domingo, 7 de agosto de 2011

Opinião – Luiz Werneck Vianna: O Estado

 “Mais que mudanças tópicas ou de ênfase, é toda uma forma de Estado que ressurge, em particular no novo papel concedido às corporações e à representação funcional, evidente nas funções delegadas ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). O Estado se amplia com a incorporação de representantes das entidades classistas de empresários e de trabalhadores, e são guindadas à condução de ministérios estratégicos as lideranças das múltiplas frações da burguesia brasileira — a industrial, a comercial, a financeira, a agrária, inclusive estes culaques à brasileira, que começaram a sua história na pequena e média propriedade — lado a lado com as centrais sindicais e com os representantes do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST.

Luiz Werneck Vianna, sociólogo, professor-pesquisador da PUC-Rio. Tópicos para um debate sobre conjuntura. 30/10/2009

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Após EUA, Europa teme novos rebaixamentos


FOLHA DE S. PAULO

O ESTADO DE S. PAULO

ESTADO DE MINAS

CORREIO BRAZILIENSE

ZERO HORA (RS)

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Cai o nº2 da Agricultura

Após denúncias de ligação com lobista acusado de corrupção, secretário-executivo se demite

Adriana Vasconcelos

Brasília - Novas denúncias de corrupção no Ministério da Agricultura, comandado pelo peemedebista Wagner Rossi, provocaram ontem a demissão do número 2 da pasta, o secretário-executivo Milton Ortolan. Homem de confiança e amigo de Rossi há 25 anos, segundo declarações do próprio ministro, ele pediu para deixar o cargo após a revista "Veja" desta semana afirmar que o secretário-executivo garantiu livre acesso ao ministério para o lobista Júlio Fróes, acusado por funcionários da Agricultura e por empresa ouvidos pela revista de pagar propina e cobrar comissão em nome de Ortolan. Fróes — que teria sala no ministério sem fazer parte do quadro de pessoal — diziase ainda amigo de Rossi, que nega.

Fróes teria dito à "Veja" que tem gravações que comprometeriam Ortolan. E teria pedido dinheiro à revista para entregá-las.

Foi a segunda suspeita contra a Agricultura em uma semana. A edição anterior de "Veja" trouxera entrevista com Oscar Jucá Neto, ex-diretor financeiro da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e irmão do líder governista, senador Romero Jucá (PMDB-RR). Exonerado por liberação irregular de recursos, Jucá Neto acusou a existência de um esquema de corrupção na Agricultura sob o comando de Rossi, com participação de PMDB e PTB. O ministrou negou e o líder Jucá pediu desculpas à presidente Dilma Rousseff pelo comportamento do irmão.

PMDB quis evitar sangria de ministro

A demissão de Ortolan começou a ser costurada pelo PMDB logo pela manhã, quando a revista começou a circular, e contou com a articulação direta do vice-presidente Michel Temer.

A avaliação foi de que as denúncias não atingiam diretamente Rossi, indicado por Temer, mas poderiam provocar a sangria do ministro, do vice e do partido se não houvesse uma ação rápida. Rossi já vai prestar esclarecimentos esta semana no Congresso Nacional, por conta das acusações de Jucá Neto.

"O PMDB é governo, não corre risco nenhum. Se alguém do partido comprovadamente faz besteira, que se exploda. Corrupção tem CPF, não CNPJ", escreveu o ex-deputado Geddel Vieira Lima, atual vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal, em seu Twitter.

Chegou-se a cogitar que Rossi demitiria Ortolan sumariamente. Mas optou- se depois por uma manifestação do ministro por meio de nota negando qualquer ligação com Fróes, anunciando a abertura de um procedimento disciplinar para que todos os funcionários citados pela revista sejam ouvidos e tenham seu direito de defesa garantido, e pedindo que a Controladoria Geral da União (CGU) investigue as denúncias e os contratos.

Rossi, na nota, não defendeu Ortolan e sequer citou seu nome. Foi a senha para que o secretário-executivo, horas depois, pedisse publicamente demissão em caráter irrevogável.

Segundo "Veja", pelas mãos de Milton Ortolan, o lobista Júlio Fróes teria garantido livre acesso à entrada privativa do Ministério da Agricultura, além de uma sala com computador, telefone e secretária.

Em seu escritório clandestino, Fróes teria participado da elaboração de documento que justificou a contratação, sem licitação, da Fundação São Paulo (Fundasp), entidade mantenedora da PUC-SP. Depois, o lobista se apresentou como representante da entidade. E, após a formalização do negócio, Fróes teria voltado ao ministério e convocado uma reunião na sala da Assessoria Parlamentar, na qual teria distribuído pastas com dinheiro a funcionários que o ajudaram.

Em outra denúncia, a Gráfica Brasil confirmou à "Veja" que Fróes pediu "10% de gratificação" à empresa, em nome de Ortolan, em troca da renovação de um contrato. As gravações se refeririam a este episódio.

Na nota em que anuncia seu pedido de demissão, Milton Ortolan diz que conheceu Júlio Fróes no início do processo de contratação da Fundasp "como sendo um representante da PUC-SP" e afirma desconhecer a reunião da distribuição de propina por Fróes:

"Não participei e nem compactuo com ilegalidades. Tenho 40 anos de serviço público. Jamais fui acusado de conduta irregular. Sinto-me injustiçado e ofendido pelas suspeitas levantadas na reportagem (...). Tenho a consciência tranquila e provarei minha inocência".

O ministro da Agricultura, por sua vez, garantiu: "Nunca participei de reunião com este senhor (Fróes). Não desfruta de minha amizade e nem de minha confiança. Reafirmo: não é meu amigo".

Wagner Rossi também acionou a CGU para investigar o processo judicial da empresa Spam com a Conab.

Advogados da Spam teriam sido procurados por representante da Conab, que pediram o pagamento de uma propina de 15% para liberar o pagamento de uma dívida de R$ 150 milhões determinada pela Justiça desde 2009.


"Reafirmo que, sob minha gestão, o Ministério da Agricultura e a Conab sempre atentaram às boas práticas administrativas e de controle interno. Nos três casos citados pela reportagem, não houve de minha parte ilegalidade. Não fui, não sou e não serei conivente com qualquer tipo de desvio", assegurou o ministro na nota.

FONTE: O GLOBO

Ministério vira cabide de emprego familiar do PMDB

Entre os agraciados estão um filho de Renan Calheiros e um sobrinho de Quércia; ministro nega aparelhamento.

O ministro da Agricultu­ra, Wagner Rossi, transfor­mou a Conab (Companhia Nacional de Abastecimen­to) num cabide de empregos para parentes de políticos do seu partido, 0 PMDB. Sob suas ordens, os as­sessores especiais da presi­dência foram de 6 para 26. Neste ano, ja houve 21 no­meações. Rossi dirigiu o or­gão entre 2007 e 2010. Um filho do senador Re­nan Calheiros (AL) e um so­brinho de Orestes Quercia receberam cargos no orgão.

Agricultura vira cabide de emprego da cúpula do PMDB

Filho de Renan e sobrinho de Quércia ganharam cargos políticos no ministério

Loteamento começou quando Wagner Rossi dirigiu a estatal; ele aumentou o número de assessores de 6 para 26

Andreza Matais, Natuza Nery e José ernesto Credendio

BRASÍLIA - O ministro da Agricultura, Wagner Rossi, transformou uma empresa pública, a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), num cabide de empregos para acomodar parentes de líderes políticos de seu partido, o PMDB.

O loteamento começou quando Rossi dirigiu a estatal, de junho de 2007 a março de 2010. Ele deu ordem para mais do que quadruplicar o número de assessores especiais do gabinete do presidente -de 6 para 26 postos.

Muitos cargos somente foram preenchidos, porém, depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva escolheu Rossi para o comando da Agricultura -o ministério ao qual a Conab responde.

Neste ano, já no governo de Dilma Rousseff, foram definidas 21 nomeações.

