domingo, 3 de julho de 2011

Opinião – Roberto Freire: Itamar, o homem que mudou os rumos do Brasil

O Partido Popular Socialista (PPS) e o Brasil estão de luto pela morte do ex-presidente da República Itamar Franco.

Itamar sempre primou pela ética na política e sua história é um exemplo para todos os brasileiros. Com sua firmeza e inteligência, assumiu a Presidência da República num dos momentos mais conturbados pós-ditadura (o impeachment de Fernando Collor) e deu início a uma verdadeira virada nos rumos do país. Foi com Itamar e o Plano Real, lançado em seu governo, que o país se livrou da inflação galopante, começou a se desenvolver e ganhar respeito internacional. O Brasil deve muito a esse grande homem.

Roberto Freire, deputado federal e presidente do PPS

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO

Agenda econômica de Dilma nao sai do papel
Itamar Franco morre aos 81 anos em SP
Dilma afasta 4 da cúpula do Dnit

FOLHA DE S. PAULO

Dívida externa aumenta 43% em menos de 2 anos
Itamar Franco morre aos 81; corpo será cremado em BH
Brasil importa menos trabalhador que outros países

O ESTADO DE S. PAULO

Empresa de senador leva R$ 57 mihões da Petrobras sem licitação
Itamar Franco *1930+2011 - O fiador do Real
"Covas era meu candidato"
Chávez doente agrava crise na Venezuela

ESTADO DE MINAS

Nunca haverá um outro Itamar

CORREIO BRAZILIENSE

O anjo torto da política
Doença de Chávez acende sinal de alerta
Lei que altera prisões começa a valer amanhã

ZERO HORA (RS)

Itamar Franco 1930-2011
Estado não tem como fiscalizar nova lei de prisões

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

País de luto por Itamar

Itamar Franco *1930+2011 - O fiador do Real

Faleceu ontem de manhã, em São Paulo, o ex-presidente Itamar Franco, vítima de leucemia. Em seu mandato, Itamar deu início à estabilidade econômica do País, pondo fim à hiperinflação, com o lançamento do Plano Real

Morre o ex-presidente Itamar Franco, fiador da estabilidade

Presidente do País após impeachment de Collor, senador foi responsável por garantir transição institucional e ajudar na criação do real

Eduardo Kattah

O senador Itamar Franco (PPS), presidente da República de 1992 a 1994, morreu ontem de manhã, aos 81 anos, em São Paulo, vítima de leucemia. Ele estava internado no Hospital Israelita Albert Einstein desde o dia 21 de maio e permanecia licenciado de suas atividades no Senado. Nos últimos dias, o senador apresentou um quadro de pneumonia grave e foi transferido para a UTI. Nas últimas horas de vida, foi vítima de um acidente vascular cerebral (AVC) e entrou em coma. Segundo o hospital, Itamar morreu por volta das 10h15 da manhã.

O corpo será transportado de São Paulo para Juiz de Fora (MG) hoje por um avião da Força Área Brasileira (FAB) e velado na Câmara Municipal. Posteriormente, seguirá para o Palácio da Liberdade, histórica sede do governo mineiro até o ano passado, em Belo Horizonte, onde será cremado amanhã. As cinzas serão levadas para Juiz de Fora e colocadas no túmulo da mãe do ex-presidente. A Presidência da República decretou luto oficial por sete dias.

A presidente Dilma Rousseff colocou à disposição o Palácio do Planalto para a realização das cerimônias, mas segundo amigos de Itamar, a família optou por manter os funerais nas duas cidades que mais marcaram a trajetória do senador. O Planalto confirmou a presença de Dilma no velório em Belo Horizonte.

Apesar de ser baiano no registro civil, Itamar se tornou um dos mais destacados políticos mineiros das últimas décadas.

Plano Real. Itamar morreu um dia depois do aniversário daquela que é apontada como sua grande obra para o País, a criação do real, moeda que entrou em vigor no dia 1.º de julho de 1994.

Aos olhos do Brasil, Itamar surgiu na eleição presidencial de 1989, como candidato a vice de Fernando Collor de Mello. Terminou por assumir a Presidência após o impeachment de Collor, sob suspeita de irregularidades. Ele deixa uma imagem de fiador deste momento do Brasil, marcado pela democracia a estabilidade econômica.

Mesmo entre os mais críticos, Itamar costumava ser reconhecido pela retidão ética. "A Nação pode estar certa de que não haverá corruptos neste governo", disse ao assumir o cargo de presidente em 1992.

Igual reconhecimento ele sempre cobrou em relação ao legado da estabilidade do País no aspecto econômico, com o lançamento do Plano Real durante seu governo, e política, com a transição bem-sucedida para Fernando Henrique Cardoso após o desastroso desfecho da gestão Collor.

Com seu indefectível topete, o ex-presidente chamava atenção pelo estilo intempestivo, muitas vezes enigmático. Como político, o engenheiro Itamar gostava dos cálculos bem pessoais. Orgulhava-se de ter sido fundador do MDB, posterior PMDB, mas não fazia cerimônia: deixava o partido toda vez que seus interesses eram contrariados. Prova disso é que foi eleito no ano passado para seu último cargo, de senador, pelo PPS.

O ex-presidente sentia-se melindrado facilmente e não raro surpreendia aliados com rompantes de fúria. Atribui-se a Tancredo Neves a frase de que ele guardava o "ódio na geladeira".

Itamar nasceu em 28 junho de 1930 a bordo de um navio de cabotagem, no mar entre o Rio de Janeiro e Salvador. A mãe, dona Itália Cautier, havia ficado viúva de Augusto César Stiebler Franco pouco antes do nascimento do filho e o registrou na capital baiana, onde vivia um tio.

Itamar tomou gosto pela política em Juiz de Fora (MG), origem de sua família. Concluiu o curso Engenharia Civil em 1955 e naquele mesmo ano estreou na política filiando-se ao PTB. Alcançou o primeiro cargo público, a Prefeitura de Juiz de Fora, já filiado ao antigo MDB após o golpe militar de 1964. Em 1974, foi eleito senador por Minas pela primeira vez.

Em 1989, antes de encerrar o segundo mandato, aceitou o convite do então jovem governador de Alagoas, Fernando Collor, para compor como vice a chapa vitoriosa na eleição de 1989. O senador por Minas deixou então o PL e ingressou no obscuro Partido da Reconstrução Nacional (PRN). Mas rusgas com Collor começaram ainda na campanha.

Itamar assumiu formalmente a Presidência em dezembro de 1992. Propôs uma política de entendimento nacional, mas sua gestão derrapava na escolha do primeiro escalão. Para analistas, o momento crucial do governo foi a nomeação de FHC para a Fazenda. Em março de 1994, foi lançada a Unidade Real de Valor (URV) - índice que fez a transição do regime inflacionário para o da estabilidade econômica.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Repercussão

Dilma Rousseff, presidente da República

"Dirigente do país em um momento crucial da nossa história recente, o presidente Itamar nos deixa uma trajetória exemplar de honradez pública. O Brasil e Minas sentirão a sua falta."

Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), ex-presidente

"O senador e ex-presidente Itamar Franco foi um grande democrata, com uma vida pública dedicada ao Brasil. A contribuição de Itamar Franco foi fundamental para a construção coletiva de um país democrático, mais justo e sem pobreza."

Fernando Collor (PTB), senador e ex-presidente

"Foi um companheiro inexcedível durante o período em que militamos juntos na política. Um homem digno, coerente, ético e defensor intransigente dos seus ideais"

José Sarney (PMDB-AP), presidente do Senado e ex-presidente

"Itamar marcou a vida política do país com sua personalidade inconfundível e extraordinário trabalho que desenvolveu a favor do povo. E porque foi no seu governo que o povo encontrou a estabilidade econômica com o Plano Real."

Aécio Neves (PSDB-MG), senador

"Itamar se despede de Minas e do Brasil deixando atrás de si um imenso vácuo de saudade e admiração. Foi um homem excepcional e singular naquilo que é tão precioso e tão raro na vida pública: a fidelidade aos seus princípios e convicções."

José Dirceu (PT-SP), ex-ministro da Casa Civil

"Tristeza. Um amigo de todas horas. Solidário e sempre presente. Como presidente foi impecável na defesa da transição às eleições de 94."

José Serra (PSDB-SP), ex-governador de São Paulo

"Na presidência da República, deu uma contribuição fundamental ao nosso país, garantindo a normalidade democrática e abrindo o caminho para o Plano Real. Era um homem público transparente, íntegro e combativo."

Lindbergh Farias (PT-RJ), senador e um dos líderes dos caras-pintadas

"Era o melhor senador da oposição. Para quem estava nas ruas e lutou contra Collor, teve um papel importantíssimo."

Henrique Hargreaves, amigo e ministro de Itamar

"Quando dizem que será uma falta para o país, não é retórica. O que ficou na memória de todo mundo é verdade. Ele foi um grande homem."

Roberto Freire (PPS-SP), presidente nacional do PPS, partido de Itamar

"Itamar sempre primou pela ética na política e sua história é um exemplo para todos os brasileiros. O Brasil deve muito a esse grande homem."

Geraldo Alckmin (PSDB-SP), governador de São Paulo

"Ético, honrado e trabalhador, esses são alguns dos muitos adjetivos para definir sua conduta. Sua honestidade, simplicidade e capacidade de agregar pessoas foram preponderantes para unir o Brasil em um momento delicado."

Antonio Anastasia (PSDB-MG), governador de Minas Gerais

"Defendeu Minas Gerais de maneira especial, enquanto senador, realizou um belo governo à frente do Estado, e como presidente da República será sempre lembrado como aquele que encerrou o ciclo da inflação como autor do Plano Real."

Michel Temer (PMDB-SP), vice-presidente

"No PMDB, participou da árdua luta pela redemocratização. Foi prefeito inovador, senador diligente e, quando o país precisou, ousou na área econômica implantando o Plano Real."

