quarta-feira, 29 de junho de 2011

Opinião – Alfredo Reichlin : Dos programas aos sujeitos

Em todo caso, a crise da democracia representa o problema central do mundo atual. E é o resultado não da mundialização em si, mas do modo pelo qual ela está procedendo, isto é, como causa e efeito de um desequilíbrio crescente entre a potência de uma economia mundializada e o poder da política privada dos seus instrumentos fundamentais (o velho Estado nacional como última instância de decisão diante de uma economia no passado amplamente doméstica).

Chegamos assim ao ponto que me interessa discutir: como pensamos enfrentar este problema? Só aventando novas instituições supranacionais (certamente, isso também), ou então encarando, finalmente, o modo pelo qual muda o papel da política em sociedades que a rede de comunicação une, compara, mas cujas grandes diferenças, precisamente por isso, revela? E isso torna difícil estarem juntas. É uma questão muito nova em relação a toda a nossa experiência histórica. Trata-se, essencialmente, do problema de como representar e dar poder a uma humanidade que se vê diante de uma multiplicidade de oportunidades e riscos, de exigências e demandas que se produzem numa escala muito ampla, que supera os velhos limites. As respostas são difíceis, mas uma coisa me parece clara: não bastará entregar-se ao mercado que se autorregula nem à tradição social-democrata. Será preciso ir mais ao cerne dos problemas sociais e culturais. Partir deles em nome de uma visão mais alta do interesse geral e, portanto, de uma nova ideia do progresso humano. Depois de meio século — goste-se ou não — volta à baila este grande tema.

Alfredo Reichlin foi membro da secretaria, da direção e do comitê central do PCI, além de responsável pelo Departamento Econômico e ministro do “governo sombra” daquele partido. Foi também presidente da Direção Nacional dos DS (Democratas de Esquerda). Esteve à frente da comissão responsável pela redação do “Manifesto dos valores” do PD (Partido Democrático), aprovado em 2008. Dirige a Fondazione Cespe — Centro Studi di Politica Economica, em Roma, na revista Italianieuropei, em 14/03/2011. Gramsci e o Brasil, junho de 2011.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO

Com R$ 4 bi do BNDES, surge 3ª maior empresa
Governo quer reduzir pensão por morte
Dilma enfrenta sua base e não libera emendas
Lagarde é eleita para dirigir FMI
Governo aprova sigilo em obras da Copa

FOLHA DE S. PAULO

BNDES libera R$ 4 bi para Abílio comprar o Carrefour
Câmara muda regra de obra da Copa
Fiesp diz aceitar aviso prévio de até dois meses
Francesa será 1ª mulher a chefiar o FMI; Brasil espera reformas
Governo vai fixar metas de atendimento para o SUS

O ESTADO DE S. PAULO

Fusão de Pão de Açúcar e Carrefour pode ter até R$ 4,5 bi do BNDES
Grampo indica lobby no Planalto por chineses
Gays obtêm mais uma vitória
Descoberta maior área do pré-sal em Campos

VALOR ECONÔMICO

Diniz busca R$ 3,9 bi no BNDES para megafusão com Carrefour
Commodities representam 71% do valor exportado
TST inova e faz audiência pública sobre terceirização
Falta sentido de urgência para ver os juros com perplexidade
Na Olimpíada, uma antevisão da crise grega

ESTADO DE MINAS

Fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour é negociada
Governistas ameaçam parar Câmara

CORREIO BRAZILIENSE

Servidor só pode ganhar até R$ 26.713
Wikileaks candango
Após São Paulo, Brasília celebra 1º casamento gay
Tortura
Governo joga a Fifa para escanteio

ZERO HORA (RS)

Piratini reconquista base e aprova reforma na previdência gaúcha
Empresa do RS fecha contrato milionário com Petrobras

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Governo avalia providências para Noronha

O DIA (RJ)

Bombeiros anistiados

EXTRA (RJ)

Alerj: reajuste e anistia a bombeiros
Eles dão os heróis da resistência

Governo aprova sigilo em obras da Copa

Após votação de mais de quatro horas, o governo manteve o sigilo das obras da Copa e informará o custo dos projetos, antes da licitação, apenas aos órgãos de controle. A Fifa e o COI não poderão pedir mudanças que encareçam os empreendimentos.

Governo vence na Câmara e mantém regime especial para obras da Copa

Superpoderes da COI e da Fifa foram retirados na medida provisória

Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. O governo derrubou ontem no plenário da Câmara dos Deputados os cinco destaques apresentados ao texto-base aprovado no dia 15 de junho e garantiu a aprovação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) nas obras da Copa e das Olimpíadas, numa votação que durou mais de quatro horas. Para reduzir resistências e preparar o texto para aprovação no Senado, o governo conseguiu aprovar a retirada dos superpoderes da Fifa e do Comitê Olímpico Internacional (COI). Pelo artigo 39, as entidades poderiam fazer aditivos a qualquer momento às obras sem limitação de preço, conforme prevê a lei das licitações. DEM e PSDB, que resistiam, após a votação dos destaques deram aval à proposta - que, de mérito, é proibida naquele estágio de votação.

Os dois principais destaques propunham a supressão integral do RDC da Medida Provisória (MP) 527 e a derrubada da contratação integrada. Esta, ao dispensar a apresentação de projeto básico, que poderá ficar a cargo do vencedor da licitação, é o coração do regime diferenciado. No primeiro caso, o destaque foi derrubado por 264 votos a 88. No segundo, por 247 a 83.

Não passou ainda a extensão do RDC a todas as obras de infraestrutura, destaque de autoria do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ). As outras duas propostas alteravam questões pontuais nos artigos do regime e também não foram aprovadas. Outros destaques, que seguiam sendo apreciados após às 22h, se referiam á criação da Secretaria de Aviação Civil (SAC), tema original da MP 527.

Ainda há sigilo em casos de segurança nacional

Seria apreciada ainda, ao final da votação dos destaques, uma emenda de redação ao artigo que trata do sigilo do orçamento das obras no momento da licitação. Dentro da estratégia de tentar aumentar a transparência do texto para reduzir as resistências ao item - especialmente dos senadores, que votarão a matéria em seguida -, o Palácio chancelou esta alteração no projeto, conforme acertado e anunciado na véspera após reunião de coordenação no Palácio.

O novo texto para o artigo 6 diz que a informação (preço estimado pelo governo para a obra) será colocada "permanentemente" - e não mais estritamente, como na redação original - à disposição dos órgãos de controle. Mesmo com essa troca, integrantes da oposição alertavam que o artigo 15 permite a manutenção do sigilo "em casos de segurança nacional". O orçamento será "divulgado" (e não mais fornecido) "apenas e imediatamente" após o encerramento da licitação (e não mais somente, como na redação original).

O líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), disse que o importante para o governo era manter três princípios:

- Para nós, o importante é o sigilo, a contratação integrada e o pregão (eletrônico).

A oposição criticou a criação do RDC e a manutenção do sigilo do preço.

- Fazer essa alteração na redação não resolve o problema. Há ainda a questão de não haver projeto básico. Por que um regime diferenciado para Copa e Olimpíadas? _ disse o líder do DEM, ACM Neto (BA), com a concordância do líder do PSDB, Duarte Nogueira.

Hoje, o ministro do Esporte, Orlando Silva, vai à Comissão de Infraestrutura da Casa para abrir o diálogo e facilitar a tramitação entre os senadores.

FONTE: O GLOBO

Com R$ 4 bi do BNDES, surge 3ª maior empresa

O grupo Pão de Açúcar, do empresário Abílio Diniz, e o francês Carrefour anunciaram ontem uma fusão que cria uma gigante de R$ 65 bilhões em faturamento, ficando como a terceira maior empresa de capital aberto do país, atrás só de Petrobras e Vale. Além disso, a empresa abocanhará 32% das vendas do varejo brasileiro, longe dos 11% do Walmart, segundo colocado. O Novo Pão de Açúcar terá como sócios o BTG, do banqueiro André Esteves, e receberá R$ 4 bilhões do BNDES. Para aprovar o negócio, além de convencer as autoridades brasileiras, Diniz precisa aval do francês Casino, seu sócio desde 2006 e que declarou o negócio ilegal. Ações do Pão de Açúcar subiram 12,6% ontem

Saída à francesa

Com dinheiro do BNDES e sem aval de sócio, Abilio Diniz negocia fusão com rival Carrefour

Ronaldo D"Ercole e Paulo Justus

Menos de dois meses depois de ter as relações com o sócio francês Casino estremecidas, por causa do vazamento de conversas sigilosas que o empresário Abilio Diniz vinha mantendo com o Carrefour, o grupo Pão de Açúcar fez ontem uma oferta formal para a fusão de suas operações com as do Carrefour no Brasil. Oficialmente, a proposta de fusão foi apresentada à matriz do Carrefour em Paris pelo banco BTG Pactual, que entraria no negócio como investidor. Juntos, Pão de Açúcar e Carrefour formariam uma nova gigante do varejo brasileiro, com faturamento de mais de R$65 bilhões anuais e participação de 32% nas vendas totais do varejo brasileiro. Mas, para avançar, a operação dependerá da aprovação dos Conselhos de Administração de Carrefour e Casino, arquirrivais na França. A união das empresas também terá que passar pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Em nota divulgada ontem, porém, o Casino, que já havia recorrido à Câmara Internacional de Comércio (ICC) contra o sócio Pão de Açúcar, reafirmou que considera o passo dado por Diniz ilegal e que fará valer seu poder de veto. Do lado do Carrefour, a fusão já teria recebido sinal verde do corpo executivo, restando sua aprovação no Conselho de acionistas. No fim do ano passado, a matriz da rede francesa descobriu um rombo de R$1,2 bilhão na filial brasileira, e desde então enfrenta pressão dos acionistas para se desfazer do negócio no Brasil.