Algumas contratações foram assinadas de próprio punho pelo ministro, homem de confiança do vice-presidente Michel Temer, presidente licenciado do PMDB.

Receberam cargos, entre outros, um filho de Renan Calheiros (AL), líder do PMDB no Senado; a ex-mulher do deputado Henrique Eduardo Alves (RN), líder do partido na Câmara; um neto do deputado federal Mauro Benevides (CE); e um sobrinho de Orestes Quércia, ex-governador e ex-presidente do PMDB de São Paulo, que morreu no ano passado.

Adriano Quércia trabalhou com o filho de Wagner Rossi, Baleia Rossi, antes de se abrigar na Conab. Foi o deputado estadual Baleia Rossi quem sucedeu Quércia no comando do PMDB paulista.

Funcionários antigos da Conab disseram à Folha que nunca viram Adriano por lá -nem o neto de Benevides, Matheus. Ambos dizem que trabalham normalmente.

Os funcionários da Conab indicados pelo PMDB recebem salários de R$ 7,8 mil a R$ 10 mil por mês.

"BANDIDOS"

Na semana passada, outro apadrinhado peemedebista atirou a Conab no centro de um escândalo.

Oscar Jucá Neto, irmão do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), acusou a estatal de ser um reduto de "bandidos".

Ele era diretor financeiro da Conab e foi demitido após autorizar o pagamento de uma dívida do ministério com uma empresa registrada em nome de laranjas, de acordo com reportagem da revista "Veja".

Jucazinho, como é conhecido em Brasília, alega que saiu por não ter concordado em participar de um esquema de recolhimento de propinas no ministério.

A crise na Agricultura se agravou pouco depois que a presidente Dilma fez demissões em massa no Ministério dos Transportes para afastar funcionários envolvidos com irregularidades no Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes).
O PR (Partido da República), legenda que comandava o Dnit antes das demissões, passou a cobrar que Dilma dê o mesmo tratamento a outras estatais e partidos que sejam alvo de denúncias.

ALERTAS

A associação de servidores da Conab alertou o Palácio do Planalto para a ocupação política da empresa seguidas vezes neste ano.

A única providência conhecida foi tomada pela Casa Civil, que remeteu as acusações ao próprio ministro da Agricultura, alvo principal da reclamação.

O PMDB tem hoje três dos seis mais importantes cargos da Conab. O presidente da estatal, Evangevaldo dos Santos, é da cota do PTB, outro aliado do governo Dilma. O PT controla uma diretoria.

Com orçamento de R$ 2,8 bilhões neste ano, a Conab executa vários programas desenhados para organizar o mercado de produtores agrícolas e assegurar o abastecimento de alimentos no país.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Lula ‘Jagger’ da Silva

Jatinho, carro blindado, equipe de assessores, hotéis e restaurantes estrelados são exigências dignas de um Mick Jagger a serem cumpridas para ter direito a uma palestra no exterior do ex-presidente Lula – além do cachê de US$ 300 mil (descontados os impostos), o dobro do cobrado por Fernando Henrique. Em sete meses, Lula já viajou vinte vezes ao exterior, nove como conferencista.

Lula popstar

Ex-presidente viaja ao redor do mundo para dar palestras com uma série de regalias

Gilberto Scofield Jr.
SÃO PAULO. Nos últimos sete meses, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez 15 palestras remuneradas, 20 viagens ao exterior (nove como palestrante) e 14 pelo Brasil (seis palestras, incluindo três em São Paulo). Com uma agenda que inclui apresentações remuneradas para empresas, discursos não remunerados para instituições variadas (universidades, fóruns, associações, centros de estudo, entre outros) e encontros com chefes de Estado, Lula se transformou no palestrante mais caro do país e um dos mais ativos vendedores do Brasil lá fora, como nos tempos do Planalto.

O Lula ex-presidente mantém seu status de celebridade, uma espécie de Madonna política: do agendamento de voos e hotéis ao pagamento de jantares e compras no exterior, tudo é resolvido por seu grupo de assessores. Os deslocamentos são feitos de jatinhos e carros blindados. Seu cachê para palestras no exterior, que começou em US$200 mil no início do ano, já passou para US$300 mil, líquidos, o dobro dos US$150 mil cobrados pelo seu antecessor, Fernando Henrique, e em linha com os valores cobrados internacionalmente por políticos como o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton ou o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair.

Lula não abre mão da equipe de oito servidores públicos que o assessoram como ex-presidente - quatro servidores para atividades de segurança e apoio pessoal, dois motoristas e dois assessores estratégicos. Na maioria dos casos, a comitiva cresce com a presença de outros assessores - Lula faz questão de levar nas viagens ao exterior o seu tradutor dos tempos de Planalto, Sérgio Ferreira - e da ex-primeira-dama Marisa Letícia da Silva.

- O ex-presidente não assina um cheque e tudo é resolvido por seus assessores, como na Presidência. É uma celebridade como Madonna, que nunca paga um jantar e tem vários assessores que quitam suas contas, suas compras, cuidam de suas malas e fazem seu check in - diz um executivo que já negociou com a empresa responsável pelas palestras remuneradas de Lula, a L.I.L.S Palestras, Eventos e Publicações.

A empresa foi aberta em março, em sociedade com o amigo de longa data, o empresário e ex-presidente do Sebrae Paulo Okamotto. Uma vez definido o preço da palestra por Okamotto e Lula, os outros detalhes costumam ficar a cargo de Clara Ant, a ex-assessora especial da Presidência.

A equipe também trabalha no Instituto Cidadania, que administra as viagens, nas quais Lula comparece mais como ex-chefe de Estado convidado do que como palestrante.

Nas viagens, Lula é recebido com a mesma pompa e alvoroço das mais populares celebridades. São eventos tão diferentes quanto o aniversário da Frente Ampla, no Uruguai; o bicentenário do Congresso chileno; o Fórum Social Mundial; o Fórum da Al Jazeera no Qatar; ou o Congresso da União Africana; além de um sem número de prêmios e condecorações, como o Prêmio Norte Sul em Lisboa ou o título honoris causa da Universidade de Coimbra.

Lula só voa de jatinho para o exterior - o ex-presidente já circulou nos aviões de Josué Gomes da Silva (filho do falecido vice-presidente José Alencar), Marcelo Odebrecht, Jorge Gerdau e do magnata mexicano Carlos Slim -, faz questão de ficar em hotéis cinco estrelas (toda a comitiva no mesmo andar), de circular em carros blindados e jantar em restaurantes especiais.

- Ex-chefes de Estado são tratados com especial deferência em qualquer lugar do mundo quando atingem um status como o do presidente Lula. O esquema é de celebridade mesmo - diz Mariana Chiavini, do grupo Dória, uma das mais ativas empresas de organização de congressos e palestras.

O grupo Dória trouxe ao Brasil Bill Clinton, Tony Blair e o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan.

Mas Lula tem suas particularidades. Não gosta de discursar durante almoços ("para não concorrer com o prato de comida", diz um empresário) nem muito cedo. E gosta de ter um dia livre para passeios e compras, algo impossível durante a Presidência, a não ser que o Itamaraty achasse conveniente.

O discurso, que muitas vezes era feito de improviso, ganhou uma preparação mais rígida e mais focada, o que não impede o ex-presidente de ainda cair no choro, como ocorreu na cerimônia de entrega do título honoris causa da Universidade Federal de Pernambuco, mês passado.

Ainda que muitos ex-presidentes estrangeiros viagem ao exterior para fazer lobby para as empresas de seus países, Lula diz que não é lobista. Ele foi alvo de insinuações quando a Odebrecht o convidou para dar palestras na Venezuela e no Panamá, dois países onde a construtora investe pesadamente, e ao levá-lo a Angola, onde também tem negócios. Lula visitou as obras e conversou com os presidentes dos países. Mas, segundo sua assessoria, ele sempre faz "a defesa de interesses da economia brasileira, de ampliação do comércio, algo semelhante ao que fazia quando era presidente. E não recebe para isso".