VELÓRIO E CREMAÇÃO

JUIZ DE FORA

O corpo de Itamar Franco deve chegar às 10h de hoje à Câmara Municipal, e o velório acontece durante todo o dia

BELO HORIZONTE

Amanhã, a partir das 8h, o corpo será velado no Palácio da Liberdade, sede do governo de Minas Gerais. O velório terá honras de chefe de Estado

CONTAGEM

Depois do velório, o corpo segue para cremação no final da tarde. O procedimento era um desejo do presidente. A cerimônia será apenas para a família e amigos

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Agenda econômica de Dilma nao sai do papel

Em seis meses de governo, os principais compromissos de campanha da presidente Dilma Rousseff para a economia, como a reforma tributária e a redução de impostos que pesam na folha de pagamento das empresas, ficaram só no papel. Além de brigas com aliados e a crise política, as heranças da era Lula, entre elas a inflação alta e o aumento de gastos públicos, acabaram emperrando a agenda econômica de Dilma. O balanço das 14 medidas provisórias do governo no ano mostra que nenhuma tem relação com as suas promessas de campanha para a economia. A Fiesp diz que a expectativa da indústria agora "é declinante".

Uma agenda perdida

Prejudicadas por heranças de Lula, promessas de Dilma para economia ainda não saíram do papel

Martha Beck e Cristiane Jungblut

Uma combinação de brigas com aliados, crise política, problemas de saúde e heranças malditas da Era Lula - como inflação em alta e situação fiscal deteriorada - acabou fazendo com que a agenda econômica da presidente Dilma Rousseff andasse a passo de tartaruga no primeiro semestre de 2011. Os principais compromissos de campanha - avançar na reforma tributária, desonerar a folha de pagamento das empresas, corrigir os limites do Simples e ampliar a desoneração do setor produtivo como uma nova política industrial - ficaram no papel.

Dilma foi obrigada a passar os seis primeiros meses do mandato se dedicando a questões econômicas emergenciais e dificuldades que ficaram pendentes. Foi preciso ganhar a confiança do mercado por meio de um grande ajuste fiscal que ajudasse a conter pressões inflacionárias. Além disso, a enxurrada de dólares que entraram no Brasil fez com que a equipe econômica tivesse de adotar uma série de ações paliativas para tentar segurar a queda da moeda americana e ajudar a indústria nacional.

Também coube ao novo governo fazer uma dura negociação com o Congresso em torno do reajuste do salário mínimo. Isso sem mencionar votações polêmicas envolvendo o Código Florestal e o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) para a Copa de 2014 e as Olimpíadas do Rio, em 2016. Tudo isso ocorreu ao mesmo tempo em que a presidente enfrentou uma pneumonia que a deixou fora de combate por semanas e que um escândalo sobre evolução patrimonial - alimentado por brigas internas no PT e insatisfação da base aliada - levou à queda de Antonio Palocci da Casa Civil.

Nenhuma das 14 MPs mira nova agenda

Um balanço das medidas provisórias publicadas este ano mostra que nenhuma das 14 propostas de iniciativa do Executivo está relacionada com os compromissos de campanha. Sete delas tratam de temas da área econômica, como a desoneração para a produção de tablets no Brasil e a criação da Secretaria de Aviação Civil (SAC), mas consumiram toda a agenda do primeiro semestre, sendo votadas no limite, ou seja, às vésperas de perder a validade.

O Congresso entra em recesso no dia 17 de julho, o que significa que as demais propostas de interesse do governo devem ser jogadas para o segundo semestre. Isso inclui, além das MPs, o Pronatec, que trata de formação de mão de obra.

A lentidão tem sido tão grande que a primeira reunião de Dilma com sua equipe para tratar do que será a Política de Desenvolvimento da Competitividade (PDC) - nova política industrial - foi há apenas duas semanas. Não se chegou a nenhum consenso. A conclusão foi apenas que será preciso abrir mão de uma receita polpuda se o governo quiser ajudar a indústria nacional.

Assuntos urgentes que terminaram a Era Lula pendurados também não tiveram andamento, como o fim das concessões do setor elétrico, a partir de 2015. Os que não eram urgentes mas são importantes marcos regulatórios - como o código da mineração e a reforma do sistema de defesa da concorrência - também continuam enrolados. Avanço mesmo só houve na definição da concessão dos aeroportos.

- Foi mais um semestre de expectativa do que de realização. A reforma tributária e desonerações tão esperadas para dar mais competitividade ao setor produtivo não andaram. Isso deixa as expectativas declinantes - diz o diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Roberto Gianetti.

- O que surpreende é que esse é um governo de continuidade. Não dá para entender porque não foi apresentada nenhuma proposta de reforma tributária, por exemplo. Quanto mais tempo se espera, mais difícil fica conseguir avanços - destaca o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.

Para economista, agenda é engessada

Castro alerta para o fato de que o Brasil já está caminhando para um processo de desindustrialização, uma vez que, por falta de competitividade, as empresas estão deixando de investir no país para importar mercadorias:

- O fantasma da desindustrialização deixou de ser uma quimera para se tornar algo real.

Castro lembra que até mesmo medidas que já foram publicadas e deveriam estar valendo - como regras mais flexíveis para a devolução de créditos de PIS/Cofins para os exportadores - não funcionam na prática:

- Existem empresas que se enquadram nas regras de ressarcimento acelerado de créditos de PIS/Cofins e que têm bilhões acumulados em estoque porque simplesmente não conseguem receber.

Para o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, no entanto, o saldo do primeiro semestre de Dilma foi positivo, uma vez que o governo conseguiu controlar as pressões inflacionárias, estabilizar o câmbio e se comprometer com sua política fiscal. Mas ele admite que a agenda de Dilma ficou engessada, principalmente depois da saída de Palocci do governo:

- Isso teve impacto muito forte.

CNI cobra ações do governo na indústria

Segundo o presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, o governo Dilma tem dado sinais de que está comprometido com a agenda para o crescimento da economia e feito avanços importantes. Ele citou como exemplo o novo modelo de concessão dos aeroportos. Mas o empresário reconhece que a agenda passada acabou afetando o andamento do governo em 2011:

- Por mais que esse seja um governo de continuidade, sempre existem ajustes a fazer.

- É claro que houve intempéries políticas e também uma conjuntura econômica internacional que afetaram o mercado e tomaram a atenção do governo. Mas continuamos trabalhando com a expectativa de que o governo lance o mais rapidamente possível seu plano de desoneração para o setor produtivo e ações de defesa comercial - afirma o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade.

FONTE: O GLOBO

Ao centro:: Merval Pereira

Ao mesmo tempo em que utiliza todos os instrumentos legais para tentar impedir a formação do PSD que o ex-correligionário e prefeito de São Paulo Gilberto Kassab está organizando, principalmente com dissidentes do Democratas, o partido procura reforçar seu posicionamento ideológico para ocupar o nicho eleitoral que o PSD também disputará se for concretizado. O presidente do DEM, senador Agripino Maia, diz que o partido é basicamente de "centro-conservador", evitando o termo "direita".

Na tentativa de globalizar a linha do partido como de centro, ele esteve nos últimos dias, em companhia do ex-deputado José Carlos Aleluia, que preside o instituto de estudos Liberdade e Cidadania, em duas reuniões no exterior para reforçar os contatos do DEM com partidos da mesma tendência no mundo.

Uma delas foi a da Internacional Democrática de Centro (IDC), à qual o DEM aderiu desde 2005. A IDC se contrapõe à Internacional Socialista, que reúne os partidos de esquerda e social-democratas no mundo e agrupa legendas representadas por políticos como Jacques Chirac, na França; pelo PSD em Portugal, hoje de volta ao poder com o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, e Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia; e pelo Partido Republicano nos EUA.

Segundo Maia, o Democratas é um partido que defende teses semelhantes às de José Maria Aznar na Espanha, Sarkozy na França, Angela Merkel na Alemanha e do Partido Conservador na Inglaterra.

"Não nos confundam com os direitistas do Tea Party", alerta ele, que pretende estreitar o relacionamento com a nova direção do Partido Republicano dos Estados Unidos, mais identificado com os conservadores de centro, como John McCain, do que com sua candidata a vice Sarah Palin, membro ativo do Tea Party.

O que os Democratas defendem é que está na hora de uma verdadeira experiência liberal, com uma reforma do pacto federativo para diminuir o tamanho do Estado para conseguir também uma redução de impostos.

Aleluia gosta da definição ideológica contida no Manual da Identidade Partidária e Ideologia, uma publicação de 2008 do National Institute for International Affairs (Instituto Nacional de Assuntos Internacionais) mantido pelo Congresso norte-americano.

O trabalho divide em três as tendências políticas dos partidos: social-democracia; centro-direita e liberal. A definição do Democratas fica entre os dois últimos, mais para a centro-direita, um movimento conservador que historicamente emergiu entre os que se opuseram à Revolução Francesa, tendo Edmond Burke, um político inglês, como um de seus principais líderes.

Nos anos 1970 os temas sociais e econômicos ganharam destaque na temática conservadora, especialmente as críticas ao envolvimento do governo no controle da economia, defendendo a tese de que a degradação social era resultado das políticas de bem-estar social, que reduziam a responsabilidade individual. Posição semelhante à que o Democratas tem hoje com relação ao Bolsa Família.

Na reunião da IDU (União Democrática Internacional, em português) em Washington, o senador Agripino Maia se encontrou com o novo presidente do Partido Republicano, Reince Priebus, com quem combinou um trabalho conjunto.

Também estreitou relações com representantes de partidos conservadores da Bolívia, Peru e outros países latino-americanos, para se contrapor à união dos governos de esquerda, base da política externa brasileira para a região.

No plano interno, o Democratas tenta dificultar a organização do novo partido PSD, reclamando na Justiça o mandato dos dissidentes e aprovando na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, em decisão terminativa, que não é permitido a um parlamentar deixar a legenda pela qual foi eleito apenas para fundar um novo partido.

Entendimento contrário, acolhido pelo Tribunal Superior Eleitoral, permitiu que vários deputados e senadores deixassem seus partidos para aderir ao PSD, mas agora ele está sendo contestado pela decisão do Senado.

O senador Agripino Maia está convencido de que o governo fará pressão na Câmara para não aprovar a mudança na lei da fidelidade partidária, para ajudar o prefeito paulistano Gilberto Kassab.

Mas alega que o que está acontecendo é a utilização de uma falha na legislação para quebrar a fidelidade partidária. "Quem quiser sair de um partido para criar outro, pode fazê-lo, mas terá seu mandato sob risco", adverte Maia.