Nova empresa será a 3ª em faturamento

A operação estruturada pelo BTG Pactual, junto com a Estáter, uma butique de investimentos que há anos trabalha com o Pão de Açúcar, prevê o aporte de dinheiro público, via BNDESpar, o braço de equity do banco de fomento, que entraria com R$3,91 bilhões por uma fatia de 18% no capital do Novo Pão de Açúcar (NPA), nome da holding que comandaria os negócios integrados das duas redes de varejo.

- Quando procuramos a Estáter, há um mês, a operação estava formatada e o BNDES fazia parte. Trouxemos apenas nossa visão de governança e ajudamos a estruturar financeiramente o negócio - diz Carlos Fonseca, chefe da área mercantil do BTG Pactual.

Caso o negócio seja aprovado, a consultoria Austin Asis concluiu que a união do Pão de Açúcar com o Carrefour criará o terceiro maior grupo do país em faturamento (R$65 bilhões), superado só por Petrobras e Vale. Com isso, vai ultrapassar gigantes como JBS, Odebrecht e AmBev. Para o economista-chefe da Austin Asis, Alex Agostini, a fusão poderá ser um passo do Pão de Açúcar na internacionalização.

De acordo com o fato relevante enviado pelo Pão de Açúcar à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o banco comandado por André Esteves entraria no negócio com um aporte direto de R$690 milhões e ficaria com 3,2% das ações da NPA, além de um empréstimo de R$1,15 bilhão para financiar o processo de fusão. Esse aporte teria como contrapartida a emissão de dívida (debêntures ou outro título) por parte da NPA.

Com os aportes do BTG e do BNDES haveria uma diluição das participações acionárias tanto da família Diniz quanto do Casino, que cairiam dos atuais 21,4% e 37% do capital total para 16,9% e 29,8%, respectivamente. No processo de reestruturação societária, ainda, todas as ações da NPA serão ordinárias (ON). Assim, as ações preferenciais (PN) do Pão de Açúcar seriam trocadas na razão de uma PN por 0,95 ON.

Esse modelo de governança implicaria a implosão da Wilkes, a holding que reúne as participações ordinárias (com direito a voto) de Abilio Diniz e do Casino, por meio da qual controlam as operações do Pão de Açúcar. Pelo acordo de acionistas que rege a Wilkes, ainda, hoje Casino e Diniz têm fatias iguais, de 50% na holding, mas a partir de 2012 os franceses terão o direito de ter maioria no capital, o que lhe dará o controle sobre o Pão de Açúcar.

- O acordo de acionistas entre Diniz e Casino não seria alterado - diz Souza, da Estáter, reconhecendo que a Wilkes votaria com os demais acionistas nas assembleias da NPA.

Em face do mal-estar que tomou conta das relações de Diniz com a cúpula do Casino, Souza destaca.

- Não é uma proposta hostil, pois está sujeita à aprovação do Conselho e da Assembleia de Acionistas dos grupos (Casino, Carrefour e Pão de Açúcar), que têm prazo de 60 dias para se manifestar - diz Souza, lembrando que no BNDES a operação já foi enquadrada, dependendo ainda de aprovação da diretoria executiva.

Outro ponto que chama a atenção na proposta é que os sócios da NPA, inclusive o BNDES e o Casino, seriam o maior acionista individual da varejista francesa, com 11,7% do capital do Carrefour. Isso daria à NPA o direito de indicar dois membros do Conselho de Administração do Carrefour. No Brasil, a NPA teria autonomia para conduzir a gestão das operações integradas de Pão de Açúcar e Carrefour, nomeando todos os seus executivos, e ainda indicando o presidente do Conselho.

A união das operações de Pão de Açúcar e Carrefour, na proposta apresentada ontem, traria ganho operacional de R$1,6 bilhão ao ano.

- Essas sinergias são possíveis e fáceis de serem alcançadas, o que faz dessa operação um jogo de ganha- ganha - afirma Fonseca.

Ações disparam 12,6% na Bolsa

Questionado sobre a crise entre Diniz e o Casino, Souza, da Estáter, confirmou que há mais de seis meses o empresário conversava com a Blue Capital, o principal acionista do Carrefour. Mas que só em maio houve acordo de que a associação no Brasil seria interessante. Dois dias depois, a informação vazou e os dirigentes do Casino não mais falaram com Diniz.

A perspectiva de ganhos de sinergia e da criação da maior varejista do Brasil impulsionou ontem as ações PN do Grupo Pão de Açúcar (Companhia Brasileira de Distribuição, CBD), que dispararam 12,64% ontem, para R$73,25, a maior alta do Ibovespa. Em apenas um dia, o seu valor de mercado subiu R$2,1 bilhões, para R$18,9 bilhões. Até segunda-feira, o papel caía 5,35% no ano. A Bolsa de Valores de São Paulo teve um segundo dia de reação, com alta de 1,78%, aos 62.303 pontos, devido ao bom humor externo e à esperança de alívio na crise da Grécia. Já o dólar comercial recuou 1,12%, a R$1,578.

Colaboraram Lucianne Carneiro e Ramona Ordoñez

FONTE: O GLOBO

Dilma enfrenta sua base e não libera emendas

Apesar das ameaças de rebelião da base aliada no Congresso, a presidente Dilma avisou ontem a senadores que, em nome da austeridade fiscal, não prorrogará o prazo do decreto que libera R$ 4,6 bi de restos a pagar em emendas. Mas cobrou fidelidade da base

Dilma enfrenta a base, mesmo sob pressão, e defende austeridade fiscal

Apesar da ameaça de rebelião de aliados, presidente não prorroga emendas

Maria Lima, Gerson Camarotti e Isabel Braga

BRASÍLIA. Determinada a não ceder às ameaças de paralisação das votações, a presidente Dilma Rousseff resolveu enfrentar a anunciada rebelião de sua base. Num dia decisivo de votações, mandou a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, levar duro recado ao Congresso: em nome de seu compromisso com a austeridade fiscal, não vai prorrogar o decreto de liberações de R$4,6 bilhões de restos a pagar de emendas de parlamentares, e quer fidelidade da base para aprovar medidas de interesse do governo.

Nos encontros com líderes e presidentes das duas Casas, Ideli ouviu ameaças de que a base pode fazer corpo mole e a chamada obstrução branca - ausência do plenário - para impedir a votação de medidas provisórias importantes que caducam nos próximos dias, caso o decreto não seja prorrogado. Ele vence amanhã, o que significa que emendas ao Orçamento de 2009 no montante de mais de R$4,5 bilhões caducam a partir de sexta-feira.

Durante um almoço com nove senadores de PSB, PDT e PCdoB no Alvorada, Dilma foi alertada sobre a rebelião na base por causa da não prorrogação do decreto, mas foi taxativa e disse que vai "enfrentar", porque, se flexibilizar agora, toda a credibilidade do governo em relação a cortes de gastos, ajuste fiscal e austeridade vai por água abaixo.

- Vou enfrentar essa rebelião! Não tenho outro caminho. O ajuste fiscal é um preceito fundamental para a credibilidade do governo, controle inflacionário e estabilidade econômica. Não abro mão disso, porque, se flexibilizar agora, será um péssimo sinal. A mensagem negativa de afrouxamento virá carregada do simbolismo de que o governo está abrindo mão do ajuste fiscal - respondeu Dilma, quando a senadora Vanessa Graziotin (PCdoB-AM) e outros senadores falaram sobre insatisfação e rebelião por causa do cancelamento das emendas.

No meio do almoço, Ideli chegou do Congresso, onde havia participado de reuniões pela manhã. Dilma quis saber o resultado das primeiras conversas e os entendimentos para a aprovação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas para a Copa (RDC). Ideli pediu então cinco minutos de conversa reservada. Passados alguns minutos, Dilma voltou muito tensa e irritada para a reunião com os senadores, e desabafou:

- Estou me sentindo pressionada a tomar decisões que não devo tomar em beneficio dos interesses nacionais!

Um dos presentes perguntou:

- Pressionada por quem?

Dilma só apontou para Ideli, deixando claro que era pelo Parlamento. E reafirmou a disposição de comprar a briga, mas explicando que não estava indo para o confronto.

