sábado, 10 de março de 2012

Sentimentos mistos:: Míriam Leitão

O dia na Europa foi de comemoração e apreensão. A Grécia atingiu o nível de adesão necessário para fechar o acordo com os credores privados e acionar a cláusula que força a minoria a concordar com os termos da troca da dívida velha por nova: 96% da dívida será trocada no maior calote da História. A Associação dos Swaps e Derivativos passou a tarde reunida e no final disse que as empresas de seguro terão que pagar certos papéis.

Por muito tempo se buscou o momento que a Grécia atingiu ontem: 75% dos bancos disseram que concordavam em receber metade, ou menos, do valor do que tinham emprestado para a Grécia. Ao chegar nesse nível, uma cláusula dos contratos dos empréstimos é automaticamente acionada, a collective action clause (cláusula de ação coletiva). Isso força o consenso, a minoria tem que concordar com a maioria. Quem ainda hesitava teve que aderir ao acordo que perdoará US$ 130 bilhões de dívida.

O acordo inteiro envolve dívida no valor total de 206 bilhões (US$ 270 bilhões), ou 87% do PIB grego. Isso é só a dívida privada. Tudo nesse caso é exorbitante. Ao todo o país deve uma Grécia e meia.

Os bancos foram empurrados para a mesa de negociação por duas forças: a Alemanha e a realidade. Quando elas se juntam é impossível resistir. A França tentou evitar, mas a presidente da Europa (sim, é isso mesmo que eu quis dizer), Angela Merkel, exigiu dos bancos uma cota de sacrifício. Por isso eles foram negociar com a Grécia. Pode-se ver daí que as expressões "adesão" ou "troca voluntária" usadas pelos negociadores, analistas, imprensa e autoridades não condizem com os fatos.

Na madrugada de ontem os gregos anunciaram que haviam atingido os 75% de adesão para a troca voluntária da velha dívida com valores reduzidos e novos prazos e termos contratuais. O nível de 75% é o ponto a partir do qual os outros têm que aceitar, e rapidamente se chegou aos 96% de adesão, ficando de fora títulos muito específicos.

Os ministros de finanças da Zona do Euro anunciaram um empréstimo de US$ 47 bilhões à Grécia. Com isso, os gregos fazem um pagamento à vista que foi negociado com os bancos. Nada ficará com a Grécia. É para entrar por uma ilha e sair por outra e ir direto para os cofres dos bancos.

Era isso que se buscava em todas essas idas e vindas dos últimos meses: que os bancos aceitassem dar um desconto à Grécia, para que a Europa emprestasse uma parte que retornasse aos bancos. Agora só falta a Grécia ser capaz de honrar o que resta da sua dívida, cumprir as metas fiscais impostas pela troica (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia). Para isso, ela precisa de crescimento econômico para aumentar suas receitas. E é exatamente isso que está cada vez mais distante. Ontem mesmo veio o anúncio de que no último trimestre do ano eles tiveram 7,5% de recessão. A Grécia está em recessão profunda. Na quinta-feira a taxa de desemprego de dezembro foi anunciada: 21%. País fraco assim não paga dívida alguma, isso sabemos nós aqui desde os anos 1980.

O momento de tensão começou quando se reuniu a Associação Internacional dos Swaps e Derivativos. Horas depois ela saiu com o veredito: como alguns bancos foram forçados a entrar no acordo, então eles podem exigir o pagamento do seguro que compraram para se proteger exatamente do risco de um calote grego. A dúvida era se a cláusula que força a entrada no acordo era um "evento de crédito". Se fosse classificado assim pela associação então o seguro teria que ser pago. Foi classificado assim. Quanto será pago e por quais instituições? Não se sabe ainda. Ontem, o número mais falado era US$ 3 bilhões, mas havia previsões de ser muito mais. O mercado na segunda-feira deve abrir com informações mais precisas, ou dúvidas mais agudas sobre o tamanho do custo que terá que ser pago por quem vendeu o chamado CDS (Credit Default Swap), ou mais popularmente o seguro contra o calote grego. A decisão de hoje também abre um precedente para outros acordos que possam vir a ser feitos no futuro. Os CDS terão que ser pagos. Há vários outros países com dificuldades com suas dívidas na Europa. A Grécia tem sido considerada um teste.

Além disso há o risco de que a Grécia não consiga, pelas dificuldades da sua própria economia, pagar os novos papéis que estão sendo emitidos agora para serem trocados pelos velhos títulos. São obrigações de até 32 anos. Se ela ficar no euro por esse tempo todo, se conseguir retomar o crescimento, se receber novos aportes, se cumprir as metas fiscais, a nova dívida será paga. Mas o risco de um novo calote na dívida nova não está descartado. Só que os juros que ela está sendo obrigada a se comprometer a pagar são tão altos que mesmo se ela não pagar tudo terá sido um grande negócio para os credores.

Há dúvidas sobre vários outros países. A Espanha não cumprirá a meta fiscal e precisa de mais dinheiro. Os juros exigidos de Portugal subiram fortemente nos últimos meses provando que o país é visto como o segundo da fila. A comemoração de ontem tem pouco fôlego. Há muitos outros riscos pela frente e muitos desafios para todos os europeus. A crise da Europa continua.

FONTE: O GLOBO

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