Como se vê, o Democratas tenta se reerguer dos seus próprios escombros para assumir um papel mais afirmativo no espectro político brasileiro: ser um grande partido de centro-conservador, próximo especialmente da classe média, trabalhando questões que afetam seu dia a dia e seus valores, como meio ambiente, altos impostos, desemprego, apagão aéreo e insegurança pública.

A refundação programática do partido foi uma tarefa que o senador Agripino Maia assumiu como principal objetivo quando aceitou presidir o partido em meio a uma crise política que prenunciava para muitos o fim da legenda.

FONTE: O GLOBO

Portas da corrupção:: Dora Kramer

Autor da Lei de Licitações em vigor (8.666), líder na Câmara e ministro da Casa Civil no governo José Sarney, durante 15 anos presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, Luis Roberto Ponte pediu ao presidente do Senado que o chame a uma audiência pública para explicar como e por que o novo regime de contratações para as obras da Copa de 2014 "escancara as portas da corrupção".

Na última terça-feira, Ponte deixou no gabinete do senador José Sarney todas as explicações por escrito, acompanhadas de um bilhete apelando ao ex-chefe que as lesse com atenção, "em nome da decência e do interesse público que nortearam suas decisões de presidente da República".

Segundo Ponte, o RDC "ressuscita dispositivos obscuros" de antigas legislações e "legaliza sorrateiros mecanismos de corrupção de legislações anteriores e ainda hoje utilizados quando não se cumpre a Lei 8.666".

Escreve o ex-ministro a Sarney: "Disseram-lhe que a divulgação prévia do orçamento da obra facilita a vida dos concorrentes para o conchavo; o quanto, então, deve facilitar a vida do concorrente preferido receber essa informação privilegiada?"

Na opinião do ex-ministro, é fato que são se pode presumir que haveria ilegalidades na condução do processo por parte do governo. Nem por isso, pondera, é aceitável que o poder público abra mão de instrumentos preventivos contra a ocorrência de corrupção e de beneficiamentos a grupos ou empresas.

"Desde quando a ausência de preço impede que haja conchavos? Sem projeto nem orçamentos conhecidos mesmo é que a tendência é que as propostas sejam apresentadas com valores mais altos que o estritamente necessário para a execução da obra."

Luis Roberto Ponte vê ingenuidade ou má-fé nas comparações que aludem às vantagens de contratações mediante o sigilo do preço pretendido, por exemplo, numa obra em casa.

"Não se pode dar aos governantes os mesmos poderes que têm dirigentes privados para negociar seus contratos porque, diferentemente destes, aqueles devem prestar contas ao povo do dinheiro gasto e assegurar iguais direitos a qualquer um que possa executar a obra, fazer a venda ou prestar o serviço."

Ponte repete aí o que estabelece o inciso 21 do artigo 37 da Constituição - cujo caput consigna o princípio da publicidade como obrigatório na administração pública - redigido por ele com a ajuda do também então constituinte Fernando Henrique Cardoso: "Igualdade de condições a todos os concorrentes".

Desse dispositivo derivou a Lei 8.666 como regulamentação da Carta para substituir o Decreto-Lei 2.300 objeto de uma rebelião de construtores no governo Fernando Collor contra os abusos cometidos no direcionamento de obras durante o processo de licitação.

O que Ponte pretende denunciar, esmiuçar e debater "olho no olho" no Senado com os defensores do RDC é que o novo regime fere o sentido ético contido na atual Lei de Licitações e legaliza autorização para seis tipos de distorções.

1. O favorecimento de um "parceiro escolhido", mediante vazamento da informação, oficialmente sigilosa.

2. Critérios subjetivos no julgamento das propostas, como forma de direcionar a escolha.

3. O sistema de licitação integrada, "posto que o prazo de 30 dias estabelecido para a entrega das propostas é incompatível com a simultânea confecção da proposta e de um projeto sério, e impossível de ser cumprido responsavelmente por quem não tenha tido anteriores informações privilegiadas".

4. A obrigação de os licitantes fazerem frente a despesas com projetos e propostas que depois serão jogadas fora "praticamente impede a participação de empresas de menor porte, privilegiando as que têm mais dinheiro e maior certeza de vitória".

5. O pagamento de prêmios adicionais por desempenho, qualidade, prazos etc. dá ao governante inescrupuloso instrumento para "aplicar em acréscimos subjetivos de pagamento".

6. O acréscimo sem limite no valor do contrato, desrespeitando a barreira de 25% estabelecida pela 8.666.

Esses são os pontos em que, no dizer de Luis Ponte para José Sarney, o RDC abre as portas para a passagem da corrupção.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Seis meses de Dilma :: Suely Caldas

A presidente Dilma Rousseff completou seis meses de gestão sem apresentar ao País um programa de governo e sem definir diretrizes que ajudem a orientar ações e decisões de agentes públicos e privados rumo ao progresso. Ela pode argumentar que seu governo é de continuidade, portanto as diretrizes já são conhecidas. Não é bem assim. Também Lula não tinha programa e, depois que desistiu das reformas, passou a agir sobre o presente, ignorou o futuro.

Além disso, nesses meses os brasileiros conheceram uma presidente muito diferente de seu antecessor. Em estilo e, também, em conteúdo. A decisão de privatizar aeroportos e 45 portos, a carta carinhosa a FHC pelo aniversário de 80 anos, o reconhecimento de seu governo ao legado do ex-ministro tucano Paulo Renato na educação e sua aversão ao ódio, ao preconceito e ao deboche contra a oposição - que Lula tanto cultivava - são atitudes que os brasileiros percebem em Dilma como positivas, esperança de um ambiente político mais construtivo e que dizem mais que uma simples diferença de personalidades.

Nesses seis meses Dilma mudou radicalmente a relação com o Congresso. Sua atitude dura de não ceder ao condenável troca-troca de Lula lhe rendeu vitórias e derrotas. A vitória na votação do salário mínimo, em fevereiro, a animou a resistir à ocupação de cargos por espertos despreparados. E a perda do ministro escalado para tratar com os partidos a levou a assumir o comando da gestão com a base aliada - papel que lhe causa desconforto e insegurança; não gosta. A derrota na votação do Código Florestal mostrou que seu embate com o clientelismo, o fisiologismo, o oportunismo e tudo o mais que brota dos partidos aliados será mais difícil e longo do que ela imaginou. Na quinta-feira ela cedeu e prorrogou por mais três meses o prazo para pagar as emendas aos parlamentares. Mas já avisou que só vai liberar metade dos R$ 4,6 bilhões programados.

No Brasil, a relação entre Executivo e Legislativo é errada, porque mira interesses mesquinhos dos partidos e ignora os do País, e viciada, porque se baseia na chantagem política rasteira. Perdem-se semanas, meses negociando cargos e verbas para aprovar uma única matéria, no fim comemorada com triunfo - o que deveria ser ágil e corriqueiro na vida do Legislativo. Dilma parece querer mudar isso para poder governar. A ver.

Na esfera econômica, a presidente vai transferir ao setor privado a construção e gestão de 3 aeroportos e de 45 portos marítimos, ignorando o estúpido preconceito político alimentado pelo PT e por Lula em campanhas eleitorais. Pragmática, Dilma não emperra o progresso: se o Estado não tem dinheiro nem competência para construir portos, que o faça o setor privado. O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, finalmente concluiu negociação com empresas privadas de telefonia para oferecer banda larga a preços populares, encerrando o que a gestão Lula arrastou por mais de um ano e não resolveu. Na área social ela lançou o Plano Brasil sem Miséria, com metas definidas para acabar com a extrema pobreza. A ver.

Após seis meses é o que se conhece das intenções do governo. O País precisa de muito mais: de um rumo que defina programas, prioridades e metas na educação e na saúde. E, na área econômica, definir com o setor privado regras para investimentos em infraestrutura e eliminar gargalos que impedem o País de crescer sem o fantasma da inflação.

Escola. O caso Pão de Açúcar-Casino-Carrefour-BNDES tem tudo para fazer escola e atrair seguidores. A receita é simples: se a empresa passa por dificuldade financeira, o empresário brasileiro vende parte de seu empreendimento a um investidor estrangeiro e com ele assina um acordo de acionistas concordando em transferir-lhe o controle acionário no futuro, com prazo definido. Ao se aproximar esse prazo, o empresário corre ao BNDES e alerta para a iminência da desnacionalização da empresa. Como o banco tem horror à desnacionalização, despeja dinheiro público para evitar a tragédia. Falta dinheiro na saúde? Falta. Varejo é setor estratégico? Não. Ainda assim, o BNDES faz a operação.

Jornalista e professora da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Itamar, o sucesso do acaso :: Eliane Cantanhêde

Itamar Franco foi o ousado e divertido protagonista de um gesto político antológico deste quarto de século desde a redemocratização. Um gesto exemplar.

Presidente por um desses acasos da vida e da política, num momento em que os brasileiros tentavam dividir o mundo entre "os bons" e "os maus" pelo ângulo da ética, Itamar chamou o então senador Antonio Carlos Magalhães em palácio. Queria explicações para o que ele dizia em público contra a honra do ministro Jutahy Magalhães, amigo pessoal de Itamar e inimigo político do lendário ACM na Bahia.

ACM estufou o peito, pôs um bojudo "dossiê" debaixo do braço e lá se foi para o Planalto, pronto para acabar com a carreira política de Jutahy. Abriram-se as portas para a multidão de fotógrafos, espocaram os flashes. E Itamar: "Pode continuar!". ACM, subitamente desnorteado: "Mas com eles aqui?".

Sim, com toda a imprensa ali, para expor de vez a tática maliciosa de ACM contra adversários e salvar não apenas a carreira, como a honra e a imagem pública de Jutahy. Não deu outra. A montanha pariu um rato. Aberto o tal "dossiê", o que havia era um punhado de papéis inúteis e cópias de reportagens -da imprensa carlista da Bahia.

Esse era Itamar, um homem simples que se fazia de simplório, às vezes chegado a miudezas, mas também capaz de grandes gestos.

Na Presidência, foi beneficiado pela boa vontade com a transição e por uma sólida aliança que lhe deu sustentação política, dos militares à esquerda (com exceção do PT), na qual reluzia a figura de Fernando Henrique Cardoso.

Internamente, apoiou-se na "turma do pão de queijo" -velhos amigos mineiros que se digladiavam pela atenção do presidente e pela capacidade de influenciá-lo.