- Não se trata de um confronto com o Parlamento. Mas tenho um compromisso com o país e com a austeridade fiscal. Tivemos muito trabalho para conquistar isso e não podemos agora dar um sinal de fragilidade. Vamos zerar tudo (emendas velhas), e daqui para frente os parlamentares serão contemplados com emendas que serão aprovadas, efetivadas e pagas - prometeu Dilma.

FONTE: O GLOBO

Muito além de obras: Delta também tem contratos com a Cedae, sem licitação, para medição de consumo de água

Carla Rocha, Elenilce Bottari, Fabio Vasconcellos e Ruben Berta

RIO - Uma das campeãs em obras no estado, a Delta Construções não limita seus ganhos a construções. Em maio de 2004, em parceria com outra empresa, a empreiteira assumiu quase 80% do sistema de medição de consumo de água da Cedae. Os novos hidrômetros - que causaram dor de cabeça a muitos consumidores, principalmente em 2006 - renderam até hoje pelo menos R$ 377 milhões em contratos para o consórcio Novoperação, formado pela Delta e pela Emissão Engenharia e Construções. Após seis anos estendendo o contrato com termos aditivos - prazo máximo permitido por lei -, o estado contratou, a partir de maio do ano passado, sem concorrência e sob a alegação de emergência, o mesmo grupo por mais um ano. Somente sem licitação foram R$ 49,8 milhões do total de R$ 377 milhões. Os serviços incluem a instalação e a leitura de hidrômetros.

Após contrato, empresas se uniram

Um segundo consórcio está com os 20% restantes do serviço desde maio de 2004: o Acqua Rio, formado pela GMF (Gestão de Medição e Faturamento) e pela Sanear. Até hoje, essas empresas receberam R$ 104 milhões em contratos, sendo R$ 15,4 milhões sem licitação desde maio de 2010. O detalhe é que, em junho de 2004, um mês após o início dos serviços para a Cedae, as quatro empresas que formam os consórcios se uniram, formando uma quinta: a Desg. A sociedade foi desfeita em agosto de 2006 na Junta Comercial.

Como o contrato feito com a Delta foi assinado em 24 de maio de 2004, esgotou-se em 24 de maio de 2010 o prazo "para casos excepcionais" da Lei de Licitações, de seis anos de prorrogação. Em nota enviada ao GLOBO, a Cedae chegou a informar que lançou um novo edital de concorrência para o serviço somente em 1 de junho de 2010. Depois da nota, no entanto, o presidente da Cedae, Wagner Victer, informou que o lançamento ocorreu em 25 de março de 2010.

A alegação da Cedae para a contratação dos consórcios sem licitação por um ano foi que o TCE pediu para analisar o texto do edital, o que só foi concluído em maio deste ano. Segundo a companhia, o serviço não poderia ser interrompido. O TCE confirmou que pediu mudanças no edital, mas informou que ainda está analisando se as dispensas de licitação foram regulares. Atualmente, há uma concorrência em andamento.

O presidente da Cedae frisou que, quando chegou ao cargo, conseguiu desconto de 10% nos contratos. E que, no ato de dispensa de licitação, foram concedidos mais 5%. Sobre o novo edital ter sido elaborado em cima do fim do prazo máximo permitido, ele alegou que é um texto complexo.

- Hoje, mesmo com a dispensa de licitação, pagamos menos que São Paulo e Santa Catarina. E no edital que elaboramos uma empresa não poderá levar mais do que um dos três lotes - disse Victer, admitindo, porém, que a Delta está concorrendo sozinha desta vez e que sua ex-sócia poderá concorrer separadamente.

A Delta alegou que se associou às empresas do Acqua Rio para haver "padronização de procedimentos". Sobre seu conhecimento na área de medição de consumo, a empresa informou que, "com o objetivo de diversificar sua atuação na área de serviços contínuos (...), se associou à Emissão Engenharia e Construções, que já tinha experiência neste (...) trabalho".

O serviço de medição de consumo perturbou o sono de cariocas como a moradora de Brás de Pina Ana Maria Ribeiro, que chegou a receber contas de água de R$ 8 mil em 2006:

- Como houve erro de leitura, foi preciso fazer um cálculo do consumo médio para fechar um acordo.

As relações da Delta com a Cedae estão na mira da Alerj. O deputado Marcelo Freixo (PSOL) encaminhou representações ao Ministério Público e ao TCE pedindo investigações:

- Cabe investigar todas as alterações e prorrogações de contrato.

TCE: Delta tem 51 procedimentos irregulares em obras de 2002 a 2007

O Tribunal de Contas do Estado concluiu na terça-feira um levantamento sobre os processos que envolvem a Delta Construções e que já foram julgados pelos conselheiros. Segundo o órgão, os técnicos encontraram 51 procedimentos (entre contratos e termos aditivos) irregulares, cujas obras foram realizadas pela empreiteira.

Todos os procedimentos são relativos ao período de 2002 a 2007, e apenas a obras realizadas no interior do estado. O TCE alegou que os procedimentos que deram entrada após 2007 - portanto já no governo Cabral - estão em análise e ainda não foram a julgamento. Como O GLOBO mostrou na semana passada, no período de 2007 a 2010 a Delta Construções ganhou contratos que somam R$ 1 bilhão no estado. A empresa pertence ao empresário Fernando Cavendish, que comemoraria seu aniversário num resort no Sul da Bahia com o governador Sérgio Cabral, no último dia 17.

De acordo com o levantamento feito pelo TCE, dos 51 procedimentos irregulares encontrados, que somam mais de R$ 7 milhões, 24 foram assinados com a prefeitura de Angra dos Reis. Um dos contratos foi para a implantação do sistema de esgotamento, drenagem e pavimentação de ruas da cidade. A obras custaram cerca de R$ 3,6 milhões e foram autorizadas em março de 2002. O TCE não detalhou a irregularidade encontrada no contrato. Os termos aditivos a esses contratos também foram considerados ilegais pelo tribunal.

São Gonçalo é a segunda cidade com o maior número de obras da Delta que o TCE encontrou irregularidades. Foram 12 procedimentos. Um deles foi o contrato de 28 de 2002, cujo objetivo era a prestação de serviço de engenharia para a recuperação e implantação de drenagem e pavimentação de ruas no valor de R$ 1 milhão.

A morosidade do TCE para julgar os procedimentos explica em parte a ausência de processos envolvendo a Delta após 2007. Somente os processos da construtura em Angra levaram sete anos para serem apreciados pelos conselheiros. No caso de São Gonçalo, o TCE levou quatro anos para definir se eram ou não irregulares os procedimentos.

FONTE: O GLOBO

Anistia para bombeiros é aprovada na Alerj

Líder do governo afirma que Cabral sancionará lei que livrará manifestantes de punições administrativas

Natanael Damasceno

RIO - A Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) aprovou, na noite desta terça-feira, em discussão única, o projeto de lei 664/11, que concede anistia administrativa aos "militares estaduais aos quais se atribuem condutas durante movimentos reivindicatórios por melhorias nos vencimentos e de condições de trabalho ocorridos entre abril e junho de 2011". A proposta, assinada por 50 deputados, beneficia diretamente os mais de 400 bombeiros e dois policiais militares presos após invasão ao Quartel Central dos bombeiros, no dia 2 de junho . Embora não estejam mais presos, eles ainda corriam o risco de serem punidos administrativamente. O texto, aprovado por unanimidade, com 60 votos, será enviado à sanção do governador Sérgio Cabral, que, segundo o deputado Paulo Melo (PMDB) - que anunciou e defendeu a proposta esta tarde - foi discutido com o próprio Cabral, que teria se comprometido a sancioná-lo.

"Hoje de manhã o governador me garantiu que sancionaria a proposta", anunciou, reforçando que a anistia era a meta do parlamento. "Um compromisso junto a uma categoria que tem um histórico de serviços prestados", definiu o deputado, em nota divulgada pela Alerj.

A resistência de Cabral em dar a anistia era um dos entraves às negociações entre o governo e os líderes do movimento que quer melhorias salariais para a categoria. Segundo Melo, a proposta vem sendo costurada há semanas com o governador. Segundo ele, o projeto deve ser votado ainda hoje.

A Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) aprovou também nesta tarde a antecipação das parcelas referentes aos meses de agosto a dezembro do reajuste aprovado há um ano para os policiais civis e militares, bombeiros e inspetores de segurança. O aumento, concedido em julho, foi de 5,58%. Segundo o líder do Governo na Alerj, deputado André Corrêa, propostas como a concessão de vale transporte aos bombeiros serão adotadas via decreto.

- Todas as emendas apresentadas representam aumento de despesa, ferindo a prerrogativa do Governo - alegou Correa.

Para entrar em vigor, o texto precisa ser sancionado pelo governador Sérgio Cabral.

