quarta-feira, 6 de abril de 2011

Reflexão do dia – Dora Kramer

Ao molde do socialismo moreno inventado por Leonel Brizola, o PT inventou um capitalismo à moda da casa pelo qual empresas privadas têm controle estatal.

KRAMER, Dora. De uma vez por todas. O Estado de S. Paulo, hoje.

Os rumos da oposição :: Merval Pereira

O discurso de hoje do senador Aécio Neves, que está sendo considerado como o primeiro direcionamento sobre o que a oposição deve fazer e qual deve ser o seu comportamento diante do governo Dilma, está construído sobre três pilares: o resgate do papel do PSDB na formação do país atual; a denúncia das contradições entre o que o senador mineiro chama de "mundo cor-de-rosa" da propaganda oficial e o mundo real; e finalmente as propostas de ação.

O tom do discurso é de resgate dos feitos do PSDB para que vivamos hoje num país muito melhor, como Aécio Neves admite, mas ressaltando que, se não fosse o PSDB, não estaria tão bem assim.

Pela primeira vez a oposição, através das palavras de Aécio Neves, assumirá com clareza as privatizações como algo fundamental para o aggiornamento do país: "As mudanças estruturais do governo Fernando Henrique Cardoso, entre elas as privatizações, definiram a nova face contemporânea do país. A democratização do acesso à telefonia celular talvez seja o melhor exemplo do acerto das medidas corajosamente tomadas. Porque é disso que é feito um bom governo: de decisões e não apenas de circunstâncias."

O senador Aécio Neves destacará a importância, entre as "mudanças estruturais", da Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada com o voto contrário do PT, e do Proer, relembrando que o mecanismo, que hoje é apontado pelo governo petista como um exemplo para o mundo depois da crise financeira de 2008, foi duramente criticado pelo PT:

"Para suportar as crises econômicas internacionais cíclicas - e já foram muitas - e salvaguardar o sistema financeiro nacional, estruturamos o Proer, sob as incompreensões e o ataque cerrado dos nossos adversários. Os mesmos que o utilizaram para ultrapassar o inferno da crise de 2009 e que o apresentam agora como exemplo de boa governança para o mundo."

Um bom resumo para essa parte do discurso seria a frase: "Sempre que precisou escolher entre o Brasil e o PT, o PT ficou com o PT."

E Aécio Neves relembrará: foi assim quando não apoiou o governo de Itamar Franco (hoje senador oposicionista pelo PPS) num momento difícil, foi assim no Plano Real "porque o Lula estava à frente das pesquisas", foi assim na Lei de Responsabilidade Fiscal.

O senador mineiro, enfim, cobrará a generosidade que faltaria ao PT de reconhecer que o país atual foi "uma construção de muitos brasileiros, não de apenas um governo".

No segundo pilar, sobre as contradições entre o Brasil da propaganda governista, que vem desde a campanha presidencial, e o Brasil real, Aécio Neves fala sobre os desafios que vê pela frente.

Em primeiro lugar, registra que o governo Dilma, apesar dos esforços para exibir uma personalidade própria, não passa do nono ano de governo petista, "não há ruptura entre o velho e o novo, mas o continuísmo das graves contradições dos últimos anos".

Critica diretamente a ação do governo na sucessão da presidência da Vale do Rio Doce: "(...) não posso crer que seja interesse do país que o governismo avance sobre empresas privadas, com o objetivo de atrelá-las às suas conveniências. Como se faz, agora, sem nenhum constrangimento, com a maior empresa privada do Brasil, a Vale."

Aécio Neves alerta para a necessidade de não se perder o controle da inflação e destaca os problemas de infraestrutura do país, comparando nossas estradas, portos e ferrovias com os de países com os quais competimos:

"Estudo feito a partir do relatório de competitividade do Fórum Econômico Mundial mostra que, comparado a outros 20 países com os quais concorre no mercado global, o Brasil ficou apenas na 17ª colocação no quesito Qualidade Geral da Infraestrutura. Empatamos com a Colômbia. No item Qualidade da Infraestrutura Portuária, o Brasil teve o pior desempenho. Fomos os lanternas do grupo. No setor ferroviário, o padrão de qualidade brasileiro só não é pior que o da Colômbia. A qualidade das estradas brasileiras, por onde trafega mais da metade das cargas no país, supera apenas a da Rússia. Ficamos na penúltima colocação."

O senador mineiro aponta também a contradição do governo, que aumenta a taxação das empresas de saneamento, que investirão menos do que pagarão de impostos no próximo ano.

O terceiro pilar são as propostas de como fazer diferente do que está aí "há quase uma década". Aécio Neves conclama a própria base governista a se unir à oposição para aprovar algumas medidas, a mais polêmica e importante é uma espécie de "gatilho": toda vez que o governo fizer uma isenção fiscal com imposto compartilhado - IPI, IR -, que ele reponha imediatamente os recursos perdidos por estados e municípios.

A proposta mais radical é a de acabar com rodovias federais, transferindo-as para os estados, com os recursos da Cide, o imposto cuja destinação prioritária é para a área de transportes.

O discurso do senador Aécio Neves dedicará críticas à centralização dos recursos provenientes dos impostos no governo federal: "A melhor evidência desse pecado capital é o encolhimento do tamanho da fatia estadual e municipal no bolo da receita tributária federal, porque o governo passou a arrecadar cada vez mais tributos que não são incluídos na base dos fundos de participação. Como consequência, (...) a fatia em relação ao bolo de receitas tributárias federais encolheu de 27% em 2002 para apenas 19,4% em 2010."

Não é à toa que representantes de frentes municipalistas estarão presentes ao Senado hoje. O senador Aécio Neves está disposto a explorar com a oposição um vácuo que considera que o governo Lula deixou ao assumir diretamente a distribuição de auxílios como o Bolsa Família.

"O governo fragiliza a Federação ao fragilizar estados e municípios."

FONTE: O GLOBO

De uma vez por todas:: Dora Kramer

Na próxima segunda-feira o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vai decidir se entra ou não no Supremo Tribunal Federal (STF) com pedido para que o destino da Lei da Ficha Limpa seja decidido de uma vez por todas.

Se a maioria dos 81 conselheiros for favorável, até o final do mês a OAB apresenta ao STF uma Ação Declaratória de Constitucionalidade. A ideia, segundo o presidente da Ordem, Ophir Cavalcante, é resolver logo a questão a fim de que a próxima eleição não aconteça em ambiente de insegurança jurídica.

Sem isso, no pleito municipal de 2012 vão se repetir as incertezas que ainda cercam mandatos de senadores e deputados eleitos em 2010.

Em função do empate sobre a validade da lei, o Supremo adotou o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e determinou a imediata aplicação da lei, impedindo a posse de parlamentares condenados em segunda instância por órgão colegiado. Só que depois do início do ano legislativo o julgamento foi retomado e o novo ministro do STF, Luiz Fux, desempatou em favor da aplicabilidade só a partir de 2012.

Ainda assim, vários pontos da lei ficaram em aberto porque a decisão se ateve ao artigo 16 da Constituição, segundo o qual regras que alterem o processo eleitoral só podem entrar em vigor um ano após a sua promulgação. A Ficha Limpa foi aprovada em maio de 2010.

Se não for estabelecida a constitucionalidade da lei toda ou pelo menos de seus pontos-chave, os candidatos que se sentirem prejudicados podem recorrer sob alegações específicas e acabar derrubando uma a uma as exigências de elegibilidade relativas a uma vida pregressa de razoável limpidez.

