segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Opinião do dia - José de Souza Martins


A repetição de sequestro de ônibus no Rio de Janeiro, tendo como resposta a ação perigosa da polícia, inquieta ao mostrar que, 11 anos depois da primeira ocorrência, não houve mudança no modo como a polícia age. Ao manter sua maneira de operar, ela espera que os bandidos se intimidem, não ela. Na verdade, é a população que se intimida cada vez mais ao se dar conta de que a polícia não conhece a criminalidade que supostamente combate nem se conhece no tipo de sociedade a que serve.

José de Souza Martins, professor emérito da USP. Resposta ensurdecedora. O Estado de S. Paulo/Aliás, 14/8/2011

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil


O GLOBO

FOLHA DE S. PAULO

O ESTADO DE S. PAULO

VALOR ECONÔMICO

ESTADO DE MINAS

CORREIO BRAZILIENSE
452 mil servidores podem se aposentar até 2015

ZERO HORA (RS)

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Máfia do Turismo planejava fraudes em outros setores


A organização acusada de desviar verbas do Turismo no Amapá, alvo da Operação Voucher, pretendia cometer mais fraudes em outros estados e setores, segundo apurou a Polícia Federal. Em conversa interceptada, Luiz Gustavo Machado, diretor do Ibrasi, diz a um empresário que pretendia dar a ele o contrato para construir um porto, numa concorrência viciada. Obras em cidades da Paraíba e de São Paulo também são citadas por outros funcionários da ONG. Uma das estratégias do grupo era comprar o CNPJ de ONGs, além de fraudar comprovantes de pagamento e lista de presença de cursos inexistentes, concluiu a PF. A investigação mostra ainda que uma funcionária do Ministério do Turismo foi ao Amapá orientar uma das ONGs suspeitas a forjar uma prestação de contas

Muito além do Turismo

Grupo acusado de desvio no Amapá queria fraudar contratos em outros estados e setores

Fábio Fabrini

A organização acusada de desviar verbas de convênios do Ministério do Turismo no Amapá, alvo da Operação Voucher, estendia seus tentáculos para outros órgãos públicos, espalhados pelo país. Escutas feitas pela Polícia Federal com autorização da Justiça, às quais o GLOBO teve acesso, revelam a intenção dos envolvidos de fraudar licitações e superfaturar obras de prefeituras e até da construção de um porto, fora da abrangência do Turismo.

Num dos grampos, de 6 de julho, o diretor-executivo do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Infraestrutura Sustentável (Ibrasi), Luiz Gustavo Machado, conversa com um empresário, identificado como João Carlos, sobre a possibilidade de ajudá-lo com uma licitação:

"Tinha uma concorrência pra pôr na sua mão, faz vinte dias que eu tô atrás de você. (...) Era pra construir um porto", afirma Machado, acrescentando que, diante da demora de João Carlos para responder às suas ligações, repassou o serviço para outra empreiteira: "Você não me atendeu, eu dei pro Andrade Gutierre (sic)".

A assessoria de imprensa da Andrade Gutierrez não se pronunciou até o fechamento desta edição. Para a Polícia Federal, o diálogo mostra como Machado atua em todos os contratos que firmou com o poder público "de forma temerária" e "fraudando concorrências".

Em outra conversa, de 28 de julho, o sócio do Ibrasi fala sobre superfaturamento em licitação com seu amigo Roberto Rufica. "Você sabe quanto é o preço ganho na licitação? Mas isso entre nós aqui, você sabe quanto é o preço ganho?", pergunta Rufica, respondendo em seguida: "R$165 o metro cúbico, ganhou a licitação com esse preço". Entre risos, Machado retruca: "Podia pagar 50, né?"

Envolvidos ensinam a superfaturar obra

Uma das funcionárias do Ibrasi no Amapá, Karla Karoline Almeida, diz em 1º de junho que a Sinc Recursos Humanos e Automação, empresa envolvida com as fraudes no ministério, iria pegar mais um projeto de turismo em João Pessoa, com "um município". Outra agente do Ibrasi, Uyara Schmittd, já teria se mudado para a capital paraibana para cuidar do assunto: "A Fabiana (sócia da Sinc) vai ter uma reunião com a secretária de Turismo desse município dia 6 de junho (de 2011), e nessa reunião as coisas serão definidas", comenta, sem dar detalhes do negócio.

Nos relatórios da Polícia Federal, o dono do Ibrasi é citado como um lobista com contatos com diversos empresários e funcionários públicos. Os grampos também flagraram Sandro Saad, diretor financeiro da entidade, conversando em 26 de maio com um empresário sobre um edital de R$31 milhões da Prefeitura de São Vicente (SP) para obras em vias públicas. Segundo a PF, embora o edital não tivesse sido publicado, Saad já tinha a planilha e o memorial descritivo do empreendimento. Dando a entender que houve conluio com funcionários públicos, ele diz que deseja que o interlocutor pegue a obra. O GLOBO não conseguiu contatar os citados nas escutas e seus advogados, assim como a Prefeitura de São Vicente.

Nos telefonemas interceptados, os envolvidos ensinam como superfaturar obras públicas e falsificar documentos de licitações. Em 21 de junho, o empresário Humberto Siva Gomes - sócio da Barbalho Reis, uma das empresas do esquema - diz que "quando é dinheiro público, não pesa no seu bolso. Aí, você joga pro alto mesmo, até porque, se você não jogar, vai perder logo de cara, porque todo mundo vai jogar". Criou essa ideia aqui: "ah, é pro governo, joga o valor pra três, tudo vezes três"".

FONTE: O GLOBO

Para foragido, investigação da PF no Turismo é um "circo"

Considerado foragido pela Polícia Federal na investigação sobre desvios no Turismo, Humberto Silva Gomes disse em blog que suas falas estão fora de contexto e chamou a Operação Voucher de "Operação Circus"

Foragido critica PF e diz que diálogos foram editados

Suspeito de fraude no Ministério do Turismo, Humberto Silva Gomes promete voltar de Miami na quarta-feira

Wladimir Silva Furtado, pastor que é suspeito de integrar o esquema, não descarta pedir ajuda de fiéis para pagar fiança

Silvio Navarro e Felipe Luchete

Considerado foragido pela Polícia Federal, o empresário Humberto Silva Gomes prometeu ontem se apresentar na próxima quarta-feira para depor sobre seu suposto envolvimento em fraudes no Ministério do Turismo.

Jornalista, ele confirmou em seu blog que está em Miami (EUA) e atacou a ação da PF, chamando a Operação Voucher, que apura os desvios, de "Operação Circus".

Gomes reclamou do vazamento de informações do inquérito e disse que suas falas interceptadas com autorização judicial foram tiradas de contexto pelos policiais.

"Já fui julgado, sentenciado e condenado pela PêÉfE, com colaboração do noticioso nacional. Agora me basta voltar ao Brasil", escreveu.

"O que me incomodou durante toda a semana foi a Operação Circus. Polícia Federal cumpriu os mandados de prisão e conduziu os [presos] preventivos ao Amapá. Mas o que se viu depois disso foi a liberação (conta-gotas) de informações (gravações e depoimentos)."

O empresário reclamou da divulgação de um diálogo, noticiado anteontem pela Folha, em que orienta um interlocutor a inflar o valor de contratos com o governo.

Na conversa, ele diz: "Quando é dinheiro público, não pesa no seu bolso. Aí você joga pro alto mesmo, até porque se você não jogar você vai perder logo de cara, porque todo mundo vai jogar. Criou essa ideia aqui: "Ah, é pro governo, joga o valor pra três, tudo vezes três.""

E acrescenta: "Superfaturamento sempre existe".

Ontem, ele disse que a fala foi distorcida. "Me preocupa uma instituição tão respeitada [a PF] se dar ao trabalho de editar uma conversa de quase uma hora e resumir em menos de um minuto. E mais, a imprensa nacional comprar como a verdade."
Ele confirmou ontem à reportagem, por e-mail, ser o autor do blog.

PASTOR

Também suspeito de integrar o esquema, Wladimir Silva Furtado, dono da cooperativa Conectur, afirmou ontem que vai recorrer a "umas cem pessoas" para pagar a fiança de R$ 109 mil que o liberou sexta-feira da prisão no Amapá.

Pastor evangélico, ele disse à Folha que não descarta pedir ajuda de fiéis da sua igreja. Os cultos da Assembleia de Deus são realizados na parte inferior de sua casa, em Macapá. Segundo ele, no piso superior está sediada a empresa Conectur.

Furtado negou relação com a deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP), autora da emenda que liberou verba a ONG suspeita no Amapá.

