolvimento de autoridades locais com sucessivas denúncias, como a ligações com o contraventor Carlinhos Cachoeira.

O porta-voz do governo, Ugo Braga, minimizou as críticas de Rollemberg. A seu ver, ele "é candidato antecipado à sucessão e está no seu papel". Ele crê que a maioria do partido não o acompanhará.

Divórcio forçado. O PPS, que segue orientação nacional feroz contra o PT, perdeu a paciência com a teimosia do diretório local em manter a aliança com Agnelo. E ameaça fazer um divórcio forçado por meio de intervenção. O presidente nacional do partido, deputado Roberto Freire (SP), convocou reunião extraordinária da Comissão Executiva Nacional para o dia 8, quando será analisada a proposta de intervenção no diretório local.

Em 2010, o PPS saiu desgastado por envolvimento de alguns dirigentes no esquema de corrupção do governo anterior, desmantelado pela Operação Caixa de Pandora. A liderança nacional quer evitar novo prejuízo à imagem da legenda por causa dos problemas enfrentados pela gestão Agnelo.

O PDT adotou essa postura e deixou a base no início da semana retrasada. Liderado pelo senador Cristovam Buarque, o partido era aliado estratégico do petista, mas divergia seriamente de alianças conservadoras e da persistência de práticas fisiológicas.

E inclusive a relação com o principal partido da base, o PMDB, também não é confortável. Na sexta-feira, o vice-governador Tadeu Filippelli, principal nome da legenda, pediu formalmente à Procuradoria Geral da República (PGR) explicações sobre suposta rede de espionagem ilegal que teria sido montada na Casa Militar do governo, da qual ele próprio seria alvo.

A relação de desconfiança entre o governador e o vice não é de hoje Sempre nutriram distância política. A aliança de 2010 foi feita em nome da coalizão nacional.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Código Cabral (2):: Ricardo Noblat

"Nunca na minha vida misturei amizade com interesse público". (Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro)

Gente: menos rigor com Sérgio Cabral, governador do Rio. Somente em 2011 ele teve a feliz ideia de encomendar um código de ética para orientar sua conduta. Não havia código quando ele voou em jatinho de Eike Batista. Nem quando dançou agachado à porta de um hotel em Paris junto com Fernando Cavendish, dono da empreiteira Delta e seu amigo. A viagem a Paris em 2009 foi uma festa. O ex-governador Garotinho publicou em seu blog fotografias de Cabral e Cavendish; de Cavendish dançando abraçado com os secretários Wilson Carlos (Governo) e Sérgio Côrtes (Saúde); e de Cavendish ao lado dos sorridentes secretários Júlio Lopes (Transporte) e Régis Fichtner (Casa Civil).

A Delta foi beneficiada pelo governo Cabral com obras avaliadas em R$ 1,49 bilhão. Pasmem: o governo desconhece o número exato de contratos celebrados com ela. Parte dos contratos foi dada à Delta sem que ela precisasse disputar licitações. A Delta tem obras em todos os estados — mas em nenhum se deu tão bem como no Rio.

Na semana passada, Cavendish afastou-se da presidência da Delta depois de descoberta a ligação da empresa com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, preso desde o início de março último, acusado de formação de quadrilha e de patrocínio de jogos ilegais. Cachoeira é suspeito de ser sócio oculto da Delta.

Datam do mesmo ano da milionária viagem a Paris com Cabral declarações gravadas de Cavendish onde ele diz o que pensa sobre os políticos durante conversa com diretores da Delta e da empresa Sigma. "Se eu botar 30 milhões na mão de um político, eu sou convidado pra coisa pra caralho. Pode ter certeza disso", diz. E segue: "Estou sendo muito sincero com vocês: seis milhões aqui, eu ia ser convidado (para tocar obras). "Ô, senador fulano de tal, se convidar, eu boto o dinheiro na tua mão"". Cavendish deixa claro que não é qualquer um que receberá propina dele. "Eu não me interesso pela arraia miúda. Nenhum interesse por arraia miúda." Cabral é arraia grande.