A CNBB e o Movimento de Combate à Corrupção cobram da OAB a ação de constitucionalidade que, se for recusada pelos conselheiros, ainda poderá ser apresentada por partido político, o Ministério Público ou pela Presidência da República.

Na opinião de Ophir Cavalcante, mesmo os conselheiros que discordam do espírito da lei certamente concordarão com a ação, "porque é bom para todo mundo que isso se resolva para um lado ou para o outro".

Para ele, o risco é da lei virar letra morta. Bastaria, para isso, que o Supremo Tribunal Federal declarasse a inelegibilidade válida somente para sentenças transitadas em julgado ou que considerasse inconstitucional a aplicação para atos cometidos antes da aprovação da lei.

Retrocesso. Ao molde do socialismo moreno inventado por Leonel Brizola, o PT inventou um capitalismo à moda da casa pelo qual empresas privadas têm controle estatal.

Ainda que a Vale não sofra qualquer solução de continuidade em sua condução, a saída de Roger Agnelli, tal como foi feita indica que a maior exportadora do Brasil, dona de um lucro de R$ 30 bilhões, é suscetível a interferências de governo.

Cerca Lourenço. Muita gente ficou em dúvida sobre a declaração do governador Geraldo Alckmin praticamente lançando José Serra para a Prefeitura de São Paulo em 2012.

Seria um gesto contra ou a favor de Serra?

Ao que parece, por enquanto nem uma coisa nem outra. Alckmin estaria apenas tentando evitar defecções em direção ao PSD de Gilberto Kassab, mantendo a tropa unida em torno da expectativa de reconquista da máquina municipal mais adiante.

Pois não. No programa Roda Viva, segunda-feira à noite, o prefeito Gilberto Kassab disse que não integra a base de apoio da "presidenta" Dilma Rousseff, não obstante confira a ela todo apoio.

Patrício. O livro mais conhecido de Campos de Carvalho, autor da obra que deu origem à peça A lua vem da Ásia que a filha de Petar Roussev, Dilma Rousseff, assistiu no sábado em Brasília, chama-se O púcaro búlgaro.

Conta a história de Hilário e sua expedição para averiguar se a Bulgária existe mesmo.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Oposição no megafone:: Fernando de Barros e Silva

"Oposição é parte da ação governativa." Com essa frase de antologia, Kátia Abreu tentava explicar como vai se comportar o seu novo partido, o PSD de Kassab: "Oposição não é empresa de demolição. Quem assim pensava e agia era o PT", disse a senadora pelo Tocantins (e hoje maior líder ruralista do país), em entrevista ontem ao jornal "O Estado de S. Paulo".

Estamos, pois, numa situação em que a Rainha do Gado deserta do moribundo DEM e anuncia que não lhe interessa mais confrontar abertamente o governo. Oposição, daqui em diante, só de ladinho.

À Folha, anteontem, o professor Marcos Nobre definiu o PSD como a expressão mais escancarada do que ele chama de "peemedebização" da política. A frase de Kátia Abreu corrobora sua tese: a oposição "é parte da ação governativa".

Ou seja: a oposição praticamente derreteu e grupos políticos heterogêneos buscam parasitar o Estado em busca de alguma vantagem -isso é o "peemedebismo". O problema de Dilma, diz Nobre, é o excesso de adesões num cenário econômico em que se mostra impossível administrar os interesses acomodados e os acordos assumidos na era Lula.

É nesse quadro que está prometido para hoje o discurso "de oposição" de Aécio Neves na tribuna do Senado. Dizem alguns que será algo "contundente". Só se for como homenagem tardia ao 1º de abril.

Aécio está sendo desafiado pelos serristas no Congresso a mostrar que tem estatura para liderar a oposição. Mas sabe que está diante de uma cilada e corre o risco de pregar para três gatos pingados do DEM.

Além disso, o mineiro, como o malandro da canção de Chico Buarque, costuma andar "assim de viés". Oposição frontal nunca foi a dele. Ainda mais fora de hora.

José Serra está aí para prová-lo. Há três meses, no Twitter, nos jornais, onde for, ele não faz outra coisa a não ser atacar o governo Dilma. Ninguém o leva a sério. Parece até um pouco aqueles profetas pregando o fim dos tempos na praça da Sé.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Zonas de tensão no governo:: Rosângela Bittar

Numa, estão envolvidos dois ou três ministros; em outra, apenas um ministro, mais ansioso, provoca o estrago. Fato é que há três ou quatro zonas de tensão no governo Dilma Rousseff que não se dissipa com o passar do tempo, mesmo vencida a fase inicial de instalação, propícia à delimitação de posições, do novo grupo no poder.

No primeiro foco o protagonista e mais longevo contendor é o Ipea, o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais, órgão transferido da estrutura do Ministério do Planejamento para a Secretaria de Assuntos Estratégicos ainda no governo Lula. Não se poderia dizer que está em lugar inadequado hoje, ao contrário. Seu trabalho poderia ser útil à formulação de políticas públicas de curto e longo prazos a cargo da SAE.

Os dirigentes que conquistaram a cidadela, porém, impuseram o estilo, com ênfase na disputa político-eleitoral. A gestão ficou impregnada de idiossincrasias, especialistas foram afastados sob o pretexto de que representavam partido político adversário do que venceu a eleição, e assim seguiu o instituto com o propósito de alinhar-se à política partidária, como ficou evidente, afastando-se dos rigores das suas atribuições originais.

Com a troca de comando da SAE, no governo Dilma, surgiram dali preocupações em torno do risco de perder o espaço de poder dominado. Ainda mais que, sob a administração do PMDB, a SAE levou para sua estrutura reconhecidos cientistas e pesquisadores que já haviam feito trabalhos importantes em política social, como Ricardo Paes de Barros, e em desenvolvimento regional, como Eustáquio Reis. A ideia, ao que parece, era reconquistar credibilidade científica e fazer o instituto voltar a ser o que sempre foi.

Apreensiva, a diretoria passou a temer sua dissolução e a trabalhar pelo deslocamento do Ipea de volta ao Ministério do Planejamento ou, o que seria melhor ainda, à Presidência da República. Se fosse para intervir no Ipea, o ministro chefe da SAE, Moreira Franco, teria localizado ali os especialistas que convidou para trabalhar na Secretaria. Mas nada tranquilizou a direção do Instituto. Volta e meia retorna o temor e, com ele, o barulho das ameaças inexistentes de transferência ou de comando, numa estratégia bem manjada.

O epicentro da tensão é o próprio Instituto e o núcleo de comando do governo vê a questão ainda mal resolvida. É o estilo de um ou dois dirigentes confundindo o papel da instituição e mantendo a tensão.

Ao contrário do Ipea, havia uma transferência, a ser feita no caminho inverso - da Presidência para a SAE - que seria adequada, mas hibernou depois das tensões criadas em torno dela. Trata-se do Conselhão. Cerca de 40 de seus 90 integrantes fizeram um abaixo-assinado pedindo para ficar na Presidência e não na SAE. Ficaram, e há desconfiança de que foi uma rebelião estimulada pelos que não aceitam o comando de Moreira Franco.