Em nota, a Odebrecht afirmou que "o ex-presidente Lula, apontado pela revista "Time" como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2010 e reconhecido pela obra social de seu governo e por ter dado nova dimensão à imagem do Brasil no exterior, foi convidado pela Odebrecht a fazer palestras para empresários, investidores, líderes políticos e formadores de opinião no Panamá (20/5) e na Venezuela (3/6). Em Angola, o ex-presidente Lula foi convidado pelo Centro de Estudos Estratégicos de Angola (CEEA) para apresentar uma palestra a empresários, formadores de opinião, representantes do governo angolano e das embaixadas dos países africanos como em evento comemorativo do 10º aniversário da entidade. O evento foi patrocinado pela Odebrecht e pelo CEEA, instituição privada, de utilidade pública, sem fins lucrativos, de caráter científico e que tem como missão contribuir para o desenvolvimento de Angola".

Nas palestras internacionais, os impostos são recolhidos pelo anfitrião, que costuma exigir a abertura de uma empresa, o que Lula fez com a L.I.L.S. O motivo é o planejamento tributário: os impostos pagos pelas empresas são menores do que os impostos pagos pelas pessoas físicas. Segundo cálculo do juiz federal Anderson Fulan, presidente da Associação Paranaense dos Juízes Federais, em artigo para o portal jurídico "Jus Navigandi", levando-se em consideração os cerca de R$200 mil que Lula cobra por palestras no Brasil, o total de impostos pagos como empresa chega a R$29.060, menos da metade do que seria pago se Lula cobrasse como pessoa física - R$60.570,30.

FONTE: O GLOBO

David e Golias :: Fernando Henrique Cardoso

Sem leniências, como obter apoio para a agenda necessária ao país?

A propósito do atual dilema americano, a secretária de Estado, Hillary Clinton, disse que pela primeira vez em muito tempo não havia um abismo tão grande entre poder, economia e sociedade. Pode parecer banal, mas não é: nos Estados Unidos, o "ideal americano" dava solidez para um caminho em comum para o país. Havia tensões, tendências mais progressistas chocavam-se com outras mais conservadoras, o grande business sempre quis controlar mais de perto o governo, os governos ora se inclinavam para atender aos reclamos das maiorias, ora assumiam a cara mais circunspecta de quem ouve as ponderações da ordem, da econômica em primeiro lugar. Mas, bem ou mal, liberdade, democracia, prosperidade e ação pública caminhavam mais ou menos em conjunto.

E agora, poderia perguntar perplexa a secretária de Estado? Agora, digo eu, parece que as classes médias e os mais pobres querem gasto público maior e emprego mais abundante, os conservadores querem ortodoxia fiscal sem aumento de impostos, os muito ricos pouco se incomodam com o gasto social reduzido, desde que a propriedade de cada um continue intocável. No meio de tudo isso, a crise provocada pelo cassino financeiro surgiu como um terremoto. Logo depois, veio o marasmo da semi-estagnação e, pior ainda, desenha-se o que há pouco era impensável, a moratória do país mais rico do mundo! Por trás da peleja econômica corre a outra, mais profunda, a do poder: o Tea Party - os ultrarreacionários do Partido Republicano - levou o governo Obama às cordas. A agenda política, mesmo depois de "resolvida" a questão do endividamento, passou a ser ditada por eles: onde e quanto cortar mais no orçamento de um país que clama por muletas para reavivar a economia.

Na Europa, as coisas não andam melhores. Cada solavanco da economia americana aumenta o contágio, esta doença internética: as taxas de juros cobrados dos países ultra-endividados vão para as nuvens. A rua se agita, não faltam movimentos dos "indignados" que veem o povo sofrer as agruras do desemprego e da desesperança e ainda ser cobrado para que as contas se ajustem. E, naturalmente, como nos Estados Unidos, os que mais têm e os que mais especularam ou esbanjaram (inclusive governantes imprevidentes) balançam a poeira e querem dar a volta por cima. Esperam que mais aperto, mais rigidez no gasto público e menos salários resolvam o impasse. Não se estão dando conta de que a cada xis meses uma nova tormenta balança os equilíbrios instáveis alcançados. É como se daqui a 30 anos os historiadores olhassem para trás e dissessem: "ah, bom, a Grande Crise dos Derivativos começou em 2007/2008, foi mudando de cara, mas prosseguiu até que novas formas de produzir e de distribuir o poder começaram a dar sinais de vida lá por 2015/2020...".

E nós aqui, nesta periferia gloriosa, a quantas andamos? Longe do olho do furacão, cantamos glória pelo que fizemos, pelo que de errado os outros fizeram e pelo que não fizemos, mas, pensamos, pouco importa, o vendaval do mundo varreu a riqueza de uma parte do globo para outra e nos beneficiou. Será que é assim mesmo? Será que a proeza de evitar as ondas da tsunami impede que a malignidade do resto do mundo nos alcance? Tenho minhas dúvidas. Falta-nos, como impuseram os reacionários americanos a Obama, uma agenda, mas que seja nova e não a desgastada do "clube do chá" americano. A nova agenda existe, está exposta cotidianamente pela mídia e não é propriedade de um partido ou de um governo. Mas onde está a argamassa, como o antigo ideal americano, para conter as divergências, o choque de interesses, e guiar-nos para um patamar mais seguro, mais próspero e mais coeso como nação?

Mal comparando, a presidenta Dilma está aprisionada em um dilema do gênero daquele que agarrou Obama. Só que, se no caso americano a crise apareceu como econômica para depois se tornar política, em nosso caso ela surgiu como política, mas poderá se tornar econômica. Explico-me: a presidenta é herdeira de um sistema, como dizíamos no período do autoritarismo militar. Este funciona solidificando interesses do grande capital, das estatais, dos fundos de pensão, dos sindicatos e de um conjunto desordenado de atores políticos, que passaram a se legitimar como se expressassem um presidencialismo de coalizão no qual troca-se governabilidade por favores, cargos e tudo mais que se junta a isso.

Essa tendência não é nova. Ela foi se constituindo à medida que o capitalismo burocrático (ou de Estado, ou como se o queira qualificar) amealhou apoios amplos entre sindicalistas, funcionários e empresários sedentos por contratos, e passou a conviver com o capitalismo de mercado, mais competitivo. Na onda do crescimento econômico, as acomodações foram se tornando mais fáceis, tanto entre interesses econômicos quanto políticos (incluindo-se neles os "fisiológicos" e a corrupção). No início, parecia fenômeno normal das épocas de prosperidade capitalista que seria passageiro. Pouco a pouco se foi vendo que era mais do que isso: cada parte do sistema precisa da outra para funcionar, e o próprio sistema necessita da anuência dos cooptáveis pelas bolsas e empregos de baixo salário, e precisa de símbolos e de voz. Esta veio com o "predestinado": o lulismo anestesiou qualquer crítica não só ao sistema mas a suas partes constitutivas.

É nesse ponto que o bicho pega. A presidenta é menos leniente com certas práticas condenáveis do sistema. Entretanto, quando começa a fazer uma faxina, quebram-se as peças da engrenagem toda. Sem leniências e cumplicidades entre as várias partes, como obter apoios para a agenda necessária à modernização do país? E, sem ela, como fazer frente à concorrência da China, à relativa desindustrialização, ou melhor, "desprodutividade" da economia, e como arbitrar entre interesses legítimos ou não dos que precisam de mais apoio do governo, advenham eles de setores populares ou empresariais? É cedo para prever o curso dessa história, que apenas começa. Mas não há dúvidas de que, para se desfazer da herança recebida, será preciso não só "vontade política" como, o que é tão difícil quanto, refazer os sistemas de alianças. É luta para Davis e, no caso, Golias é pai de Davi.