Nesta semana, o PSOL deve acionar o Conselho de Ética da Câmara contra ela.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Dono afirma que deputada queria 'ONG como 'laranja'

Em entrevista exclusiva, Wladimir Furtado, dono da Conecrur - entidade investigada por fraudes com verba do Ministério do Turismo no Amapá -, revelou que recebeu proposta da deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP) para ser "laranja" num convênio de R$ 2,5 milhões com o governo federal. "A deputada queria pegar a Conectur para servir de laranja. Ela gostaria que a Conectur entrasse só com o nome", disse Furtado ao Estado. "Ela queria fazer o serviço do jeito dela, que ela tomasse conta", afirmou. O dinheiro foi liberado à Conectur em 2009 pelo Ministério do Turismo. Furtado foi preso pela Operação Voucher, da Polícia Federal. É a primeira vez que ele admite o suposto envolvimento da deputada Fátima Pelaes no esquema que levou 36 pessoas à prisão na terça-feira. A deputada nega ter qualquer participação nas irregularidades que estão sendo investigadas pela Polícia Federal

Pastor diz que deputada o queria como "laranja" em convênio de R$2,5 milhões

Wladimir Furtado, dono da Conectur, afirma que Fátima Pelaes (PMDB-AP), apontada como destinatária de recursos desviados em esquema de corrupção no Ministério do Turismo, pediu que a ONG "entrasse só com o nome"

Leandro Colon

Wladimir Furtado, dono da Conectur, entidade investigada por fraudes com verbas do Ministério do Turismo no Amapá, revelou ontem em entrevista exclusiva ao Estado que recebeu uma proposta da deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP) para ser "laranja" num convênio de R$ 2,5 milhões com o governo federal.

"A deputada queria pegar a Conectur para servir de laranja. Ela gostaria que a Conectur entrasse só com o nome", afirmou Furtado. "Ela queria fazer o serviço do jeito dela, que ela tomasse conta, deixasse contador, advogados e técnicos por conta dela."

Furtado afirmou que preferiu não entregar a responsabilidade da execução do convênio de R$ 2,5 milhões para Fátima Pelaes: "Eu disse: deputada, não vou assinar cheque em branco. Depois sou eu que vou prestar contas".

Apesar do suposto cuidado na relação com a deputada, a Conectur, como mostra a investigação da PF, integrou o esquema de desvio de dinheiro do Ministério do Turismo. A entidade foi usada para subcontratar as mesmas empresas de fachada envolvidas no esquema do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Infraestrutura Sustentável (Ibrasi), entidade pivô da Operação Voucher.

Igreja. Além dos R$ 2,5 milhões recebidos do ministério em 2009, a Conectur recebeu depois R$ 250 mil do Ibrasi a título de "subcontratação". De acordo com as investigações, a Conectur é o embrião do esquema de desvios de recursos do ministério no Amapá.

A entidade é registrada numa igreja evangélica - onde Furtado mora. Os R$ 2,5 milhões deveriam ser usados para "Realização de Estudos e Pesquisas sobre Logística no Turismo no Estado do Amapá, levando em conta a situação das redes estabelecidas ao redor dos serviços turísticos". Mas, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público Federal, o contrato não foi executado, além de ter sido palco de desvios para empresas de fachada.

Wladimir Furtado foi preso pela Operação Voucher, e solto na madrugada de sábado. É a primeira vez que ele admite o envolvimento da deputada no esquema que levou 36 pessoas à prisão na terça-feira.

No depoimento à PF, Furtado negou qualquer irregularidade e a participação da parlamentar. Ontem, decidiu dar mais detalhes ao Estado. "A deputada queria que eu assinasse o convênio em branco", disse, na entrevista.

Supremo. O advogado de Furtado, Maurício Pereira, disse que vai requisitar que todo o inquérito da Operação Voucher seja enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde Fátima Pelaes tem foro privilegiado. Na opinião dele, seu cliente não pode mais nem ser denunciado na primeira instância, como planeja o Ministério Público Federal. "Se há indícios de participação da deputada Fátima, a competência é do STF. Tem que subir tudo para lá", disse o advogado.

O Estado procurou a assessoria da peemedebista para comentar o teor da entrevista de Furtado, mas não houve retorno até o fechamento da edição. Ela tem negado as acusações de envolvimento com o esquema.

Cheque em branco. O teor da entrevista de Wladimir Furtado tem sintonia com pelo menos quatro depoimentos de pessoas presas na operação policial. De acordo com os relatos, incluindo os da secretária e do tesoureiro da Conectur, a entidade serviria apenas para intermediar o contrato com o Turismo e parte do dinheiro seria entregue a Fátima Pelaes.

Apadrinhada. O Ibrasi foi beneficiado por duas emendas parlamentares da deputada que somam R$ 9 milhões. Já o convênio direto da Conectur com o Ministério do Turismo não teve emenda, mas, segundo Wladimir Furtado, também foi intermediado pela parlamentar do PMDB.

Coube à ex-secretária do Turismo do Amapá Deuzanir Ribeiro, apadrinhada da deputada, orientar Wladimir Furtado a se cadastrar no ministério para receber o dinheiro.

Comprovantes. O dono da Conectur mostrou ontem ao Estado documentos que, segundo ele, comprovariam a execução dos serviços previstos no convênio. Havia relatórios, imagens e gravações de pesquisas.

O Ministério do Turismo aprovou a prestação de contas, mas sem fiscalização "in loco", ou seja, apenas avalizou os papéis, sem atestar se são verdadeiros. Na documentação mostrada ao Estado estava um extrato bancário do dia 7 de maio de 2009, quando a entidade tinha R$ 1,3 milhão na conta.

Entre os sócios de fachada das empresas que faziam os supostos serviços no Amapá está, por exemplo, o empresário Fábio de Mello, uma espécie de "lobista de ONGs" em Brasília e que também foi preso pela Operação Voucher.

Foi Fábio de Mello quem orientou os passos da Conectur dentro do ministério. Ele foi apresentado a Furtado por Deuzanir Ribeiro. Os encontros ocorreram num restaurante e num hotel em Brasília.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Contas de Friburgo são bloqueadas


A exemplo de Teresópolis, a CGU mandou bloquear as contas da prefeitura de Nova Friburgo, atingida pelas chuvas de janeiro. Os técnicos acharam indícios de irregularidades e até saques em espécie

Desta vez, contas de Friburgo são bloqueadas

Controladoria Geral da União considera "frágeis" relatórios sobre serviços contratados após as chuvas de janeiro

Antônio Werneck

A Secretaria Nacional de Defesa Civil e a Controladoria Geral da União (CGU) decidiram, a exemplo do que já havia sido feito em Teresópolis, bloquear as contas da prefeitura de Nova Friburgo. A fiscalização da CGU encontrou graves irregularidades na aplicação dos R$10 milhões destinados pelo Ministério da Integração Nacional para ajudar no socorro às vítimas e na reconstrução do município fortemente atingido pelas chuvas em janeiro. A prefeitura, que tem 30 dias para se defender, foi notificada da decisão na última sexta-feira. Caso as justificativas apresentadas não sejam convincentes, os recursos terão que ser devolvidos à União.

Prefeitura fez saques em dinheiro de conta federal

Os técnicos da Defesa Civil e da CGU consideraram que os relatórios da prefeitura sobre os serviços prestados pelas empresas Vital Engenharia Ambiental S/A e a Terrapleno Terraplanagem Construção Ltda são frágeis e inconsistentes. As duas são citadas no depoimento de um empresário ao Ministério Público Federal que relatou um esquema de cobrança de propina por servidores da prefeitura de Teresópolis, também atingida pela enxurrada. Conforme revelou uma série de reportagens do GLOBO, o depoimento deu início a uma grande investigação sobre o uso dos recursos federais liberados após o temporal na Região Serrana. As empresas negam qualquer irregularidade, mas a CGU observa que os relatórios de acompanhamento dos contratos feitos pela prefeitura "não permitem aferir com segurança os quantitativos dos serviços prestados pelas empresas, impossibilitando a verificação da adequação destes boletins e o consequente pagamento".

Ainda segundo o relatório, houve pelo menos três transferências injustificadas de recursos, num total de R$290 mil, que saíram de uma conta da agência do Banco do Brasil para a conta da prefeitura. Os gestores municipais não conseguiram explicar como o dinheiro foi aplicado. Os técnicos também identificaram saques de valores elevados feitos em espécie da conta aberta pelo governo federal. Uma análise do extrato bancário, somada a informações da agência do Banco do Brasil, revelou que houve dois saques em dinheiro num total aproximado de R$400 mil. Um deles para o pagamento por serviços supostamente prestados pela empresa Cheinara Detetilar, no valor de R$100 mil, e outro para a empresa Formato de Friburgo, de R$291 mil.