A leucemia avassaladora o pegou aos 81 anos, em plena forma política. No Senado, mostrou vigor e coragem na crítica responsável e consequente. Já está fazendo falta.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O Real é de Itamar:: Clóvis Rossi

O Plano Real, aquele que finalmente domou a intratável inflação brasileira, é sempre atribuído a Fernando Henrique Cardoso. Há certa lógica nisso: foi a equipe que FHC montou na Fazenda que, de fato, elaborou o plano e deu início à sua execução.

Contudo é injusto omitir que o presidente da República naquele momento chamava-se Itamar Franco -que, se não leva a glória de tê-lo concebido, merece a homenagem pela coragem de bancar uma ideia ousada.

Quando a presidente Dilma Rousseff escreveu a Fernando Henrique, louvando o seu papel na estabilização da economia, omitiu que esta ocorreu com Itamar Franco e foi mantida pelos seus dois sucessores. É justo, pois, resgatar esse papel, não porque todo morto sempre vira santo, mas porque ele é real, historicamente verdadeiro.

Do meu ponto de vista, vale lembrar outro aspecto relevante: de todos os presidentes com os quais lidei nos 24 anos em que ocupo este espaço, foi o que menos críticas recebeu, mas de longe, de muito longe. Não por condescendência ou por amizade ou qualquer coisa do gênero, mas porque o governo de Itamar Franco produziu poucos escândalos e anomalias, mesmo assim menores.

Conto um episódio singelo para demonstrar, no detalhe, como Itamar Franco respeitava o cargo que ocupou no Planalto. Durante uma cúpula qualquer em Santiago, no Chile, ele não quis participar do almoço tradicional. Foi para o hotel, e lá ficamos os jornalistas no indefectível plantão, esperando uma palavra ou uma saída.

Itamar, de fato, queria sair para ir a um shopping center, mas não queria que o seguíssemos, porque achava que não ficava bem um presidente ser visto -e, acima de tudo, fotografado- em um local comercial, como um turista qualquer.

Coisinha banal, eu sei, mas ilustrativa de uma personalidade singela, presidente por acaso.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A falsa miséria estatística :: José de Souza Martins

Análises meramente econômicas e numéricas ignoram a poderosa tendência do pobre de compartilhar e ajudar

Nas últimas semanas a opinião pública foi abastecida com indicadores opostos sobre a situação material dos brasileiros. Os dados do Censo de 2010, que balizam as ações do novo programa governamental Brasil sem Miséria, computam 16,267 milhões de miseráveis, 8,5% da população brasileira, uma Holanda inteira, gente cuja renda familiar mensal, quando muito, alcança R$ 70. No interior desse grupo há até os miseráveis dos miseráveis, aqueles cuja renda é de até R$ 39 por mês, pouco mais de R$ 1 por dia, basicamente os tostões que a gente chuta quando caem do bolso furado, aqueles tostões que nem vale a pena curvar-se para recolher. Como há, ainda, os supermiseráveis, os 4,8 milhões de pessoas que no Censo não aparecem com renda alguma.

Aí a coisa se complica. Quem vai acreditar, em sã consciência, que quase 5 milhões de pessoas possam sobreviver sem renda alguma? Posso acreditar que haja pessoas dependentes financeiramente de terceiros, especialmente idosos, doentes e menores, que, não obstante serem de uma família, moram em casa separada da dos provedores. Nesse caso, o dado mostra um defeito na concepção estatística de família e moradia, que não corresponde ao que são numa sociedade de tradições patriarcais, a família como instituição plurilocal baseada numa economia condominial. É preciso não confundir a estatística da miséria com a miséria da estatística.

A secretária para Superação da Extrema Pobreza esclareceu que outras formas de renda não são levadas em conta nesta fase de divulgação do Censo, caso da agricultura de subsistência. Essa forma de renda não é renda. Renda é o ganho que passa pela mediação da forma dinheiro. Portanto, os dados em que vai se basear o programa Brasil sem Miséria já apontam um defeito de compreensão da realidade brasileira que repercutirá na própria concepção das medidas que preconiza. Compreende-se, pois, que, nas representações gráficas dos dados estatísticos, o Norte e o Nordeste constituam um oceano de deplorável miséria. E que o Sul e o Sudeste constituam um oceano de escandalosa prosperidade.

Para compreender essas anomalias estatísticas é preciso levar em conta que a economia brasileira é historicamente uma economia dual. Nem todos dependem de rendimentos monetários para viver. São numerosos, ainda, na roça, aqueles para os quais os ganhos monetários, muito variáveis, aliás, não constituem propriamente o decisivo na sobrevivência da família. Nela a subsistência da família é assegurada prioritariamente pela produção direta dos meios de vida. Então, sim, pode-se entender que uma família até viva sem nenhuma renda monetária nessa economia peculiar que denomino de economia do excedente (e não de subsistência), em que parte da produção própria é consumida em casa e parte é comercializada. Seria ficção medir em dinheiro o que não circulou no mercado.

No lado oposto ao da miséria, a pesquisa da FGV sobre a nova classe média, ou o lado brilhante do pobre, divulgada nessa semana, inunda o cenário com um otimismo numérico luminoso. Se os dados do Censo aqui apontados falam de um Brasil que submerge, os dados sobre a nova classe média dizem que, dentre os países emergentes, o Brasil é o que mais emerge. O grau de felicidade futura do brasileiro indicado pelo Gallup é o maior do mundo. Quem estuda sociologicamente o tema da fé no Brasil tomaria o maior cuidado com essa informação superficial e subjetiva. É que, sendo o brasileiro um povo no geral místico, raramente verbaliza pessimismo que possa indicar falta de fé, na suposição de que inviabiliza aquilo que se espera e deseja.

A criação de quase 800 mil empregos líquidos de janeiro a abril, que a pesquisa menciona, certamente é o melhor fator de otimismo para a nova classe média estatística. Mas é pouco provável que essa parcela da população não tenha tomado consciência, no vivencial, de que desde 2010, no mesmo período, o número de empregos formais venha caindo. Ainda assim, é bom indício de que alguma coisa esteja dando certo na economia, o fato de que os rendimentos dos mais pobres venham crescendo mais do que o PIB nacional. A melhora comparativamente significativa dos seus rendimentos em relação à dos mais ricos, porém, apenas nos indica que, num país com alta proporção de miseráveis, quaisquer R$ 10 podem dobrar a renda de uma família, elevando o índice de sua ascensão estatística. Mas é muito provável que na população mais pobre a melhora tenha seu melhor êxito no fortalecimento do caráter condominial da economia das famílias pobres, que sendo no geral de origem rural, carregam consigo uma poderosa tradição de compartilhar e ajudar. Que as análises meramente econômicas e estatísticas desdenhem esse poderoso traço cultural do pobre, como desdenham a economia do excedente, antes mencionada, empobrece as interpretações porque subestimam um capital cultural decisivo no seu efeito multiplicador nas economias duais como a nossa.

José de Souza Martins, sociólogo e professor emérito da USP, é autor de A política do Brasil lúmpen e místico (Contexto, 2011)

FONTE: ALIÁS/O ESTADO DE S. PAULO

O dia D das MPs :: Aécio Neves

A partir desta semana, o Congresso Nacional terá a histórica oportunidade de definir, pela vontade da maioria, que papel deseja desempenhar na democracia brasileira, quando deliberar sobre a mais importante matéria legislativa em pauta no Parlamento: a revisão do rito das medidas provisórias.

Estaremos diante de uma escolha crucial entre o caminho da necessária recuperação dos princípios básicos que regem as prerrogativas essenciais do Congresso ou o adensamento de uma subserviência que não serve ao país.

Ao relatar a emenda proposta pelo presidente José Sarney que trata do tema busquei agregar propostas fundamentais à análise de matérias com essa natureza e complexidade, partindo do pressuposto que as medidas provisórias deveriam funcionar restritas às condições de excepcionalidade, previstas pela Constituição, e não substituir o rito legislativo.

Neste caminho, buscamos nos manter fiéis a um forte anseio da maioria. Animou-nos o desprendimento e a responsabilidade com que o debate foi travado e a ampla negociação que antecedeu o fechamento de um acordo unânime no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, com o aval inclusive da liderança do governo, e que celebrava um passo importante na direção da recuperação da autonomia responsável do legislativo federal.

O recuo por parte de algumas dessas lideranças em relação ao compromisso acordado e à palavra empenhada, ainda que comprometa as regras básicas de confiança mútua que balizam e legitimam os processos de negociação política, não abala o esforço coletivo que todos precisamos fazer para tornar viável um novo entendimento.

Volto ao centro da questão para desmistificar a ideia de que a aprovação da matéria representaria uma derrota e uma irreparável perda de poder do governismo. Não é verdade.

Em 2001, na condição de presidente da Câmara dos Deputados, levei ao presidente Fernando Henrique a proposta de alteração do rito até então vigente da tramitação das MPs, que permitia reedições sucessivas sem necessidade de aprovação pelo Congresso. Registro, por justiça, que o então presidente aceitou o novo entendimento que foi aprovado com o apoio de todos os partidos políticos com presença no Parlamento.

Naquele momento, prevaleceu a compreensão da necessidade do reequilíbrio entre os poderes sobre a tentação da hegemonia plena. Não houve derrotados ou vencedores, como hoje se tenta impingir a tudo, no autêntico cabo de guerra que se transformou a negociação política. Naquele momento venceu o país.

A oportunidade de rediscussão da matéria sempre significou o degrau seguinte a ser vencido.

Para tanto, três questões são fundamentais a um amplo entendimento:

1. A garantia de tempo suficiente para que cada uma das Casas do Congresso possa discutir as MPs, impedindo, assim, que elas alcancem a análise do Parlamento engolfadas pelos prazos legais, como tem reiteradamente acontecido, impedindo um exame cuidadoso e responsável de cada matéria.

2. A necessidade de haver uma instância que, também com prazo definido, examine a relevância e a urgência da MP, como prevê a Constituição, aprovando ou não sua admissibilidade.

3. E a constitucionalização da vedação ao "contrabando" de matérias estranhas à natureza de uma MP original, como sistematicamente tem ocorrido, sem qualquer constrangimento.