A zona de tensão mapeada entre o gabinete do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e a Casa Civil da Presidência, sob o comando de Antonio Palocci, era esperada desde a formação do governo. As crises eclodiram, porém, mais cedo do que se imaginava e tiveram seu ápice há três semanas quando, diante das evidências de descontrole da inflação, passou-se a produzir e reverberar - tal qual o sistema adotado no Ipea - nos gabinetes próximos a Mantega, a versão da existência de conluio entre o mercado financeiro e Palocci para derrubar o ministro da Fazenda. A presidente Dilma Rousseff teve que intervir para acalmar as partes e renovar seu apoio a Mantega, mas não fez superarem a desconfiança, que instiga ataques da Fazenda em reação à fritura inexistente.

O chamado "pessoal do Guido", como se define esse grupo no governo, chama mesmo para a briga. Foram notadas digitais do grupo na substituição da presidência da Vale, na pressão pela definição do ministro chefe da Secretaria de Aviação Civil (no bombardeio a Rossano Maranhão, indicado por Palocci), nas nomeações de segundo escalão nos bancos públicos.

Com os partidos, as zonas de conflito são com o PMDB e o PT, e além das nomeações há, no caso do PT, a extraordinária tensão, agora revigorada, com o mensalão. O partido cobra do governo posições, acha que não recebe ajuda, que não há mobilização para pressionar o Supremo. Com a ideia recente de abrir um segundo inquérito para apurar envolvimento de petistas não citados na investigação anterior, intensificou-se a angústia. Os partidos pressionam, pedem, mas ainda não têm em mãos munição de fato para enfrentar as batalhas, como as votações de interesse do governo no Congresso.

Outra forte zona de tensão localiza-se entre o Ministério da Defesa e o Ministério do Planejamento. Vítima do mais elevado corte de orçamento no governo Dilma, Nelson Jobim sentiu a diferença de tratamento que tinha no governo Lula. O ex-presidente aprovava todas as suas propostas, de submarinos a helicópteros, de tanques a vigilância eletrônica, depois os técnicos corriam a arrumar a verba. Nos tempos atuais, não há tratamento especial.

Existem outras contendas que o Ministério da Defesa protagoniza. Jobim sentiu-se invadido por declarações de Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, sobre a indústria bélica e a compra dos caças para a Aeronáutica. O ministro Pimentel retratou-se, explicou que não estava entrando em seara alheia, o fato é que o negócio foi suspenso e não se falou mais nos Rafale da preferência do ministro da Defesa. Há tensão entre a área militar e a Secretaria de Direitos Humanos, principalmente em torno da Comissão da Verdade. E embora Jobim tenha dado garantias de apoio à iniciativa, as relações aqui, como em outras áreas de conflito, se dão sob o signo da desconfiança mútua.

Há uma nova tensão, provocada por um ministro novo na administração do PT: Aloysio Mercadante, da Ciência e Tecnologia. Sob a justificativa de que C&T é tudo, Mercadante esbarra na Educação, na Defesa, na Integração, nas Comunicações, no Meio Ambiente, no Desenvolvimento, e daqui a pouco surgirá o bloco dos atravessados por Mercadante. Diz-se que precisa dessa ampliação de espaço para cacifar-se à disputa eleitoral em São Paulo. Muitos precisam.

A presidente Dilma Rousseff tem aversão a disputas entre ministros. Porém, não conseguiu evitá-las. Existem e se ampliam.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

FONTE: VALOR ECONÔMICO

A nova cartilha do FMI:: Rolf Kuntz

O controle de capitais agora é "parte da caixa de ferramentas" da política econômica, admite oficialmente o Fundo Monetário Internacional (FMI). Há um ano ainda não era, embora o assunto já fosse discutido com alguma abertura. A novidade acaba de ser sacramentada depois de um ano de estudos e discussões técnicas. Mas falta consenso a respeito do uso das ferramentas, das obrigações de cada país - emissor ou receptor de capitais - e das implicações da mudança para as políticas do FMI.

Diante do crescente fluxo de recursos, num mercado internacional saturado de dinheiro, o Fundo tem a obrigação de orientar seus membros da melhor maneira possível, disse o diretor-gerente da instituição, Dominique Strauss-Kahn. Mas é preciso fazer muito mais, acrescentou, para se alcançar algum acordo a respeito do assunto.

O FMI foi simplesmente forçado a reconhecer uma situação de fato. Em abril do ano passado, o Panorama Econômico Mundial, sua principal publicação, apontou o crescente fluxo de recursos para as economias emergentes como um problema importante. Alguns governos já tentavam impor barreiras pelo menos a certos tipos de capitais. O relatório registrou o fato, sem crítica, limitando-se a recomendar maior atenção a outros tipos de medidas. A partir desse momento o desafio cresceu.

Brasil e outros emergentes foram inundados por um tsunami de dólares a partir de 2009 - uma inundação com efeitos cambiais, valorização de ativos e risco de criação de bolhas. Governos adotaram vários tipos de barreiras, sem pedir a bênção a nenhuma instituição, e agora o FMI tenta criar uma cartilha de boas práticas para os países com problemas desse tipo. Os fatos se impuseram. Chegou a US$ 435 bilhões o ingresso líquido de capitais nas economias emergentes - excluída a China - entre o terceiro trimestre de 2009 e o segundo de 2010. Pouco mais de metade desse dinheiro foi enviada a sete países - Brasil, África do Sul, Coreia, Indonésia, Peru, Tailândia e Turquia.

Para descrever o movimento de capitais os técnicos do FMI olharam as duas pontas. Houve fatores de atração, como o crescimento econômico dos emergentes, a lucratividade de suas empresas e os juros altos de alguns países. No lado oposto estão os fatores de impulso, como o excesso de dinheiro, os juros muito baixos e a recuperação lenta das economias desenvolvidas.

Alguns números mostram a importância dos dois grupos de fatores. Um aumento de um ponto porcentual nos juros dos títulos de 10 anos do Tesouro americano resultaria, em média, numa redução de 31% no fluxo de aplicações em bônus dos emergentes. Um acréscimo de 1% no índice de volatilidade dos mercados ocasionaria uma queda de 0,5% nas aplicações em carteira dos emergentes. Uma elevação de um ponto porcentual no crescimento econômico das economias emergentes pode traduzir-se numa expansão de 4% dos fluxos totais. Mas esses cálculos ainda podem subestimar a evolução dos fluxos durante os surtos - períodos de um trimestre a um ano com influxos muito acima das tendências de longo prazo. Longos surtos são classificados como "episódios". Segundo o FMI, os 48 emergentes analisados passaram por 125 episódios de grandes influxos de capitais nas últimas duas décadas - sendo 26 em curso neste momento.

O FMI ainda prefere respostas de tipo tradicional. Se a moeda estiver depreciada, o melhor será deixá-la valorizar-se. Se não houver excesso de reservas, valerá a pena comprar dólares. Apertar a política fiscal para permitir juros mais baixos também é um procedimento preferencial. Fora dessas condições, cabe recorrer aos controles do fluxo, aplicando medidas administrativas e fiscais.

O Brasil, segundo o FMI, falhou na aplicação das medidas tradicionais: até o fim de 2010 a política fiscal permaneceu expansionista e isso incluiu os empréstimos subsidiados do BNDES. Diante da valorização do real, as autoridades tributaram o ingresso de capital e impuseram exigências aos bancos, mas com efeitos limitados, de acordo com o estudo.

Os estudos produzidos pelo pessoal técnico foram discutidos pelos diretores executivos do FMI - representantes de países ou grupos de países-membros. Diretores dos emergentes cobraram maior atenção aos países de origem dos fluxos - como os Estados Unidos. Em outras palavras, não basta formular recomendações para os países inundados de capital estrangeiro e forçados a tomar medidas de controle. A discussão continua e esse deve ser um dos grandes temas da reunião de primavera do Fundo, na próxima semana, em Washington.