Os técnicos também constataram fortes indícios de fraudes em processos de contratação emergencial da Cheinara Detetilar para serviço de dedetização de escolas, hospitais e outros prédios públicos. Foram achadas ainda irregularidades em cotações de preços. No relatório, ao qual O GLOBO teve acesso, é mencionado o depoimento de um empresário ao MP Federal, em que ele afirma não reconhecer "a autenticidade das propostas (com os preços) pretensamente emitidas por sua empresa e anexadas aos processos apreendidos na sede do governo municipal da cidade".

O trabalho da Secretaria Nacional de Defesa Civil e da CGU foi coordenado pelo Ministério da Integração Nacional. A inspeção em Nova Friburgo foi feita entre 26 de junho e 1º de julho deste ano. O foco foram as ações adotadas após a decretação do estado de calamidade pública em municípios da Região Serrana. Segundo o relatório, os alagamentos, escorregamentos e deslizamento de encostas afetaram drasticamente a região, principalmente as residências e infraestrutura pública local.

Atendimento de saúde ainda é precário

Além de terem constatado falhas na prestação de contas, os técnicos também verificaram que, passados mais de seis meses da tragédia na Serra, muitos problemas ainda afligem a população. Um deles é o funcionamento da unidade básica de saúde, classificado de "precário". Um dos técnicos que participaram do trabalho relatou: "A verificação física revelou que a unidade retomou o funcionamento, porém de modo precário. O prédio onde se encontra instalada é o mesmo de antes da enchente, localizado em área de risco pela proximidade do rio que corta a região. Além disso, a energia elétrica para o funcionamento da unidade é provida a partir de outro imóvel e não suporta a ligação de equipamentos que exijam maior amperagem".

Uma inspeção do Tribunal de Contas do Estado em Nova Friburgo já chamava atenção para o fato de a prefeitura da Nova Friburgo ter encaminhado apenas documentos de duas contratações, justamente relativos a serviços da Vital Engenharia Ambiental S/A, no valor de R$4.3 milhões, e da Terrapleno Terraplenagem e Construção Ltda, de R$2 milhões.

FONTE: O GLOBO

Menos com mais :: Aécio Neves

O governo federal do PT conseguiu subverter um dos princípios mais disseminados nos manuais contemporâneos de gestão: fazer mais com menos. Ao contrário do lema conhecido no mundo todo, fazer menos com mais passou a ser diretriz na atual organização do Estado brasileiro.

O país herdou do governo passado uma máquina administrativa pesada, com 24 ministérios. Número que chegava a 37 se computados os órgãos cujos titulares ganharam status e equipes de ministro.

Neste ano, o inchaço vem aumentando com a criação de duas novas secretarias setoriais no mesmo patamar.

Assim, o Brasil poderá chegar ao final do ano com estupendos 39 ministros! O excesso fica evidente quando se faz uma comparação com outros países. Os Estados Unidos têm 15 ministérios e a França, 17.

Tudo indica que o número de pastas foi anabolizado não para atender necessidades da administração, e sim para permitir o aparelhamento do Estado com a militância partidária, acomodando interesses e saciando o apetite de aliados.

A imprensa mostrou que, entre 2003 e 2009, aumentou em 40,6% o número de cargos preenchidos pelo governo federal sem concurso público.

Levantamento da OCDE mostra que o Brasil não exibe transparência em relação aos critérios de nomeação e não avalia o desempenho dos beneficiados. "É difícil para o público brasileiro saber onde termina a atividade política e onde começa a administração profissional", diz.

O governo federal permanece alheio, portanto, a inúmeros avanços conquistados por Estados brasileiros nessa área, como a adoção de metas, avaliação de desempenho e de resultados, prêmios por produtividade e a certificação de funcionários, entre outros.

A resistência a essas inovações, cujos êxitos são conhecidos, só pode ser compreendida como um certo constrangimento do governismo em adotar princípios e práticas de governos fora do campo do PT.

O fato é que o Brasil precisa fortalecer a sua burocracia profissional. É compatível a existência de uma burocracia de Estado e outra de governo.

A primeira, de carreira, precisa garantir a continuidade das ações e atender aos interesses permanentes do país. A segunda precisa ser enxuta e, ainda que vinculada a quem a nomeia, deve preencher critérios de qualificação e prestar contas de suas atividades, pois é paga pelo contribuinte e não pelo fundo partidário.

Não há nenhuma medida com maior alcance social do que a correta aplicação do dinheiro público.

O quadro atual, que soma inchaço da máquina pública, falta de preparo de muitos dos indicados e pouca transparência nos controles internos, apresenta, como resultado, a ineficiência, quando não a corrupção.

Aécio Neves, senador (PSDB-MG).

Volta, Lula! :: Ricardo Noblat


“Não é aceitável que uma pessoa com endereço fixo, RG e CPF seja presa como se fosse um bandido qualquer”. (Lula)

Um dos donatários do poder, ocupante de amplo e luxuoso imóvel em uma das áreas mais nobres de Brasília, registra com letra miúda em um caderno de capa preta dura os relatos que lhe chegam regularmente sobre memoráveis reprimendas aplicadas por Dilma Rousseff em seus auxiliares desde que tomou posse há oito meses como presidente da República.

Não. Não peçam que eu revele o nome do(a) aplicado(a) cronista da Corte. Ele (a) cumpre sua missão com gosto, paciência e de olho na posteridade. Adianto apenas que é partidário(a) de Dilma. E que a ajuda vez por outra. Jamais foi alvo de uma descompostura presidencial. Não teria cabimento. E pronto. Mais não digo.

O “Caderno das Reprimendas de Dilma Rousseff”, inaugurado em fevereiro último, reúne 16 histórias até agora. Acompanha cada uma delas uma espécie de ficha técnica com data ,hora, local e personagens. Três histórias seguem contadas aqui de forma resumida, suprimidos ou trocados alguns dos seus termos menos elegantes.

Dilma despacha com Maria do Rosário, ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Em discussão, a Comissão da Verdade a ser criada pelo Congresso para esclarecer casos de violação de direitos humanos durante a ditadura militar (1964-1985). Diante de algo que a ministra diz, Dilma perde a paciência:


— Cale sua boca. Você não entende disso. Só fala besteira.


Dilma despacha com Ideli Salvatti no dia seguinte à sua nomeação para o Ministério das Relações Institucionais. Leitora atenta de jornais, ela sabia o que Ideli dissera na véspera aos jornalistas. E não gostara. Queixou-se: “Na primeira coletiva que você dá vai logo dizendo bobagem... Imagine nas próximas”.

Dilma despacha com Antonio Patriota, ministro das Relações Exteriores. Quer saber em que pé andam as discussões na ONU sobre países fornecedores de insumos nucleares. Lá pelas tantas, irritada, interrompe Patriota e o adverte: “Ou você e sua turma dão um jeito nisso ou então demito toda aquela ‘itamarateca’.

Sarney foi um presidente de fino trato. Assim como FH. Collor era formal. Contrariado,ficava pálido. Mas não estourava com seus auxiliares. Lula estourava, sim. Não o constrangia destratar Gilberto Carvalho, seu assessor mais próximo, em meio a uma reunião ministerial. Depois, pedia desculpas.

Por ora, não há registro de pedido de desculpas feito por Dilma. Nem mesmo ao ministro Cezar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal. Outro dia, Peluso telefonou duas vezes para Dilma. Que não lhe deu retorno. Devia estar muito ocupada, suponho. Ou sua assessoria falhou.

O estilo Dilma tenciona o governo e assusta os políticos em geral. A maioria deles está convencida de que ela enveredou por um caminho perigoso. Qual? O de posar de guardiã do interesse público em oposição a uma classe política que só pretende dilapidá-lo. O governo é bom. O Congresso só tem vilões.

De mãos postas, o ex-ministro José Dirceu nega a autoria de uma previsão que circulou em Brasília na semana passada: “Se Dilma continuar assim, correrá o risco de não concluir o madato”. Mas a frase que ele não disse está na boca de políticos de partidos que apoiam o governo. Eles só não têm coragem de repeti-la em voz alta.

Estão acuados por uma presidente que não disfarça seu desprezo por eles, que os mantém à distância, que resiste a atender aos seus pedidos por cargos edinheiro para pequenas obras, e que, por último, parece gostar de se exibir fantasiada de “faxineira ética”. É verdade que a faxina estancou às portas dos redutos do PMDB. Mas...