A relevância desse debate nos adverte para os riscos que corremos de permitirmos que o tema seja reduzido a mais uma das muitas batalhas políticas entre governo e oposição. Definitivamente não é, até porque a luta pelas prerrogativas do Congresso é um dever que está acima da condição transitória de cada parlamentar, como oposição ou governo. São prerrogativas que sequer nos pertencem, mas à população, que nos delegou a inegociável responsabilidade de exercê-las.

Como se vê, este não é um tema árido, afeito apenas ao mundo da política e aos especialistas. Ele tem tudo a ver com os valores básicos do país que sonhamos e queremos ser e com o Parlamento que merecemos e podemos ter.

Aécio Neves é senador (PSDB) e foi governador de Minas Gerais.

FONTE: O GLOBO

A soma e o resto:: Fernando Henrique Cardoso

Tomo de empréstimo o título de um livro de Henri Lefebvre, escritor francês que rompeu com o Partido Comunista em 1958 e publicou as suas razões para tanto nesse livro de 1959. Anos mais tarde, em 1967-1968, fui colega de Lefebvre em Nanterre, quando demos início - juntamente com Alain Touraine, Michel Crozier e com o então quase adolescente Manuel Castells - a uma experiência de renovação da velha "Sorbonne", na área das Ciências Humanas.

Sempre gostei do título do livro de Lefebvre e agora, ao escrever estas linhas - sem nenhuma pretensão a devaneios psicanalíticos -, recordo-me também de que Lefebvre tinha uma grande semelhança física com meu pai. Mas o fato é que há momentos para fazer um balanço. No caso, Lefebvre descontava o que o Partido Comunista lhe tirara ou ele do mesmo e via o que sobrava: a experiência dramática das revelações que Nikita Kruchev fizera dos horrores stalinistas, somadas à invasão da Hungria, provocaram uma remexida crítica na intelectualidade europeia, que não deixou de afetar a brasileira e a mim próprio.

Hoje, ao completar 80 anos de idade, diante do fato inescapável de que o tempo vai passando e às vezes não deixa pedra sobre pedra, eu, que não sou dado a balanços de mim mesmo (nem dos outros), senti certa comichão para ver o que resta a fazer e a soma das coisas que andei fazendo. Mas não se assuste o leitor: o espaço de uma crônica não dá para arrolar o esforço de oito décadas para tentar construir algo na vida, quanto mais para listar o muito de errado que fiz, que pode superar as pedras que eventualmente tenham ficado em pé. Além do mais, prefiro olhar para a frente a mirar para trás.

Quando algum repórter me pergunta o que acho que ficará de mim na História, costumo dizer, com o realismo de quem é familiarizado com ela, que daqui a cem anos provavelmente nada, talvez um traço dizendo que fui presidente do Brasil de 1995 a 2003. Quando insistem em que fiz isso ou aquilo, outra vez o meu realismo - não pessimismo nem hipocrisia de modéstia - pondera que, no transcorrer da História, quem sobra nela é visto e revisto pelos pósteros ora de modo positivo, ora negativo, dependendo da atmosfera reinante e da tendência de quem revê os acontecimentos passados. Portanto, melhor não nos deixarmos embalar pela ilusão de que há pedras que ficam e que serão sempre laudadas. Além do mais, dito com um pouco de ironia, se o julgamento que vale para os homens políticos e mesmo para os intelectuais é o da História, de que serve o que digam de nós depois de mortos?

Pois bem, se é assim, se o que vale é o agora, não tenho palavras para agradecer a tantos, e foram muitos, que se referiram a mim com generosidade neste passado mês de junho. Mesmo sabendo, repito, da efemeridade dos juízos, é bom escutar pessoas próximas, não tão próximas e mesmo distanciadas por divergências procurarem ver mais o lado bom, quando não apenas ele, e expressarem opiniões que me deixaram lisonjeado e, a despeito do meu realismo, quase embalado na ilusão de que fiz mais do que penso ter feito. Como não posso agradecer a cada um pessoalmente, nem desejo deixar de lado alguém, nem os muitos que me disseram pessoalmente palavras de estímulo ou as registraram por cartas, e-mails ou na web, aproveito esta página de jornal para reiterar que não sei como exprimir o quanto a solidariedade dos contemporâneos me emocionou.

Não me posso queixar da vida. Vivi a maior parte do tempo dias alegres, mesmo que muitas vezes tensos. Assim como senti as perdas que fazem parte de sobreviver. Perdi muita gente próxima ou que admirava a distância nestes 80 anos. Pais, irmãos, mulher, amigos, amigas, companheiros de vida acadêmica e política. Ainda agora, para que nem tudo fossem rosas, perdi às vésperas de meu aniversário um companheiro de universidade com quem convivi cerca de 50 anos, Juarez Brandão Lopes. E no momento em que escrevo estas linhas veio a notícia da morte de Paulo Renato Souza, companheiro, colaborador, grande ministro da Educação, colega de exílio.

As perdas, para quem está vivo, são relativas. Aprendi a conviver na memória com as pessoas queridas e mesmo com algumas mais distantes com as quais "converso" vez por outra no imaginário para reposicionar o que penso ou digo. Tomo em conta o que diriam os que não estão mais por aqui, mas deixaram marcas profundas em mim. Na soma, não cabe dúvida, mantive mais amigos que adversários. Não sinto rancor por ninguém, talvez até por uma característica psicológica, pois esqueço logo as coisas de que não gosto e procuro me lembrar das que gosto e pelas quais tenho apego.

Por fim, para não escrever uma página muito água com açúcar, se me conforta ter tantos amigos e receber deles tanto apoio, e se prezo a amizade acima de quase tudo, devo confessar que, apesar de meu pendor intelectual ser forte, no fundo, sou um Homo politicus. Herdado de meus pais e de algumas gerações de ancestrais, vivo a vida na tecla do serviço ao público, da polis, e para mim o público hoje não é apenas o brasileiro, mas tem uma dimensão global.

Pode parecer "coisa de velho", mas o fato é que a esta altura da vida estou convencido, sem prejuízo das crenças partidárias e ideológicas, de que cada vez mais, como humanidade, como cidadão e como seres nacionais, simultaneamente, nos estamos aproximando de uma época na qual ou encontramos alguns pontos de convergência, uma estratégia comum para a sobrevivência da vida no planeta e para a melhoria da condição de vida dos mais pobres em cada país, ou haverá riscos efetivos de rupturas no equilíbrio ecológico e no tecido social.

Não é o caso de especificar as questões neste momento. Mas cabe deixar uma palavra de advertência e de otimismo: é difícil buscar caminhos que permitam, em alguns temas, uma marcha em comum, mas não é impossível. Tentemos. Vi tanta boa vontade ao redor de mim nestas últimas semanas que a melhor maneira de retribuir é dizendo: espero poder ajudar todos e cada um a sermos mais felizes e dispormos de melhores condições de vida. Guardarei as armas do interesse pessoal, partidário ou mesmo dos egoísmos nacionais sempre que vislumbrar uma estratégia de convergência que permita dias melhores no futuro.

Com confiança e determinação, eles poderão vir.

Sociólogo, foi presidente da República

FONTE: O GLOBO

Fernando Henrique: pensamento e ação :: Francisco C. Weffort

Celebração de seus 80 anos lembra que sua atuação na política significou começo da abertura de novos caminhos para a sociedade brasileira

A celebração dos 80 anos de Fernando Henrique Cardoso ocorre num bom momento da história da democracia que ele ajudou a construir como líder partidário, senador e presidente. Ajudou a construí-la também em sua atividade como pesquisador, professor e em sua militância jornalística, partes relevantes de uma trajetória brilhante nos céus nem sempre azuis da historia brasileira. No seu caminho estava a democracia, a ditadura e, de novo, a democracia, onde felizmente nos encontramos agora.

Na passagem de um período a outro, os homens de bem estavam procurando ansiosamente o melhor caminho. Fernando Henrique foi um deles. Foi e continua sendo um deles, e dos mais importantes.

Quase sempre nos escapa a significação histórica de pessoas muito próximas de nós. Nunca é fácil passar da biografia à Historia, mas quando se trata de amigos é ainda mais difícil. Daí que talvez haja que recorrer ao olhar dos que por se acharem um pouco mais distantes possam ver melhor. Nas preliminares da primeira disputa entre Fernando Henrique e Lula, eu me encontrei, por acaso, em uma sala de espera de aeroporto, com Juan Carlos Portantiero, historiador e sociólogo argentino. Juan Carlos saíra há poucos anos de uma experiência de colaboração no governo Raul Alfonsin que, como sabemos, não terminou muito bem. E como é de praxe entre sociólogos, aproveitamos a ocasião para especular sobre a significação histórica do momento em nossos países. Eu estava numa fase em que via no Brasil mais problemas do que soluções. Meu amigo não via muitos detalhes da situação, mas tinha mais esperanças. Lá, pelas tantas, ainda em pleno debate, mas quando já se apressava para se dirigir a seu voo, ele despediu-se com esta: "Dejemonos de cuentos Francisco, una pelea entre Fernando y Lula, eso en America Latina es un lujo." Portantiero viu, com antecedência, um significado geral naquela "pelea" que só depois ficou claro para mim.

Em 1995, eu tentei em um artigo ressaltar a dimensão maior daquelas eleições que me pareceram o começo da nossa segunda revolução democrática depois de 1930. É claro, tudo começou quando Fernando Henrique dirigiu o Plano Real, ainda no governo Itamar Franco. E a palavra revolução é, certamente, inusitada quando se faz em meio a instituições existentes e a eleições. Mas a Lei de responsabilidade Fiscal, as privatizações, a derrubada de uma parte importante do patrimonialismo brasileiro, me pareciam indicações nesse sentido. Naquele momento, porém, à parte o Plano Real, por seus efeitos na estabilidade monetária e nos benefícios concedidos a amplas massas da população, estas iniciativas eram apenas sinais. Sinais que, paradoxalmente, só foram confirmados em sua significação mais geral quando se verificou que a direção aberta por Fernando foi seguida por Lula. A história brasileira havia tomado, de fato, um novo rumo.

