sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

As eleições municipais e seu lugar:: Fabiano Santos

Não há controvérsia sobre o que marcará a política brasileira neste novo ano. O grande acontecimento de 2012 será o pleito eleitoral para prefeituras e câmaras municipais. Em breve, o foco das principais lideranças partidárias, bem como de congressistas e governantes, estará voltado para o desempenho de seus candidatos nas pesquisas e demais desdobramentos típicos de campanhas eleitorais. Tema sempre presente nas análises em tal período é o dos impactos destas eleições sobre os próximos embates no nível federal. Depois de muita discussão e pesquisa empírica parece que se chegou a um consenso sobre o ponto: não há nenhuma inferência consistente que se possa fazer a respeito de eleições presidenciais futuras tendo como ponto de partida os apoios recebidos por candidatos e agremiações nas eleições municipais pretéritas.

Não obstante tal consenso, muito ainda se fala a respeito da natureza do poder local no país e sua capacidade de configurar os alinhamentos e clivagens existentes em âmbito nacional. Em algumas análises, o argumento é levado ao exagero: nada se pode saber sobre a política brasileira em escala nacional sem adequado entendimento a respeito do que se passa no contexto dos municípios, por menores que sejam. O conhecimento sobre a dinâmica política brasileira dependeria, em suma, de correta análise sobre motivações, atitudes e decisões das elites que controlam a vida política nas pequenas e médias cidades, algumas vezes chamadas de grotões.

Interessante observar como a imagem de um Brasil paroquial e pautado pelo predomínio de elites assentadas no controle de recursos econômicos em âmbito local ainda exerce influência sobre nosso imaginário. Interessante observar a resistência de preconceitos que permeiam a visão que temos de nossa vida política, mesmo diante de evidências coletadas e corretamente analisadas.

Disputa monta as redes de apoio para as eleições federais

Nada existe de mais equivocado sobre a vida política contemporânea em nosso país do que afirmar que ela dança conforme as idas e vindas de clivagens e alinhamentos no contexto local. Muito importante e decisivo no desenlace e desdobramentos da Revolução de 30, o debate hoje é certamente anacrônico. Na famosa disputa entre Nestor Duarte, importante Constituinte de 45, pelo Estado da Bahia, autor do clássico "Ordem Privada e a Organização Nacional", e Vitor Nunes Leal, o grande jurista mineiro, autor da clássica resposta a Duarte, "Coronelismo, Enxada e Voto", este último saiu-se vitorioso. Para o primeiro, o entrave para a evolução política nacional consistiria em seu fundamento, o poder local, o município, marcado pelo predomínio de chefes locais, latifundiários desprovidos de visão nacional dos problemas do país. Nunes Leal, na contrafacção, mostrou o inverso - o que caracterizaria a evolução do cenário político brasileiro seria uma lenta e contínua centralização dos recursos em mãos do poder central, tornando a competição política nos pequenos municípios pautada pelos interesses das elites que comandam níveis superiores da organização federativa. O assim chamado coronelismo seria essencialmente uma manifestação política da decadência econômica enfrentada pelas oligarquias rurais.

Décadas depois da famosa controvérsia, análises recentes comprovam de maneira ainda mais cabal o acerto da visão de Vitor Nunes Leal e o equívoco dos que veem no dia a dia da política local a chave para o entendimento da política em âmbito nacional. Pouquíssima margem de manobra resta para prefeitos e vereadores no que tange decisões de gasto em torno de políticas públicas fundamentais, como saúde e educação. O mesmo vale para políticas de arrecadação e contratação de pessoal. O controle sobre o manuseio de verbas públicas é cada vez mais estreito e sofisticado, reduzindo margens para a corrupção e utilização de verbas para patronagem. Maneira alternativa de ver a questão consiste em observar o peso que hoje tem para o sucesso de administrações locais um bom entrosamento da gestão municipal com os demais entes federativos. Os políticos que optam, uma vez eleitos para a chefia do Executivo municipal, por estabelecer uma relação de tensão e contraste com o governador e a Presidência da República acabam colhendo poucos frutos em termos de resultados de gestão. Incorrem, ademais, em severo risco de terem seus mandatos caracterizados como fracassos retumbantes.

Não surpreende, pois que partidos e ideologia sejam, com a exceção do que ocorre nas grandes cidades, de pouca utilidade em eleições locais - tais categorias pouco informam sobre o que chefes de Executivos e representantes locais farão uma vez eleitos. Suas escolhas alocativas em temas de responsabilidade local encontram-se, em boa medida, balizadas por princípios legais, sendo alvo de constante monitoramento da parte do governo central e seus órgãos de acompanhamento. O mesmo vale para cursos de ação pretendidos no âmbito extrativo, de coletagem de impostos, e de pessoal. Não surpreende, portanto e ainda, que haja intenso troca-troca de partidos entre políticos que competem no nível local - tais movimentos nada mais indicam do que uma busca de orientação política, dadas alterações ocorridas na correlação de forças no nível nacional.

A pergunta que se faz é então: não teriam as eleições municipais nenhum significado político mais amplo? Seriam as eleições para a prefeitura nada mais do que uma eleição para síndico, apenas em escala mais ampla? Não devemos incorrer no erro oposto, isto é, a de descaracterizar as eleições locais como elemento importante do jogo político nacional. A natureza política da disputa é inarredável - trata-se, contudo, de detectar exatamente sobre qual dimensão do embate partidário e ideológico mais amplo podem incidir tais pleitos. De imediato me ocorrem dois impactos: a montagem de redes de apoio para as eleições de deputados federais, ponto bem anotado em artigo recente de Marcos Coimbra; e a socialização de lideranças políticas que almejem projeção em futuro próximo para a disputa política nacional. Outros certamente existem e serão lembrados pelos leitores. O que definitivamente devemos descartar é a expectativa de que algum grande segredo sobre a política nacional possa advir das eleições de 2012.

Fabiano Santos é cientista político, professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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