Jornalista

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Água e terra :: Míriam Leitão

Ficou claro ontem que a conciliação entre as agendas ambiental e econômica é inescapável. O Brasil é grande produtor de alimentos e continuará sendo, mas os produtores acham que isso só pode ser feito se mudar a lei em vigor. O país precisa de energia limpa, mas todo o processo de construção da usina de produção de energia tem que ser limpo também.

Se a proposta de mudança do Código Florestal apresentada pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), e aprovada na Comissão criada especificamente para isso, tivesse procurado uma conciliação, não teria provocado a reação que provocou. Rebelo tomou apenas um lado, isso está explicito no estapafúrdio relatório que apresentou e nas teses que defendeu.

Em Belo Monte, o governo tem que aumentar a transparência. Em todas as áreas. Tem que ficar mais claro o processo de licenciamento, a composição do consórcio que vai construir, o cálculo financeiro, os estudos geológicos, os impactos ambientais e sociais do empreendimento. Só é limpa a energia que é construída de forma limpa também. Nem toda hidrelétrica é boa, como bem sabemos. Portanto, em vez de ficar ofendido com o pedido da Organização dos Estados Americanos (OEA) - instituição da qual o Brasil faz parte - é melhor responder com dados e fatos às dúvidas levantadas. Não são apenas da OEA, são de brasileiros também.

Na proposta de mudança do Código Florestal, o governo está dividido, o país está dividido, o próprio relator da projeto outro dia descobriu que "o problema ambiental de fato existe, não é invenção de ONG." A nova proposta reduz as Áreas de Preservação Permanente em beiras de rios e encostas num momento em que a preocupação tem que ser exatamente a oposta. Propõe uma anistia para quem desmatou ilegalmente até 2008. As mudanças propostas foram criticadas pelas duas mais importantes entidades que representam os cientistas nacionais: a Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Já o senador Blairo Maggi (PR-MT) quer que o projeto que altera a legislação florestal brasileira seja votado imediatamente. Só isso vindo de quem vem recomenda que se faça o oposto, que se tenha cautela.

O Brasil é competitivo na maioria das culturas que produz e exporta. Mas mais competitivo seria se agregasse à marca Brasil o selo do respeito ao meio ambiente. Aumenta no país a preocupação ambiental, tanto que hoje já há redes de supermercados que oferecem aos seus clientes informações de procedência da carne para que eles saibam que não estão consumindo produto sujo de origem.

Nos dois casos que estavam em polêmica, ontem, o Brasil parece estar preferindo o caminho do retrocesso, a rota oposta ao que indicaria o bom senso. É claro que é preciso mais e não menos proteção ao meio ambiente; é claro que energia limpa tem que estar preocupada em transparência em todas as etapas do processo de construção de uma usina.

No Ibama, já ocorreram quatro demissões para que saísse a licença de Belo Monte. O órgão não decidiu ainda se ela pode ser construída, ou seja, não foi liberada a licença de instalação, mas foi dada licença para construir o canteiro de obra. Um clássico da carroça adiante dos bois. Como se pode fazer o canteiro de uma obra que não se sabe se será autorizada? Isso é uma confissão de que o processo de licenciamento é para inglês ver.

O governo nega qualquer problema com os índios, dizendo que não vai alagar terra indígena. Mas não conta que para a obra serão construídos canais que vão alterar o curso de águas na Grande Volta do Xingu. Inundar não inunda, mas tira a água de tribos e ribeirinhos.

Há cientistas que dizem que durante a vida útil da usina o regime hidrológico dos rios amazônicos vai mudar muito, o que significa que hoje a usina construída com uma potência de 11.000 MW, e que irá na verdade produzir pouco mais de quatro mil, chegando em alguns momentos a dois mil, pode produzir ainda menos no futuro.

O custo da usina era de R$19 bilhões nos cálculos iniciais, mas já está em R$26 bilhões e ninguém acredita que fica só nisso. Os estudos de impacto ambiental foram atropelados pela Casa Civil no ano passado com uma interferência tão direta que ficou registrado em documentos oficiais - eu os publiquei aqui. Por isso, há muita incerteza de qual será de fato o impacto, sobre a solidez dos estudos geológicos no local. É aqui no Brasil que se tem muitas dúvidas, por que no exterior não haveria? Mas são principalmente as nossas dúvidas que precisam ser sanadas. O Brasil acabou de ver no Rio Madeira em que pode dar o atropelo no processo de planejamento de uma obra na Amazônia.

FONTE: O GLOBO

Equívocos na Saúde:: Paulo Pinheiro

Uma matéria publicada no Globo, em plena segunda feira de carnaval, anunciava a terceirização de profissionais como ameaça ao funcionamento de nossos hospitais universitários. Paralelamente, pesquisas recentes do Ipea mostravam que, entre as principais queixas nas emergências públicas, estava a longa espera para o atendimento devido à falta de médicos.

Tais fatores levam ao mesmo diagnóstico: estamos diante de uma grave crise na política de recursos humanos na saúde.

No âmbito municipal, o problema vem atravessando diversos governos que insistem em buscar uma “solução mágica” em detrimento do servidor público que, no passado, foi capaz de administrar bem os hospitais municipais, tais como Miguel Couto, Souza Aguiar e Salgado Filho. A atual administração herdou um sistema já contaminado por ONGs e cooperativas e substituiu por fundações.

Nenhuma dessas instituições, no entanto, conseguiu fixar médicos conforme as necessidades da população. Diante desse quadro9, tentei a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a situação. Infelizmente, não foi desejo da maioria dos parlamentares seguir adiante.

Agora, a bola da vez atende pela alcunha de Organizações Sociais (OSs). Atualmente, essas instituições são as responsáveis pelas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), pelo programa Saúde da Família (PSF) e poderão assumir, sem licitação, o controle das emergências dos quatro grandes hospitais. Caso isso se confirme, o governo estará rasgando a Lei nº 5.026, que proíbe tal modelo de gestão em unidades de saúde já existentes.

Assim, a Secretaria de Saúde continua sua questionável estratégia de terceirização e dá um péssimo exemplo na condução das políticas públicas de saúde no Rio. Se existiam problemas quando a gestão era exercida por funcionários públicos, pior ainda é assistir ao aumento dos equívocos quando pagamos (caro) para terceiros controlarem o sistema. Já tivemos exemplos suficientes de que, quando o governo substitui a sua função de executor pela de regulador, consegue ser ainda mais ineficiente.

Não se trata de ideologia, mas de uma análise do momento que vivemos. As UPAs, com altíssimos investimentos em propaganda, estão carentes de médicos. Dezenas de equipes do PSF, que trabalham nas belíssimas clínicas da família, também carecem de profissionais. Fica claro que as terceirizações não foram a solução.

A volta do concurso público; a cobrança do cumprimento das mesmas metas oferecidas aos terceirizados; o respeito à legislação referente às licitações; a valorização dos concursados com vencimentos compatíveis com os valores de mercado; e um plano de cargos, carreiras e salários são as melhores medidas para corrigir os equívocos da saúde.

Paulo Pinheiro é médico, vereador (PPS) e vice-presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal do Rio.