De volta a 2009. Como Cabral poderia supor que desrespeitava a ética com a viagem a Paris se não dispunha de um código que estabelecesse os limites de ação de um homem público? Sem um código, o que é aético para você pode não ser para mim — e vice-versa. Concorda?

Digitei "ética" no Google. Fiz isso no último sábado. Sabe quantas páginas me foram oferecidas? Em números redondos, 57 milhões. Digitei "código de ética". Havia quase 17 milhões de páginas disponíveis. Quer dizer: trata-se de um assunto complexo, sujeito a interpretações que variam de acordo com o tempo (época) e o espaço (lugar).

Antes da confecção do código, Cabral só contava com a própria intuição para guiá-lo. Digamos que tivesse lido este trecho: "Ética é um conjunto de valores morais e princípios que norteiam a conduta humana na sociedade. Serve para que haja um equilíbrio e bom funcionamento social, possibilitando que ninguém saia prejudicado".

Talvez se perguntasse: "O bom funcionamento social esteve ameaçado nas vezes que viajei com Cavendish ou telefonei para Eike pedindo seu jato emprestado?" Em certa ocasião, o jato ficou uma semana com ele e a família. Foi às Bahamas, voltou a Manaus, foi às Bahamas, voltou ao Rio, foi às Bahamas e finalmente voltou ao Rio.

Cabral é inteligente e esperto, mas um tanto descuidado. Não deve ter identificado nenhum conflito de interesses em governar um estado que favorece negócios de Cavendish e de Eike e, ao mesmo tempo, ser passageiro contumaz do jato de um e par constante do outro. Mas depois do código, isso é passado, acredite. Ou não é?

O código, por exemplo, exalta a transparência. O "Jornal Nacional" quis saber como Cabral e a sua turma chegaram a Paris há três anos. E quem pagou as despesas. A resposta foi o silêncio envergonhado. Sabe de uma coisa? Dever de casa para Cabral: ler todo dia uma página do código, recomeçando depois de ler a última.

FONTE: O GLOBO

CPI chapa-branca :: Paulo Brossard

Contando o governo com maioria parlamentar, é óbvio que não tenha razões para patrocinar uma CPI a fim de investigar sua própria atuação e o funcionamento de serviços dele integrantes. Daí por que, em princípio, essa responsabilidade cabe à minoria. Tanto que, com o correr do tempo, foi-se formando o entendimento segundo o qual seria desairoso impedir ou embaraçar a investigação parlamentar, mas também acontecia que a truculência da maioria estrangulasse a minoria sob as mais versadas formas do abuso de poder. Foi por isso que a Constituição de Weimar, de 1919, inscreveu como prerrogativa da minoria criar CPI independente da anuência ou da malquerença do governo, bastando que um terço da Casa assinasse o requerimento e o apresentasse à Mesa ou ao presidente, independente do plenário e de sua maioria. Diga-se de passagem, a cláusula da Carta alemã logo encontrou seguidores, inclusive pela Constituição brasileira de 1934...

Contudo, a despeito de serem de vária ordem e autoria os numerosos fatos de relevância, quiçá inaudita, que têm vindo ao conhecimento da nação e amplamente divulgados por todos os meios de comunicação, a honrada senhora presidente manifestou-se contrariamente à projetada Comissão e, como também foi fartamente publicado, depois conferenciou com seu antecessor. A cautela da senhora presidente se inspirava no risco de a Comissão poder atingir figuras do governo. É de presumir-se que ela sabia o que dizia e por que o fazia. O certo é que a CPI foi criada, mas estranhamente não foi fácil escolher o seu presidente e ainda mais o relator, ambos escolhidos pelo governo e dentre governistas, o que é ostensiva e abusiva interferência do Executivo. Tratar-se-ia de comissão de chapa branca. O fato é que a hipótese se converteu em realidade nua e crua, embora ela não fosse graciosa, uma vez que a senhora presidente não se acanhou em "blindar", sic, publicamente, pelo menos dois de seus afeiçoados em relação aos quais havia sérias imputações.