Sociólogo e ex-presidente da República

Estilo de Dilma deixa aliados e assessores incomodados

Secretário particular da presidente já teria pedido demissão várias vezes

Adriana Vasconcelos e Gerson Camarotti
BRASÍLIA. As supostas críticas indiretas do ex-ministro Nelson Jobim à presidente Dilma Rousseff, quando ele elogiou o ex-presidente Fernando Henrique pela sua capacidade de nunca levantar a voz ou constranger auxiliares, são repetidas em Brasília por governistas, embora ninguém tenha coragem de falar publicamente. O tratamento dispensado por Dilma a ministros, assessores e políticos aliados já provoca, nos bastidores, mágoas e descontentamentos com a presidente.

A situação anda tão difícil que os principais operadores políticos do governo não escondem sua preocupação. Receiam que Dilma, que andou segurando um pouco o estilo agressivo, mas não consegue se controlar totalmente, crie uma rede de inimigos no governo. Até assessores mais antigos da presidente, como seu secretário particular, Anderson Dornelles, se ressentem do jeito rude de Dilma.

- O Anderson já pediu demissão várias vezes. Quando ele faz isso, a presidente manda ele tirar uma semana de folga. Já era assim antes e continua do mesmo jeito - confidencia um auxiliar de um ministro palaciano.

Diariamente, assessores e aliados costumam relatar episódios desagradáveis envolvendo a presidente. Outro dia, Dilma deixou o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general José Elito Carvalho Siqueira, constrangido e desconcertado ao determinar que ele não entrasse no elevador com ela, no Palácio do Planalto.

A despeito da relação de amizade que mantém com a presidente, a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, não escapou de ser duramente repreendida em meio à crise que administrava com o PR, por causa da faxina realizada no Ministério dos Transportes. Em tom ríspido, Dilma proibiu que Ideli desse novas entrevistas sobre o assunto, após se irritar com algumas declarações da ministra.

Muito exigente, Dilma detesta repetir ordens e não esconde sua ira. Esse temperamento forte é bem conhecido por seus auxiliares mais próximos, que a conheciam desde quando era ministra. Há duas semanas, os governadores nordestinos levaram um susto com a descompostura que Dilma passou no chefe do cerimonial em solenidade realizada em Arapiraca, no interior de Alagoas. Dilma queria citar o nome do prefeito da cidade, Luciano Barbosa. Como não recebeu o papel com o nome dele, foi ríspida, na frente de todos os presentes, quando o funcionário tentou dar-lhe o nome:

- Agora não precisa mais! .

Esse tipo de tratamento também tem incomodado ministros. Para amigos, o titular da Justiça, José Eduardo Cardozo, confidenciou que se incomodou com uma cobrança dura de Dilma. Mas não deu detalhes. Esse padrão costuma ser mais cotidiano com alguns ministros. Durante a preparação do programa Brasil Maior, Dilma se irritou com o vazamento de informações que não estavam consolidadas. Sobrou para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que resistia a algumas propostas do Ministério do Desenvolvimento. Ela foi taxativa e direta:

- A decisão é minha, Guido!

O ministro da Fazenda, porém, já parece estar acostumado com as broncas de Dilma, mas quem não está acostumado se assusta. Há assessores que temem despachar com a presidente por causa do temperamento dela.

- Uma coisa é esse comportamento quando tudo vai bem e a popularidade está elevada. Mas as mágoas ficam. Quando era o Lula, ele sabia dar bronca, mas nunca humilhou ninguém - observa um desses ministros incomodados.

Um senador do PT, por exemplo, confidencia que já ouviu queixas de vários ministros, dos mais poderosos até os menos importantes. E esse senador não hesita em declarar:

- A última coisa que eu queria era ser ministro da presidente Dilma.

Ao contrário do que acontecia com seu antecessor, que mesmo dando broncas cativava seus auxiliares de governo e quase todos que tinham contato com ele se sentiam queridos, com Dilma ninguém ousa dizer que é amigo. Pelo contrário, o clima é de medo no Planalto.

A presidente não faz questão de disfarçar quando está irritada ou incomodada com algo. O primeiro sinal seria o "olhar fuzilante", o prenúncio de uma possível bronca. Mas quando ela pergunta "Qual foi a parte que eu falei que você não entendeu, meu filho?", o interlocutor já sabe que vem chumbo grosso pela frente.

FONTE: O GLOBO

Estilo Dilma atrasa projeto de ministros

Ministros começam a emitir sinais de desconforto com o estilo Dilma Rousseff de governar. Projetos prontos, dizem eles, ficam parados, à espera de aval presidencial.

Com projetos na gaveta, ministros são anulados por controle total de Dilma

No 8º mês de governo, integrantes do 1º escalão, reservadamente, admitem o desconforto e a preocupação com estilo centralizador da presidente

João Domingos, Vannildo Mendes e Denise Madueño

Ao entrar no oitavo mês de Planalto e já contabilizar três demissões ministeriais de peso, os parlamentares da base aliada e ministros começam e emitir sinais de desconforto com o jeito Dilma Rousseff de governar. Eles temem o confronto com a presidente, não ousam fazer a crítica abertamente, mas têm a mesma queixa: "Dilma amarra os parlamentares e anula os ministros".

Por trás das decisões rápidas e ríspidas, principalmente depois de demissão de Antonio Palocci da Casa Civil, em junho, os aliados avaliam que "o governo mostra desorientação e pode correr riscos desnecessários". Os parlamentares dizem que a presidente está mais interessada em "mandar do que governar" e falam em um tom que abre possibilidades para "um troco". Traduzindo: uma votação que, propositalmente, derrote o Planalto.

Mas são os ministros, que não têm as armas dos parlamentares, os mais incomodados. Depois de demitir também Alfredo Nascimento (Transportes) e Nelson Jobim (Defesa), Dilma reforçou o estilo centralizador e a paralisia aflige os ministros. Em conversas reservadas, os ministros ouvidos pelo Estado listam uma série de projetos prontos para serem apresentados à sociedade, mas que continuam na fila de espera, aguardando o aval da presidente. Isso pode ser bom para a imagem da petista, mas, dizem os ministros, fragiliza o governo.

Vazamentos. Detalhista, Dilma lê linha por linha de todos os projetos e manda refazê-los várias vezes. Os vazamentos de informações, principalmente de pedaços de propostas que ela não analisou, irritam a presidente, que não suporta disputas veladas entre auxiliares - ela está convencida de que muitos desses vazamentos têm por trás esse objetivo, sobretudo na equipe econômica. Beira o ódio presidencial a quebra da regra que não permite que ministros comentem temas de pastas alheias.

Dilma ficou furiosa, por exemplo, com o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, depois de ler nos jornais uma parte do projeto da política industrial, o Plano Brasil Maior, só divulgado no início da semana passada. Na solenidade de lançamento, no Planalto, a presidente anunciou o projeto como seu, e não do ministério, o que ofuscou a imagem de Pimentel.

Em quase todos os ministérios há projetos aguardando o desembargo presidencial. Na área do Ministério da Justiça, até agora não entraram em operação os Veículos Aéreos Não Tripulados (Vant), um dos xodós da candidata Dilma durante a campanha. Segundo o Ministério da Justiça, os Vant vão entrar em operação no fim do mês ou em setembro.

Também espera pela decisão da presidente o projeto que visa acabar com a superlotação carcerária no País. Mas o disciplinado ministro José Eduardo Cardozo cumpre a regra do silêncio e, cuidadoso, disse ao Estado: "Estamos fechando (um pacote de medidas) com a presidente da República, então não posso divulgar detalhes. Mas em curto espaço de tempo vamos divulgar a primeira fase do programa de melhoria do sistema prisional".

O Código de Mineração está pronto na pasta do ministro Edison Lobão, das Minas e Energia. A presidente decidiu ler as centenas de artigos do Código, um por um, o que impede que a proposta seja enviada ao Congresso.

Há outros exemplos de propostas nos escaninhos do Planalto e em fase de discussão com a presidente, como o projeto de regulamentação da venda de terras a estrangeiros, as propostas de inovação tecnológica, a Lei Geral da Copa e o prometido Sistema Nacional de Defesa Civil.