FONTE: O GLOBO

O que pensa a mídia

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Dilma, ou a banalidade da paz:: Elio Gaspari

Dilma Rousseff completará seus primeiros cem dias de governo com um notável e inédito desempenho. Ela trouxe uma sensação de paz ao país. Depois de uma campanha eleitoral tisnada pela ferocidade e de um tempo dominado pelas paixões em torno de Lula, veio a calma. Pela primeira vez em muitas décadas, tem-se a impressão de que o Brasil é governado por uma pessoa que chega cedo ao serviço, cuida do expediente e vai para casa sem que precise propagar evangelhos ou alimentar tensões.

Essa singularidade deve-se a algumas características pessoais de Dilma Rousseff, mas também às de seus antecessores. Antes dela, o Brasil teve na Presidência três dos maiores ególatras de sua história. Lula é um ególatra compulsivo, autoglorifica-se para ter sossego. A egolatria de Fernando Henrique Cardoso é um subproduto benigno de sua vaidade. No caso de Fernando Collor, tratou-se de puro delírio.

Em benefício dos três, reconheça-se que chegaram ao Planalto com a obrigação de mudar sensivelmente a vida do país. Nenhum deles podia, simplesmente, tocar o barco. Quando José Sarney tentou, fracassou.

Um bom exemplo da opção preferencial do governo pela paz deu-se no caso da revolta dos peões do PAC.

O Planalto chegou atrasado mas, em poucos dias, enquadrou a agenda policial das empreiteiras e expôs a letargia das centrais sindicais. Para isso não precisou nem sequer do ministro do Trabalho, que estava em órbita.

O governo vive a lua de mel típica dos primeiros meses de mandato. Esbanja popularidade, consome mitologias e promessas. Durante o apagão nordestino de fevereiro, Dilma foi festejada porque determinou que o ministro de Minas e Energia determinasse a apuração do ocorrido. Durante a catástrofe da enchente do Rio, fez apenas uma aparição burocrática, teatral.

A doutora prometia uma equipe de colaboradores selecionados pela capacidade. Conta outra. Em Furnas, trocou o indicado do deputado Eduardo Cunha pelo protegido do eletrizante Fernando Sarney.

Defenestrou Maria Fernanda Coelho da Caixa Econômica para abrigar Geddel Vieira Lima. Hospedeira da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016, nomeou um deputado obscuro para a pasta do Turismo. Tão obscuro que ainda não o chamou para despachar.

Se isso fosse pouco, na primeira grande mudança de seu madarinato, detonou o presidente da Vale, uma empresa neoestatal controlada por interesses privados (ou uma empresa privada controlada por interesses neoestatais). Ainda está nas suas mãos a entrega de uma cadeira de senador ao comissário José Eduardo Dutra por meio da outorga de um ministério ao titular do mandato por Sergipe. Esse tipo de gratificação dos suplentes é uma das modalidades mais vulgares da corrupção política nacional.

Dilma manda a energia das crises para longe do Planalto. Lula transformaria cada uma dessas tristezas num tema de debate sem pé nem cabeça. Para o bem e para o mal, a maior novidade foi a saída de Lula do proscênio.

Fernando Henrique Cardoso fez o parto da estabilidade da moeda e Lula impôs ao governo um vetor social. Graças a eles, Dilma não precisa enfrentar velhas dificuldades. Essa era a hora em que se precisava de alguém que chegasse ao palácio para cuidar do expediente. Parece banal, mas é a paz.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Lula fará palestra paga pela Microsoft nos EUA

Ex-presidente, que falará sobre Educação e Ciência e Tecnologia, evita imprensa

Fernando Eichenberg

WASHINGTON. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva será o principal orador hoje do Fórum de Líderes do Setor Público - América Latina e Caribe, evento organizado pelo grupo Microsoft na capital americana. O tema do encontro neste ano é "Inspirando a próxima geração de líderes governamentais", e Lula abordará experiências brasileiras em Educação e Ciência e Tecnologia, numa palestra remunerada.

Ontem, o ex-presidente não quis falar com a imprensa.

- Lula acha que é uma atitude de recato. A figura importante hoje é a presidente Dilma. Ele saiu como um líder respeitado e está procurando um novo papel. O resguardo nessa hora é necessário - justificou um assessor que o acompanha na viagem.

Ontem pela manhã, o ex-presidente teve um encontro na residência da embaixada brasileira com o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luis Moreno. Na conversa se discutiu a possibilidade de ações comuns entre o banco e o Instituto Lula, em processo de criação.

Ao meio-dia, Lula almoçou com o embaixador brasileiro Mauro Vieira num restaurante da cidade. À tarde, encontrou-se com o amigo Stanley Gacek, ex-dirigente da central sindical americana AFL-CIO e com ligações próximas com o Brasil. À noite, participou do jantar de gala para os convidados do evento da Microsoft, na galeria Renwick do Museu Smithsonian.

Lula embarcará hoje para Acapulco, onde fará outra palestra remunerada, desta vez para Associação dos Bancos do México, sobre a crise econômica mundial e a experiência brasileira. Do Brasil para os EUA, sua viagem em um avião privado da Coteminas foi um convite do presidente da empresa, Josué Alencar, filho do ex-vice-presidente José Alencar. O trajeto até o México será custeado pela associação de bancos mexicana.

Na próxima terça-feira, Lula irá para Londres, para uma conferência remunerada para investidores interessados no Brasil, num evento promovido pela Telefónica. Na agenda, está previsto um encontro com o historiador britânico Eric Hobsbawn.

FONTE: O GLOBO

Onde está Cabral?

Governador Sérgio Cabral estende viagem aos EUA só para ouvir palestra de Lula

RIO - Depois de sete dias em missão oficial nos Estados Unidos, o governador Sergio Cabral estendeu a viagem para assistir ao discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no "Fórum de Líderes do Setor Público da América Latina e Caribe - Inspirando a Próxima Geração de Líderes Governamentais", organizado pela Microsoft em Washington. Cabral, que na terça-feira participou do evento como palestrante, só volta ao Brasil depois de acompanhar a participação do amigo, principal orador do evento.

Em sua palestra na terça, Cabral falou da experiência de seu governo em iniciativas de democracia participativa e redes sociais e destacou o projeto Rio Estado Digital - rede governamental de acesso gratuito à internet sem fio. Falou ainda das iniciativas de inclusão digital promovidas por seu governo, citando a distribuição de laptops para professores e alunos bem avaliados da rede estadual de ensino.

Apesar de o governo afirmar que esta é a primeira missão oficial do governador no exterior em 2011, não é a primeira vez que Cabral se ausenta do Rio este ano. Em janeiro, num dos momentos mais difíceis do estado, quando as chuvas destruíram cidades da Região Serrana, o governador estava em viagem pela Europa. Ele só pôde visitar os municípios atingidos dois dias depois da tragédia, que deixou mais de 900 mortos.

Em outras crises de seu governo - como a deflagrada pela Operação Guilhotina da Polícia Federal , que acabou desencadeando a troca de comando na Chefia de Polícia Civil, no início do ano -, a ausência de Cabral motivou rumores de que ele também estaria viajando, embora sua assessoria garanta que, ao menos neste caso, ele estivesse em sua casa, no Leblon, tratando-se de uma intoxicação alimentar.

Nesta viagem de oito dias aos EUA - ele deve voltar na noite desta quarta-feira, depois de passar pelas cidades de Washington, Maryland e Boston - Cabral, segundo seus assessores, acertou com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bird) a liberação de R$ 1 bilhão para projetos de estradas e recuperação na Região Serrana e a disponibilização, pelo Eximbank, de US$ 1 bilhão de crédito para empresas americanas interessadas em investir no Rio.