A mudança da senhora presidente, no tocante à CPI, depois da conferência com seu antecessor, levantou a ponta da toalha tanto mais quando o caso vai coincidir com o julgamento do mensalão pelo STF. Por fim, é de lembrar-se que o ex-presidente Luiz Inácio, no fim do seu governo, disse que iria dedicar-se a desmanchar a "farsa do mensalão". Não há quem não veja coincidência na ação da CPI com o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal.

Em breve, o interesse geral se transfere às eleições municipais, e a falta de número no Congresso em tais ocasiões é notória e praticamente inafastável. Quer isto dizer que dificilmente haverá número para a CPI, integrada por 32 parlamentares, reunir-se regularmente e não é de estranhar que o fato previsível e previsto venha a servir para alguma surpresa, deixando à margem fato relevante que deveria ser apurado, para desprestígio do Legislativo, aliás, já reduzido em seu prestígio.

Por tudo isso e muito mais, e salvo erro meu, a CPI criada por um terço da Câmara, mas dominada pela maioria, pode reduzir-se a uma caricatura da cláusula constitucional ao consagrar um caso de deliberação minoritária para fins de coibir excessos da maioria. Ora, o que vem aparecendo de Norte a Sul, no setor público, é verdadeira furunculose que entristece e revolta. A CPI poderia ser um sinal de redenção, mas não está excluído o triunfo desastroso da prepotência, o que seria deplorável.

Estou a lembrar-me do que, faz mais de século, escreveu Rui Barbosa, "as formas políticas são vãs, sem o homem que as anima".

*Jurista, ministro aposentado do STF

FONTE: ZERO HORA(RS)

Delta: dinheiro de lavagem compensaria menor preço:: João Bosco Rabello

Setores do governo e do Judiciário defendem o aprofundamento das investigações que materializem a desconfiança sobre a relação entre o dinheiro de Carlos Cachoeira na Delta e os preços competitivos que garantiu vitórias para a empresa em licitações públicas.

Trocada em miúdos, a ideia é provar o que para muitos é certeza: ao lavar dinheiro dos negócios ilegais de cachoeira, a construtora ganhava lastro para compensar os preços baixos nas concorrências e conquistar obras oficiais de vulto.

Sustentável ou não, a simples desconfiança é outro elemento para tornar, mais que imprópria, cínica, a pretensão de limitar as investigações sobre a construtora aos seus negócios no Centro-Oeste. A frustração dessa tentativa anunciada virá a ser um dos primeiros sinais mais claros sobre a improbabilidade de controle político da CPI pelo seu proponente.

Mais provável é que a ideia seja uma das muitas iniciativas em curso voltadas para interesses individuais de parlamentares que veem na CPI a oportunidade para exterminar politicamente adversários históricos. O que já ocorre em parte com a farta distribuição de grampos que banaliza a escuta telefônica como método investigativo complementar, para tornar-se instrumento principal das operações policiais.

A CPI do Cachoeira começa por onde as outras terminaram, ou seja, poupando seus integrantes da fase investigativa, com provas produzidas e relatórios policiais conclusivos em alguns casos. O que impõe aos parlamentares o dever seletivo de convocações e objetividade nas suas ações.

O foco na Delta certamente desvendará uma teia de relações promíscuas de políticos e partidos com o submundo do crime organizado, a partir de Cachoeira, dando dimensão concreta ao discurso do “doa a quem doer”, até aqui aparentemente mera peça retórica de quem julga possível condenações seletivas segundo um mapa político previamente traçado.