A reforma do sistema de pensões do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a cargo do ministro Garibaldi Alves, não vai para diante enquanto não receber permissão presidencial. A assessoria de Dilma Rousseff afirmou que a presidente tem a preocupação em conhecer todos os detalhes das propostas feitas pelos ministérios, mas não é centralizadora. Além do mais, argumenta a Presidência, o governo não pode ser analisado pelos sete meses iniciais, mas pelo mandato.

A aparente tranquilidade palaciana com os julgamentos futuros não se reflete no dia a dia da presidente. A irritação de Dilma é visível. Na última sexta-feira, durante inauguração de 1,5 mil casas do projeto Minha Casa, Minha Vida, na Bahia, ela perdeu a paciência quando um repórter chamou os imóveis de "casinhas". No velho estilo do tempo em que era ministra - e que abandonou na campanha presidencial - Dilma reagiu com um "meu querido", expressão que traduz sua máxima irritação.

Política. Ao contrário de apostas do início do governo, a presidente Dilma, apesar das queixas dos parlamentares e ministro, tem demonstrado mais desenvoltura política do que administrativa. Os dois escândalos que levaram à demissão de Palocci e de Nascimento não abalaram a sua popularidade. Mas atrasaram a execução de projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). No primeiro balanço do PAC, feito há uma semana, constatou-se uma redução de 10,8% no ritmo das obras em relação a ano passado.

Pesquisas qualitativas que circulam internamente no Planalto indicam que a população gostou da faxina que a presidente fez nos Transportes, resultando na demissão de 27 dirigentes. Logo após o escândalo que levou à queda de Palocci - que multiplicou seu patrimônio por 20 vezes só em 2010, quando coordenador da campanha de Dilma -, o Datafolha fez uma pesquisa para saber qual era a popularidade da presidente. Apurou 49% de aprovação, porcentual maior do que o de março (47%), e índice superior ao do ex-presidente Lula no mesmo período (43%). No Congresso, por enquanto, Dilma ganhou todas as votações no Senado. Na Câmara, só perdeu uma, a de uma emenda ao Código Florestal, Mas o segundo semestre começou bem mais tenso para a presidente.

Projetos emperrados

Advocacia-Geral da União

Projeto de regulamentação da venda de terras a estrangeiros está parado na AGU porque Dilma quer discutir artigo por artigo da lei

Ciência e Tecnologia

Incentivos à inovação tecnológica e programa de bolsas para especialização no exterior ainda em formatação

Comunicações

Plano Nacional de Banda Larga ainda tem pendências em negociação com as teles; a regulamentação da radiodifusão continua um debate genérico

Desenvolvimento, Indústria e Comércio

As medidas de defesa comercial estão em estudo; o governo não define a posição sobre o aumento dos tetos do Supersimples

Defesa

Programa de recuperação da Força Aérea Brasileira (FAB) e compra dos 36 novos caças se arrastam desde o governo Lula

Esportes

A Lei Geral da Copa, com as garantias, por exemplo, para os direitos de venda de marcas ainda não foi para o Congresso

Fazenda

Reforma tributária empacou. A desoneração da folha salarial começou, mas apenas em quatro setores da indústria e como um programa piloto

Integração Nacional

O prometido Sistema Nacional de Defesa Civil está atrasado, apenas integrando o que já existe. Os novos equipamentos para prevenir catástrofes continua sendo uma promessa

Saúde

Aprovação da Emenda 29 e definição de fontes de recursos para a ampliação do SUS

Minas e Energia

O prometido Código de Mineração, com elevação das alíquotas dos royalties, está em discussão desde o fim do governo Lula

Previdência

Definir, ao menos, a reforma do sistema de pensões do INSS. A previdência complementar dos servidores está no Congresso, mas depende de um comando definitivo do Planalto para os líderes do governo

Desenvolvimento Social

O programa Brasil sem Miséria foi lançado há dois meses, mas a implantação ainda está em discussão com Estados e municípios

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

''Deslulização'' já avança no 2º escalão

Sete meses após a posse, levantamento do "Estado" mostra que proporção de funcionários de Lula "herdados" por Dilma caiu de 70% para 40%

Daniel Bramatti

Assim como o ministério de Dilma Rousseff - do qual já saíram Antonio Palocci, Alfredo Nascimento e Nelson Jobim, todos oriundos da administração anterior -, também o segundo escalão do governo passa por um processo de "deslulização".

No final de fevereiro, dois meses após a posse de Dilma, o caráter continuísta do governo era evidenciado pela composição da elite dos cargos de confiança na Esplanada dos Ministérios. Nada menos que 70% dos cargos DAS 6 - reservados para secretários, diretores e assessores especiais - eram ocupados por funcionários herdados da gestão Lula.

Agora, o panorama é outro. Passados pouco mais de sete meses desde a mudança do governo, levantamento do Estado mostra que a proporção de funcionários "herdados" caiu de 70% para 40%. A maioria dos 204 cargos da elite - os de remuneração mais alta - é agora ocupada por nomes novos, recém-chegados ao governo federal ou que estavam em outros cargos anteriormente.

Os números não são indicativo de ruptura, mas de um processo de renovação no seleto grupo encarregado de colocar em práticas as políticas públicas e tocar o dia a dia dos ministérios.

No início do governo, foi a própria presidente quem impôs um ritmo lento de mudanças no segundo escalão. Alguns ministros não conseguiram montar sua equipe da forma como queriam até receber sinal verde do Palácio do Planalto.

Em um primeiro momento, as nomeações foram brecadas por causa da votação do salário mínimo. O governo queria aprovar o valor de R$ 545, enquanto a oposição e as centrais sindicais pressionavam por cifras mais elevadas - o que elevaria os gastos públicos e comprometeria as metas fiscais de Dilma.

O segundo escalão entrou na barganha pela "fidelidade" dos partidos aliados - só quem seguisse a orientação do governo ganharia autonomia para preencher as vagas.

A pressão deu resultado. No primeiro teste do governo no Congresso, os deputados rejeitaram por 376 votos a 106 e por 361 a 120 as emendas da oposição. O destaque foi o comportamento da bancada do PMDB: 100% de fidelidade. No Senado, os oposicionistas tiveram pouco mais de 20 votos e também perderam.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Dependência econômica:: Merval Pereira

No momento em que o governo Dilma reconhece o perigo da desindustrialização e lança um programa de incentivo à indústria nacional, com medidas protecionistas que, em alguns casos, repetem erros do passado, criando reservas de mercado que podem gerar uma indústria sem competitividade, o economista Reinaldo Gonçalves, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, publica um trabalho em que pretende demonstrar que, ao contrário do que seus seguidores defendem, o projeto econômico do governo Lula se caracteriza pelo que o economista chama de "Nacional Desenvolvimentismo às Avessas".

Ele classifica seu trabalho como uma crítica "aos analistas que identificam três traços distintivos do Governo Lula: a realização de grandes transformações; a reversão de tendências estruturais; e a predominância da visão desenvolvimentista nas políticas a partir de 2005".

Para Gonçalves, o que se constata claramente é: desindustrialização, aumento das importações (que chama de "desubstituição de importações"); reprimarização das exportações; maior dependência tecnológica; maior desnacionalização quando se desconta a expansão das três maiores empresas do país ligadas à exploração de recursos naturais (Petrobras, BR Distribuidora e Vale); crescente vulnerabilidade externa estrutural em função do aumento do passivo externo; e crescente dominação financeira, expressa na subordinação da política de desenvolvimento à política monetária focada no controle da inflação.

Ele dividiu o estudo em seis partes:

Estrutura produtiva: Desindustrialização e desubstituição de importações

A participação da indústria de transformação no PIB reduz-se de 18% em 2002 para 16% em 2010. Neste período, a taxa de crescimento real do valor adicionado da mineração é de 5,5%; da agropecuária, 3,2%, e da indústria de transformação, 2,7%. "Os diferenciais entre estas taxas de crescimento informam um processo de desindustrialização da economia brasileira no Governo Lula", afirma.

O processo de desindustrialização é acompanhado pela desubstituição de importações. Segundo o estudo, o coeficiente de penetração das importações aumenta, de forma praticamente contínua, de 11,9% em 2002 a 18,2% em 2008.