FONTE: O GLOBO

Ajuste ainda não chegou aos gastos sigilosos

Os gastos sigilosos com cartão corporativo da Presidência cresceram 62% em janeiro e fevereiro. O governo alega que os "eventos de encerramento" da gestão Lula, em dezembro, puxaram essa alta.

Gasto mensal com cartão corporativo aumenta 62% na gestão Dilma

Palácio justifica despesas maiores com eventos de encerramento do governo Lula

Regina Alvarez

BRASÍLIA. Nos primeiros dois meses do governo Dilma, os gastos sigilosos com cartão corporativo do gabinete da Presidência da República somaram R$1,665 milhão. Com isso, a média mensal dessas despesas este ano, de R$832 mil, supera em 62% a média mensal de 2010, de R$512 mil, na contramão do discurso de austeridade que é a marca do governo Dilma. Segundo o Palácio, parte dessas despesas - exatos R$855 mil - refere-se à herança deixada pelo governo Lula, já que a fatura do cartão corporativo de janeiro incorpora uma parte das despesas realizadas em dezembro.

Os gastos totais do governo Dilma com cartão corporativo até fevereiro chegam a R$12,046 milhões. Já os gastos do gabinete da Presidência equivalem a 13,9% desse total (R$1,6 milhão), enquanto ao longo de 2010 esses gastos somaram R$6,183 milhões, o equivalente a 7,7% dos gastos totais do governo com cartão: R$80,079 milhões.

- O crescimento é espantoso. No mínimo, estranho. No momento em que o governo comanda a redução dos gastos públicos, vemos os gastos sigilosos da Presidência crescendo nesse ritmo - observa o economista Gil Castelo Branco, do site Contas Abertas.

Ele diz que o crescimento de gastos sigilosos é sempre preocupante, pois há o risco de ocultarem despesas indevidas.

- Lembremos que no passado o carimbo de sigilo ocultou a compra de vestidos para a ex-primeira dama Rosane Collor - destaca.

A Secretaria-Geral da Presidência da República justificou ontem o aumento dos gastos sigilosos com cartão corporativo registrados pelo Portal da Transparência pelo fato de as faturas deste ano incluírem alguns gastos de dezembro de 2010:

"Apesar de os números divulgados no Portal da Transparência aparentemente indicarem um aumento de gastos com os cartões de pagamento do governo federal nos dois primeiros meses de 2011, não houve efetivo crescimento nessa modalidade de despesa. Ocorre que os cartões de pagamento têm sua fatura encerrada ao final de cada mês, sendo pagos em meados do mês subsequente. Assim, as despesas indicadas refletem um aumento de despesas em dezembro de 2010, decorrentes de atividades específicas relacionadas a eventos de encerramento da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, inclusive ações de prestação de contas de seu mandato e de preparação da posse da presidenta Dilma Rousseff".

Segundo a Secretaria-Geral, depuradas essas despesas extras, "pode-se constatar uma redução de gastos de cerca de 12% com os cartões de pagamento do governo federal em janeiro e fevereiro de 2011, quando comparados com os mesmos meses de 2010".

O cartão corporativo é utilizado no governo para o pagamento de despesas consideradas de pequeno vulto. No caso da Presidência da República, os gastos classificados como sigilosos são para a cobertura de despesas consideradas peculiares. O argumento para mantê-las em sigilo é da segurança.

Uma portaria de 2008, do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, define quais gastos do gabinete presidencial precisam ser mantidos em sigilo: são aqueles relativos à "segurança das autoridades presidenciais e respectivos familiares, dos titulares dos órgãos essenciais da Presidência e, quando determinado pelo presidente da República, de outras autoridades ou personalidades".

Entre as despesas, manutenção das instalações

Nessa lista foram incluídas despesas relativas à "manutenção das instalações, bens e serviços das residências oficiais do presidente e do vice-presidente da República, bem como dos escritórios regionais em apoio aos respectivos familiares, sempre que possa afetar a segurança e segurança de saúde e alimentar das autoridades presidenciais".

Em fevereiro de 2008, no auge da crise provocada pelo uso indevido dos cartões corporativos por autoridades do Executivo, que resultou na queda da ex-ministra Políticas de Promoção da Igualdade Racial Matilde Ribeiro, o então presidente Lula saiu em defesa desse instrumento. Definiu o cartão como a forma mais séria e transparente de cuidar dos gastos públicos:

- O que precisamos é, a partir da deficiência, fazer as correções necessárias e continuar colocando na internet para que a população tenha acesso.

FONTE: O GLOBO

Temer é investigado em inquérito no Supremo

Ministro retirou segredo de justiça do caso, que apura corrupção ativa e passiva; vice-presidente nega acusações

Carolina Brígido e Gerson Camarotti

BRASÍLIA. O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), tornou público um inquérito que tramitava no tribunal em segredo de justiça contra o vice-presidente Michel Temer. Segundo o ministro, há indícios envolvendo Temer com tráfico de influência, corrupção passiva e ativa. O caso estava na Justiça Federal de São Paulo desde 2006. Em 2010, quando as investigações esbarraram em Temer, que tem direito a foro especial, o inquérito foi enviado ao STF. Os autos chegaram ao tribunal em fevereiro deste ano.

Segundo reportagem publicada ontem na "Folha de S. Paulo", a investigação trata de suposto esquema de cobrança de propina de empresas detentoras de contratos no Porto de Santos, administrado pela Companhia de Docas do Estado de São Paulo (Codesp).

Procurador-geral da República recebeu inquérito

Marco Aurélio enviou o inquérito ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Caso o procurador concorde que Temer é suspeito, o caso ficará no STF. Gurgel poderá determinar a realização de novas diligências, como a quebra de dados sigilosos e o depoimento de testemunhas. Se Gurgel não detectar suspeitas contra Temer, os autos voltarão à Justiça paulista.

Temer negou participação no esquema de cobrança de propina de empresas e classificou o episódio de coisa "antiquíssima", ao lembrar que em 2002 o então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, decidira pelo arquivamento da investigação contra ele.

- Quando há decisão já proferida pela Procuradoria-Geral da República, não se pode reformar o mesmo fato, a não ser que haja provas novas. E digo mais, não há conexão nenhuma entre os fatos descritos e a realidade - afirmou Temer.

A investigação começou em um processo de reconhecimento de união estável entre Erika Santos e Marcelo de Azeredo, que presidiu a Codesp de 1995 a 1998, período em que Temer e o PMDB paulista faziam indicações para o órgão. Na ação, Erika teria alegado que Azeredo mantinha um nível de vida incompatível com suas declarações à Receita Federal.

Segundo a "Folha de S. Paulo", Erika juntou na ação da Vara de Família planilhas e documentos que indicavam o repasse de propinas pagas a Codesp por duas empresas: Libra Terminais S/A e Rodrimar S/A. O dinheiro teria sido entregue a Azeredo, a uma pessoa identificada como "Lima" e a alguém cujas iniciais eram "MT". Segundo a Polícia Federal, trata-se de Michel Temer.

O grupo teria recebido indevidamente R$1,28 milhão, o equivalente a 7,5% do contrato da Libra para exploração de dois terminais do porto. O vice-presidente teria embolsado metade do valor, segundo a "Folha".

A partir da denúncia, foi aberto um inquérito criminal, no qual a polícia chegou ao nome de Temer. Nos autos, Azeredo aparece associado às práticas de crime contra a ordem tributária, fraude a licitação pública e crime contra o sistema financeiro (realizar operação de câmbio não autorizada para fins de evasão de divisas).