No sábado, cerca de três mil bombeiros, de acordo com a polícia, apoiados por outros servidores públicos e seus parentes, fizeram uma manifestação na Praia do Flamengo, em frente ao Castelinho, na altura da Rua Dois de Dezembro . Acompanhados por dois carros de som, eles pediam melhores condições de trabalho nas áreas de segurança, saúde e educação. E recolheram assinaturas pela anistia dos mais de 400 bombeiros que invadiram o quartel central da corporação, no dia 3 de junho .

FONTE: O GLOBO

Governador dá incentivo de R$1 bi a doador de campanha

Cabral autorizou benefício para Michelin dois meses após doação; ele foi o único a receber contribuição de campanha da empresa

Italo Nogueira e Marco Antônio Martins

RIO - Dois meses após receber da Michelin R$ 200 mil em doação para sua campanha eleitoral, o governador Sérgio Cabral (PMDB) concedeu à empresa francesa benefício fiscal para expansão de sua fábrica em Itatiaia (RJ) no valor de R$ 1 bilhão.

Depois de ser reeleito, Cabral assinou, em novembro de 2010, decreto incluindo a empresa no RioInvest (Programa de Atração de Investimentos Estruturantes), voltado para a atração de investimentos de grande porte.

O programa permite acesso ao Fundes (Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social), que dá benefícios fiscais para implantação ou expansão de indústrias.

O peemedebista foi o único político no país a receber doação da empresa. Os R$ 200 mil foram depositados em setembro, segundo o Tribunal Superior Eleitoral.

O governo do Estado afirmou que não há relação entre os benefícios e a doação de campanha e que o investimento da Michelin vai gerar empregos. A empresa disse que solicitou a inclusão no programa em 2009 e que restam detalhes para o enquadramento (leia texto ao lado).

O benefício não sai diretamente dos cofres do Estado. É usado por meio de diferimento do ICMS (prazo maior para pagar o imposto) na importação e compra interna de máquinas.

A amortização do crédito tem prazo de 20 anos. As condições são semelhantes às das outras 19 empresas que acessaram o fundo, desde 1997, quando foi criado.

No governo Cabral, apenas Michelin e Ambev -que não fez doações a Cabral- foram autorizadas a ter esse financiamento. A segunda, no valor de R$ 92 milhões.

O projeto de expansão da fábrica da Michelin em Itatiaia, construída em 1979, existe desde 2008. O pedido de inclusão no RioInvest foi feito em janeiro de 2009.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Seis anos após o mensalão, Vladimir deixa o PT

Fundador do partido alega agora que volta de Delúbio Soares à sigla "faz com que todos se pareçam iguais"

Alessandra Duarte

Seis anos após o escândalo do mensalão, Vladimir Palmeira deixou o partido que ajudou a fundar há 30 anos. Em carta de desligamento entregue ao diretório municipal do PT no Rio publicada ontem em seu site, Vladimir, figura histórica da esquerda e lembrado como líder da Passeata dos Cem Mil no regime militar, diz que a razão para sua saída é a volta ao partido de Delúbio Soares, que era tesoureiro do PT no mensalão. Ao GLOBO, Vladimir afirmou que o retorno de Delúbio mostra que sua expulsão foi "só um remendo", e que o PT tem atualmente "problemas éticos e orgânicos".

- Um partido não pode funcionar se as pessoas que estão nele podem fazer o que querem - disse, destacando que a volta de Delúbio afeta a credibilidade de quem defendeu o PT. - Fui um dos que mais se expuseram defendendo o partido, pois isso afeta sua credibilidade. Se você fica dizendo uma coisa que depois não acontece... Passamos dois anos indo à TV dizer que o partido punia. Agora, é quase como dizer que não deveríamos tê-lo expulsado. O que houve então foi suspensão, não expulsão; venderam um peixe à opinião pública que não era verdadeiro. Dá a entender que a expulsão foi só um remendo e reflete problemas não só éticos, mas orgânicos do partido.

Na carta de desligamento, Vladimir diz que não está saindo por "divergências políticas fundamentais", mas porque "a volta ao partido de Delúbio Soares, justamente expulso no ano de 2005, me impede de continuar nele. Pela questão moral, pela questão política, pela questão orgânica". Na carta, destaca: "é evidente que houve corrupção. Não se pode acreditar que um empresário qualquer começasse a distribuir dinheiro grátis para o partido. Exigiria retribuição, em que esfera fosse. O procurador federal alega que são recursos oriundos de empresas públicas, sendo matéria agora do STF. Mas alguma retribuição seria, ou a ordem do sistema capitalista estaria virada pelo avesso".

Ainda na carta, o ex-deputado federal - que diz ter preferido esperar a crise com o ex-ministro Antonio Palocci passar para comunicar a saída - afirma que "o ex-tesoureiro não só agiu ilegalmente com relação à sociedade, mas violou todas as normas de convivência partidária, ao agir à revelia da Executiva Nacional e do Diretório Nacional. A volta de Delúbio faz com que todos se pareçam iguais e que, absolvendo-o, o DN esteja, de fato, se absolvendo. Ou, mais propriamente, se condenando".

Afirmando que não há chance de voltar ao PT, Vladimir - que antes de comunicar a saída conversou com petistas, mas preferiu não revelar com quem - diz que não pensa em ir para outra sigla, "só em dar aula e escrever na internet":

- Sempre fui um ser partidário. Agora não penso em nada. Uma vez na vida não faz mal.

Presidente municipal do PT no Rio, Alberes Lima disse que "as portas estão abertas" para Vladimir, e que as divergências dele "não foram com o diretório municipal, nem com o estadual, mas com o nacional".

FONTE O GLOBO

Marina libera aliados para se abrigar em outras siglas

Verdes usarão legendas temporárias em 2012

Bernardo Mello Franco

SÃO PAULO - De saída do PV, a ex-presidenciável Marina Silva autorizou os aliados a buscar abrigo temporário em outras legendas para disputar as eleições municipais de 2012.

A medida deve espalhar "marineiros" por partidos da base de apoio e da oposição ao governo Dilma Rousseff até que a ex-senadora funde uma nova sigla para concorrer ao Planalto em 2014.

Marina liberou as filiações após ser pressionada por aliados que temiam sair do PV e ficar sem legenda para disputar cargos de prefeito ou vereador no ano que vem.

Outros seguidores foram autorizados a permanecer no PV numa espécie de afastamento branco, sem rasgar a carteirinha partidária.

"A orientação é que cada pré-candidato busque abrigo no partido que lhe assegurar espaço na eleição", disse Maurício Brusadin, ex-presidente do PV em São Paulo.

Ontem, Marina se reuniu com integrantes do Movimento Marina Silva, que apoiou sua campanha à Presidência, e prometeu respeitar os acordos que forem fechados em cada Estado.

A tendência é que os "marineiros" se dispersem em várias legendas, sem distinção ideológica. Em São Paulo, já houve convite do PPS, que faz oposição ao governo federal. Em Pernambuco, o grupo é ligado ao PSB, que integra a coalizão de Dilma.

Marina pretende subir no palanque de prefeitáveis ligados à causa ecológica, mas pode ficar sem aliados nas maiores capitais. Seus pré-candidatos naturais no Rio, em São Paulo e Belo Horizonte não têm garantia de espaço em outros partidos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Marchas, abraços e contramarchas :: Marco Aurélio Nogueira

Foram três manifestações distintas. Todas na cidade de São Paulo e na mesma semana, como que encadeadas. A coincidência delas, ainda que não seja inusitada, sugere alguma reflexão.

Quarta-feira, dia 22, foi o dia do abraço coletivo na Paulista, concebido como "um gesto de amor à cidade e respeito ao próximo", além de um repúdio aos atos de violência contra homossexuais ocorridos recentemente na região. Centenas de pessoas deram-se às mãos ao meio-dia, caminhando simbolicamente na contramão da avenida, um dos maiores ícones da cidade e expressão perfeita da vida frenética, tensa e impessoal que tem feito a fama dos paulistanos. Bela demonstração de que por aqui também há ações cívicas no sentido mais básico da expressão, qual seja, o da conduta que busca compartilhar o desafio de construir uma ordem social justa, igualitária e governada por todos e para todos.

No dia seguinte, sob o embalo do Corpus Christi, foi a vez da Marcha para Jesus, promovida por igrejas e congregações evangélicas com o intuito de expressar publicamente a fé, o amor e a exaltação do nome do filho de Deus, que precisaria ser mais valorizado. Muitos milhares de pessoas foram às ruas proclamar "o Senhorio de Jesus", cantar e dançar ao som de bandas e cantores gospel. Diversas famílias aproveitaram para agradecer os milagres e as dádivas recebidas.

Pelo andar da carruagem, porém, o que se viu na manifestação foram mais trevas do que luz. Valendo-se do nome e da imagem de Jesus, a caminhada desfilou uma sucessão de ataques aos que são considerados os atuais piores "inimigos" da cristandade, verdadeiros aliados do demônio: os homossexuais, atacados em si, em seus direitos e em suas reivindicações. Puxada por pastores-políticos, a passeata não perdoou algumas instituições do País (o STF, antes de tudo) que, por se mostrarem sensíveis a temas tidos como tabus, deveriam ser vistas como auxiliares do processo de entronização de Satanás na Terra.

