quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O desastre das verbas:: Janio de Freitas

É isso, sempre: o jogo político, seja pessoal ou partidário, no Brasil, é feito com dinheiro público

O problema noticiado como favorecimento a Pernambuco de verbas federais, para obras ligadas a passados e previstos desastres naturais, não é bem assim, nem é só assim.

Vale a pena saber que dinheiro não faltou, propriamente. Suficiente não poderia ser, porque a quantidade e a gravidade das áreas de risco e das reconstruções necessárias estão, ambas, em nível de calamidade.

O primeiro problema, a partir dessa disponibilidade financeira parcial, é que os critérios técnicos de sua distribuição pelo Ministério da Integração Nacional equiparam-se, nos melhores casos, às conveniências políticas (não só em Pernambuco, longe disso). E, na maioria dos casos, a razão técnica é superada pelo proveito político.

É isso, sempre: o jogo político, seja pessoal ou partidário, no Brasil, é feito com dinheiro público.

Na rubrica orçamentária de gastos com prevenção de desastres naturais e semelhantes, Pernambuco foi, de fato, o privilegiado, como denunciou Gil Castello Branco, do "Contas Abertas". E o noticiário concentrou esse fogo no ministro Fernando Bezerra, pretendente a uma candidatura alta naquele Estado. O mesmo que fez seu antecessor no governo Lula, Geddel Vieira Lima, que a Bahia teve a sorte de não aceitar como governador.

Mas o privilégio pernambucano não diz tudo das verbas para prevenção. Outros Estados receberam verbas, sob a mesma rubrica. Os R$ 32 milhões repassados à Bahia, por exemplo, quase encostam nos R$ 34 milhões pernambucanos. Mas, se o rico São Paulo recebeu quase metade da verba pernambucana, o Estado do Rio recebeu menos de R$ 4 milhões, com muito mais regiões carentes de obras preventivas.

A explicação: o PMDB paulista foi mais influente junto ao ministro peemedebista.

O desprezo aos critérios técnicos está demonstrado nos desastres que voltam a ocorrer, em áreas apontadas como carentes de prevenção em cidades e estradas serranas e no norte do Estado, desaguadouro das inundações mineiras.

O privilégio pernambucano não é todo o problema. O Orçamento de 2011 incluiu também a rubrica de reparação das consequências de desastres naturais.

A devastação violenta que acometeu Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis e adjacências, no verão passado, levou a um pretenso levantamento que destinou R$ 298 milhões às obras de reconstrução.

Pernambuco e São Paulo puderam agradecer mais R$ 95 milhões e R$ 67 milhões, respectivos. Como esta e a rubrica anterior associam-se nas finalidades, Pernambuco continua muito bem servido, mas o privilégio noticiado mereceria ser relativizado.

A esta altura entra a segunda parte do tema. O Tribunal de Contas do Estado do Rio informa procurar onde se meteram R$ 11 milhões federais da remessa federal de R$ 70 milhões que, desde janeiro passado, deveriam ajudar vítimas dos desastres serranos de então. É um casinho, dirigido à secretaria estadual de Obras.

Das verbas graúdas, aquelas ali em cima, não se sabe nada ainda. Mas sabe-se, TV e jornais, da mesmice em que estão, ainda hoje quase todas as áreas serranas atingidas pela devastação de um ano atrás. Um prefeito cassado, outro prefeito afastado, aquele ali pendurado. E as ruas? As pontes? Os serviços? Os muros de arrimo? O escoramento de encostas, os desvios de riachos, os represamentos? E, sobretudo, os milhares de casas para desabrigados, muitos deles esperando ainda o teto que substitua a casa devorada pela lama por tragédia de anos atrás?

O uso político, seja pessoal ou partidário, de dinheiro público, vai muito além de uma destinação privilegiada de determinada verba. A Controladoria-Geral da União deverá ter, em breve, uma palavra preciosa sobre o destino de parte daquelas verbas.

Mas o mais necessário, suponho, seria agravar, agravar muito, sem direito a desconto algum, as penas do crime monstruoso que é se apropriar de verba pública destinada a socorrer os devastados pelas calamidades. O que, antes tudo, exigiria colhê-los e aplicá-las -o que não parece para o nosso tempo.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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