segunda-feira, 12 de março de 2012

Armadilha aliada

O PMDB impõe derrota ao governo no Congresso para pressionar e constranger a presidente da República

Daniel Pereira

O Senado rejeitou na semana passada, por 36 votos a 31, a recondução de Bernardo Figueiredo ao cargo de diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Tramada nos bastidores por partidos aliados, com o bom e velho PMDB à frente da tropa, a decisão pegou de surpresa o governo e representou uma derrota pessoal da presidente Dilma Rousseff. Ao contrário de vários indicados para órgãos reguladores, que são lastreados por acordos políticos, Figueiredo era uma escolha direta de Dilma, que o considera um quadro de confiança desde a gestão do ex-presidente Lula. Era ele quem comandava os esforços oficiais para tirar do papel o trem-bala, um projeto bilionário que é visto com ressalvas dentro do próprio governo, mas que a presidente insiste em executar. Na última quarta-feira, logo depois da votação, Dilma disse a ministros que se sentiu traída pelos senadores governistas. Uma traição com requintes de crueldade. Em vez de dar vazão às reações coléricas que lhe são peculiares, ela recomendou aos auxiliares que agissem para reorganizar a base governista no Senado. Uma tarefa a ser executada sem revanchismos - descontadas algumas exceções.

O veto a Figueiredo foi resultado de uma combinação de fatores. Um grupo de senadores alegou que uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a pedido do Ministério Público Federal, apontara uma série de irregularidades na ANTT, o que impediria a recondução do diretor. Essa preocupação republicana só comoveu uma minoria. A maioria votou contra o governo para deixar claro que está insatisfeita com o ritmo de liberação de emendas parlamentares, a demora na nomeação de apadrinhados para cargos públicos e a perspectiva de uso da máquina federal para beneficiar o PT nas eleições municipais. O PCdoB, por exemplo, votou contra porque não consegue emplacar um diretor na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O PR, porque quer de volta o Ministério dos Transportes. Nenhuma das duas legendas, segundo Dilma, atingirá tais objetivos - ainda mais depois da "traição". "Os senadores estavam indignados com o governo. É aquela história; trair e coçar é só começar", conta o senador Gim Argello, líder do PTB. Mas quem comandou mesmo a operação foi o PMDB.

Há pelo menos duas semanas, integrantes do partido arquitetavam para derrotar a indicação de Bernardo Figueiredo. Na quarta-feira, ao perceberem um quórum considerado baixo para uma votação que se anunciava acirrada, puseram o plano em marcha. "Não acredito que o Romero Jucá não tenha percebido um movimento de quase todo o PMDB contra o governo". critica o senador petista Lindbergh Farias (RJ). Líder do governo no Senado e cacique peemedebista, Jucá entrou na lista negra da presidente, mas não deve perder o posto, ao menos por enquanto. Dilma também ficou contrariada ao saber que o presidente do Senado, José Sarney, disse a pelo menos um senador que dificilmente ocorreria a votação naquele dia, dispensando-o do plenário. Mas o alvo principal da ira é o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL). A presidente suspeita que Renan, valendo-se da votação secreta, não só aderiu à maioria como ajudou a formá-la no plenário. Dilma também acredita que, mesmo se quisesse ajudar, Renan não conseguiria, pois não tem mais controle sobre a bancada peemedebista. Ele perdeu o comando sobre os liderados, conforme relatos dados à presidente, e só trabalha por seus interesses pessoais. Uma das obsessões do parlamentar alagoano é manter o ex-senador Sérgio Machado à frente da Transpetro, subsidiária da Petrobras.

Dilma foi informada da derrota durante uma reunião em que discutia com ministros o atendimento de pedidos de verbas feitos pelos senadores peemedebistas. Surpresa. reagiu com interjeições de espanto. Na quinta-feira de manhã, chamou o vice, Michel Temer, presidente licenciado do PMDB, para uma conversa no Palácio do Planalto. Prometeu trabalhar para melhorar a relação do governo com a base aliada. Comprometeu-se a tratar com mais carinho os pedidos de liberação de emendas e a dar mais autonomia aos ministros que não são do PT. A presidente estendeu a mão, mas também fez uma cobrança a Temer. Ela deixou claro que Renan não representa mais os senadores do PMDB nas conversas com o Palácio do Planalto e que o partido tem de encontrar um novo interlocutor, pois o governo só aceitará negociar com a bancada, não mais com caciques em separado. Resta saber se o vice conseguirá essa proeza. Na ressaca da votação, Dilma terá de escolher um novo comandante para a ANTT. Já Renan vê ainda mais distante o sonho de voltar à presidência do Senado em 2013. "Não há uma matriz única de insatisfação dos senadores", defende-se o senador, garantindo que também ficou surpreso com o resultado da votação.

FONTE: REVISTA VEJA

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