Ainda em 1995, numa reunião de intelectuais em Brasília, iniciativa de Luciano Martins, apresentei a mesma ideia numa conversa rápida com Adam Przeworski, da Universidade de Chicago. Mas Adam torceu o nariz. Para ele, polonês e herdeiro de uma historia de grandes convulsões, revolução, mesmo democrática, é outra coisa. E ele tinha razão se admitirmos que Europa e America Latina são realidades bastante diferentes. Nestas conversas, quem me passou uma impressão entusiástica foi Osvaldo Sunkel, economista chileno, da CEPAL. Como os chilenos em geral, Osvaldo tinha, mesmo antes da vitoria de Ricardo Lagos, uma aguçada sensibilidade para os requisitos da transição democrática. Depois da tragédia do regime de Pinochet, os chilenos aprenderam, como dizem, a "hilar fino", nos conceitos e na prática.

Os livros e artigos de Fernando Henrique lhe garantiram um merecido reconhecimento nacional e internacional. Sua vasta obra intelectual vem sendo estudada há anos por sua influencia no desenvolvimento da sociologia e da ciência política brasileiras. Mas é bem provável que daqui para diante, sua obra tenha que ser estudada pelos pesquisadores para entendermos melhor o significado da sua presença na História. São poucos os casos de uma conjunção tão completa entre pensamento e ação. A celebração dos seus 80 anos nos lembra que sua atuação na política significou, de fato, o começo da abertura de novos caminhos para a sociedade brasileira. E que as novas interpretações desse novo período estão apenas começando.

Cientista político, ex-ministro de FHC

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

FH:: Caetano Veloso

Aos 80, o Fernando Henrique que foi chamado de maconheiro pelos partidários de Jânio Quadros (um hilário populista de direita que falava como se os gramáticos que só existem na cabeça de Possenti tivessem ganho a guerra) faz campanha para a descriminalização da maconha. Na pré-estreia de "Quebrando o tabu" ele brincava com o plano de escrevermos juntos um livro-depoimento intitulado "fiz um filme com Fernando Grostein Andrade e sobrevivi". Era uma referência a um tempo irritada e carinhosa ao jovem diretor paulista que, antes de fazer com ele esse estudo demolidor da Guerra às Drogas de Nixon, Reagan e Bushes, fez o documentário acidental sobre minha excursão com o show de "A foreign sound".

FH estava mais cool do que nunca. Ele apresentou o filme no mesmo tom em que aparece numa de suas cenas dizendo que nada fez a respeito da questão quando era presidente porque então não sabia o que sabe agora. Seu melhor momento é quando comenta a temática pedestre da pintura holandesa, comparando-a aos arroubos religiosos e aristocráticos dos pintores italianos ou espanhóis: o pragmatismo que possibilita a mirada serena dos modernos batavos relativamente ao uso e comércio das drogas é da mesma natureza da sensibilidade que pintava comedores de batata, pessoas comuns, cenas indigentes. Nessa fala do ex-presidente a forma permanece despretensiosa, mas o fundo é denso. Em quase todas as outras sequências ele exibe uma leveza que quase confirma a acusação de mera eleição de um tema para enfeitar o terceiro ato de uma vida chique.

Eu adoro que o nome escolhido para a nova moeda tenha sido "real". É nome de dinheiro em português desde sempre: está no inconsciente do povo - e, usado hoje, ressalta que deixou de indicar realeza para indicar realidade. De todo modo era finalmente livrar nossa moeda da cruz que a nomeava e pesava sobre ela, esmagando-a. De quem terá sido a ideia? Não procurei saber antes de escrever estas notas. Sobre todos os nomes dos arquitetos do plano e nomeadores da obra paira a assinatura de quem liderou a empreitada. É uma beleza de alegria alguém chegar aos 80 anos tendo feito isso.

O PT foi contra, xingou, esperneou, esbravejou, mas depois se sentiu mais capaz de fazer os governos que fez. Uma das coisas mais deselegantes do Brasil da última década foi a rejeição ao nome e à figura de Fernando Henrique. A carta de Dilma agora foi, desde os belos dias da transição entre o segundo mandato de FH e o primeiro de Lula, a única luz na treva da ingratidão e da desfaçatez. Luz intensamente brilhante, já que Lula ele mesmo nunca agiu de modo parecido, sempre ecoando a feíssima fórmula "herança maldita", lançada por Zé Dirceu em entrevista que se seguiu à comovente festa da posse do torneiro pernambucano. O fato é que Fernando Henrique elegeu Lula. Não apenas este é feliz continuidade daquele, mas o primeiro agiu como quem no íntimo torcia para ver o operário lá. Serra não queria ser identificado com o governo que saía: não seria boa tática eleitoral. Mas a verdade é que ele discordava da política econômica, manteve-se sempre à esquerda dela, jamais teria feito o que Palocci fez (vejam que, mesmo agora, enfrentando Dilma, ele insistia em restringir mais a independência do Banco Central). O desejo íntimo de FH de que Lula se elegesse, no entanto, era visivelmente de outra ordem. Era emocional, sentimental, histórico-melodramático. Eu votei em Lula com sentimento semelhante - e chorei na cabine. Parece que não há oposição e que não há PSDB, porque toda a política possível desde então nasceu desse momento sentimental de FH. É bom.

Meu camarada André Nassif, economista, me explicou que pode-se dizer que o governo Lula recebeu sim uma herança má porque "no primeiro mandato do FH, houve uma estratégia de crescer e manter a inflação pós-Real baixa e sob controle com base em financiamentos externos (os economistas chamam isso de "crescer com poupança externa", estratégia que o professor Bresser Pereira, que se desligou do PSDB, tanto combate): acelerou-se a permissão para o livre fluxo de capitais de curto prazo. Isso, aliado a câmbio semifixo e a juros elevados, fez subir enormemente tanto a dívida interna como a externa. Tá bom: os tucanos com razão dizem que isso se agravou com a turbulência ocorrida durante a primeira eleição de Lula. Mas àquela altura as dívidas já eram bem elevadas". Papo de economista é assim mesmo meio difícil de entender. Mas gosto de ouvir quem fala assim (não em economês, mas de modo equilibrado). Nada a ver com a histeria dos "blogueiros progressistas".

Me contaram, na época, que FH falou meu nome na primeira entrevista como presidente. Uma vez, depois de um show em Brasília, ele me convidou para visitar o Alvorada. Gostei muito de ouvi-lo (e a Dona Ruth) sobre o significado simbólico do palácio - e da cidade. Também sobre as obras de arte que o Alvorada contém. Uma afirmação do Brasil era o cerne do que FH teria dito que gostava em minha visão das coisas. Como diz Zé Miguel, paulistas sentem ou um déficit de brasilidade ou uma superioridade sobre o país. FH falando à "Piauí" foi horrível. Parecia dizer: "Se eu, que estou acima dessa gente que nem sabe marchar, não consertei, não esperem que o Brasil saia do horror que sempre foi." Eram conversas descuidadas, embora tristemente reveladoras. Mas elas não se sobrepõem à inspiração que foi sua passagem pelo poder máximo.

FONTE: O GLOBO

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

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Governador do Rio infla PSD para ampliar base

Cabral tenta esvaziar oposição ao incentivar migração para nova sigla

Expectativa é de que novo partido atraia oito dos nove deputados do PR, do ex-governador Anthony Garotinho

Rodrigo Rötzsch

RIO - Reeleito com o apoio de uma coalizão de 16 partidos, o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), pretende esvaziar ainda mais a oposição no Estado com a ajuda do PSD, que está sendo organizado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

O governo Cabral está incentivando deputados do PR do ex-governador do Rio Anthony Garotinho a engrossarem as fileiras do PSD, que vai aderir à base governista.

Quando a criação do PSD for formalizada, 8 dos 9 deputados do PR devem migrar para o novo partido, restando apenas a filha do Garotinho, Clarissa, na oposição.

O PSD abrigará ainda a única deputada do DEM, Graça Pereira. Com isso, se tornará a 3ª maior bancada da Assembleia Legislativa, atrás de PMDB (12 deputados) e PDT (11), e à frente do PT (6), hoje o principal parceiro na coalizão de Cabral.

A adesão elevaria a bancada governista na Assembleia dos atuais 49 para 58 deputados, de um total de 70.

O apoio do PMDB à ida de quadros insatisfeitos em suas siglas para o PSD não se limita à Assembleia Legislativa. O partido chegou a assediar publicamente a vereadora tucana e presidente do Flamengo Patricia Amorim.

Agora, admite a possibilidade de que ela migre para o PSD como forma de evitar que o PSDB tente reaver seu mandato na Justiça.

Patricia foi citada pelo presidente estadual do PMDB, Jorge Picciani, como potencial candidata a vice-prefeita na chapa à reeleição do prefeito do Rio, Eduardo Paes.

A brecha pró-PSD pode se estender até a aliados: o secretário estadual de Trabalho e Renda, Sergio Zveiter (PDT), cogita concorrer à Prefeitura de Niterói em 2012, mas esbarra no prefeito e correligionário Jorge Roberto Silveira, que quer a reeleição.

As negociações entre PMDB e PSD incluem secretarias tanto no governo estadual quanto na Prefeitura do Rio para o PSD. Entre os nomes cotados para ocupar um cargo está o de Indio da Costa, candidato a vice-presidente na chapa derrotada de José Serra (PSDB) e principal articulador do PSD no Rio.

Em troca da entrada do PSD no governo, Indio desistiria de sua intenção de concorrer à Prefeitura do Rio no ano que vem, elevando as chances de reeleição de Paes.

As negociações entre PMDB e PSD ainda não estão concluídas e esfriaram após a crise dos bombeiros, mas os dois lados esperam um acordo antes da criação formal do partido, que deve acontecer até setembro.

