segunda-feira, 19 de março de 2012

Observações à margem do rio invisível::Wilson Figueiredo

O ponto mais alto do que a História registrará na seqüência do que, para todos os efeitos, se denominou de mensalão, não impedirá que, no próximo ano, o Brasil já esteja realmente melhor do que promete. Tratava-se, no caso, do primeiro governo de esquerda e, a rigor, não passou de mais um da direita guaribada, para não dizer deslumbrada, e ser mal entendido. Pelo menos em alguns aspectos, os pessimistas, fieis à própria natureza, não acreditam que a situação possa piorar.

Não faltam também sinais de que as conseqüências não podem mais esperar, depois que se oficializou a apresentação da nova parcela emergente que chega à classe média pela mão de Dilma Rouysseff, como se fosse a salvação da lavoura oficial, quando já temos a classe média propriamente dita, que fez saldo político com a sua participação desde a retomada da via constitucional em 1946. Falta uma história da classe média no Brasil para se ver um pouco além do que parece.

Fala-se em nova classe média sem considerar que ela já está entre nós desde que o consumo foi elevado à categoria de bem comum, mantidas as diferenças que são universais e identificam, à primeira vista, um pequeno burguês genuinamente nacional. A verdade é que não se molda politicamente um pequeno burguês apenas com a casa própria financiada, sem considerar outros sinais de um status que requer tempo e paciência. A classe média brasileira, como se apresenta, já é o ponto de apoio da indústria automobilística e o grande pilar do consumo. A educação em nível universitário é aspiração insubstituível, mas o que oficialmente se denomina nova classe média parece, aos olhos dos seus lançadores, um reforço eleitoral decisivo à disposição da próxima sucessão presidencial como prêmio dos deuses.

A denominada nova classe média, de nova mesmo, só tem o adjetivo ornamental de que é portadora com orgulho, este sim, pequeno burguês. Porque se não tiver o espírito que permita distinguir, a olho nu, um dos seus, seja socialmente mais em baixo ou mais em cima, não fará saldo nem corresponderá politicamente ao que a visão oficial espera de sua ascensão social.

Seria mais prudente o governo esvaziar a expectativa de que os novos pequeno burgueses tenham peso decisivo nas urnas e se sobreponham à classe média consolidada, política e historicamente, a partir do fim do Estado Novo. Sem esquecer o peso de opinião pública que teve em 1964 e, também decisivamente, na mobilização popular que encostou o regime contra a parede ( a eleição indireta) e resolveu o que se temia como impasse com que contava a esquerda radical, PT à frente e Lula atrás.

A classe média brasileira que pode falar com legitimidade foi produto da industrialização e do espírito social do consumo, com base no nacionalismo (que era socialmente malvisto na fração superior da sociedade) e na ascensão dos seus à representação política. É a parcela social que vocaliza com convicção as aspirações educacionais e culturais. E, vale lembrar, foi a base social que facilitou o desfecho político em 1964 e, da mesma maneira, retirou seu apoio aos governos militares, marcou presença nas eleições, pesou decisivamente na formação da opinião pública que primeiro resistiu e, depois que a social-democracia perdeu sua identidade, recorreu a Lula e é o arrimo da Dilma Roussseff.

O próximo capítulo virá na primeira oportunidade para conferir se os trinta milhões anunciados já reforçam a classe média ou precisarão passar por outro estágio social, para afinar com a parcela crescente, que é produto histórico consolidado e explica porque a pequena diferença de votos entre governo e oposição, nas eleições presidenciais, já é a base da democracia no Brasil. É esperar para ver.

FONTE: JORNAL DO BRASIL

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