Padrão de comércio: Reprimarização das exportações

No Nacional Desenvolvimentismo, a mudança do padrão de comércio significa menor dependência em relação às exportações de commodities. Ao contrário, mostra o estudo de Gonçalves, no Brasil de Lula a participação dos produtos manufaturados no valor das exportações mostra clara e forte tendência de queda (56,8% em 2002 para 45,6% em 2010), enquanto há tendência igualmente clara e forte de aumento da participação dos produtos básicos (25,5% em 2002 para 38,5% em 2010).

Progresso técnico: Dependência tecnológica

No Governo Lula, verifica-se também o processo de maior dependência tecnológica. O indicador usado é a relação entre as despesas com importações de bens e serviços intensivos em tecnologia, e os gastos de ciência e tecnologia, que aumenta de 208% em 2002 para 416% em 2010. "Ou seja, há duplicação do grau de dependência tecnológica".

O chamado "déficit tecnológico", a diferença entre o valor das importações de bens altamente intensivos em tecnologia e maior valor agregado e dos serviços tecnológicos e o valor das exportações destes bens e serviços, aumentou significativamente, de US$15,4 bilhões em 2002 para US$84,9 bilhões em 2010.

Estrutura de propriedade: Desnacionalização

No Nacional Desenvolvimentismo, há preferência revelada pelo capital nacional, público ou privado, com o objetivo de reduzir a vulnerabilidade externa. No Governo Lula, se descontada a grande influência das três maiores empresas (Petrobras, BR Distribuidora e Vale), teremos uma boa idéia do grau de desnacionalização da economia brasileira, segundo Gonçalves.

O trabalho mostra que houve aumento da participação das empresas estrangeiras no valor das 497 maiores empresas no país: 47,8% em 2002 e 48,5% em 2010.

O autor admite, no entanto, que são mudanças "pouco expressivas" quando se considera o período de oito anos do Governo Lula..

Vulnerabilidade externa estrutural: Passivo externo crescente

No Governo Lula há aumento significativo do passivo externo total do país, que passa de US$343 bilhões no final de 2002 para US$1,294 trilhão no final de 2010.

O passivo externo aumenta de US$260 bilhões em 2002 para US$916 bilhões em 2010. Considerando as reservas internacionais de US$300 bilhões, "verifica-se que o passivo externo financeiro do país é 3 vezes o valor das reservas no final de 2010".

O saldo da conta de transações correntes em relação ao PIB mostra nítida tendência de queda a partir de 2005, e torna-se negativo a partir de 2008. As projeções do FMI apontam que o Brasil deverá experimentar recorrentes déficits de transações correntes do balanço de pagamentos - de 3,0% a 3,5% -, que crescerão de US$60 bilhões em 2011 para US$120 bilhões em 2016.

Política econômica: Dominação financeira

No Governo Lula a taxa média de rentabilidade dos 50 maiores bancos é sempre superior à das 500 maiores empresas.

De 2003 a 2010, a taxa média de rentabilidade das maiores empresas é de 11% e a taxa dos bancos é 17,5%.

"Além do abuso do poder econômico, os bancos se beneficiam da política monetária restritiva caracterizada por elevadas taxas de juro", analisa Reinaldo Gonçalves.

FONTE: O GLOBO

A farsa do lixo:: Fernando de Barros e Silva:

Um ministro do PMDB foi demitido e isso não ocorreu por suspeita de corrupção. É uma notícia. A saída desastrada de Nelson Jobim, o homem que falava demais, na quinta, tirou de foco a volta ao Senado não menos estridente de seu ex-colega Alfredo Nascimento (PR-AM), dois dias antes.

Investido daquela indignação burlesca, o ex dos Transportes foi à tribuna para dizer que o seu PR "não é lixo para ser varrido da administração pública". Fez a sua mise-en-scène e insinuou, no meio de uma longa fala, que a farra com contratos, gastos e aditivos na sua pasta teria beneficiado também a campanha presidencial de Dilma.

Ou seja: Nascimento deu o recado, seguindo o script habitual dessa turma quando se vê contrariada. Na prática, o lixo varrido voltou ao centro do palco na forma de lixo reciclado. Foi esse o sentido da intervenção "republicana" do senador: Dilma, você não pode nos jogar fora, somos o adubo do seu jardim, sem o qual não há como manter vivas as flores da República.

O PR foi enquadrado, mas manteve o controle do ministério. E Alfredo Nascimento segue indicando seus afilhados, a começar por cargos no Dnit, o famigerado.

A reciclagem do lixo é muito evidente neste caso. Mas a imagem serve também para o conjunto do sistema político. O que é Fernando Collor, o neoaliado do PT?

O que representam Sarney (o senhor Arena), Renan Calheiros (o collorido), Michel Temer (o tucano falsificado) e tantos outros elementos reaproveitados, que se servem do governo petista a serviço da governabilidade? O próprio PT não é um lixo reciclado de si mesmo?

É possível imaginar uma peça disso tudo: "Não Somos Lixo: o PR como Metáfora". Seria, evidentemente, uma comédia. Não combina muito com o temperamento sisudo da presidente, que gostaria de manter dessa trama um distanciamento brechtiano. Difícil é delinear e situar o personagem de Dilma no meio dessa farsa brasileira.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Na defesa, não no ataque:: Eliane Cantanhêde

Militares e diplomatas são carreiras de Estado, com uma cultura de ordem, hierarquia, promoções por mérito e grupos que se movem em torno de um líder.

As coincidências param por aí. Na caserna convém falar alto, mas acatando ordens e batendo continência. No Itamaraty, é bom falar baixo, mas articular muito e, em caso de necessidade, solapar.

Há preconceito de parte a parte. Para diplomatas, militares são uns grosseirões. Para militares, diplomatas são escorregadios, intelectuais com trejeitos afeminados.

Nelson Jobim se encaixava melhor no feitio militar e até nas fardas de campanha com que se embrenhava com seu mais de 1,90 m por selvas e descampados. Celso Amorim, porém, pode surpreender.

Diplomata "três em um", pois passou com louvor pelas áreas de política, de cultura e de comércio, ele não tem nada de escorregadio nem usa punhos de renda.

Tal como Jobim, Amorim é ousado, afirmativo, falante e estratégico -pensa longe. E também é acusado, vez ou outra, de arrogância e autossuficiência. Não fala grosso, mas é estridente. Não tem 1,90 m, mas sabe bem ocupar espaços.

Oficiais dizem que "diplomata não gosta de guerra", mas quem, sem ser fanático, gosta? Os limites entre diplomacia e defesa estão cada vez mais curtos. Jobim vivia invadindo a seara de Amorim.

O problema da Defesa não era nem vai ser de falta de comando, mas sim de condições objetivas: sobram projetos, faltam verbas. A não ser que Dilma abra os cofres para suavizar o pouso do novo ministro.

No mais, Amorim dificilmente vai mexer nos acordos para a Comissão da Verdade, bem costurados por Jobim na dupla condição de ministro da Defesa e ex-presidente do Supremo.

O que deve preocupar Dilma não é a Defesa, mas o descontrole e a traição latente no Congresso. Mais do que militares e diplomatas, quem a ameaça são os políticos.

FOLHA DE S. PAULO

Uma nova força política, democrática, reformista e independente*:: Alberto Aggio

Há um espectro que ronda o PPS e sua crise de identidade. Ele é mobilizado sempre quando se quer construir, de maneira fácil, um argumento para sustentar uma posição assumida dentro ou fora do partido. No mais das vezes ele cumpre o mesmo papel daquelas velhas referências do comunismo. Como se sabe, por exemplo, era costume se lançar mão do antigo “centralismo democrático” quando o assunto era o cumprimento de uma decisão partidária ungida pelo Comitê Central, ou então da “luta de classes”, da “revolução proletária e socialista” quando a questão era definir a finalidade da luta revolucionária. Felizmente tudo isso já passou. Mas o que não se superou ainda foi a maneira de pensar.