Nesse momento, sequer ainda nas preliminares, a CPI já sabe, por exemplo, que governadores como Agnelo Queiroz (PT-DF), Sérgio Cabral (PMDB-RJ) e Marconi Perillo (PSDB-GO) – nessa ordem e ressalvados os respectivos graus de delito – estão em maus lençóis e com suas carreiras políticas seriamente ameaçadas.

Ou seja, antes mesmo de entrar em pleno funcionamento, a CPI já tem no banco dos réus governadores do PT, PSDB e PMDB. Promete doer ainda em um universo mais amplo, constatação que talvez explique a tentativa de setores partidários, principalmente do PT, de levar ao palco também a mídia – principal obstáculo à estratégia de controle das informações comprometedoras.

Além, claro, da Constituição, que garante o sigilo das fontes, sem especificar quais, e de legislação complementar que a reforça proibindo à autoridade pública impor sua quebra àqueles cujas atividades impliquem a guarda do segredo profissional. Rol em que estão jornalistas, médicos, advogados e outros.

A investigação profunda da Delta importa também ao mercado, ainda que como efeito colateral, para avaliar minimamente os danos comerciais de empresas concorrentes com o cartel criminoso da empresa, que vai da construção civil à locação de veículos, passando por coleta de lixo e venda de sistemas tecnológicos.

Tudo isso com dinheiro público federal e estadual.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Dura Lex:: Melchiades Filho

A CPI do Cachoeira oferece oportunidade não só de investigar a fundo as relações entre políticos, empresários e o crime organizado, mas também de aprovar melhores leis de combate à corrupção.

Já surgiu uma ideia interessante na comissão de juristas escalada pelo Senado para revisar o Código Penal: classificar como crime o enriquecimento do servidor incompatível com sua renda declarada.

Pela proposta, a polícia não precisaria mais provar em detalhes como se deu a roubança. Bastaria constatar que o político (ou o juiz, o delegado etc.) acumulou patrimônio ou passou a usufruir de bens acima de suas possibilidades.

A medida não secaria de vez os propinodutos. Mas, como precisou o ministro Gilson Dipp (STJ), daria ao Estado um instrumento para agir com rapidez. O sujeito pensaria duas vezes antes de se fixar em Paris, emborcar vinhos exclusivos, colecionar carros importados...

A comissão de juristas tem feito outras sugestões arrojadas, como a ampliação dos casos em que aborto e eutanásia seriam permitidos. Estão quase todas fadadas à derrota, dada a composição do Congresso.

Fossem tempos normais, também iniciativas contra a corrupção acabariam na fila-que-não-anda. Os pilantras sabem como ninguém emperrar o trabalho parlamentar.

A CPI do Cachoeira, porém, quebra esse quadro de estupor. O escândalo é grande demais para ser abafado -ainda que o PT, justo quem mais lucrou politicamente com as revelações até aqui, opere para restringir o escopo da investigação.

Dipp e seus colegas deveriam tirar proveito e surfar a onda da Ficha Limpa, influenciando na redação do texto propositivo da CPI. Vale incluir outros bons projetos em tramitação no Congresso, como o que prevê punição também para quem corrompe (e não apenas para o corrompido), e fechar um pacote bem antes do recesso de julho.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Paulinho da Viola - Coração leviano

Mensalão e Judiciário :: Almir Pazzianotto Pinto

O constrangedor conflito entre ministros do Supremo Tribunal Federal nasce da necessidade de julgar os réus no processo conhecido como mensalão. A causa tramita desde 2006, quando o procurador-geral da República, Antonio José de Sousa, denunciou ao STF 40 envolvidos no maior escândalo político das últimas décadas.

Grandes e pequenos episódios de corrupção o antecederam, outros se lhe seguiram, a exemplo da máfia dos sanguessugas, que atingiu diretamente o Ministério da Saúde, sendo indigitados dezenas de parlamentares e prefeitos, além de diversos empresários.

