terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Cozinha francesa, churrasco grego:: Vinicius Torres Freire

Rebaixamento coloca um pingo de molho francês na crise, mas problema mesmo está em calotes e falências

Os donos do dinheiro grosso já tinham rebaixado a França desde o começo do ano passado, pelo menos. A S&P, a agência que degradou a nota de crédito do governo francês, chutou um "caniche" (poodle) morto, para variar. Ou melhor, um cão tosquiado (morta está a Grécia).

Os povos do mercado faz tempo cobram juros mais altos dos franceses -mais altos em relação à Alemanha. Na verdade, a taxa para o governo alemão caiu; subiu um tanto para o francês. Mas 3% ao ano é muito? É o que o mercado pede para ficar com títulos de dez anos do governo da França.

Sim, se trata de mais um pingo de vinagre no caldo francês e europeu. Decerto os socialistas vão fazer chacrinha com Nicolas Sarkozy, que concorre à reeleição. Mas o "ponto negativo" que a pífia S&P colocou na caderneta francesa não é o que "está pegando" na Europa.

Para variar, no curto prazo, os assuntos sérios são calotes e falências. As gentes esqueceram da Grécia, que ficou tempo demais no noticiário e cansou o público. Mas o país está queimando no espeto, e isso é muito ruim. Está claríssimo que o governo grego não pagará um pedação de sua dívida (pelo menos 50% da dívida em títulos).

Está ficando claro que os gregos darão um calote ainda maior que o combinado em outubro do ano passado (os tais 50%). A dúvida é saber quem vai ficar com a conta.

Se a banca credora ou parte dela recusar a proposta grega, as alternativas são apenas: 1) "Calote desordenado", coisa que pelo jeito a União Europeia quer evitar; 2) Um empréstimo ainda maior da União Europeia, a fundo perdido.

Como a UE não quer colocar mais dinheiro algum na Grécia, vai haver pressão firme (ou coisa pior) para que a banca aceite o calote ampliado. Outro motivo para que a UE force gregos e banqueiros a se acertarem é que, se o desconto na dívida for grande demais, Portugal também vai querer coisa parecida.

As negociações, que recomeçam amanhã, terão idas e vindas que vão render paniquitos na praça.

O outro problema de curto prazo muito sério é saber se os donos do dinheiro grosso estão ao menos um tico mais animados em relação à dívida dos países em estado crítico, como Itália e Espanha, ou quebrados (como Portugal).

Nesta semana, haverá pedidos de empréstimos (venda de títulos da dívida) de Espanha, Portugal, Grécia e França. Também o fundo europeu de socorro vai captar dinheiro (trata-se do European Financial Stability Facility, que empresta dinheiro para os falidos e que também teve a nota de crédito rebaixada).

Se o mercado pedir juros menos escorchantes, quer dizer que está fazendo algum efeito o empréstimo de meio trilhão de euros que o Banco Central Europeu concedeu aos bancos da eurozona, em dezembro.

Isto é, de algum modo, estaria sobrando um pouco mais de dinheiro para financiar governos. Não é uma solução, mas ajuda a empurrar o problema com a barriga ainda por um bom tempo. Isso significaria que diminuiu o temor de falência de bancos (que estão no entanto bichados mesmo) e que a Itália, por exemplo, não irá logo para o vinagre.

Mas tudo isso (evitar calote iminente, falência imediata) é apenas problema de curto prazo. Como a Europa vai crescer para de fato sair da crise são outros quinhentos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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