O partido de Cabral descarta apenas incentivar a ida de nomes do próprio PMDB para o partido de Indio.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O “Codex cabralensis”

Flagrado em má conduta, o governador do Rio de Janeiro quer ajuda para escrever um código de ética. Pois não

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), vive a sua pior crise política desde que assumiu o cargo, em 2007. Nas últimas semanas, descobriu-se que ele mantém uma intensa troca de gentilezas com empresários que têm negócios milionários com o seu governo. Esses homens oferecem seus jatinhos e helicópteros para levá-lo a festas e viagens. O governador aceita, penhorado, e intercede por eles em suas relações com o governo federal e em suas andanças pelos labirintos da burocracia estadual. Entre os amigos de Cabral, estão o multimilionário Eike Batista, do grupo EBX, e Fernando Cavendish, da Delta Engenharia, que, na gestão dele, multiplicou por oito o faturamento proveniente de contratos com o governo do estado. Cabral pede ajuda. "Quero rever minha conduta. Vamos construir um código de conduta juntos. Vamos estabelecer os limites e ver o que há em outros estados do Brasil e no mundo." O pessoal gostaria mesmo é de ir junto nas viagens exclusivas pagas pelos amigos do governador. Para trabalhar não precisa convite. Com o intuito de colaborar, VEJA lista algumas fontes que podem facilitar a elaboração do "Codex cabralensis". O ideal é começar pelo Ética a Nicômaco, obra do grego Aristóteles. Ensina o sábio do século IV a.C.: “A política é a ciência do bem comum”. Aliás, não é preciso ir longe nem no tempo nem na geografia. As lições éticas estão por toda parte.

1. Constituição Federal, artigo 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Ou seja: viajar no jatinho de Eike Batista e, três dias depois, liberar uma licença ambiental para que ele construa um porto não é legal.

2. Resolução número 2 da Comissão de Ética Pública da Presidência- A autoridade não poderá aceitar o pagamento ou reembolso de despesa de transporte e estada, referentes à sua participação em evento de interesse institucional ou pessoal, por pessoa física ou jurídica com a qual o órgão a que pertença mantenha relação de negócio.

Ou seja: se o jatinho de Eike for usado para levar um político a uma festa em um resort da Bahia bancada por um empreiteiro com contratos com o governo estadual, é ainda pior.

3. Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal- É vedado ao servidor público ( ... ) o uso do cargo ou função, facilidades, amizades, tempo, posição e influências, para obter qualquer favorecimento, para si ou para outrem.

Ou seja: se o empreiteiro em questão for Femando Cavendish, da Delta, cujos negócios com o governo Cabral lhe renderam 127 milhões de reais em contratos sem licitação só em 2010, a festa pode virar uma dor de cabeça tremenda.

4. Código Penal, artigo 321- É considerado crime ( ... ) patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário.

Ou seja: constitui crime um governador telefonar para o presidente da República pedindo a ele que interceda em favor do empresário dono do jatinho para que ele obtenha direitos bilionários de exploração mineral - como Cabral fez em 2008, ao ligar para Lula e patrocinar os interesses de Eike.

Não é preciso, portanto, criar novos códigos de conduta. Basta segui-los.

FONTE: REVISTA VEJA

Entrevista Fernando Henrique Cardoso: "Covas era meu candidato"

Ex-presidente ainda diz que agiu certo ao ficar neutro na campanha de Serra

"O arcabouço da democracia está montado. a alma, não"

Para ex-presidente, País precisa de "convergência" para avançar e visão dualista de que PT é povo e PSDB é elite precisa acabar

Malu Delgado e Marcelo de Moraes

Horas depois da homenagem que recebeu do PSDB em Brasília na quinta-feira pela celebração de seus 80 anos, o ex-presidente recebeu o Estado em seu apartamento na capital paulista, em Higienópolis. O cansaço não encobria a felicidade evidente. Desabrido, pregou o fim da tensão com o PT - "é importante para a democracia" - e fez uma análise sobre a atual conjuntura, com a sensatez de sociólogo e a maturidade de ex-presidente. Sobre seu governo, enumera com orgulho os avanços que conquistou - e também os reconhece na Era Lula. A preocupação, hoje, é com a solidez da democracia. "O esqueleto está aí", diz. Mas ainda temos um longo caminho a percorrer.

O sr. lavou a alma nesta homenagem do PSDB aos seus 80 anos com o reconhecimento que faltou em momentos do passado?

(Risos). Não só hoje. Olha, hoje o meu partido se desdobrou em gentilezas, reconhecimentos. Foram muitos, do PT, de todos os partidos. Eu disse assim: Parece que eu morri, porque no Brasil só se elogia morto (Risos). Acho que o PSDB sempre me tratou bem, com carinho. O que tem é que às vezes, nas campanhas eleitorais, por razões de marquetismo (marketing), um opina uma coisa, outro outra, então... Nunca acotovelei ninguém para aparecer nem para buscar reconhecimento. É difícil julgar processos de mudanças que não são atos, sobretudo quando o outro que ganha quer se empenhar em fazer de conta que ele começou tudo. O que interessa mesmo para o homem público ou para o intelectual é o julgamento da história, que é feito quando você está morto. Não adianta nada. É melhor você ter isso que eu tive agora, vivo, do que saber o que vai acontecer no futuro. Pelo menos você diz: está bem, fui reconhecido. Claro que foi bom para mim. Não é só para mim. O que é bom no Brasil é não mantermos uma tensão permanente e desnecessária, que era o que estava acontecendo.

Uma tensão política, PT e PSDB?

Fla-flu, é. Isso não é positivo. Repito: a Dilma teve um papel, porque ela teve um gesto. Você pode dizer que é banal. Não é banal não. Ela mudou muito a ênfase do que se dizia, e também não foi além do necessário. Não foi para dizer que não temos divergências. Temos, mas podemos conviver de uma maneira civilizada. Isso é importante para a democracia. Essa tensão permanente é do pessoal que acredita que a mudança, hoje, ainda se dá por ruptura. Mas quando a sociedade é aberta, a mudança não se dá por ruptura, se dá por acumulação.

E o sr. acha que o responsável por isso foi o ex-presidente Lula?

Não só. Acho que foi o espírito de competição do PT num dado momento, que é normal. Preparei uma legislação para facilitar a transmissão de poder. Quando eu passei a faixa para o Lula eu tive emoção. As pessoas se esquecem, mas nas grandes greves eu estava lá ao lado do Lula. Mais para frente, nas Diretas Já, aqui, na Praça Charles Miller, o PT fez uma manifestação, e eu fui representando o PMDB. Eu não fui vaiado porque tive que dizer que o Teotônio Vilela tinha morrido. Daquele momento em diante começa esse tipo de atitude política, que tem a ver com a visão passada, de que só um partido vai mudar o Brasil, só uma classe é capaz de ter papel na história, e de que ficam predestinados a governar. Então quando eu ganhei duas vezes do Lula eu estava atrapalhando o destino histórico do Brasil. Essa é a percepção deles. Eu queria quebrar isso. Tínhamos convivido bem na transição. Esperava que dali em diante houvesse uma certa distensão. Mas, logo em seguida, o PT resolveu que o PSDB era o inimigo. O (José)Dirceu queria fazer uma aliança com o PMDB, não conseguiu, e fizeram aquela aliança que deu no mensalão. O mensalão é fruto dessa irracionalidade, da impossibilidade de ver que forças que eram mais próximas poderiam se entender em certas questões e que não seria preciso os meios que foram usados. A política no Brasil virou escândalo. Para ter vantagem eleitoral o PT tinha que pintar o PSDB como o da elite. Ora, isso é uma visão simplista. A diferença entre o PT e o PSDB é muito mais política. É como se tivesse prevalecido em setores importantes do PT a ideia leninista. Ou seja, tem um partido da classe historicamente capaz de mudar a sociedade, esse partido ocupa o Estado, e o Estado muda a sociedade. O PSDB é mais contemporâneo. A sociedade tem que ter peso equivalente ao do Estado.

Por que o PSDB não se liberta da pecha de elitista?

É curioso, porque é uma pecha fácil de se libertar. O PSDB ganha, na verdade, nos Estados em que há mais mercado, e o PT onde o Estado tem que ajudar muito porque o mercado é mais débil. Agora, nos Estados em que há mais mercado, o PSDB ganha também nas classes populares. Isso é uma imagem que tem que ser destruída. Deriva desta visão dualista que precisa acabar, que um elite, o outro povo. O Lula pertente à elite política, obviamente. Então essa é uma ideia falsa que o PSDB precisa encontrar mecanismos de destruição disso, enfrentando. Porque você não desfaz as coisas se ficar com medo. Quando você olha o salário mínimo real, aumentou desde o governo Itamar, com o Real, e seguiu no meu, e seguiu no do Lula. É cumulativo.

O sr. vê mais traços de continuísmo que inovação no governo Lula?

O tripé econômico está aí, mal ou bem. As agências regulatórias estão aí, umas funcionam outras não. Acho que o Lula deu amplitude muito maior aos programas sociais porque ele se beneficiou de uma conjuntura boa, mas não só por isso. Ele representava diretamente esse setor. O Brasil, no que diz respeito ao hardware, avançou muito. As empresas brasileiras são muito boas. A empresa estatal brasileira virou empresa. Deixou de ser repartição pública. Compete. Agora, falta muito no software. O esqueleto está aí. Isso vale para tudo. O arcabouço da democracia está montado; a alma, não. Porque você não tem ainda aquele sentimento que é básico na democracia de que pelo menos perante a lei nós somos todos iguais, apesar das desigualdades sociais. Aqui a lei não é igual para todos. Você não pode passar a mão na cabeça de quem transgrediu. Se há um lado que o Lula podia ter nos poupado é esse permanente de, se tem um deslize, ele dizer que não foi grave. No fundo, é uma coisa de cultura política. Está um pouco fora de moda de falar, mas faltam valores democráticos. Alguns foram introduzidos, como a ideia de que a igualdade econômica é importante. Houve dois momentos grandes da queda da pobreza. O primeiro foi o Real, consistente. Agora foi esse boom econômico atual, mais as bolsas (transferência de renda). Não gosto desta ideia de que falta um projeto nacional. É autoritário. Por isso que eu fiquei contente com essa pelo menos aparente mudança de atitude (com o gesto da presidente Dilma). Nas sociedades modernas, você tem que buscar algumas estratégias de adesão. Convergência não é adesão ao partido. Convergências sobre alvos comuns. E aqui temos que olhar para a frente. E não ficar simplesmente nos gabando do que já fizemos. Tem que crescer, tem que dar emprego, mas tem que entender o que vem pela frente. Nós não introjetamos efetivamente os desafios produzidos pelo meio ambiente. Se o Brasil quiser ser realmente um País de primeiro mundo, é educação, tecnologia, disciplina, cultura mais pragmática de produção. Temo que estejamos nos acomodando a voltarmos a ser uma grande economia produtora de matéria prima e minério. Está faltando uma certa praticidade e uma determinação de continuidade. Quando a política obriga a repartir muito, e a ter o zigue-zague, impede a continuidade da administração. Tem que evitar o butim do Estado.