Nos seus últimos anos, o PCB tinha reconhecidamente uma política dual: defendia a democracia, e para isso construiu a “política de frente democrática”, mas ao mesmo tempo advogava o socialismo (de matriz soviética) como seu horizonte estratégico. Em termos concretos, o socialismo esgotou-se com o fracasso do chamado “socialismo real” enquanto que a fórmula da frente democrática foi exitosa e fez escola nos corações e mentes dos pecebistas, tornando-se efetivamente a sua melhor tradição. Contudo, em razão das mudanças históricas pelas quais passou o Brasil, a “política de frente democrática” também passou a encontrar os seus limites e apresentar suas insuficiências.

Na passagem do PCB para o PPS, quando o último grupo dirigente assumiu, com bastante retardo, a idéia da “democracia como valor universal”, se elaborou os “princípios da radicalidade democrática”. A partir daí essa fórmula assentou-se como o centro da linguagem política do PPS. No essencial, os dirigentes, políticos, militantes e simpatizantes deveriam aderir às concepções e especialmente às práticas radicalmente democráticas, sem que se soubesse, ou se saiba até hoje, o que sustenta precisamente essa formulação.

O que se poderia deduzir a respeito do significado dessa fórmula? No limite, ela pode ser vista fundamentalmente como um ideal ético-político, mas não como uma política. Os alcances desse ideal ético-político avançariam para o plano da sociedade, obtendo adesão de todos os indivíduos porque ele se apresenta como um princípio geral rigorosamente justo. Nessa perspectiva, quem poderia ser contra tal formulação? Numa visão utópica, a “radicalidade democrática” poderia (ou deveria) ser vista como a possibilidade de cada um se expressar e se manifestar. Se isso parece ser uma boa perspectiva para a ação individual (ou, no limite, grupal), porque garante plena liberdade e afirma-se na “política do desejo”, por outro lado, dificilmente conseguiria sustentar uma construção coletiva já que esta necessita outras mediações; necessita mais: demanda a pedagogia dos acordos, da conciliação, do pacto, que supõe toda política democrática. Presente no corpo de um pequeno partido como o PPS, a “radicalidade democrática” teve e pode continuar tendo traduções tanto pragmáticas quanto utopistas. Ao contrário do que se previa, de tanto objetivar sua “radicalidade”, era o tema democrático que se esvaia e deixava de fertilizar a reflexão política dentro do PPS.

A “radicalidade democrática” não supõe um dado essencial, a saber, que a democracia é tanto a solução quanto o problema das sociedades contemporâneas. Em primeiro lugar porque se baseia numa ficção: a legitimidade da maioria entendida como expressão da unanimidade; é a aferição da maioria que dá legitimidade àquilo que todos devem cumprir; é essa sua essência: uma imperfeição que demanda sempre novos modos, novas práticas, novas instituições; que demanda, portanto, política e reformas. A univocidade da fórmula da “radicalidade democrática” não apanha assim nem a dualidade nem a abertura que compõe a essência do projeto democrático. A radicalidade democrática resulta de uma maneira de pensar que supõe a idéia de que um partido pode apresentar à sociedade o “verdadeiro princípio organizativo” que deve ser adotado por ela. Quando o que se deve buscar é exatamente o contrário: uma perspectiva realista, aberta e mutável que consiste em instituir e fortalecer uma sociedade de indivíduos iguais, capazes de construir politicamente um regime fundado na soberania coletiva. Ai está a perspectiva mais avançada de construção de uma sociedade democrática já que é evidente o fato de que na sociedade atual existe tanto a demanda por individuação, que se afirma num crescendo, valorizando a particularidade dos indivíduos, quanto a exigência progressista de regulação dos interesses particulares em nome do interesse geral por meio de instituições cada vez mais republicanas e democráticas.

Nosso argumento tem a perspectiva de que a ultrapassagem da radicalidade democrática na linguagem (e até mesmo na retórica, às vezes vazia) e na maneira de pensar do núcleo dirigente do PPS pode abrir caminho para novamente se pensar a partir de uma lógica política dual, sem repetir os dogmas e os equívocos do passado. Ultrapassar a fórmula da “radicalidade democrática” não significa repor o tema da “frente democrática” e menos ainda abandonar o tema democrático. Muito ao contrário, significa enfatizá-lo com rigor, exigência e atualidade no sentido de estabelecer uma nova orientação, de dupla perpsectiva, para se pensar a política democrática que deve informar as ações do PPS.

Em síntese, o que pensamos é que o PPS deve assumir uma política democrática e reformista para a sociedade política, isto é, para uma reorganização progressiva do Estado bem como para as instancias governamentais, em todos os seus âmbitos. O PPS deve se pensar como um partido que ambiciona cada vez mais a conquistar governos e participar deles: um partido democrático que empreenda uma ação vigorosa nas instâncias do Estado objetivando permanentemente a sua reforma pela ação parlamentar, sendo ao mesmo tempo, um partido de governo que expresse sua visão transformadora na perspectiva de uma sociedade cada vez mais democrática voltada para o bem comum.

Mas o PPS não pode se reduzir a um partido estatalizado ou ambicionar apenas ser um partido de governo. Ele deve se pensar também como um organismo da sociedade civil, aberto aos interesses de amplos setores sociais, sempre traduzidos em interesses compreendidos democraticamente no sentido progressista e humanista, e ser também um partido que não fale apenas da política, no sentido acima apresentado, mas que fale e se abra à reflexão sobre temas como a real emancipação e liberdade das mulheres, as questões transversais que marcam as novas subjetividades, as perspectivas da sustentabilidade de uma nova economia, etc. Em síntese, o PPS deve se pensar como um organismo inovador e pluralista que abra espaço e amplie o dialogo e a expressão cultural junto aos novos e emergentes sujeitos sociais. Isto porque a dinâmica de mudanças que ocorre em todos os planos da vida no mundo de hoje contradita inevitavelmente os elementos definidores ou estabelecidos da ordem política democrática, especialmente quando se evidencia a crise do Estado Nacional e das suas estruturas de direitos, montadas no correr do último século. As formas organizativas que devem sustentar essa nova perspectiva política para o PPS poderá ser discutida e definida no contexto da sua atual reconfiguração como ator político.

Esse PPS, renovado e refundado, deverá sustentar sua política nessa nova dualidade produtiva. É nesse preciso sentido que deveríamos entender o que merece ser chamado de “nova política”, ou seja, uma grande orientação vocacionada para unir e fortalecer a esquerda democrática. Uma “nova política” compreendida não no sentido de oferecer ao “mercado político” um novo elixir da eternidade, que alguns filósofos chamam de novo projeto ético, ou uma expectativa messiânica e redentorista que somente ode ser abordada pelas lentes da utopia, mas sim, uma “nova política” que busca e aposta, de forma realista, na construção de uma alternativa política ao processo de modernização sem modernidade que vem caracterizando a recente onda de crescimento que vive a sociedade brasileira.

Alberto Aggio é professor de História da UNESP-Franca

*Texto publicado no Fórum de Debates no Portal do PPS

Política ou choque de gestão? :: Suely Caldas

Batizada de Plano Brasil Maior, a anunciada política industrial do governo Dilma se assemelha ao "choque de gestão" do governo Lula, cujo objetivo era reduzir o déficit do INSS depois que Lula desistiu definitivamente da reforma da Previdência. Com exceção da desoneração da folha de salários - um experimento aplicado a apenas quatro setores industriais e com prazo para acabar em 2012 - o Plano Brasil Maior é um pacote de rotineiras ações fiscais, de crédito e defesa comercial que não merece ser chamado de uma nova "política industrial". São simples medidas de gestão, no máximo uma promessa de que o governo vai aplicar com mais força o que já estava decidido ou em vigor. Um "choque de gestão", como na Previdência. Só não dá para entender por que esse choque não é permanente, por que há frouxidão na gestão.