A morosidade é renitente inimiga do Poder Judiciário, cujos melhores e mais operosos integrantes mostram-se incapazes de derrotar. Para certos magistrados, o tempo inexiste; ou não importa. É da lentidão, contudo, que crime e impunidade se alimentam. Não se conhece melhor fermento para a corrupção do que a certeza de que o tempo agirá com solvente, e fará desaparecer, no esquecimento, o enriquecimento ilícito.

Algumas justificativas são apresentadas, com o propósito de isentar os juízes vagarosos: a fadiga, o acúmulo de serviço, a impermeabilidade da magistratura a pressões externas.

Convenhamos, todavia, que do juiz espera-se disposição para tarefas que, ao se candidatar ao cargo, presumiria serem extenuantes. Quanto ao acúmulo, a morosidade é das maiores responsáveis, por se deixar para amanhã o que se deveria fazer hoje. A Constituição assegura, entre os direitos e garantias fundamentais, a razoável duração do processo. A carga mais pesada, em qualquer julgamento, incumbe ao relator, cuja tarefa é suplementada pelo revisor. Compete-lhes submeter ao plenário do tribunal relatório, que sintetizará as principais ocorrências registradas no andamento da causa, a fim de facilitar o proferimento dos votos restantes.

A informatização facilitou a tarefa de julgar. Além do revisor, os membros do tribunal passaram a ter imediato acesso ao relatório, pela rede interna de comunicação. Considero excessivo o prazo de cinco anos, decorridos do recebimento da denúncia, em março de 2012. Não houve escassez de tempo, para que os ministros conseguissem separar inocentes e culpados.

Há pressão no sentido do julgamento da causa. Pressão legítima, que resulta do sentimento nacional de cidadania, rogando ao Supremo o cumprimento do dever de se pronunciar. Tanto quanto o Legislativo e Executivo, o Judiciário é pago com o suado dinheiro do contribuinte, criminosamente desviado pelos envolvidos nos escândalos que abalam a República, o governo, e corroem a imagem da democracia.

O Supremo está farto de saber que não goza de imunidade diante do correr dos dias. Já se ouve dizer que o mensalão será julgado no segundo semestre, sem definição de data. Ora, no segundo semestre ocorre o recesso do mês de julho, paralisando os trabalhos da Corte. Em seguida virão as eleições em 5.564 municípios. Três dos onze ministros do STF participam do Superior Tribunal Eleitoral. Com as atenções divididas entre STF e TSE, S. Exas. terão tempo para se dedicar ao mensalão? Não bastasse, o ministro Ayres Brito aposentar-se-á em novembro, fato que exigirá do Supremo a escolha de novo presidente. Somadas essas, e outras circunstâncias, há probabilidade de o julgamento ser adiado para 2013.

Prescrição é contagem obsessiva e regressiva. A cada hora mais se avizinha o momento em que os acusados serão agraciados pela lentidão. A denúncia formulada pela Procuradoria-Geral cairá, então, no vazio. Tornar-se-á inútil. Os acusados ficarão livres das acusações pela inexorável ação do tempo. Voltarão a ter ficha limpa, aptos a disputar mandato, ou a exercer cargos de confiança.

Não é isso o que aspira a nação vigilante. O povo aguarda que a irrecorrível decisão do STF identifique culpados e inocentes. É o mínimo a se esperar do órgão máximo do Poder Judiciário, sobretudo porque os réus o têm como foro único e privilegiado.

Neste momento histórico, os olhos dos brasileiros estarão concentrados em três ministros: Ayres Britto, presidente, Joaquim Barbosa, relator, e Ricardo Lewandowski, revisor. Deles se espera que ingressem, com honras e glórias, na história do Poder Judiciário.

Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Meu Brasil brasileiro :: Marco Antonio Villa

O Brasil é um país, no mínimo, estranho. Em 1992, depois de grande mobilização nacional e de uma comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) acompanhada diariamente pela população, o então presidente Fernando Collor de Mello teve o seu mandato cassado. Foi o primeiro presidente da República que teve aprovado um processo de impeachment no País. De acordo com os congressistas, o presidente foi deposto por ter cometidos crimes de responsabilidade. Collor foi acusado de ter articulado com o seu antigo tesoureiro de campanha, Paulo César Farias, um grande esquema de corrupção que teria arrecado mais de US$ 1 bilhão. Acabou absolvido pelo Supremo Tribunal Federal por falta de provas. Passados 20 anos, o mesmo Fernando Collor, agora como senador por Alagoas, foi indicado por seu partido, o PTB, para compor a CPMI que se propõe a investigar as ações de Carlinhos Cachoeira. Deixou a posição de caça e passou a ser um dos caçadores.

Quem mudou: Collor ou o Brasil? Provavelmente nenhum dos dois. Algo está profundamente errado quando um país não consegue, depois de duas décadas, enfrentar a corrupção. Hoje, diferentemente de 1992, as denúncias de corrupção são muito mais graves. Estão nas entranhas do Estado, em todos os níveis, e em todos os Poderes. Não se trata - o que já era grave - simplesmente de um esquema de corrupção organizado por um grupo marginal do poder, recém-chegado ao primeiro plano da política nacional.

Ao longo dos anos a corrupção foi sendo aperfeiçoada. Até adquiriu status de algo natural, quase que indispensável para governar. Como cabe tudo na definição de presidencialismo de coalizão, não deve causar admiração considerar que a corrupção é indispensável para a governabilidade, garante estabilidade, permite até que o País possa crescer - poderia dizer algum analista de ocasião, da turma das Polianas que infestam o Brasil.

Parodiando Karl Marx, corruptos de todo o Brasil, uni-vos! Essa poderia ser a consigna de algum partido já existente ou a ser fundado. Afinal, a nossa democracia está em crise, mas não é por falta de partidos. É uma constatação óbvia de que o Brasil não tem memória. O jornalista Ivan Lessa escreveu que a cada 15 anos o Brasil esquecia o que tinha acontecido nos últimos 15. Lessa é um otimista incorrigível. O esquecimento é muito - mas muito - mais rápido. É a cada 15 dias. Caso contrário não seria possível imaginar que Fernando Collor estivesse no Senado, presidisse comissões e até indicasse diretores de empresas estatais, como no caso da BR Distribuidora. E mais: que fosse indicado como membro permanente de uma CPMI que visa a apurar atos de corrupção. Indo por esse caminho, não vai causar nenhuma estranheza se o Congresso Nacional revogar o impeachment de 1992 e até fizer uma sessão de desagravo ao ex-presidente. Como estamos no Brasil, é bom não duvidar dessa possibilidade.

Em 1992 muitos imaginavam que o Brasil poderia ser passado a limpo. Ocorreram inúmeros atos públicos, passeatas; manifestos foram redigidos exigindo ética na política. Até surgiu uma "geração de caras-pintadas". Parecia - só parecia - que, após a promulgação da Constituição de 1988 e a primeira eleição direta presidencial - depois de 29 anos -, a tríade estava completa com a queda do presidente acusado de sérios desvios antirrepublicanos. O novo Brasil estaria nascendo e a corrupção, vista como intrínseca à política brasileira, seria considerada algo do passado.

Não é necessário fazer nenhum balanço exaustivo para constatar o óbvio. A derrota - de goleada - dos valores éticos e morais republicanos foi acachapante. Nos últimos 20 anos tivemos inúmeras CPIs. Ficamos indignados ouvindo depoimentos em Brasília com confissões públicas de corrupção. Um publicitário, Duda Mendonça, chegou mesmo a confessar - sem que lhe tivesse sido perguntado - na CPMI do Mensalão que havia recebido numa conta no exterior o pagamento pelos serviços prestados à campanha do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. A bombástica revelação foi recebida por alguns até com naturalidade. O que configurava um crime de responsabilidade, de acordo com a Constituição, além de outros delitos, não gerou, por consequência, nenhum efeito. E, vale recordar, com a concordância bovina - para lembrar Nelson Rodrigues - da oposição.