Os partidos que apoiam o governo não querem briga com Dilma. Querem o que tiveram em todos os governos: fatias do poder, respeito e afagos. Dispensam beijo na boca.Se não forem capazes de se entender com Dilma, mesmo assim, não a abandonarão.Não têm para onde ir.De resto, 2014 é logo ali. E Lula...Ah , Lula! Que falta você faz!

FONTE: O GLOBO

Resposta ensurdecedora:: José de Souza Martins

A repetição de sequestro de ônibus no Rio de Janeiro, tendo como resposta a ação perigosa da polícia, inquieta ao mostrar que, 11 anos depois da primeira ocorrência, não houve mudança no modo como a polícia age. Ao manter sua maneira de operar, ela espera que os bandidos se intimidem, não ela. Na verdade, é a população que se intimida cada vez mais ao se dar conta de que a polícia não conhece a criminalidade que supostamente combate nem se conhece no tipo de sociedade a que serve.

No sequestro do ônibus 174, em 2000, os passageiros foram mantidos como reféns durante horas. Terminou com a morte de uma das passageiras, que estava sendo usada como escudo pelo sequestrador, após disparo imprudente e de altíssimo risco de um policial. Nessa semana, também foram tiros da própria polícia que vitimaram passageiros, feitos reféns por quatro jovens armados. Entre a ousadia dos criminosos e a imperícia policial fica a população, despreparada para enfrentar surpresas como essas. Nos dois casos, passageiros dos ônibus sinalizaram para a polícia que havia anormalidade dentro do respectivo veículo. Agiram impulsivamente e não necessariamente de maneira adequada.
Em ambos, os respectivos motoristas abandonaram os passageiros e escaparam. Teria sido diferente se eles tivessem sido treinados para permanecer no veículo. Eram os únicos que poderiam avaliar a gravidade da situação e fazer a primeira tentativa de mediação com os bandidos. Vítimas em pânico, bandidos em pânico e polícia em pânico não constituem uma boa combinação para evitar o pior.
Nas duas ocorrências há indicações de uma criminalidade de amadores, metidos em ação para cujo desenrolar não estão preparados. Mas também de uma polícia que age no improviso, tão amadora quanto os bandidos que combate. As polícias brasileiras são movidas ainda por ampla e respeitável intuição, baseada na experiência empírica. Isso nem sempre é suficiente em situações concretas e anômalas como essas, num cenário de condutas imprevisíveis.
Os casos sugerem outra questão: o evento como episódio de um encadeamento de fatos envolvendo criminosos e polícia. No caso anterior, o sequestrador e assassino era sobrevivente da chacina da Candelária, sete anos antes, quando seis menores e dois adultos, moradores de rua, foram mortos por policiais militares por vingança em relação a delitos pequenos. O sequestrador do 174 deu o troco sete anos depois da chacina. A polícia não aprendeu com seu erro de 2000 e o repetiu agora. Entre os três momentos transcorreu o tempo de uma vida, coisa de uma sociedade que acumula, potencializa e agrava problemas. E não acumula experiência, aprendizado e competência para reverter o círculo vicioso da violência e da criminalidade que aí se revela. Ao contrário, temos débitos acumulados, cobrados com juros altos no momento seguinte.
Num país como o Brasil, o combate à violência e à criminalidade presumivelmente deve passar por políticas de rompimento desse círculo vicioso, nos vários âmbitos que nele podem interferir, não só o do crime propriamente dito. Dois dos jovens que, armados, sequestraram o ônibus no Rio e, assustados, se renderam após curta parlamentação, expressam no próprio espanto a fragilidade de suas convicções criminosas. A reação da polícia foi reação desencontrada e desproporcional em relação àquele espanto. Níveis e tipos de delinquência pedem tratamento e reação adequados ao seu tamanho e às suas peculiaridades para que o círculo vicioso não perdure nem se robusteça. A política de mais polícia e repressão, até para corrigir os erros da polícia, apenas complica esse quadro, aparentemente alimentando a espiral de violência.
Os bandidos têm se aperfeiçoado, incorporaram tecnologias às suas práticas, modernizaram-se, adotaram técnicas de observação do comportamento humano, seja do comportamento individual, seja do comportamento coletivo. Aulas de criminalidade são ministradas diária e abertamente até na programação normal da televisão e nas informações da mídia. E não há como contornar a involuntária ambivalência da informação, que decorre da própria circunstância em que flui. Perigoso delinquente, há anos recolhido a prisão de segurança máxima, orgulha-se de ter lido mais livros do que a maioria dos professores universitários. É um invejável erudito. Aliás, já explicou à polícia que, preso, está mais seguro do que os policiais que o custodiam: ele não pode ser morto, sua vida deve ser garantida pela polícia. No entanto, pode mandar matar de surpresa. Nesse enorme e perigoso desequilíbrio está o cerne do problema, a carência de nova perspectiva sobre a criminalidade e de nova política de combate ao crime.
José de Souza Martins é professor emérito da USP e, autor, entre outros, de Uma arqueologia da memória social (Ateliê Editorial, 2011)
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO/ALIÁS

A internet não é tão democrática:: Renato Janine Ribeiro


Sou fã da internet. Graças a ela, confiro datas, citações e muito mais, cada vez que escrevo. Descubro autores e ideias novas. Tenho, claro, que tomar cuidado com o que leio, porque há informações sem conhecimento, afirmações sem base. Mas também acho democrático que a rede permita difundir valores que antes não tinham lugar. Um jornal é um produto caro, por seus custos industriais e de distribuição. Daí que seja difícil fazer um jornal, como antes se dizia, alternativo. Já um blog pode ser barato - e servir de contraponto aos jornais maiores, expondo valores diferentes (como os blogs de esquerda fazem, no Brasil), oferecendo análises, algumas delas boas, ou, ainda, produzindo informação própria (o que é o mais raro - só lembro o caso de Geisy Arruda, revelado pelo Boteco Sujo).

Mas a maior esperança que muitos tiveram, inclusive eu, foi que a internet se mostrasse uma grande ágora, o espaço de uma cidadania global, um fórum de democracia quase-direta. A palavra grega - que significa a praça onde os cidadãos deliberam sobre assuntos públicos - parecia caber perfeitamente ao terreno virtual, em que todos adquirem igual cidadania e debatem temas de interesse geral. Ao pé da letra, a internet é republicana, porque abre lugar para a "res publica", a coisa pública. Assim, quando concorri à presidência da SBPC, em 2003, criei uma página na Web para a campanha; ela até surtiu efeito, pois tive uma boa votação (tratei do assunto em meu livro "Por uma nova política", Ateliê editorial).

Ora, o que lamento é que, ao contrário do esperado, o espaço virtual exponha pouca divergência e pouca reflexão. Quase sempre, escreve num blog quem compartilha as ideias do blogueiro. Esse é o primeiro problema. A internet é democrática porque torna mais fácil surgir a divergência, limita o quase-monopólio da mídia tradicional, impressa ou não - mas a divergência que ela admite está no confronto entre os sites, não dentro de um site que seja, ele mesmo, democrático. Ou seja, a internet é democrática porque encontramos URLs para todos os gostos - mas não porque algum portal abrigue uma discussão inteligente sobre um assunto de relevo. A democracia dela está em que os vários lados têm como e onde se expressar. Mas não está na tolerância. A internet é democrática na luta entre os sites - não dentro deles, embora alguns tentem, heroicamente, fazer funcionar a democracia do debate e do respeito mútuos.

Os leitores são mais radicais, às vezes, que os próprios blogueiros. Vejamos o blog de Luis Nassif que, por exemplo, não esconde seu respeito pelas "raposas políticas" mineiras e publica posts de quem diverge dele. Só que os comentários dos leitores estão, na maioria, divididos entre a condenação, a ridicularização e a acusação. O debate esquenta, mas isso não quer dizer que os leitores respeitem a opinião alheia. Isso também acontece em órgãos da imprensa. É comum os leitores radicalizarem a posição do jornal ou do blog.

Até aqui, discuti o caráter pouco democrático - considerando um aspecto fundamental da democracia, que é o respeito ao outro, a liberdade de divergir - da internet. Mas há outro ponto importante. É que a democracia funciona melhor quando ela é produtiva. Em outras palavras, se a democracia não melhorar as condições de vida mas, ao contrário, piorá-las, nosso apreço por ela dificilmente se manterá. É triste lembrar isso, mas a democracia não é fim em si. Quando a República de Weimar levou a Alemanha a um impasse, deu no nazismo. Os constitucionalistas aprenderam com isso e as constituições recentes evitam ao máximo as falhas que permitiram o advento do regime mais criminoso da história moderna.

