sábado, 10 de março de 2012

Hora de acabar com a farra das MPs – Editorial: O Globo

Não é usual a mais alta Corte da Justiça voltar atrás num veredicto de inconstitucionalidade. Mas, da maneira como aconteceu, poderia ser previsível. O curto-circuito ocorreu no julgamento da medida provisória de criação do Instituto Chico Mendes, emitida e aprovada sem cumprir ritos legais, daí ter sido suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, na quarta-feira. Mas poderia acontecer em qualquer outro julgamento semelhante, tamanho o acúmulo de irregularidades acumuladas há muito tempo na edição e tramitação de medidas provisórias.

Constatado o tamanho do problema institucional criado pelo veredicto, com o surgimento de uma enorme zona de insegurança jurídica, não houve saída a não ser o recuo. Por oito a um, o Supremo determinou ao Congresso fazer o rito processual correto de aprovação da MP do Instituto, e, por sete a dois, teve de estabelecer que a decisão passaria a valer apenas para medidas provisórias editadas a partir de quinta-feira. De então para a frente, precisarão ser admitidas por comissão especial mista de senadores e deputados.

Se assim não decidisse o Supremo, 560 medidas provisórias poderiam ter o mesmo destino, e com os seus efeitos revogados, algo impensável. Seriam atingidas MPs de todos os governos, desde o de José Sarney. Da administração Fernando Henrique, por exemplo, a que fixou o salário mínimo de 2002. Na Era Lula, o Bolsa Família poderia ser revogado, e o mesmo aconteceria com Minha Casa, Minha Vida.

Embora espantoso, o recuo do Supremo tem respaldo em lei federal (9.868, de 1999), cujo artigo 27 faculta a Corte a "restringir efeitos" de declarações de inconstitucionalidade caso haja "razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social". É o caso.

Passado o susto, é tratar de aproveitá-lo para se moralizar o uso de MPs. Filho legítimo do decreto-lei da ditadura militar, o instrumento surgiu na Constituição de 1988 para o Executivo não perder agilidade administrativa na redemocratização. A intenção foi desvirtuada, e a medida provisória se converteu em instrumento de uso excessivo e também descabido, como são as MPs "árvore de Natal", cheias de penduricalhos diversos, sobre vários assuntos sem relação entre si, uma indiscutível ilegalidade.

No plano político mais amplo, a MP passou a servir para o Executivo avançar sobre espaços institucionais do Congresso. O Planalto começou também a legislar, de baixo para cima, sem pruridos. Lula, que na oposição abria fogo contra a emissão de MPs por Fernando Henrique Cardoso, editou 419 delas, nos dois mandatos, contra 365 nos também oito anos de poder do adversário tucano.

A tentação de governar sem o Congresso é grande no Brasil. E o próprio Legislativo ajuda, na sua leniência. Até os generais demonstraram mais pudor no manejo de decretos-lei do que governos civis nas medidas provisórias.

A culpa é democratizada nesta crise, como declarou o ex-ministro e ex-presidente do STF Nelson Jobim: presidentes do Senado, líderes de governos no Congresso e ministros de articulação política. Tem-se de aproveitar o momento e trabalhar para o Congresso deixar de ser cartório carimbador de decisões do Executivo. Já aprovada no Senado, está na Câmara proposta de emenda constitucional do senador José Sarney, com algum disciplinamento na apreciação de MPs no Congresso. É preciso recolocá-la em discussão.

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