A aceitação de que política é assim mesmo foi levando à desmoralização da democracia e de seus fundamentos. Hoje vivemos um simulacro de democracia. Ninguém quer falar que o rei está nu. Democracia virou simplesmente sinônimo de realização de eleições, despolitizadas, desinteressadas e com um considerável índice de abstenção (mesmo com o voto obrigatório). Aqui, até as eleições acabaram possibilitando expandir a corrupção.

Na política tradicional, a bandeira da ética é empunhada de forma oportunista, de um grupo contra o outro. Na próxima CPI os papéis podem estar invertidos, sem nenhum problema. É um querendo "pegar" o outro. E muitas vezes o feitiço pode virar contra o feiticeiro.

E as condenações? Quem está cumprindo pena? Quem teve os bens, obtidos ilegalmente, confiscados? Nada. O que vale é o espetáculo, e não o resultado.

O Brasil conseguiu um verdadeiro milagre: descolou a política da economia. O País continua caminhando, com velocidade reduzida, por causa da má gestão política. Mas vai avançando. E por iniciativa dos simples cidadãos que desenvolvem seus negócios e constroem dignamente sua vida. Depois, muito depois, vão chegar o Estado e sua burocracia. Aparentemente para ajudar, mas, como de hábito, para tirar "alguma casquinha", para dizer o mínimo. E a vida segue.

Não vai causar admiração se, em 2032, Demóstenes Torres for indicado pelo seu partido para fazer parte de uma CPI para apurar denúncias de corrupção. É o meu Brasil brasileiro, terra de samba e pandeiro.

Marco Antonio Villa, historiador, é professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O Supremo e a Constituição:: Renato Janine Ribeiro

Ao tomar posse na presidência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Ayres de Brito recomendou ler a Constituição todos os dias. Isso vale para quem opera com o Direito e, penso eu, para todos os cidadãos. Muito bem. Mas será bom que os tribunais superiores e o próprio Supremo também sigam a sugestão do novo chefe do Poder Judiciário. Porque decisões importantes do Tribunal Superior Eleitoral, endossadas ou toleradas pelo STF, vão contra o maior princípio de nossa Constituição: a democracia.

Há várias teses sobre a democracia. Mas uma delas é fundamental e inconteste. Democracia é, literalmente, poder do povo. Só há democracia se o povo escolher os governantes. É ele, diretamente ou por seus representantes eleitos, quem decide leis e impostos. Ninguém governa democraticamente um país, Estado ou município se não tiver sido eleito. Nas Américas, que adotam o regime presidencialista, os chefes do Executivo são votados diretamente pelo povo. Só em casos excepcionais, como se vagar o cargo perto do fim do mandato, cabe uma eleição indireta para completá-lo. E nessa eleição votam representantes do povo, isto é, pessoas que este elegeu.

No parlamentarismo, o povo não elege diretamente o chefe de governo, mas vota em deputados, que elegerão o primeiro-ministro. Também aí, só pode governar quem o povo, em última análise, escolheu. Na democracia, todo poder emana do povo e é exercido em seu nome, como disseram nossas Constituições republicanas, ou diretamente por ele, como acrescentou a Constituição de 1988.

A democracia não admite governante não eleito

O que não se admite, num regime democrático, é que se dê posse ao candidato derrotado pelo povo. Esse é o fim da democracia.