O ato foi festivo e familiar na formatação geral, mas teve um subtexto que lhe deu o tom de marcha fúnebre, uma contramarcha, triste na evolução e reacionária no objetivo. Deixou claro que a fé muitas vezes caminha abraçada com o fanatismo e o fervor obscurantista, veículos certos da intolerância e da discriminação. Para piorar, a marcha forneceu palco para campanhas políticas explícitas, deixando-se arrastar por elas.

Por último, fechando a semana, o domingo assistiu à 15.ª Parada Gay, festa alternativa que há anos contagia a cidade e a insere no circuito das mais avançadas lutas por direitos. São Paulo se acostumou e se identificou tanto com ela que chegam a surpreender as manifestações homofóbicas que ainda ocorrem entre os paulistanos. Os gays dão vazão em alto e bom som, de modo espalhafatoso, irreverente e alegre, muitas vezes chocante, a uma agenda sintonizada com o modo de vida atual, em cujo centro está um sempre mais ampliado desejo de liberdade. Põem-se no meio da democratização social em curso, processo que encontra resistência em hábitos seculares, manifestações de fé cega e fanática, postulações machistas de autoridade, fundamentalismos de todo tipo. A parada por eles organizada proclama um mundo estruturado pela diversidade, pela tolerância, pelo respeito à liberdade de cada um e aos direitos de todos, mundo que não existe de modo pleno, mas já dá mostras de sua potência civilizacional. O tema da parada 2011 fala por si: "Amai-vos uns aos outros: basta de homofobia!".

O registro das três manifestações mostra uma São Paulo de múltiplas comunidades e agendas, uma cidade plural, marcada pela diversidade - uma terra onde todos têm voz e se podem manifestar. A Marcha pela Descriminalização da Maconha, realizada semanas atrás, deve ser igualmente lembrada. A cidade condensa essa pluralidade em sua própria dinâmica, em seus bairros étnicos, em seu multiculturalismo, nos milhões de imigrantes europeus, escravos africanos, brasileiros de outros Estados, latino-americanos, que ajudaram a construí-la e cujos descendentes aqui permaneceram, amalgamados e pouco segmentados entre si. Uma cidade plural e sem guetos.

Com o passar do tempo São Paulo se tornou uma cidade hipermoderna, globalizada, que deslocou a vida tradicional, que prevalecia soberana, ainda que não com exclusividade. Basta lembrar que foi aqui que se realizou a Semana de Arte Moderna, em 1922, com a qual se anunciou o destino que estaria reservado à futura metrópole. Hoje a cidade avança sob os fluxos de uma vida mais "líquida", tecnológica, pouco controlável e dificilmente governada. Não deixou, porém, de ser capitalista nem conseguiu civilizar seu capitalismo, que continua responsável pela reiteração do que há de desigualdade, pobreza e alienação na cidade. A "vida líquida" prevalecente também não soterrou a "vida sólida" de antes, que encontra muitas maneiras de se reproduzir, recebendo oxigênio até mesmo do que a hipermodernidade produz de mais típico. A liberdade e a tolerância incentivadas pela "vida líquida", por exemplo, fazem a fé cega e as convicções rígidas da "vida sólida" se encrespar e sobreviver.

Gays e evangélicos, com suas marchas e contramarchas, mostram uma São Paulo em transição. O predomínio de um modo "líquido" de vida não produz imediatamente uma boa sociedade, nem mesmo uma sociedade melhor, pois oculta demasiadas distorções e injustiças, obriga a que se viva no risco e na incerteza, de maneira excessivamente frenética e fora de controle. Nem sequer facilita a mobilização social. Mas a "vida sólida" de antes não tem mais como nos dar segurança ou nos orientar, o que faz com que tenhamos de viver entre dois mundos, um que ainda não se afirmou plenamente e outro que pena para sobreviver.

Assim com São Paulo, assim com a maior do planeta. Bem-vindos ao século 21, no correr do qual estaremos imersos numa batalha para saber que eixo, que ética e que ideias estruturarão a "vida líquida" em que passaremos a viver.

Professor titular de Teoria Política da UNESP.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Sem convencer:: Merval Pereira

O ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, não deixou muitas saudades entre seus colegas no Senado com sua maneira arrogante de agir e suas vacilações políticas. Recentemente, em uma solenidade em Brasília, teve um desentendimento com o senador Antonio Carlos Valadares, do PSB de Sergipe, exigindo que lhe cedesse sua cadeira por se tratar de um ministro de Estado. Valadares não cedeu, e comentou depois que faltavam votos para o petista impor sua vontade.

Derrotado pela segunda vez para o governo de São Paulo, Mercadante ganhou de consolação o Ministério da Ciência e Tecnologia, que era um feudo político do PSB, e agora está às voltas com as críticas de um importante aliado do Planalto.

Ontem, no depoimento da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, onde tentou negar sua participação no episódio do dossiê dos aloprados contra José Serra na eleição de 2006, Mercadante se viu novamente diante de críticas do senador Francisco Dornelles, do PP do Rio.

Ele fez questão de avisar a Mercadante que não apoiaria um pedido de investigação a seu respeito, diferentemente do que fizera Mercadante quando José Sarney e Renan Calheiros, aliados do PMDB, estiveram sob fogo cruzado da oposição e o petista, líder do governo no Senado, piscou.

Na votação para salvar Renan Calheiros da cassação no plenário do Senado, ele se absteve e deu o sinal para que sua bancada seguisse o caminho que aparentemente era o mais fácil para cumprir as determinações do Planalto e não sujar as mãos publicamente.

Não ganhou o reconhecimento de Renan Calheiros, e perdeu credibilidade diante dos seus eleitores.

De outra vez, quando tentou uma manobra mais coerente com seu discurso e anunciou sua renúncia "irrevogável" em protesto contra a defesa do senador José Sarney pelo governo, a direção nacional de seu partido passou por cima dele como um trator, desautorizando-o publicamente, seguindo orientação pessoal do então presidente Lula.

Diante da reação pessoal de Lula, e depois de uma conversa de 5 horas com o então presidente, Mercadante deu o dito por não dito e revogou a irrevogabilidade de seu ato.

A versão de Mercadante, de que fora uma conversa "amiga e franca, relembrando momentos históricos dos últimos 30 anos", segundo versão mais crua vazada por fontes do próprio partido fora, na verdade, um "puxão de orelhas" do presidente Lula em seu pupilo, a quem teria dito: "Não dá para vacilar diante do primeiro embate. As alianças têm duas mãos".

O episódio dos aloprados na eleição de 2006, em que um grupo de petistas comprou dossiês contra José Serra, então seu adversário ao governo de São Paulo, e Geraldo Alckmin, candidato tucano à Presidência, já marcara sua vida política, pois seu principal assessor era o comandante da operação ilegal que ele alega até hoje ter sido montada à revelia.

Pois, como disse o senador Dornelles, "nada como um dia depois do outro". Mercadante, segundo revelação do burocrata petista Expedito Veloso, foi um dos líderes dos aloprados.

Quem se der ao trabalho de ouvir a gravação da conversa de Expedito com amigos petistas no site da revista "Veja", que divulgou a informação, verá que não há dúvida de que toda a operação partiu da necessidade de Mercadante de criar um fato político que levasse a disputa com Serra para o segundo turno, ocasião em que Orestes Quércia, que também financiou o dossiê, o apoiaria em troca de "um naco" do governo.

Expedito Veloso, hoje um assessor graduado do governo petista de Brasília, é didático na sua conversa gravada, e culpa Mercadante pelo fracasso da operação.

Segundo ele, se Mercadante não tivesse mentido dizendo que o dinheiro já estava todo arrecadado, Valdebran Padilha, um dos aloprados que foi a São Paulo juntamente com Hamilton Lacerda para comprar o dossiê, não teria sido preso.

Os aloprados, no entanto, tiveram que ficar quatro dias em São Paulo, e não duas horas como previsto, esperando que o dinheiro chegasse, e essa movimentação teria chamado a atenção da Polícia Federal.

Embora Mercadante afirme que a participação de Lacerda, seu braço direito na campanha, acontecera à sua revelia, Expedito, na conversa gravada, explica o raciocínio político por trás da compra do dossiê, ficando claro que a manobra correspondia a uma estratégia petista para beneficiar Mercadante.

Tanto é verdade que, na gravação, Expedito revela um "trabalho" anterior dos aloprados petistas, a divulgação de dossiês contra a ex-senadora petista Serys Slhessarenko e o tucano Antero Paes de Barros pelo ex-deputado federal Carlos Abicalil, hoje secretário de Educação Especial do MEC, cujo sucesso os levou a arquitetar o plano contra Serra.

E explica a ligação: "O Valdebran (Padilha) foi coordenador financeiro do Abicalil".

O petista já tentara desqualificar a gravação obtida pela "Veja", alegando que Expedito emitira nota negando tudo.