A questão, então, é: a internet, enquanto espaço em que se exprimem diferentes opiniões, não tanto no interior de cada unidade sua (portal, blog, site), mas delas entre si, é produtiva? Ela gera ideias novas, propostas, mudanças? Receio que pouco. Noto isso pela fraqueza da argumentação. É frequente haver comentários que são reações epidérmicas irritadas, imediatas, mais do que um pensamento. Nada proíbe as pessoas de se exprimirem. Nada as obriga, também, a pensar. Mas, quando se torna fácil divulgar urbi et orbi o que cada um acha, muitos sentem que é mais fácil escrever do que ler.

Hemingway dizia, de um desafeto: "He is not a writer. He is a typist". Pois há pessoas que não escrevem, digitam. Ou que escrevem sem ter lido o assunto em pauta e, pior, emitem julgamentos peremptórios. Recentemente, notei isso quando postei no Facebook um artigo de um analista que respeito, colaborador aqui no Valor, e algumas pessoas o atacaram severamente. Direito delas. Mas uns três confessaram só ter lido minha chamada de 420 caracteres, não o artigo que estava linkado. Ora, como se pode julgar algo ou alguém sem ler? Por espantoso que pareça, esse pequeno fato transmite a impressão de que é mais fácil escrever do que ler. Fácil, talvez seja; mas não quer dizer que seja melhor. Sempre houve mais leitores do que escritores. A internet inverte esse dado, talvez, mas ganha-se com isso? É perigoso quando as pessoas nem escutam direito o pensamento dos outros.

Em suma, o que falta para a internet ser o tão almejado espaço de criação democrática de ideias e projetos? Primeiro, o respeito ao outro. Segundo, uma argumentação racional. Não basta reagir com o fígado. Talvez, terceiro, seja preciso tempo: ler com atenção, refletir, só depois postar. A internet favorece a imediatez. Isso não ajuda a amadurecer o pensamento. Mas ela continua sendo uma arma poderosa, notável. Só que é preciso melhorá-la, e muito.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

O desafio de Stefan Zweig :: Alberto Dines

O mais conhecido livro sobre o nosso País em qualquer idioma tem um título que acabou por tornar-se sobrenome ou cognome: Brasil, um país do futuro. Agora, no início de agosto, o livro de Stefan Zweig completa 70 anos de publicação ininterrupta.

Ao longo deste tempo criou a imagem do país-promessa, potência de amanhã e, também, terra do jamais, pátria do nunca. Mas quando visitou o Brasil, o presidente Obama pronunciou dois discursos e em ambos usou a inevitável metáfora: o país do futuro é agora o país do presente.

Utopia ou miopia, projeto político ou prospecto turístico, qualquer que seja a etiqueta que apliquem ao livro, uma coisa é certa: raros são os livros de viagem que conseguiram produzir um aposto com tal aderência. O de Tocqueville, Democracia na América, talvez mais denso, não tem o apelo nem o toque engenhoso de Zweig. De 1941 até hoje, o qualificativo colou - convite a veementes refutações ou entusiasmadas constatações.

Com o doutorado em história, Zweig não se encaixa como historiador, está mais para Dichter, poeta. Embora seu texto tenha uma boa fundamentação histórica e econômica (foi ajudado pelo empresário-economista-acadêmico brasileiro, Roberto Simonsen), a sua tônica e motivação são essencialmente humanistas.

Com a Europa destroçada pelo ódio racial, o visitante encontrou no Brasil algo que nenhum outro conseguiu enxergar e louvar com tanto entusiasmo: a miscigenação. "O suposto princípio destrutivo da mistura, esse pecado contra o sangue dos fanáticos teóricos racistas, aqui é o cimento de uma civilização nacional."

Sete décadas depois quem condena esta mesma mistura qualificando-a de "catastrófica" é Anders Breivik, o monstro de Oslo. O xenófobo serial-killer norueguês nunca ouviu falar em Joseph-Arthur Gobineau (1816-1882), o criador do racismo moderno, patriarca da direita francesa, precursor do arianismo hitlerista com o seu Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas.

Gobineau foi embaixador da França junto à corte de Pedro II e vaticinou a degeneração da nação brasileira devido à intensa miscigenação e ao intenso intercâmbio cultural. Zweig contesta tanto o guru como o pupilo-assassino. A palavra ainda não fora cunhada, mas Zweig era um convicto defensor do multiculturalismo natural, orgânico. Com ele construiu uma doutrina de inclusão e conciliação no exato momento em que o mundo partia-se, ensanguentado pelas exclusões.

Não lhe interessavam estatísticas, renda per capita ou PIB, apenas a capacidade de vencer diferenças. Militante pacifista na Primeira Guerra Mundial encontrou uma bandeira para empunhar na seguinte: o Brasil como modelo de convivência.

O escritor mais traduzido no mundo produziu um novo best-seller, desta vez tendo um país como personagem. Saiu quase simultaneamente em seis idiomas, mas aqui foi arrasado. Como exaltava o povo brasileiro alguns críticos o entenderam como preito ao governo e ao Estado Novo, uma ditadura nada branda.

Brasil, um país do futuro não é uma quimera, nem fantasia. Não é profecia malograda, nem maldição rompida. E uma questão em aberto, originalíssima provocação. Interminável e salutar controvérsia. Desafio.

Este é o segredo da sua longevidade. Esta a chave da sua atualidade.

Alberto Dines é jornalista

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Celso Furtado inspira Dilma em saídas para a crise


Presidência: Dois discursos sucessivos evocam autodeterminação do desenvolvimento nacional

Fernando Exman

Brasília - Face aos desdobramentos da crise financeira global, a presidente Dilma Rousseff decidiu revisitar a obra do economista Celso Furtado. Quem é próximo à presidente diz: a escolha não foi por acaso. Servem de inspiração a Dilma passagens da obra do economista paraibano segundo as quais o Brasil tem capacidade de construir seu próprio futuro e o Estado deve ser responsável pelo planejamento de longo prazo do país e ter um papel transformador junto à sociedade.Nos últimos dias, Dilma citou Celso Furtado no anúncio de duas ações consideradas estratégicas pelo governo, a nova política industrial e o programa de financiamento de bolsas de estudos para brasileiros no exterior. "Ela que pediu a inclusão da citação do Celso Furtado", comentou um auxiliar da presidente.

A primeira referência deu-se no dia 26 de julho, quando o governo lançou o programa Brasil Sem Fronteiras, que prevê uma parceria entre o governo e o empresariado com o objetivo de oferecer 100 mil bolsas de estudos. A medida, voltada principalmente à área de exatas, tem como objetivo incentivar a inovação e o desenvolvimento da ciência e tecnologia no país.

"O Brasil hoje tem, nesse programa, um dos construtores do seu futuro", discursou Dilma na ocasião. "Gostaria de encerrar com uma frase do Celso Furtado, para quem "o futuro deve ser uma fronteira aberta à invenção do homem"", emendou Dilma.

Poucos dias depois, em 2 de agosto, Dilma lançou o Brasil Maior. A nova política industrial do governo incluiu incentivos fiscais à indústria e às exportações e medidas de proteção ao mercado nacional. A divulgação do pacote foi um novo gancho para Dilma referir-se à obra de Celso Furtado.

"A nossa economia já não é comandada de fora, de fora para dentro, obrigando-nos a seguir, perplexos e impotentes, os zigue-zagues do destino de um povo dependente", citou a presidente. "Temos, em nossas mãos, os instrumentos de autodeterminação que até há pouco eram apanágio de uns quantos povos privilegiados. Estamos em face de um desafio cuja grandeza só é percebida por aqueles que têm intuição das potencialidades deste imenso país. De fato, nós somos senhores do nosso próprio destino."

Segundo fontes do governo, a cerimônia de lançamento da nova política industrial foi formatada para ser um evento em que Dilma pudesse convocar o empresariado a unir esforços em favor do desenvolvimento do país e no combate à crise. Explicou um ministro: "Trata-se da questão do fortalecimento do mercado interno e da industrialização, que está presente na obra do Celso Furtado."

Em recentes declarações públicas e conversas a portas fechadas, Dilma tem dito que o Brasil não está imune à crise financeira global, mas detém melhores condições de enfrentá-la do que tinha em 2008. A presidente destaca a importância da demanda interna na manutenção da atividade econômica, e assegura que o governo tomará as medidas necessárias para proteger a indústria das importações que chegarem ao país a preços desleais. Dilma lembra que o governo tem instrumentos para influenciar a oferta de crédito, como os recursos do compulsório, e conta com reservas internacionais suficientes para enfrentar turbulências internacionais. A presidente promete ainda conter os gastos públicos, mas descarta a adoção de medidas recessivas.

Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos interlocutores de Dilma na área econômica, as ações do governo federal dialogam com alguns dos fundamentos da obra de Celso Furtado, como a industrialização e a "internalização" do processo decisório sobre os rumos do país. "É a capacidade do país de se erguer sobre os próprios pés", anotou o professor, que recentemente esteve no Palácio do Planalto conversando com a presidente.

Belluzzo apontou também a importância que Furtado deu ao progresso técnico como elemento fundamental ao desenvolvimento de uma economia capitalista, tema que serve de pano de fundo da elaboração do programa Brasil Sem Fronteiras.

"Ele [Furtado] tinha essa visão da construção da nação pelo esforço conjunto da sociedade e do Estado", comentou o professor, antes de lembrar dos recentes distúrbios ocorridos em cidades europeias, como Londres. "Os economistas em geral não estão vendo que o que está acontecendo não é só uma crise econômica. É uma crise social que está se manifestando de forma clara."

Em seus textos, o autor do clássico "Formação Econômica do Brasil" sustentava, por exemplo, que o desenvolvimento deveria amparar-se no fortalecimento das forças produtivas locais e do mercado doméstico. Estudioso da evolução da economia brasileira e dos processos que causaram as desigualdades regionais do país, Furtado capitaneou em 1959 a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) no governo de Juscelino Kubitschek. Foi também ministro do Planejamento e da Cultura nos governos de João Goulart e José Sarney, respectivamente. Furtado morreu em 2004.

VALOR ECONÔMICO

Chega de crise! :: Luiz Carlos Bresser - Pereira

Está na hora de os mercados financeiros se acalmarem; o nervosismo não surgiu do nada, mas é irracional

Eu sei muito bem que não adianta gritar "Chega de crise!" para que essa velha e desagradável bruxa se retire. Mas quando decidi escrever este artigo sobre a crise financeira atual que se manifestou na semana passada em elevadas quedas de preço nas bolsas de valores de todo o mundo, essa frase se impôs de tal forma que não encontrei outra para começar o artigo.

Porque, em seguida, vêm outras frases: "Chega de nervosismo", "Chega de desconfiança", "Chega de medo". Não estou subestimando a profundidade da crise financeira global de 2008 -que também foi a grande crise do neoliberalismo e da teoria econômica ortodoxa.

Sabemos que nos países ricos as dívidas do setor privado tornaram-se altas demais, de forma que agora as famílias e as empresas estão pagando suas dívidas -o que deprime a demanda.

Nem estou ignorando a fraqueza da reação fiscal contra a crise nos EUA, porque os republicanos desfiguraram a proposta de Obama no início de seu governo ao transformarem boa parte do pacote fiscal em redução de impostos para os ricos. E todos assistimos a essa patética prova de irresponsabilidade e de falta de patriotismo das alas fundamentalistas desse partido ao haverem chantageado o presidente para elevar o teto de endividamento do Estado americano.

Todos esses fatos ajudam a explicar por que a recuperação americana está sendo tão débil, e por que uma nova recessão talvez se materialize. Mas isto não é nenhum fim de mundo.

Qual a diferença entre um crescimento de meio por cento e uma retração de meio por cento?

A economia real não está ajudando as finanças americanas saírem do buraco, mas definitivamente não justificam nova crise financeira.

O crédito dos EUA não está em risco. Nem do Estado americano, nem de suas empresas. A desclassificação decidida pela Standard & Poors foi uma irresponsabilidade.

Mas há a crise financeira do euro. Não é ela suficiente para desencadear nova crise financeira global? Em relação a essa questão estou mais pessimista. Mas é ridículo colocar também a França na ciranda da crise. E o mais importante é que os governos e o Banco Central Europeu se convenceram de que o euro vive tempos anormais e decidiu, como o Federal Reserve Bank dos Estados Unidos já havia decidido, reagir com políticas igualmente anormais. A superação da crise passa necessariamente por esse caminho.

Na Europa como nos Estados Unidos a origem da crise foi a dívida privada, mas esta já está em processo de estatização. O que é injusto, mas inevitável. No capitalismo, na prosperidade, os lucros são privados, na crise, os prejuízos são socializados. Mas no último acordo os governos lograram passar uma parte do custo da restruturação (diminuição) da dívida para os bancos. O BCE está firmemente concedendo créditos à Espanha e à Itália, depois de havê-lo feito para a Grécia, a Irlanda e Portugal.

Está na hora de os mercados financeiros se acalmarem. O nervosismo da última semana não surgiu do nada, mas é irracional. Nem os dados econômicos, nem os financeiros justificam um novo 2008.

Justificam, contudo, que se cobre mais impostos dos ricos para contrabalançar a socialização das dívidas que as políticas neoliberais e ortodoxas causaram ao aumentar irresponsavelmente a dívida do setor privado e desregularem o sistema financeiro.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Uma nova rodada de pessimismo:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

Os mercados financeiros voltaram a viver verdadeiro pânico nos últimos dias. Os indicadores de volatilidade dos principais ativos atingiram novas máximas, trazendo de volta os piores momentos vividos em julho de 2008 com a quebra do banco americano Lehman Brothers. Esse novo momento de pânico - iniciado com a divulgação do crescimento medíocre do Produto Interno Bruto (PIB) na primeira metade do ano - mostra que as tentativas de estabilizar a maior economia do mundo não conseguiram até agora afastar o fantasma da volta de uma recessão.

E se isso ocorrer, a Europa, que luta ainda sem muito sucesso para evitar uma desagregação econômica entre seus membros, também mergulhará na recessão. A sincronização no chamado G-7 de um novo período de fraqueza econômica certamente terá reflexos negativos na parte do mundo que cresce, criando as condições para uma recessão global. Esse quadro é que compõe o pano de fundo destes últimos momentos de pânico.

O rebaixamento da qualidade do crédito dos títulos públicos americanos pela agência Standard & Poor"s (S&P), apontado por muitos como o ponto central por trás do colapso dos preços nos mercados, teve apenas uma importância secundária na crise dos mercados. A questão que assusta e divide o mercado hoje está relacionada ao cenário de crescimento econômico nos Estados Unidos nos próximos dois anos. É sobre isto que trago minhas reflexões ao leitor do Valor.

Em primeiro lugar registro minha profunda decepção pela volta de um crescimento abaixo do potencial nos Estados Unidos. Tinha a convicção de que as medidas fiscais e monetárias tomadas pelo governo Obama e pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano), ao longo do ano de 2010, estavam corretas e que seria uma questão de tempo para que a economia se recuperasse. Os números do PIB divulgados recentemente mostram que eu estava errado. E não foram problemas pontuais, como o aumento dos preços do petróleo por conta da guerra civil na Líbia e o terremoto no Japão, as causas principais desse erro.

São questões estruturais, como a pouca funcionalidade do mercado de crédito bancário - mesmo depois de todo o apoio recebido no Troubled Asset Relief Program (Tarp) - e a fraqueza do mercado imobiliário mesmo depois de quedas expressivas de preços, que explicam esse fato. Também as pequenas e médias empresas que representam parcela importante do tecido produtivo americano não recuperaram sua dinâmica anterior à crise de 2008. Acompanhado por pesquisa abrangente de uma associação do setor, o quadro de hoje também é o de uma reação muito frágil a todas as medidas tomadas.

Por tudo isto é que não há outra alternativa senão uma nova rodada de estímulos fiscais - maiores gastos e menos impostos - para tentar recolocar a economia em uma rota moderada de crescimento. Mas esse caminho só poderá ser trilhado em conjunto com uma proposta de ajuste fiscal de longo prazo e que mostre uma estabilização da relação dívida/PIB. Sem essa garantia, qualquer movimento do governo na direção de mais estímulos fiscais vai levar as outras duas agências de risco - e que mantiveram a nota AAA para a dívida americana - a acompanhar a S&P e provocar um terremoto financeiro no mundo todo.

Com o legislativo americano dividido entre uma Câmara de Representantes controlada pelo Partido Republicano e um Senado nas mãos dos democratas, no momento em que já se vive o clima das eleições presidenciais do próximo ano, um programa fiscal da complexidade exigida por este momento parece um sonho impossível. Será preciso que a comissão especial criada nas duas casas legislativas inicie seus trabalhos para podermos avaliar o grau de cooperação política depois do vexame da questão do limite de endividamento do governo.

Sem a ajuda da política fiscal, a responsabilidade por manter um mínimo de estímulo à economia vai ficar por conta do Fed e de algumas forças anticíclicas de mercado. O banco central americano já deu uma contribuição importante ao se comprometer a manter os juros próximos de zero nos próximos dois anos. Com essa medida o Fed garantiu que o crédito às empresas e ao consumidor continuará barato por um longo período. Mas não depende dele a outra condição - crédito farto - para que uma economia de mercado se recupere de um período de baixo crescimento. Como o sistema bancário continua seu processo de enxugamento, a eficácia dessa medida será muito baixa no futuro. Mas é o que está hoje ao alcance da autoridade monetária.

Com a ameaça de uma nova fase recessiva, os preços de vários produtos primários - o petróleo é o mais importante - tiveram quedas fortes, aliviando a questão da inflação no mundo emergente principalmente. No caso do petróleo, a queda dos preços nos EUA equivale para os consumidores a uma redução de impostos pois aumenta a renda disponível para o consumo de outros produtos.

Esses dois movimentos - manutenção dos juros baixos por dois anos e a queda dos preços de commodities- representam forças que têm um efeito positivo para a expansão da demanda no futuro próximo. Confesso que não sou otimista em relação a isso.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Já é mais do que hora de mudar tudo o que está aí :: Marco Antonio Rocha


Lá fora, lavra solta a especulação. Aqui dentro, a corrupção é que lavra solta.

A especulação financeira mundial chegou aonde muitos chefes de governo sérios, e muitos economistas, prognosticaram: ela ameaça a estabilidade das bolsas, dos bancos, dos títulos dos governos, dos fundos de aposentadoria, dos financiamentos imobiliários, das poupanças individuais. E, por tabela, ataca a economia real, decretando falências de empresas produtivas, gerando recessão, desemprego, cortes de investimentos públicos, desespero nas famílias e sobressalto quanto ao futuro. Efeitos que, por sua vez, desencadeiam a fúria das multidões, os protestos, o quebra-quebra, os riots, como na Espanha, na Grécia, na Irlanda, em Londres e, talvez ainda, na França e até na Alemanha.

Só nos Estados Unidos não se vê quebra-quebra e arruaça, embora o desemprego seja elevado e desanimadoras as perspectivas para a economia. Desespero e desconsolo explodem ali em atos individuais de selvageria: tiroteios a esmo, nas escolas e nas lanchonetes. Estranho, não? Por que será? Não sei. Os sociólogos que tentem responder.

Aqui dentro, o avanço despudorado da corrupção é que desconcerta e desacorçoa. Tira o entusiasmo pela democracia que levamos quase 500 anos para conquistar. Sim, porque, na verdade, só começamos a conquistá-la a partir de 1985. Em toda a nossa história houvera apenas uma tentativa, de curta duração e fracassada, de 1945 a 1964.

E essa onda de corrupção desenfreada, que de endêmica passou a epidêmica, justamente no período em que melhor se poderia combatê-la, o da estabilidade monetária em que entramos desde 1994 - fato estranho esse também, não? Por que será? -, traz como efeito óbvio, em primeiro lugar, a dilapidação de recursos públicos ultranecessários num país de grandes carências como o nosso. É a corrupção lavrando solta na Saúde, na Educação, nas creches municipais, no recolhimento do lixo, na alimentação escolar, nas obras públicas, no Bolsa-Família, no Turismo, nos Transportes, na Agricultura, ou seja, onde quer que haja dinheiro dos governos - federal, estadual ou municipal - a ser alcançado pelas destruidoras saúvas da política brasileira.

Todas as semanas vemos na TV e nas fotos dos jornais as cenas da Polícia Federal prendendo corruptos na alta madrugada, carregando documentos e computadores, recolhendo maços de dinheiro, algemando facínoras lotados em cargos públicos, da administração direta ou indireta, e membros do baixo clero da política nacional.

Todas as semanas os Tribunais de Contas (da União, dos Estados, dos Municípios) embargam obras por irregularidades, desvios e descaminhos, enquanto algumas corregedorias que ainda se apegam a cumprir fielmente seu papel mandam prender policiais desonestos, promotores e até juízes de direito. Todas as semanas as câmaras especializadas dos Ministérios Públicos encaminham aos órgãos judiciais denúncias de bandalheiras nos três níveis da administração pública.

Não é possível conviver com o efeito deletério desse estado de coisas para o espírito da Nação e, principalmente, para a formação da consciência política dos jovens. Não é preciso ser sociólogo, nem politicólogo, nem filósofo para afirmar que nenhuma sociedade humana aperfeiçoa o seu clima de convívio e sua busca da felicidade e da dignidade num ambiente de indecência permanente, como o que estamos vivendo hoje no Brasil.

Eu sei qual vai ser o teor dos e-mails que uma certa ala de leitores "politizados" dos meus artigos vai enviar. Vão dizer que no tempo de FHC era pior, que no tempo do tucanato a corrupção lavrava solta. Desde já eu concordo, e digo que, muito antes, nos tempos de JK e de Getúlio, quando comecei esta infeliz profissão de observador sempre decepcionado dos acontecimentos, a coisa já era muito ruim.

Mas é exatamente por isso que temos a obrigação, todos nós - petistas, pessedistas, peemedebistas, comunistas, direitistas, socialistas, neoliberalistas ou o que for que sejamos -, de dizer que já "é hora de mudar tudo o que está aí", dar um basta nessa situação abjeta, em nome da faxina do nosso presente, mas, principalmente, da faxina do futuro dos nossos filhos, netos e bisnetos. Se já não for tarde demais, pois a aterrorizante característica de uma sociedade corrupta é sua capacidade de reprodução continuada.

O mais ignominioso sinal disso é o esforço que a banda podre do governo e da política nacional faz para "enquadrar" a presidente Dilma. Feridos em sua sensibilidade despudorada, seus membros exibem canalhice desmesurada ao falar dos "abusos" da PF, exigem a contenção dos "exageros", choram a sorte de colegas algemados e conduzidos em camburões. O objetivo é trazer a presidente para o redil da maracutaia, para o valhacouto da indecência, cevado com desfaçatez pelo antecessor. O inquietante é que a coitada permite que áulicos e sabujos divulguem que ela considerou um "acinte" o arrastão da PF sobre os falcatrueiros, quando o que ela precisa é ajudar os brasileiros a exorcizar a pouca-vergonha que tomou conta de muitos gabinetes governamentais pelo País afora.

Sim, pois o que está faltando, no Brasil e no mundo, contra a corrupção interna e contra a especulação externa, em prol da decência humana, é liderança corajosa, governança lúcida e firmeza de caráter que não se está vendo, nem aqui nem lá fora.

Jornalista

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A crise pode ser uma oportunidade para o País? :: Antonio Corrêa de Lacerda

Qual o impacto da crise internacional sobre a economia brasileira? Essa tem sido a pergunta que todos fazem, em face do agravamento da situação na Europa e nos EUA. O fato é que cresce a percepção de que o cenário mais provável é de uma estagnação ou crescimento muito baixo para aqueles países, que representam cerca de metade do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Não é pouco, se considerarmos, ainda, que os países emergentes os têm como principais destinos das suas exportações e ainda se abastecem dos fluxos de capitais para investimentos de lá oriundos.

O "rebaixamento" da avaliação dos títulos da dívida pública norte-americana por uma das maiores agências de classificação de risco tem gerado enorme volatilidade nos mercados, que estão em busca de novas referências de preços para os ativos, ante as novas circunstâncias.

Vale lembrar, as agências que hoje reavaliam os países são as mesmas que erraram flagrantemente na crise de 2008 ao "atestar" a qualidade de títulos do mercado subprime. À época, questionou-se até mesmo um certo conflito de interesses envolvido na questão, já que se estimava que cerca de 40% da receita do faturamento das agências de risco era oriunda daquele mercado.

A ironia é que a passividade dos governos dos países centrais no que se refere à regulação da sua atuação gerou a oportunidade, agora, de "o feitiço virar contra o feiticeiro". Não se avançou na questão regulatória muito básica: quem avalia o comportamento das agências de risco?

Embora o efeito prático do tal rebaixamento represente pouco na alocação dos recursos - mesmo porque há poucas alternativas de aplicações e ninguém se arrisca a deixar os treasuries -, o fato é que os países enfrentarão mais restrições para expansão do seu endividamento público e de gastos, que vinham exercendo um importante papel na recuperação das economias centrais.

Um menor crescimento amenizará as pressões inflacionárias, já que a menor demanda significará não só menor volume de comércio externo, mas também uma queda nos preços de commodities e de outros produtos.

De volta às nossas questões, a avaliação correta do cenário externo e seus impactos será fundamental para a mudança de rota na política econômica. Sim, temos de mudar, porque o panorama mudou. Não adianta ficar olhando o espelho retrovisor e repetir o erro cometido no início da crise, em 2008. Enquanto o mundo despencava, estávamos cá a aumentar os juros! Depois demoramos muito para baixá-los e o fizemos muito lentamente.