Mas, nos últimos anos, o TSE cassou mandatos de governantes eleitos e mandou dar posse ao candidato derrotado. Em 2009, destituiu os governadores do Maranhão, Jackson Lago (PDT), e da Paraíba, Cassio Cunha Lima (PSDB), dando seus cargos a Roseana Sarney e José Maranhão. O mesmo tinha acontecido em vários municípios - como Mauá (SP), que, depois da eleição de 2004, foi governado por quatro anos pelo candidato perdedor.

Debato aqui só os eleitos pelo voto majoritário - presidente, governadores, prefeitos e senadores. No voto proporcional, a cassação prejudica o candidato, mas sua cadeira permanece com seu partido (ou coligação). O voto popular é preservado. No majoritário, a cassação tem o efeito oposto. É um tapetão. Descarta o voto popular.

Não sou contra cassação de governantes pela via judicial. Se cometeram crimes graves, percam o mandato. Haverá que medir a gravidade do delito. A cassação deveria valer somente para delitos sérios. Hoje ela está prevista para tantos casos que sua aplicação ou não é aleatória; não há meio termo. Mas essa é uma questão de dosagem jurídica do erro e da pena. O que discuto aqui é mais fundamental: é teórico, é constitucional, é ético. O que ofende a essência da democracia é dar posse ao candidato que o povo recusou. Nenhum tribunal tem, no regime democrático, o direito de inverter a decisão popular. Ele organiza o processo eleitoral. Pode mandar recontar os votos. Pode até anular uma eleição e convocar uma nova. Mas não pode virar pelo avesso a vontade do povo. Nem um tribunal, nem ninguém.

Ainda em 2009, o governador de Tocantins também foi cassado. Mas, alegando razões técnicas, o TSE determinou nova eleição - indireta, pois se acercava o fim do mandato e seria difícil uma consulta popular. Foi uma solução correta. O novo governador foi eleito por deputados que o povo tinha escolhido. Teve legitimidade. Talvez o TSE se arrependesse das decisões anteriores. E jamais se atreveria a dar posse a um candidato derrotado em São Paulo, Minas Gerais ou Rio de Janeiro. Mas o grave, mesmo, é que a Corte não percebeu a gravidade do que fizera. Não soube articular teórica e juridicamente o que é democracia. Considero preocupante que nosso tribunal especializado em eleições, bem como o tribunal guardião da Constituição, ignorem em questão tão crucial o que é o significado essencial de democracia.

Os defensores dessas sentenças poderiam alegar que o TSE cumpre a lei. Mas leis não podem violar a Constituição. Aliás, com razão, o TSE e o STF debateram - até longamente - a Lei da Ficha Limpa, para que ela respeitasse princípios constitucionais importantes.

Talvez nossos juízes entendam melhor os preceitos constitucionais que respeitam os direitos individuais ou pessoais, do que os que dizem respeito aos cidadãos e à coletividade. Sua formação os orienta mais nessa direção. Por isso insisto, neste artigo, no valor da democracia e da república. Não são palavras genéricas. "Democracia" quer dizer que o poder é do povo. "República" quer dizer que a coisa pública não pode ser apropriada por interesses particulares. Basta a Constituição dizer que o Brasil é uma república, para que ações cometidas em flagrante prejuízo do bem comum - nepotismo, concessão de bens públicos em troca de corrupção ou de vantagens pessoais, uso do mandato em benefício próprio - sejam ilícitas. Igualmente, basta a Constituição afirmar o caráter democrático de nossa pólis para que seja errado dar o poder a quem perdeu as eleições.

Aliás, a solução para esse problema é bastante simples. Espanta que não tenha sido tomada por nossos tribunais superiores. Casse-se o mandato de quem cometeu o crime eleitoral, com as penas que merecer, inclusive a inelegibilidade. Convoque-se nova eleição, para que o povo escolha novo governante. Dará algum trabalho. Custará dinheiro. Mas custará menos do que ter, como governante, alguém que o eleitorado rejeitou.

Renato Janine Ribeiro, professor da USP

FONTE: VALOR ECONÔMICO