O que Expedito diz na nota é que nunca revelou nenhum nome em seus depoimentos, o que pode ser verdade. Ele só citou Mercadante e os demais envolvidos na tramoia em conversas informais, que foram gravadas e cujo conteúdo ele confirmou ser verdadeiro.

Outra revelação, a de que a atual ministra das Relações Institucionais Ideli Salvatti, então líder do PT no Senado, participou de reuniões sobre o dossiê e ajudou a divulgá-lo extraoficialmente para alguns jornais, é desmentida pela metade.

Ideli admite que participou de reuniões no gabinete de Mercadante, com a presença de diversos dos aloprados, mas alega que o assunto era outro.

Com o governo dominando tão amplamente a Câmara e o Senado, dificilmente o assunto vai render. Resta a reabertura do processo pelo Ministério Público ou pela Polícia Federal, diante das novas evidências.

FONTE: O GLOBO

Partido da Marina :: Fernando de Barros e Silva

Agora é certo, Marina Silva deixará o PV -o partido que gosta do verde... e das verdinhas.

A data do desligamento está marcada para o próximo dia 6. Será o fim litigioso de um casamento breve e movido por interesses de ambos os lados. Para Marina, o PV foi um hospedeiro das suas pretensões presidenciais. Para o PV, Marina era um instrumento de alavancagem que poderia consolidá-lo como legenda de porte médio no país.

Passada a lua de mel eleitoral (ela também sujeita a mais tapas do que beijos), a disputa que se seguiu pelo controle dos rumos do partido levou à implosão do matrimônio.

Com 20 milhões de votos, Marina imaginou que poderia amoldar o PV ao seu projeto político. Acabou triturada pelos interesses pragmáticos ou fisiológicos da máquina presidida há mais de década pelo deputado José Luiz Penna.

Marina levará com ela outras lideranças verdes, mas quem tem mandato ou pretende disputar as eleições de 2012 pode adiar a decisão de acompanhá-la. A pergunta principal, porém, é: sem partido, Marina conseguirá reunir forças em torno de si para se viabilizar politicamente a partir de 2013 -aí, sim, fundando um novo partido?

A sua proposta de deixar temporariamente a política partidária para "mobilizar a sociedade" e "ganhar capilaridade" lembra um pouco as "Caravanas da Cidadania" de Lula -mas Lula, além da sua história, tinha o PT como alicerce.

Marina tem a seu favor uma biografia igualmente comprometida com os pobres, ancorada em valores e feita de superações, além da causa ambientalista, que entrou para ficar na agenda mundial.

Apesar desse currículo, ela não está livre do risco de embarcar numa viagem personalista. Marina às vezes parece movida pela crença de que pode aglutinar "os bons" e regenerar a política atuando por cima dos partidos. Sua figura progressista e de vanguarda tem algo de messiânico que a conecta com aspectos arcaicos da cultura brasileira.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Indecentes úteis:: Dora Kramer

Contundente, como havia sido combinado com seus companheiros de partido, o ministro de Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, saiu-se razoavelmente bem da exposição que fez na manhã de ontem no Senado sobre as acusações de que teria sido o mentor do chamado "dossiê dos aloprados".

Não acrescentou nada, negou as acusações, centrou carga na impossibilidade de ter-se aliado a Orestes Quércia - impedido à eternidade de desmenti-lo - para conseguir financiamento ao dossiê e ao menos naquela instância, livrou a própria pele de maiores constrangimentos.

Já o PT não figurou tão bem na fotografia. Ao repudiar o que alegou ter sido uma tentativa no partido de fazê-lo usar na campanha para o governo de São Paulo, em 2006, reportagem da revista Isto É sobre o envolvimento do então adversário, José Serra, com fraudes no Ministério da Saúde, foi textual: "Como eu me recusei a fazer isso eles tomaram outro caminho".

Por "eles", subentende-se que seja gente com acesso e liberdade suficientes para sugerir a ele o que fazer na campanha. Por "outro caminho" a referência clara era a divulgação daquelas mesmas acusações por outros meios.

Por mais que já se saiba disso, Mercadante confirmou o que o PT sempre nega quando confrontado com os fatos: há correntes no partido que adotam a prática da ilegalidade como meio para justificar o fim de anarquizar com adversários.

O ministro disse e confirmou quando o senador Aloysio Nunes lhe perguntou se sabia por que os fraudadores haviam feito aquilo: "Essa militância acha que é assim que se combate a corrupção, acha que tem uma missão heroica".

Isso foi dito em tom de condenação. Como, de resto, na retórica já se condenaram outros petistas envolvidos em dossiês, chantagens e fraudes em geral.

Não basta, porém, para que o PT considere a hipótese de bani-los da convivência partidária. Estão todos de volta às hostes petistas.

Expedito Veloso, o "aloprado" que acusa Mercadante e que ele só não vai processar agora porque não costuma "prejulgar" (desmentindo aí uma longa carreira de serviços prestados ao prejulgamento quando estava na oposição), está confortavelmente instalado no governo petista do Distrito Federal.

Seria de se esperar que o partido tomasse uma providência. Como cala, consente em compartilhar a vida político-partidária com indecentes úteis dispostos a assumir temporariamente a pecha de malfeitores na certeza de que o fazem impunemente. Em nome da causa.

Para poucos. Inicia-se discretamente uma dissidência no PMDB da Câmara. Dos 80 deputados, cerca de 20 andam contrariados com o líder Henrique Eduardo Alves e com o deputado Eduardo Cunha.

Eles estão convictos de que Alves atua exclusivamente voltado para se eleger presidente da Câmara, em 2013. Os deputados se queixam de que nos embates com o governo o líder sempre recua na hora H a fim de não consolidar qualquer mal-estar com o Planalto, deixando os interesses da bancada em segundo plano.

Com Cunha o problema é a dobradinha com o líder do governo no Senado, Romero Jucá, para atuações da conveniência exclusiva de ambos.

Exemplo mais recente, o "contrabando" na medida provisória que concede benefícios a banqueiros falidos e impõe um prejuízo de R$ 8,7 bilhões aos cofres do público.

A perdurar, a contrariedade mais adiante pode vir a comprometer a unidade do PMDB nas votações.

De mestre. Virou praxe supervalorizar qualquer manifestação de boa educação por parte do governo Dilma como se os gestos fossem algo extraordinário, quando fora do comum era a falta de educação vigente no governo do antecessor.

A presidente cumpre o ritual. Precipitam-se os que enxergam nisso sinal de distensão. Prova são as pesadas acusações que se fazem à oposição, buscando atribuir a ela responsabilidade por escândalos cuja origem é o próprio PT.

A maestria do PT está em conseguir transformar a formalidade em excepcionalidade a seu favor.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

G-8 tira do PMDB mofo do fisiologismo:: Rosângela Bittar

A recente e decantada união do PMDB, agora com um cargo vistoso, a Vice-Presidência da República, que não lhe garantiu mais poder do que tinha mas lhe deu uma segurança inédita, remete o desavisado a uma mesa redonda em torno da fisiologia. Todos juntos por cargos e verbas. O partido, porém, é o fracionado de sempre. E com sua inesgotável capacidade de surpreender o eleitorado, tem inovações a apresentar nesse campo. Na atual temporada surge com uma novidade: o fortalecimento de dois movimentos com origem em suas bancadas parlamentares.

No Senado, nesta legislatura, o PMDB deu uma arejada. Não se livrou dos perfis mofados do seu portfólio, ao contrário, reelegeu ícones da espécie, mas o grupo de independentes - do jugo da cúpula partidária, não do governo - aumentou significativamente.

Ao lado dos senadores Jarbas Vasconcelos, ex-governador e senador por Pernambuco, último dos autênticos do partido, e Pedro Simon, senador pelo Rio Grande do Sul, combatentes antigos, estão agora o senador catarinense e ex-governador Luiz Henrique, um dos grandes amigos de Ulysses Guimarães, símbolo do MDB dos áureos tempos.

Os debates do grupo têm reunido ainda os senadores Casildo Maldaner (SC), Roberto Requião (PR), Waldemir Moka (MS); Eduardo Braga (AM), Vital do Rego (PB). É o G-8, como foi batizado o grupo, numa bancada de 19 senadores. "É um fato novo, precisávamos melhorar o PMDB, estava sufocante", define um dos mais atuantes.

Não são necessariamente dissidentes, nem mesmo todos independentes com relação ao governo. São raros os que se declaram em oposição e a imensa maioria é formada por aliados.

Os diferencia, entretanto, o fato de desejarem tirar o PMDB da sarjeta, da linha das denúncias e da prática do fisiologismo escancarado, das crises e das críticas. Querem ser independentes, sim, da pseudo liderança dos senadores José Sarney, Renan Calheiros, Romero Jucá, em quem a cultura do fisiologismo está impregnada. Os senadores perceberam que os três comandantes da bancada ficam com tudo, não só do governo como do próprio Senado. "Aqui tudo é Sarney, a Gráfica, a Polícia Legislativa, tudo é do tempo do Agaciel Maia", critica, enojado, um senador.