Segundo o ministro do STF, constam dos autos conversas telefônicas gravadas por determinação judicial. No entanto, ele não soube informar se os diálogos têm Temer como interlocutor. Ontem, chegou ao gabinete do ministro um pedido da juíza de Santos que cuidava do caso para que a investigação volte a ser sigilosa. Mas o ministro descarta essa possibilidade:

- A tônica na administração pública é a publicidade, até para não haver maledicência. Ela (a juíza) é parte interessada? O interessado é que tem que pedir (o sigilo do inquérito) - disse o ministro.

FONTE: O GLOBO

Aprovado financiamento público de campanha

Mudança votada em comissão do Senado irá ainda à Câmara; se passar, valerá para eleições majoritárias e proporcionais

Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. A comissão de reforma política do Senado aprovou ontem, por 12 votos a 5, a adoção do financiamento público exclusivo para as campanhas eleitorais. Se aprovado em definitivo pelo Congresso, valerá tanto para as eleições majoritárias (presidente, governador, senador e prefeito) como para as proporcionais (deputados federais e estaduais, e vereadores). Apesar de o tema ser polêmico, a maioria da comissão entendeu que financiamento público era a forma que combinava mais com o voto em lista fechada - onde o eleitor passa a votar nos partidos, e não mais no candidato na eleição de deputados -, aprovado na semana passada. Esse foi o principal argumento do PT, defensor das duas propostas.

"Tudo é muito bonito, mas a realidade brasileira é outra"

Alguns senadores alertaram para o fato de a comissão estar debatendo a questão do financiamento num momento em que se volta a discutir o escândalo do mensalão, que apontou desvio de verba pública e uso de caixa dois em campanhas.

- Tudo é muito bonito, mas estamos vendo aí o mensalão. Ficamos discutindo financiamento público, isso e aquilo, mas a realidade brasileira é outra - resumiu o senador Itamar Franco (PPS-MG), que, mesmo assim, votou a favor do financiamento público.

Os parlamentares ainda deverão debater se haverá limite de verba para cada candidato e se o fundo partidário continuará.

- Seria mais barato para o Estado o financiamento público do que o sistema atual. Hoje os financiadores são empreiteiras, bancos, prestadores de serviço, sendo que alguns guardam relação de interesse com o Estado - justificou o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE).

Os senadores do PSDB na comissão, Aécio Neves (MG) e Aloysio Nunes Ferreira (SP), votaram contra, defendendo a manutenção do atual sistema, que é misto: prevê o financiamento privado das campanhas, com doações de empresas, e tem recursos orçamentários repassados aos fundos partidários.

- Financiar candidaturas com dinheiro dos impostos? Sou contra. E mais: isso não acaba com financiamento ilegal, compra de lideranças, de votos, caixa dois, enriquecimento de políticos que fazem negócio com os mandatos - disse Aloysio.

- Sou favorável ao sistema atual, mas com teto para doadores que se beneficiarem das doações. A proposta de financiamento público só tem condições de ser discutida no Brasil real se tivermos o voto em lista fechada aprovada - acrescentou Aécio.

O presidente da comissão, senador Francisco Dornelles (PP-RJ), foi contra, alegando que a população não apoia:

- Financiamento público de campanha significa que uma parcela do imposto que cada pessoa paga é destinada a candidatos que muitas vezes essas pessoas não desejam ajudar.


Os temas aprovados na comissão ainda terão que ser votados no plenário do Senado e depois na Câmara. Hoje, a comissão volta a se reunir para discutir outros temas, como candidatura avulsa e fidelidade partidária. Dornelles quer entregar um relatório preliminar amanhã ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

FONTE: O GLOBO

Direção do PV lança ofensiva contra grupo de Marina

Cúpula verde tenta esvaziar reunião de "marineiros"; mulher do presidente da sigla divulga abaixo-assinado contra ex-senadora

Bernardo Mello Franco

SÃO PAULO -Aliados do presidente do PV, José Luiz Penna, iniciaram ofensiva para tentar sufocar o grupo da ex-presidenciável Marina Silva na disputa pelo comando do partido.

Os "pennistas" querem esvaziar a rebelião liderada pela ex-senadora e ameaçam punir Marina e o deputado Alfredo Sirkis (PV-RJ) pelos ataques ao dirigente, que preside a sigla desde 1999.

Em manifesto na internet, apoiadores de Penna defendem a instalação de uma comissão de ética para enquadrar os dois por desobediência e atitude contra a "boa imagem partidária".

O texto é assinado por Betânia Advíncola, secretária de organização do PV em Pernambuco, mas tem sido divulgado em redes sociais por Patrícia Penna, mulher do presidente da legenda.

"Reconhecemos a força de Marina, mas o partido é maior do que ela. Não podemos ficar reféns de ameaças", disse Advíncola, referindo-se à possibilidade de a ex-senadora deixar a sigla.

"Penna não assinou porque ia parecer personalismo. Seria desagradável para ele pedir uma punição porque o chamaram de ditador."

Em outra frente, o diretório do PV na capital paulista convocou reunião no sábado no mesmo horário de um ato marcado pelos "marineiros".

GUERRA CARTORIAL

Para Sirkis, a iniciativa tem como objetivo esvaziar a reunião do grupo.

"É uma tentativa truculenta de impedir o debate no partido. Penna quer liderar uma guerra cartorial contra a democratização do PV", disse o deputado.

Marina programou uma série de viagens pelo país para tentar mobilizar as bases do partido contra Penna. Ela tenta reverter a vantagem do dirigente na Executiva Nacional, que prorrogou seu mandato por mais um ano.

Depois da reunião em São Paulo, ela programou ato no Rio, no domingo, e em Salvador, na próxima semana.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Aécio levanta a voz da oposição

Senador mineiro vai hoje à tribuna fazer um duro discurso contra o PT e sairá em defesa das medidas tomadas no governo tucano de FHC

Baptista Chagas de Almeida

“Sempre que precisou fazer uma opção entre o país e o partido, o PT ficou com o PT”. É assim, armado até os dentes, que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) sobe hoje à tribuna para fazer um discurso que é não voltado para dentro do Congresso, mas para fora, para os eleitores sentirem que há espaço para a oposição. Por isso, será duro. O senador estreia na tribuna como líder da oposição, mas não pretende assumir o papel de fazer ofensas e ataques pessoais, tanto que vai reconhecer que o Brasil é hoje melhor do que era. Só que os pilares para esta situação foram plantados desde o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Aécio vai buscar na história recente da redemocratização brasileira os argumentos para sua tese principal. Lembrará que nos momentos mais decisivos, o PT esteve contra. Vai citar as expulsões dos então deputados petistas Bete Mendes e Ayrton Soares, porque votaram a favor da vitoriosa candidatura de Tancredo Neves no colégio eleitoral, que pôs fim ao ciclo do regime militar. Vai destacar que o fato se repetiu em outro momento delicado para o país, no impeachment do ex-presidente e do hoje senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL).

Na época, a hoje deputada Luíza Erundina (PSB-SP) foi expulsa porque aceitou ser ministra de Itamar Franco, quando ele assumiu a Presidência da República. Além dos fatos políticos, o senador mineiro pretende citar outras ocasiões em que o PT preferiu jogar no time do “quanto pior, melhor”, porque já tinha lançada a candidatura de Lula à Presidência da República. Um dos exemplos é o lançamento do Plano Real, que os petistas condenaram com veemência.