FHC não teve política industrial. Sua equipe econômica achava que "a melhor política industrial é não ter política industrial". Não recorreu a subsídios ou renúncias fiscais e as regras de financiamento do BNDES eram horizontais, as mesmas para todos os setores industriais, sem privilegiar este ou aquele, como fez agora o governo com as montadoras de automóveis. Lula lançou duas: Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, em 2005, e Política de Desenvolvimento Produtivo, em 2008. E Dilma agora lança a sua. Nenhuma das três ataca de frente os problemas estruturais que emperram o desenvolvimento da indústria. Falta de diagnóstico? Não, os problemas são conhecidos há anos. O que falta é coragem dos executivos do governo para decidir, sabendo que vão administrar um day after desconhecido que pode ser difícil. Ou não.

A reforma tributária é a essência de uma política industrial maiúscula, porque mira a redução da pesada carga de impostos que incidem sobre a produção industrial, principal razão a desencorajar investimentos no País. Não a reforma tentada por Lula, que nasceu maior e encolheu muito depois do debate com governadores e prefeitos, até ser resumida a equidade do ICMS nos Estados. Mesmo minúscula não saiu e dela Lula desistiu. FHC nem tentou. Presidente, governadores, prefeitos, a classe política tem medo de reduzir impostos, perder receita tributária e ter de apertar cintos em seus gastos.

Dilma Rousseff quer fatiá-la para facilitar a aprovação no Congresso. É uma estratégia. Mas já na primeira fatia - a desoneração da folha de salários - o medo venceu: é um experimento temporário, em só quatro setores e com prazo fixo de validade. Se seu efeito agravar o déficit do INSS, tudo se desfaz. Na gestão do ex-ministro Palocci na Fazenda, em 2004, sua equipe arquitetou um plano de desoneração que isentava da contribuição previdenciária quem ganhasse até 2 ou 3 salários mínimos, reduzia a alíquota de 20% das indústrias que usam intensamente mão de obra (caso dos quatro setores selecionados por Dilma) e, para compensar a perda, cobrava um novo imposto das indústrias de capital intensivo, que empregam menos. Mas Palocci caiu, sua equipe saiu e não se ouviu mais falar na proposta.

Depois da carga tributária, a precariedade nos serviços de infraestrutura (portos, aeroportos, estradas, ferrovias, navegação, armazenagem) e suas tarifas elevadas são o segundo fator que desencoraja quem decide investir no Brasil. Outro diagnóstico antigo, mas ignorado pelo Plano Brasil Maior. Nessa área os investimentos privados e do governo são escassos. Do governo, os poucos projetos são lentos ou não andam mesmo. O setor privado reclama da insegurança na estabilidade das regras de regulação e de agências reguladoras politizadas e enfraquecidas. Câmbio sobrevalorizado e juros exagerados completam a lista. Sem isso não há como falar em política industrial.

Só para entender. O ministro Guido Mantega garante que o Brasil "está preparado" para enfrentar a crise nos países ricos, mas só não explica por que a Bovespa é campeã mundial em pior desempenho: caiu mais de 20% este ano, perde para as bolsas da Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália, países mais atingidos pela crise.

Jornalista e professora da PUC-Rio.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O maior perigo:: Míriam Leitão

Vários riscos rondam os Estados Unidos: dívida rebaixada, desemprego alto, recessão. O maior perigo, no entanto, são os fantasmas que o Tea Party está trazendo de volta à vida e ao debate político. A facção do Partido Republicano é um aleijão conservador capaz de defender teses como a de que as famílias dos negros eram mais estáveis na época da escravidão do que na era Obama.

Dois pré-candidatos da ala radical do Partido Republicano às eleições presidenciais do ano que vem - Michelle Bachmann e Rick Santorum - endossaram documento em defesa do casamento que sustenta a aberração acima: "uma criança nascida na escravidão, em 1860, tinha maior probabilidade de ser criada por seu pai e mãe do que uma criança afro-americana nascida depois da eleição do primeiro presidente afro-americano." Com a má repercussão, os dois fizeram um adendo para amenizar, mas nada salva uma coisa assim.

É um pensamento inqualificável, mas revelador. Num artigo no jornal americano "New York Times", a professora de História da universidade de Princeton Tera Hunter disse que o documento revela ignorância sobre a História americana. As crianças nascidas em cativeiro não pertenciam aos seus pais, mas aos seus donos. O casamento era considerado um direito civil permitido apenas às pessoas livres. A deputada Bachmann e o ex-deputado Santorum poderiam ler um livro de fácil acesso. Estou lendo no iPad: "Incidents in the life of a slave girl" ("Incidentes na vida de uma menina escrava", em tradução livre), escrito pela escrava Harriet Jacobs e publicado em 1861. Doloroso relato de longos anos na escravidão. Ela publicou quando fugiu para o Norte.

O que de vez em quando vem à tona nos Estados Unidos não é o sempre presente pensamento conservador republicano, mas o absurdo radicalismo que levou os Estados Unidos a fraturas e violências raciais. Isso foi o mais assustador da polarização vista nos últimos dias nas discussões sobre votar ou não a elevação do teto da dívida.

A direita irracional torceu pelo quanto pior, melhor. Por mais concessões que fizesse o presidente Barack Obama, eles exigiam mais. Defendiam não uma tese, mas a humilhação do presidente. Para alguns dos seus partidários, ele se humilhou e se rendeu. Por isso o Partido Democrata rachou numa votação que foi aflita até o minuto final.

No momento seguinte à aprovação, o Tea Party já estava na Fox News vociferando contra o acordo, dizendo que era preciso cortar muito mais, desde, claro, que não se aumentasse os impostos sobre a indústria do petróleo, os muito ricos, nem se cortasse na máquina de guerra. O canal é de Rupert Murdoch, o dono de meios de comunicação que cometem crimes na Inglaterra e da Fox News, que incentiva a extrema direita nos Estados Unidos.

Os perigos civilizatórios exibidos na crise política americana são maiores do que o desequilíbrio fiscal. Pode-se argumentar que eles são uma minoria. Mas quando surgiram poucos anos atrás eram meia dúzia de figuras exóticas que gostavam de se exibir com armas matando animais em extinção. Hoje, têm 25% da representação republicana, constrangem os mais moderados do partido e sequestram o debate político.

Os liberais, no sentido americano da palavra, perdem os bons argumentos ao propor que o governo não deveria cortar gastos. Uma economia naquelas circunstâncias não está em condições de propor uma política fiscal expansionista. Tem que saber onde cortar. Os democratas têm razão em apontar os gastos da Defesa como o local onde as despesas devem ser diminuídas; deveriam dizer de forma mais alta que a explosão do déficit e da dívida foi obra republicana, mas propor expansão de gastos para ativar a economia, num país com 11% de déficit, é uma maluquice completa. Os liberais argumentam que o presidente Barack Obama se rendeu ao Partido Republicano. De fato, ele abriu mão do mais brilhante no seu argumento, que era a suspensão das deduções de impostos em favor dos muito ricos e da indústria do petróleo, que foram feitas no governo de George Bush. Os democratas deveriam se assustar mais com o aparecimento dos resquícios da pior direita americana.

Os autores do texto vieram a público garantir que são contra a escravidão. Bom, só faltava eles dizerem o contrário. Mas a construção do seu raciocínio tem sinais evidentes de que um grupo político americano está soprando as brasas da mesma direita que fez a guerra civil, armou grupos de extermínio de negros, manteve a segregação e montou o tribunal do Macartismo. O pior lado americano não morreu. É possível vislumbrar seu fantasma no fortalecimento do Tea Party.

Com a sociedade ficando aflita pela falta de emprego, o crescimento claudicante, a desvalorização da sua moeda, a crise imobiliária, até que ponto os ouvidos do americano médio estarão dispostos a ouvir os disparates da direita radical?

O mais relevante não é saber quem vai governar os Estados Unidos a partir de 2013, depois do atual mandato de Barack Obama. Mas quantos corações americanos serão capturados por esse pensamento da extrema direita, que hoje tem voz, voto, meios de comunicação, representação política e capacidade de constranger o centro do país.

FONTE: O GLOBO