Mas também tivemos acertos importantes, como a expansão do financiamento público e a liberalização dos empréstimos compulsórios retidos no Banco Central, que foi fundamental para compensar a queda dos créditos internacionais. Os estímulos ao consumo com a redução de impostos também foram importantes. O governo foi bem na comunicação com a sociedade, o que manteve a confiança.

O quanto vamos importar da crise internacional dependerá fundamentalmente da nossa capacidade de definir e implementar ações, algumas delas - fazendo-se justiça - muito bem conduzidas na crise de 2008/2009. Aquela era uma crise de crédito, a de agora é de outra natureza, mas pode trazer efeitos parecidos.

Diante de um para-brisa que denota um caminho nebuloso à vista, é preciso rever rapidamente a estratégia, pois o piso é escorregadio e irregular. Uma redução dos juros, propiciada pela queda da expectativa de inflação, nos abriria muitas frentes.

Primeiro, diminuiria a pressão de valorização do real. É bom lembrar que, passado o primeiro momento de desvalorização, a tendência de apreciação da nossa moeda deverá prevalecer. O cenário de manutenção de juro zero, recém-anunciado pelo Fed, vai continuar a estimular as operações de arbitragem (carry trade), e é bom reduzir a enorme distância que nos separa da taxa de juros média internacional, pois a guerra cambial vai-se intensificar.

O segundo benefício da queda dos juros seria diminuir o custo de financiamento da dívida pública brasileira, que no acumulado dos últimos 12 meses chegou a R$ 220 bilhões, representando mais de 5% do PIB. Em época de "vacas magras", quando precisamos diminuir os gastos públicos, está aí um item importante de redução. Esse gasto representou mais ou menos o equivalente a nove vezes o volume de investimentos do governo federal!

O terceiro aspecto é que juro mais baixo incentivaria a atividade. Até recentemente, o desafio brasileiro era desaquecer a economia. Agora, com a retração da economia mundial, teremos de preservar o mercado interno. Como a economia brasileira já vinha se desacelerando fortemente nos últimos meses, é crucial reverter o processo, senão o risco é de gerar uma recessão indesejada. O problema é que uma alteração de taxa de juros leva de seis a oito meses para afetar a atividade, e a crise, neste ponto, nos pega na contramão, pois estamos com um nível de juros muito alto. É preciso interpretar corretamente os sinais e ousar nas políticas econômicas para aproveitar as oportunidades -, e elas existem -, mesmo num cenário de crise.

Professor da PUC-SP, doutor pelo IE/UNICAMP, é organizador, entre outros livros, de "Crise e oportunidade: o Brasil e o cenário internacional" (Lazuli/Cia. Editora Nacional, 2007)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Com teto e sem chão :: Monica de Bolle


As projeções de uma recuperação mais forte dos países maduros no curto prazo se esvaíram.

Nos últimos dias, a tempestade perfeita tomou conta dos mercados. A piora dos indicadores da economia americana, o imensurável desgaste político de Obama com a discussão sobre o ajuste fiscal e a elevação do teto da dívida levada até as últimas consequências, o rebaixamento dos EUA pela agência S&P, e o agravamento da crise na Europa, atingiram as bolsas e os demais mercados de ativos quase simultaneamente. Em meio aos movimentos frenéticos de reprecificação de risco e de busca por "portos seguros" num mundo onde esses estão em franca escassez, o cenário para os próximos seis meses ficou mais turvo - de novo.

Alguns analistas, já falam, inclusive, em recessão nos EUA.Em meio à confusão generalizada, uma coisa é certa: todos constataram, nas últimas semanas, que há um teto para o crescimento da economia mundial, isto é, as projeções de uma recuperação mais forte dos países maduros no curto prazo se esvaíram. Por outro lado, o pessimismo dos mercados e a falta de instrumentos dos gestores de política econômica das principais economias deixaram o crescimento global sem chão.

Há uma revisão de cenários em curso. Mas ainda é prematuro imaginar que o mundo esteja à beira do abismo, como em 2008. Não há bancos quebrando, por enquanto, no centro do sistema financeiro internacional. O crédito não está paralisado, impedindo a vital circulação de liquidez para o funcionamento da indústria e do comércio, embora permaneça debilitado, sobretudo nos EUA. Por lá, o cenário mais provável ainda é de crescimento baixo e sujeito aos inevitáveis soluços e tropeços. As empresas americanas estão sólidas, as famílias estão se desalavancando lentamente, os bancos continuam refratários a retomar sua função de prover financiamento, mas estão menos alavancados e mais robustos do que há três anos. O governo está entalado com uma herança fiscal maldita, e o Fed esgotou a sua criatividade. Futuras medidas de afrouxamento monetário não destoaram muito do que já foi feito desde 2008.

Mercados não gostam da falta de referências. Preferem os cenários direcionais, em que podem enxergar com mais clareza os extremos: uma recuperação, ou mesmo uma recessão. De um lado, as chances de um quadro recessivo na principal economia do mundo aumentaram. A perda de riqueza nas bolsas, a frustração dos investidores com a falta de direção dos líderes mundiais e com a chamada "década de austeridade" que se anuncia, a acentuação da aversão ao risco, são todos motivos para temer pelos rumos da economia mundial. Diante desse grau de pessimismo, as empresas, mesmo líquidas e pouco alavancadas, podem acabar interrompendo seus planos de investimento e de contratação, afetando famílias que já estão bastante apreensivas com a possibilidade de que tenham de pagar impostos mais altos no futuro e/ou de que percam alguns benefícios que têm permitido a sustentação da renda para garantir o padrão de consumo. Ou seja, movimentos de reprecificação de risco suficientemente severos e prolongados podem acabar respingando na economia real e levando ao temido "duplo mergulho", mais uma vez na ponta da língua dos analistas.

Por outro lado, o mais provável é que o mundo ainda tenha de conviver com a falta de cenários minimamente confiáveis e com a volatilidade acentuada derivada da ausência de referências. A Europa continuará criando confusão nos mercados, ao entrecortar o embalo letárgico da retomada americana com as notas dissonantes de uma potencial crise bancária, lembrando que o cenário global é complexo. Com o envolvimento da Itália e da Espanha na desarmonia europeia, a capacidade de articular uma solução para os problemas que afligem a região sofreu um enorme baque, forçando o Banco Central Europeu (BCE) a tornar-se, novamente, o maestro que não quer ser. A atuação da autoridade monetária europeia nos mercados secundários de dívida, embora bem-vinda, é mais um artifício para ganhar tempo.

Não há clareza sobre a disposição da instituição e de seus pilares de sustentação, a Alemanha e, em menor grau, a França, de perpetuar esse papel. Problemas políticos no primeiro caso, e ameaças de rebaixamento da classificação de risco no segundo pairam tanto sobre a margem de manobra do BCE quanto sobre a transferência de responsabilidade para o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, que ainda não dispõe dos recursos para cumprir suas novas atribuições.

Diante do agravamento do quadro internacional, a presidente Dilma não quis reeditar o discurso complacente do seu antecessor. Preferiu uma nota sóbria. Isso, no entanto, não impediu que alguns membros do governo começassem a falar da necessidade de reduzir os juros e/ou usar outros instrumentos de relaxamento monetário. Mas o quadro inflacionário brasileiro ainda não permite que se inicie a desejada redução da Selic. A inflação mensal está em queda, porém a variação dos preços nos últimos doze meses está desconfortavelmente próxima de 7%, muito acima do teto da banda do regime de metas. A ênfase na solidez das contas públicas e na estabilidade econômica é a melhor forma de manter a boa reputação do país.

A crise de 2008 nos EUA denunciou o esgotamento do modelo de crescimento com sobre-endividamento fundamentado no crédito farto e barato. A crise de 2010/11/? na Europa denunciou o esgotamento do modelo de "entitlements" sociais, com sobre-endividamento do governo e má gestão do gasto público (Grécia, Portugal, e Itália), além de também revelar os riscos do sobre-endividamento privado (Espanha e Irlanda).

As famílias brasileiras estão mais endividadas, sua renda mais comprometida, mas ainda é possível afastar os riscos do aumento desorganizador das taxas de inadimplência. O governo deve fazer o possível para continuar reduzindo o impulso fiscal decorrente da expansão dos gastos. Evitaremos o erro dos outros com um crescimento mais moderado, e inflação mais baixa, mantendo o nosso chão, ainda que sob um teto.

Monica Baumgarten de Bolle, economista, é professora da PUC-RJ e diretora do IEPE/Casa das Garças

FONTE: VALOR ECONÔMICO