Quando existiam apenas Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon, o presidente da Casa e o líder do partido os ignoravam. Agora não são apenas os dois, mas oito, às vezes nove, nas reuniões de discussão sobre seus mandatos e seu partido. Se for necessário determinar sua tendência, esses senadores são mais governo que oposição. Mas pode-se dizer que em sua imensa maioria são de oposição ao Sarney, ao Renan, ao Romero Jucá, o líder do governo no Senado de cujos métodos e forma de atuação um bom número de senadores aliados da presidente Dilma discorda.

Esses senadores do PMDB que são independentes do fisiologismo concordam, por exemplo, com a reforma administrativa do Senado proposta pelo senador Ricardo Ferraço (ES). É uma boa reforma, moralizadora, e devem apoiá-la. A conferir se o presidente da Casa deixará as propostas irem adiante.

"Sarney, Renan e Jucá são donos do partido, limitam o acesso ao governo, falam como se fosse em nome de todos e restringem o PMDB à sua imagem. Isso tem que mudar", diz um dos que chegaram para dar novo alento à bancada.

Os integrantes do grupo têm um acordo tácito: nenhum pressiona o outro para votar contra ou a favor do governo. Não haverá cooptação nem amarras de espécie alguma. Também não haverá omissão.

A ideia contagiou e formou-se um grupo também na bancada do PMDB da Câmara. Com o mesmo espírito, o de se desvincular dos mal afamados, cujo representante mais condecorado é o deputado Eduardo Cunha (RJ), um grupo de deputados também se reune, discute o mandato, os projetos e sua postura diante do eleitorado.

No movimento que se desenvolve na Câmara participam, até o momento, 12 parlamentares. Um, de Pernambuco - Raul Henry; três do Rio Grande do Sul - Osmar Terra, Alceu Moreira e Darcisio Perondi; dois do Paraná - Reinhold Stephanes, Osmar Serraglio; de Santa Catarina têm frequentado as reuniões os deputados Ronaldo Benedet e Mauro Mariani; do Mato Grosso do Sul aparecem Fábio Trad e Geraldo Resende. Às vezes participam Lelo Coimbra, do Espírito Santo; Gastão Vieira, do Maranhão; Marcelo de Castro, do Piauí.

"Decidimos nos reunir no início da Legislatura, havia um conjunto de deputados muito incomodados com a pecha de fisiologismo do PMDB. O Eduardo Cunha mandando nas nomeações, a cúpula só tratando de cargos, decidimos não deixar que o partido fosse dominado por isso e mostrar que boa parte da bancada preferia aparecer defendendo ideias e projetos", diz um participante assíduo dos encontros políticos.

O que se discute, nessas ocasiões, é como evitar que o PMDB seja tomado pelas disputas para a conquista do "poder pelo poder", para ocupação dos cargos, para fazer negócios, para indicar diretor administrativo de estatal ou de fundos de pensão, todas questões que vêm à mente quando a sigla é mencionada.

Nesses encontros, têm discutido muito a Emenda 29. Há vários médicos no grupo e não se preocupam com o risco que esta regulamentação representa para a volta da CPMF. Sabem que o governo só aceitará mais encargos e perda de arrecadação se houver uma fonte nova de verbas, mas a discussão de conteúdo da emenda obscurece, para esses deputados, o ônus político do aumento de imposto para o contribuinte.

Na agenda de discussões já constaram a votação de uma legislação de responsabilidade educacional, a necessidade de apoio a qualquer política de melhoramento de qualidade do gasto público, e a definição de uma legislação que garanta o aumento da transparência e rigor na máquina pública.

Acreditam esses pemedebistas que estão tendo um mandato mais efetivo, não apenas do ponto de vista de conteúdo como da postura ética na relação com o eleitorado. Acreditam no caráter educativo da iniciativa: desindentificar o PMDB com a fisiologia e provar que há ali vida partidária.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

O que pensa a midia - Editoriais dos principais jornais do Brasil

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Regime diferenciado e imoral :: José Serra

A imprensa, a oposição e os meios jurídicos têm enfatizado o caráter perverso da tentativa do governo de estabelecer o sigilo dos preços máximos de obras que balizam a apresentação de propostas nas concorrências públicas. O Planalto se defende dizendo que esse sigilo criaria mais incerteza para as empresas concorrentes, dificultando eventuais conluios entre elas. Assegura-se, ainda, que os referidos preços seriam registrados pelos órgãos de controle - presumo que sejam os tribunais de contas.

Sinceramente, não consigo compreender por que essa medida produziria ganhos significativos para o governo, mas posso, sim, entender o valor que teria um vazamento seletivo de informações para o setor privado, a manipulação a que isso se presta e o incentivo que representaria para a corrupção no governo.

Do mesmo modo, não será difícil prever a sombra de suspeições que tornaria ainda menos transparente do que já é todo o processo de licitações de obras nas três esferas de governo no Brasil.

Digo "três esferas de governo" e mencionei acima "tribunais de contas", no plural, porque as mudanças que o governo pretende na lei de licitações valerão ou acabarão valendo, também, para todos os estados e municípios do Brasil, cujos investimentos públicos, somados, são superiores aos do governo federal. Isso não tem sido levado em sua devida conta.

Outra mudança, alarmante, enfraquecerá ao infinito a possibilidade de fiscalização de obras, o controle da sua qualidade e dos seus custos. Isto porque o novo regime de concorrência elimina a necessidade da apresentação de projetos básicos para as obras licitadas e, evidentemente, de projetos executivos.

Mais ainda, acreditem: cada uma das empresas concorrentes pode apresentar o seu projeto, propor as suas soluções - um estádio quadrado, trapezoidal, espiralado, elíptico, oval, aéreo, subterrâneo -, que envolverão custos diferentes. E o poder público poderá escolher aquele de que mais gostar, mesmo que o preço seja mais elevado.

Corresponde à liberdade que você teria, leitor, se estivesse construindo uma casa, com uma ligeira diferença: você estaria fazendo isso com o seu próprio dinheiro, não com o dinheiro dos contribuintes; você, sim, é livre para satisfazer o seu próprio interesse; o governo tem de atender ao interesse público.

O que começa a ficar claro é que as obras da Copa e das Olimpíadas estão servindo de pretexto para a instauração de um sistema absolutamente arbitrário, que acabará valendo para todas as obras contratadas pelos poderes públicos no Brasil: de estradas em qualquer parte a projetos alucinados, como o do trem-bala. Com um aditivo: o ingresso no tal do Regime Diferenciado de Contratações Públicas terá um preço monetário ou político, ou ambos, evidentemente.

Creio que, apesar das críticas enfáticas de muitos, a abrangência do desastre institucional da medida provisória do governo federal está sendo subestimado.

Essa verdadeira tsunami jurídica nos levaria ao padrão das antigas republiquetas da América Central e Caribe, governos à moda Somoza ou Trujillo. Ou será que se imagina que o regime brasileiro poderá seguir o modelo chinês, onde, supostamente, o Estado é o patrão de tudo e faz uma hidrelétrica como os leitores fazem suas casas?

Não custa notar: vigora lá uma ditadura. Felizmente, esse mal ainda não temos aqui.

José Serra foi deputado federal, senador, ministro do Planejamento e da Saúde, prefeito e governador do Estado de São Paulo.

FONTE: O GLOBO

Encruzilhada:: Míriam Leitão

A ideia é ruim, mas o pior é a justificativa: a de que se o Pão de Açúcar se juntar ao Carrefour, o BNDES deve dar a maior parte do dinheiro - 2 bilhões - porque isso vai internacionalizar grupo brasileiro e abrir mercado para os nossos produtos. Balela. Essa ideia é ruim para o consumidor, para o contribuinte e para a economia do país.

O que é desanimador no Brasil é a dependência que até os novos capitalistas têm do Estado. Eles não dão nenhum passo sem que o governo vá junto, não apenas financiando, mas virando sócio. Um capitalismo sem riscos, ou de lucros privados e prejuízos públicos. Sempre foi assim, mas quando se vê um Eike Batista e um André Esteves, que poderiam ser a renovação dessa velha prática, repetindo os mesmíssimos caminhos que nos levaram a tanto problema no passado, a conclusão é que pelo visto o país vai demorar muito para chegar no verdadeiro capitalismo.

É um disparate completo o BNDES usar o dinheiro de dívida pública ou de fundos públicos para capitalizar uma operação estritamente privada. Ela será boa para o Carrefour, para os Diniz e para o BTG Pactual. Não é verdade que o Pão de Açúcar será internacionalizado e vai virar um grupo global. Ele vai ter um pedaço de um grupo francês, que será vendido no dia em que a família Diniz quiser vender. O Pão de Açúcar vai deixar de existir como empresa independente e será desnacionalizado.