O Congresso hoje não tem agenda própria. Isso preocupa?

As grandes decisões nacionais não passam mais pelo debate público. Há uma despolitização que é fruto, por um lado, da prosperidade - então as pessoas não têm que se mover tanto -, e por outro lado o fato de que houve uma acomodação sobre os problemas no sentido em que só um opina. Tem que repolitizar. Não transformar só em nomeio ou não nomeio. Tenho a impressão de que a presidente Dilma resiste um pouco a esse estilo de política.

Há riscos inflacionários - sobretudo no processo global - que possam afetar o desenvolvimento do País?

Sempre há (risco) no processo global com o que os EUA estão fazendo, que é inundar o mundo de dólares. Têm efeitos que podem ser inflacionários. Mas aqui a nossa inflação não vem só de fora para dentro, vem de dentro também. A expansão do gasto desordenada nos dois anos do governo Lula obrigou o governo atual a ter uma posição fiscal mais rígida. Com o Real criamos mecanismos de controle. Acho que dá para controlar se fizer uma política fiscal austera. Agora, se quisermos aumentar a produtividade, as reformas têm que voltar. Temos uma relativa desindustrialização no Brasil.

O sr. se engajou num debate importante sobre a regulamentação da maconha. A política brasileira é refém dos costumes?

Em geral a política é refém dos costumes. Esse debate, a meu ver, tem que ser na sociedade antes de ser na política. Não é hora de fazer esse debate no Congresso. É hora de fazer agitação na sociedade. Eu entrei nessa questão pelas minhas preocupações globais. Eu li um livro, de um amigo meu, o Moisés Naím, chama-se Ilícito, onde ele mostra a globalização do crime na década de 90. Tudo virou uma teia mundial e está tendo efeitos devastadores no planeta. Agora, criamos uma Comissão Global de Drogas. Fizemos um relatório muito importante, porque dá recomendações. Não é de liberar. É dizer: olha, cuidado, vamos tentar separar a maconha e combater o uso. Combater sem jogar na cadeia, combater o criminoso. Tirar do aspecto puramente repressivo e ir para a redução do dano.

Como presidente foi mais conservador do que gostaria? Fez revisionismos de seu governo?

Nenhum presidente tem liberdade para implementar o que deseja. Já disse inúmeras vezes que poderia ter desvalorizado o Real sem que explodisse o mercado. Quando? Não sei. Talvez em janeiro de 1997, antes da crise da Ásia. As pessoas falam: populismo cambial para ter reeleição. Que reeleição? Era medo da volta da inflação. Há outras coisas que poderia ter feito. Talvez eu tenha sido demasiado ambicioso em mandar muitas reformas. Talvez eu pudesse ter sido mais comedido. Muitas coisas talvez teria feito de outra maneira. Mas são águas passadas...

O sr. se arrepende de não ter se engajado na campanha do José Serra (em 2002) ? O sr. foi neutro. Se arrepende de não ter feito o que o Lula fez para Dilma?

Não me arrependo porque acho que o que o Lula fez foi errado. Você não pode jogar a máquina. O Estado é de todos. O presidente representa o Estado. Quando esse presidente entra na jogada e usa recursos do Estado, ele está favorecendo uma parte. E ele não pode fazer isso. O presidente, certas horas, tem que virar magistrado, ainda que seu partido perca. Seu partido tem que crescer por si. É claro que eu queria que o Serra ganhasse, mas não acho que deveria ter sido diferente. Vou dizer uma coisa que pouca gente refletiu sobre: o meu sucessor natural, do meu partido, morreu. Era o Mário Covas. Isso tínhamos já conversado. Na última conversa que eu tive com ele sobre esse assunto ele já não podia mais, porque estava doente. Então não tinha um sucessor natural no partido.

Se decidiu pelo Covas quando?

Olha, me decidi por ele quando houve a reeleição. O Mário era muito resistente à história da reeleição. Ele podia ser candidato, ele próprio, como poderia o Serra também, o Maluf e o Lula. Mas se opuseram. Eu compreendo isso. O Mário disse: então não vou me reeleger aqui. Ele era leal. Não atrapalhou a reeleição. Era contra, mas não atrapalhou. Disse que em São Paulo não concorreria. Eu vim a São Paulo. Disse: "Mário, você me desculpe, vai ter que ser candidato, ou então vamos perder a reeleição. Agora, tenha certeza de que, na próxima eleição, você é o meu candidato". Isso ninguém sabia.

Ele aceitou?

Ele não aceitou, propriamente. Talvez tivesse ficado meio desconfiado. Mas eu lembro que... o Pimenta da Veiga está vivo... Estou com um medo dessas coisas porque as pessoas vão morrendo e eu estou vivendo demais... Isso atrapalha... Não tenho a base de apoio. (Risos) O Mário foi ao (Palácio)Alvorada e o Pimenta foi com ele. Neste dia que eu disse: "Mário, agora temos que efetivar" (a candidatura). Foi nesse dia que ele me disse que não podia.

O sr. se lembra quando foi isso?

Em que ano que ele morreu? Foi 2001, por aí. Aí ficamos sem um sucessor natural. Como tomei a decisão, quando deixei o governo, de me afastar da política partidária para ser ex-presidente e não candidato a outras coisas, de alguma maneira eu deixei um espaço que abriu oportunidade para muita discussão interna. Não se estabeleceu uma hierarquia clara. Ficou sempre tensionada a sucessão. Seria pretencioso da minha parte dizer que se tivesse mais ativo eu imporia. Não sei. Não é meu temperamento e o PSDB não tem dono. Ou você tem uma liderança natural ou não vai. Eu virei presidente não porque eu quisesse. Foi por causa do Real. Ou era eu ou perdia. O Mário seria aceito porque tinha a liderança natural.

O caminho está mais pavimentado e natural para o Aécio Neves em 2014?

Está difícil prever isso hoje. Nós temos dois, três, até quatro pessoas que têm alguma aspiração e mérito para isso, que estão em posições diferentes. No fundo, quem é o candidato de um partido quando esse partido não tem dono? É aquele, que num dado momento, dá impressão à opinião pública de que ele é uma pessoa que pode ganhar. Agora temos que cuidar de eleição municipal. Depois, vamos ver quem, neste período, se firmou como líder nacional. O Serra já tem ressonância nacional, mas está fora do jogo de posições institucionais. O Aécio ainda não tem ressonância nacional, mas tem uma posição institucional forte no Congresso. O Geraldo (Alckmin) também, ou até o Marconi (Perillo). Qual deles vai, daqui a três anos, estar batendo com o sentimento do País? Quem é que sabe? Sofremos do mal da abundância. No PT só tem um, o Lula.

O sr. é a favor das prévias no PSDB?

Depende de como. Quem vota? Quem está qualificado para? Tem que definir melhor, com antecedência. É tarefa para a direção atual do partido.

Vivemos a falência do DEM, criação do PSD, e a dificuldade de sobrevivência da Marina Silva, que com 20 milhões de votos não conseguiu ficar no PV. O sr. diz que o voto não dá mais legitimidade sozinho. Como analisa o avanço das redes sociais - um exemplo é a repercussão do metrô de Higienópolis - e as respostas da classe política a isso?

Diga-se de passagem que eu sou ultra favorável ao metrô de Higienópolis, viu! Hoje, nesse tipo de sociedade, aberta e moderna, a mensagem é muito importante. O Obama não tinha probabilidade de ganhar da Hillary na primária. Ganhou na mensagem. Coisa simples: Yes, we can. A Marina é um pouco isso. Ela tem uma trajetória e tem uma mensagem. Será suficiente para isso galvanizar? Não sei. Mas isso mostra que realmente hoje se você for fiado apenas nos mecanismos tradicionais pode não chegar lá. A Dilma chegou fiada no carisma do Lula. Essa questão da deslegitimação da representação é complicada, porque você não tem uma democracia sem instituições. E as instituições parece que estão indo para um lado e a opinião vai para outro. A agenda da internet é uma, a do Congresso, quando tem, é outra, e a do governo é outra. A internet explode, mas não constrói. Os partidos vão ter que continuar existindo. As instituições vão ter que continuar existindo. Como é que você faz com que elas se acasalem é que é o problema. Naquele meu artigo que deu tanta polêmica, o que eu estava querendo dizer era isso. Olha, têm novas camadas aí. São radicais livres, estão soltos, não têm representação. Votam, mas não se sentem representados. Nossa cultura é de comando, e a cultura moderna é de persuasão. Então esse caminho nós temos que percorrer ainda.

"Se não domesticar, a angústia da morte te paralisa"

"Não tem solução. A angústia é parte da condição humana", constata Fernando Henrique, que após oito décadas de existência exibe a serenidade dos que driblam os conflitos da existência e convivem com a morte. Só na semana passada, lembra ele, dois amigos se foram: o ex-ministro Paulo Renato Souza e Juarez Brandão Lopes. "Sem falar outras mortes na família, a da Ruth."

"Você tem que dar sentido à vida. Ela não tem sentido em si. E cada um vai ter que dar o seu sentido à vida. E vai sofrer para encontrar. E vai ter que funcionar sempre um pouco como os existencialistas pensavam sobre a angústia da morte. Você tem que, ao mesmo tempo, domesticar essa angústia da morte, porque senão ela te paralisa", diz, encarnando a emoção que se mistura com a racionalidade do sociólogo.

Fernando Henrique, aliás, é pura emoção. Disse, na festa do PSDB, um "eu amo vocês" em alto e bom som. "Cada um de nós terá os seus mortos-vivos. Talvez isso arrefeça um pouco a angústia. Mas sempre haverá angústia, porque você não tem respostas para muitas coisas."

E a receita dessa existência sem respostas, prega, é o convívio humano. "Você não vive sem amizade, sem amor, sem adversidade. Quanto mais você fica velho e, portanto, mais maduro - eu espero, e sem apodrecer - você tem que valorizar mais a felicidade, a amizade, essas coisas, que no começo da vida são secundárias. Você continua querendo mudar o mundo, mas sabe que as pessoas contam."

E as reflexões são transpostas para a política: "No que vai dar tudo isso? Não sei. Mas não vai ser como no passado. Não vai voltar".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO