segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Cariocas :: Carlos Drummond de Andrade

Como vai ser este verão, querida,
com a praia, aumentada/ diminuída?
A draga, esse dragão, estranho creme
de areia e lama oferta ao velho Leme.

Fogem banhistas para o Posto Seis,
O Posto Vinte... Invade-se Ipanema
hippie e festiva, chega-se ao Leblon
e já nem rimo, pois nessa sinuca
superlota-se a Barra da Tijuca
(até que alguém se lembre
de duplicar a Barra, pesadíssima).

Ah, o tamanho natural das coisas
estava errado! O mar era excessivo,
a terra pouca. Pobre do ser vivo,
que aumenta o chão pisável, sem que aumente
a própria dimensão interior.

Somos hoje mais vastos? mais humanos?
Que draga nos vai dar a areia pura,
fundamento de nova criatura?
Carlos, deixa de vãs filosofias,
olha aí, olha o broto, olha as esguias
pernas, o busto altivo, olha a serena
arquitetura feminina em cena
pelas ruas do Rio de Janeiro
que não é rio, é um oceano inteiro
de (a) mo (r) cidade.

Repara como tudo está pra frente,
a começar na blusa transparente
e a terminar... a frente é interminável.

A transparência vai além: os ossos,
as vísceras também ficam à mostra?

Meu amor, que gracinha de esqueleto
revelas sob teu vestido preto!

Os costureiros são radiologistas?
Sou eu que dou uma de futurólogo?
Translúcidas pedidas advogo:
tudo nu na consciência, tudo claro,
sem paredes as casas e os governos...

Ai, Carlos, tu deliras? Até logo.
Regressa ao cotidiano: um professor
reclama para os sapos mais amor.
Caçá-los e exportá-los prejudica
os nossos canaviais; ele, gentil,
engole ruins aranhas do Brasil,
medonhos escorpiões:
o sapo papa paca,
no mais, tem a doçura de uma vaca
embutida no verde da paisagem.
(Conservo no remorso um sapo antigo
assassinado a pedra, e me castigo
a remoer sua emplastada imagem.)

Depressa, a Roselândia, onde floriram
a Rosa Azul e a Rosa Samba. Viram
que novidade? Rosas de verdade,
com cheiro e tudo quanto se resume
no festival enlevo do perfume?

Busco em vão neste Rio um roseiral,
indago, pulo muros: qual!

A flor é de papel, ou cheira mal
o terreno baldio, a rua, o Rio?

A Roselândia vamos e aspiremos
o fino olor de flor em cor e albor.

Um rosa te dou, em vez de um verso,
uma rosa é um rosal; e me disperso
em quadrada emoção diante da rosa,
pois inda existe flor, e flor que zomba
desse fero contexto

de metralhadora, de seqüestro e bomba?

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