A família Diniz é dona do negócio e faz o que bem entender - e o que as regras concorrenciais do país permitirem - mas que não se venha com nacionalismos de ocasião. A conversa de internacionalização do grupo não convence. O BTG Pactual também pode montar a operação que quiser no mercado. O estranho é por que um grupo que tem condições de captar no mercado internacional precisará que o BNDES entre de sócio e dê até R$4,5 bilhões para o negócio.

O grande perdedor será o consumidor brasileiro, que tem enfrentado uma concentração cada vez maior do grande varejo. O número de 27% do mercado brasileiro é enorme em si. Mas pode ser até maior. Está se somando bananas e laranjas. Pequeno varejo de empresas disseminadas pelo interior do Brasil, com o mercado dos grandes supermercados e hipermercados das capitais. Com a lentidão com que o Cade trabalha, no dia em que ele se pronunciar - e ainda mais num negócio que terá como sócio o próprio Estado brasileiro - tudo já estará consolidado.

Nos últimos anos o Tesouro já se endividou em R$260 bilhões - incluindo os R$30 bilhões deste ano - para financiar o BNDES nas suas operações. E elas fazem cada vez menos sentido. Por que o banco deve fazer seguidas capitalizações, comprar tantas debêntures ou ações do grupo JBS-Friboi, por exemplo? Por que o Estado brasileiro precisa ser sócio de frigorífico? E pior: um frigorífico que diz - como me disse o presidente do Conselho de Administração do JBS-Friboi, Joesley Batista, no dia 28 de abril - que não pode garantir que a carne que comercializa é livre de desmatamento ilegal. A empresa contraria a tendência atual do capitalismo no mundo, que é o de ser responsável por fiscalizar sua cadeia produtiva.

O BNDES justifica o fato de ter "enquadrado para a análise" a possibilidade de entrar na operação Carrefour-Pão de Açúcar com o argumento de que vai abrir mercado para o produto brasileiro. Convenhamos. O produto brasileiro terá mais espaço no mercado internacional se houver mais investimento em logística eficiente, se houver redução do Custo Brasil, e se as empresas tiverem boas práticas.

Para a carne brasileira ter maior penetração no mercados europeu não é necessário que o BNDES seja sócio de supermercado francês, mas sim que o setor cumpra regras de rastreamento sanitário. O mercado internacional precisa ser conquistado com uma redução do custo do transporte dos produtos brasileiros e com boas práticas de certificado de origem, rastreamento, comprovações que o mundo atual tem feito cada vez mais.

Essa operação já nasceu esquisita. O sócio Casino na Companhia Brasileira de Distribuição disse que suspeitava que o Pão de Açúcar estivesse negociando nas suas costas com o Carrefour. O acordo que tem com seus sócios brasileiros impedia a negociação. As suspeitas se confirmaram. E isso é mais uma razão pela qual o banco estatal brasileiro não deveria entrar no negócio.

Mas o mais importante motivo pelo qual não se deve haver dinheiro subsidiado ou de endividamento público no negócio é que ele é ruim para a economia e para o consumidor nacional. O distinto público não tem nada a ganhar com ele. Os neocapitalistas brasileiros deveriam usar toda a criatividade que têm para fazer negócios longe da sombra do Estado. Em vez disso, confirmam a velha dependência crônica. A palavra "carrefour" é ótima para nos lembrar que o país está numa encruzilhada: ou vai continuar fortalecendo o capitalismo estatizado sem risco, que é bom apenas para alguns poucos, que concentra a renda e socializa o prejuízo; ou vai incentivar a competitividade, a inovação, a concorrência e as práticas sustentáveis da nova economia.

FONTE: O GLOBO

Eles não conseguem desenhar o futuro:: Marco Antonio Villa

1930 foi um marco na história do Brasil. Inaugurou o moderno Estado e uma nova visão econômica para o país. A importância econômico-social do período acabou apagando a memória repressiva. Se devemos ter muito cuidado com a “contabilidade do mal”, porém não custa lembrar que a ditadura varguista prendeu e condenou muito mais presos políticos que o regime militar. Contudo, o período é lembrado pela legislação trabalhista e a industrialização.

A memória seletiva e instrumental permitiu que cada corrente política escolhesse o que desejava resgatar do período.

A crise dos anos 60 sinalizou que o processo iniciado em 30 tinha se esgotado. Novos desafios estavam sendo colocados pelas modificações ocorridas nos anos 1950. A abertura ao capital estrangeiro, a intensificação do deslocamento populacional do Nordeste para o Sudeste, a crescente urbanização, os dilemas sobre a distribuição de renda, críticas ao funcionamento do sistema político, entre outros fatores, conduziram o país para um verdadeiro caldeirão de turbulência, que acabou no golpe civil-militar de 1964.

O regime militar fez várias reformas. Obteve êxito. O papel do Estado na economia foi ampliado numa escala nunca vista. Qualquer setor onde havia alguma dificuldade econômica, a saída encontrada era a criação de uma empresa estatal. E foram surgindo às pencas. O país melhorou a infraestrutura, desenvolveu novos setores produtivos e se integrou à economia mundial diversificando sua pauta de exportações.

Virou uma página histórica: deixou de ser um país com “vocação agrícola”. Como é sabido, houve um duro ataque às liberdades democráticas, como se não fosse possível compatibilizar crescimento econômico e a existência de um estado democrático de direito. A dificuldade de compreender, a partir de 1974, que estava ocorrendo uma transformação na economia mundial — com a quadruplicação do preço do petróleo, o surgimento dos “tigres asiáticos”, o início das mudanças econômicas na China após a morte de Mao Tsé- Tung, o fortalecimento do Mercado Comum Europeu e a crise da economia americana — fez com que o regime militar endividasse o país, desorganizasse a economia e jogasse a inflação anual, no fim do governo Figueiredo, para três dígitos.

O término do regime militar, em 1985, iniciou uma década de promessas, soluções mágicas e voluntarismo. De rompantes dignos de uma republiqueta latino-americana. Como a economia não se impressiona com discursos, a fraseologia não trouxe qualquer resultado positivo. Mas o malogro não foi imputado à teoria, mas à economia de mercado. Em meio ao fracasso dos planos de estabilização, veio a Constituição de 1988. Foram 20 meses de sessões. Nos últimos 60 anos, entre os países de democracia consolidada, não há registro de Constituinte tão longa. Foi feita a Carta mais extensa da nossa história. Transformou a Constituição em um pro grama de governo. Legislou sobre tudo. Concedeu benesses a todos os setores sociais. E o pior: em meio a uma grave crise econômica, que levou o país à maior inflação anual da nossa história.

A estabilização econômica parecia impossível. Dentro daquele espírito nativo tão adaptativo, surgiram até “teorias” que justificavam a inflação como um meio de crescimento econômico. Neste ambiente, tudo conspirava para que nada fosse modificado. A inflação e suas mazelas eram uma espécie de sina com que o país tinha de conviver.

Em 1994, o Plano Real mudou a hist ória econômica do Brasil. Teve, à época, muitos detratores. Nenhum deles fez autocrítica. Preferiram esquecer o que falaram (hoje estão no governo). Se foi importante a moeda voltar a ter valor e derrubar os índices de inflação — sem qualquer tipo de congelamento de preços e salários —, mais complexa foi a reestruturação econômica, que envolvia, inclusive, redefinir o papel do Estado na economia.

Não foi tarefa nada fácil enfrentar mitos, preconceitos e acusações, tanto da direita como da esquerda. Afinal, o Estado brasileiro acabou, ao longo do tempo, soldando uma curiosa aliança das duas correntes, cada uma com seu projeto, mas identificando- se com o expansionismo estatal e a defesa dos interesses corporativos.

O surto de desenvolvimento que estamos assistindo é consequência direta dos efeitos do Plano Real. Sem ele, não teríamos um crescimento sustentável. E nem o Brasil estaria entre os países emergentes. Não é exagero afirmar que 1994 foi economicamente tão importante como 1930. E melhor ainda: manteve as plenas liberdades democráticas, diferentemente do que fez o regime de 30.

Assim como os atuais detentores do poder não reconhecem a importância histórica do Plano Real, também não conseguem desenhar o futuro. Revelam uma absoluta ausência de pensamento inovador. Olham o futuro com a ótica do passado. No fundo, odeiam o capitalismo e o livre mercado. São prisioneiros de uma visão de mundo do século XIX. Vivem uma eterna crise de personalidade, entre o que politicamente pensam e, algumas vezes, agem; e o que realizam no campo econômico.

Daí as concessões aos “movimentos sociais” ou o apoio aos tiranos do antigo Terceiro Mundo. É como se as palavras lavassem a alma “contaminada” pela ação capitalista.

Mas a economia vai seguindo o seu próprio caminho. Só que necessita de correções. Dificilmente o governo vai identificar o rumo correto. A carcomida ideologia é um verdadeiro obstáculo epistemológico. Não é nenhum exagero afirmar que o Partido Comunista Chinês acredita mais no capitalismo do que o Partido dos Trabalhadores.

Hhistoriador e professor da Universidade Federal de São Carlos-SP

FONTE: O GLOBO, 28/6/2011