Os outros são o combate à modernização da economia, as manifestações contra as privatizações, as críticas ao Proer, que, na avaliação dos tucanos, evitou uma quebradeira de bancos. E vai lembrar que Dilma Rousseff está no nono ano de mandato do PT no Palácio do Planalto e que não tem mais como alegar que é obrigada a administrar uma “herança maldita”. Pelo menos, lembra Aécio, ela não é tucana.

Contradições

Depois de passear pela história radical do PT na oposição, o senador vai destacar as contradições do partido no exercício do poder. Vai mirar a metralhadora giratória no comportamento do partido nas eleições do ano passado, quando pintaram um quadro cor de rosa para a economia brasileira. Destacará o risco da inflação sair do controle, tanto que o Banco Central já subiu as taxas de juros, e vai bater firme no risco de a indústria nacional perder competitividade.

Os gargalos para o desenvolvimento nacional são objeto da abordagem de Aécio. Ele diz que o Brasil está no fim da fila neste aspecto entre 20 outros países de perfil semelhante. Citará, por exemplo, que a energia é alvo de mais de 10 taxas e impostos, que o saneamento passa longe de boa parte dos municípios brasileiros. Além da falta de infraestrutura, vai bater forte na questão tributária, que tira a competitividade das empresas nacionais.

Com números fortes, o senador vai encerrar a sua estreia, digamos assim, na tribuna do Senado com uma agenda propositiva. Destacará que estados e municípios tinham, no fim de 2002, antes da posse de Lula na Presidência da República, 27% do bolo tributário. Hoje, a participação está reduzida a 19,4%. Aécio apresentará proposta para criar um gatilho em que, todas as vezes em que o governo federal isentar IPI e Imposto de Renda, terá que compensar estados e municípios com outros tributos.

INTERVENÇÃO NA VALE

» O senador Aécio Neves atacará também o que chama de “absurda” intervenção feita pelo governo na Vale, para a substituição de Roger Agnelli por Murilo Ferreira, apesar dos ótimos resultados da empresa nos últimos anos. É, segundo ele, uma espécie de reestatização em uma empresa que é símbolo de uma privatização bem sucedida. A intervenção nas agências reguladoras também serão alvo do tucano. Ele citará os exemplos da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que deveriam ter total independência para cumprir o papel de defesa do consumidor e estão sendo obrigadas a atender aos interesses do governo.

Participação

27% - Total do bolo tributário que cabia aos estados e municípios em 2002

19,4% - Percentual que estados e municípios recebem hoje do conjunto de impostos do país

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

"Tancredo" é emocionante aula de história e política

16º é tudo verdade

Crítica

Engajado, Silvio Tendler conduz filme da Era Vargas à redemocratização de 1985

Eliane Cantanhêde

"Tancredo, a Travessia" repete a fórmula da história real, alternando as espetaculares manifestações de rua com as competentes articulações de gabinete que em 1985 confluíram para a redemocratização em segurança e em clima de festa.

Velhos filmes, fotos e entrevistas misturam-se a depoimentos recentes de políticos e artistas. É assim que o engajado Silvio Tendler nos leva ao passado.

Todo em preto e branco, o que lhe confere densidade, o filme recupera a história a partir de 1930, indo buscar em Getúlio Vargas o fio da meada do golpe militar de 1964 e os personagens da redemocratização de 1985.

No centro, Tancredo Neves, ministro da Justiça de Vargas, primeiro-ministro no parlamentarismo que garantiu a efêmera posse de João Goulart, a última mão a cumprimentar Juscelino Kubitschek na partida para o exílio.

Na ditadura, recolheu-se a um discreto mandato na Câmara. Diferentemente de JK, foi o único do PSD a não votar em Castelo Branco para a Presidência. Mesmo assim, não foi cassado.

O mineiro Tancredo atravessou décadas, governos e regimes até se transformar no instrumento do fim do autoritarismo, uma revolução sem armas ou sangue, feita na melhor articulação política e embalada pelas ruas.

"Conciliação" foi a palavra-chave da atuação de Tancredo, reforçada por fatos e depoimentos de protagonistas como Fernando Henrique Cardoso, José Sarney, Fernando Lyra e Aécio Neves.

Se faltou alguém, foram Jorge Bornhausen e Guilherme Palmeira que, ao lado de Marco Maciel, capitanearam a dissidência do PDS, o partido do regime militar.

Foi essa Frente Liberal que deu sustentação à insubordinação de Aureliano Chaves e à entrada em cena do próprio Sarney. Fechou-se o cerco.

Assim como o país se uniu pelas Diretas Já, deslizou suavemente para o apoio à Nova República, possível com a eleição de Tancredo pelo colégio eleitoral.

Excluíram-se apenas a linha dura militar, o deputado Paulo Maluf (que Tancredo derrotou na eleição indireta) e, de outro lado, o PT.

O destino e os médicos -como Tendler explora bem- impediram que Tancredo assumisse. Como Getúlio, saiu da vida e entrou para a história. Sarney, que seria transitório, ficou cinco anos.

O filme começa com a comunicação da morte de Tancredo pelo jornalista Antônio Britto, porta-voz da longa agonia. E acaba com Aécio Neves reproduzindo a última frase que ouviu do avô Tancredo: "Eu não merecia isso".

Para quem era jovem demais ou nem tinha nascido, "Tancredo, a Travessia" é uma aula de história, de política e de otimismo.

Para quem viu a história acontecer, é uma emoção, com o hino nacional na voz de Fafá de Belém, "Vai Passar", de Chico Buarque, e "Coração de Estudante", de Milton Nascimento. Ali, o Brasil estava de parabéns. Agora, o filme também.

TANCREDO, A TRAVESSIA
DIREÇÃO Silvio Tendler
QUANDO hoje, às 15h, no Cine Livraria Cultura, em São Paulo CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO bom

FONTE: FOLHA DE S. PAULO/ ILUSTRADA

Leonardo Da Vinci, segundo Giorgio Baratta:: Vladimir Carvalho

Giorgio Baratta. Leonardo entre nós. Imagens, sons e palavras na época intermidiática. Brasília/ Rio de Janeiro: Fundação Astrojildo Pereira & Contraponto, 2011. 212p.

Leonardo da Vinci penetrou em nossa era midiática com avassaladora presença e circula visível e lampeiro em toda parte, com suas barbas venerandas estampadas até nas notas do euro, e não escapou sequer do mundo do rock n´ roll iconizado em camisetas e outros apetrechos do pop. O deslumbramento diante dos seus quadros, como a Mona Lisa e a Santa Ceia, faz a festa nos museus; e tais quadros, juntamente com a figura do seu Homem Vitruviano, têm sido largamente parodiados sem jamais esgotarem o seu mistério e perene beleza. A sua legenda vem de longe e inclui a amplitude do espectro de interesses que moviam a sua atividade artística, intelectual e científica, o que fez dele uma fonte permanente e inspiração variada de estudos, sobretudo, e obviamente, nos círculos acadêmicos.

Nada disso, entretanto, afetou a opção feita pelo saudoso gramsciano Giorgio Baratta (1938-2010) e de quem agora se lança no Brasil este Leonardo entre nós, uma súmula das pesquisas que há algum tempo ele e o seu grupo italiano de Urbino desenvolveram em torno de da Vinci, com a adesão, entre outros, de Ernst Gombrich e Eric J. Hobsbawn. O foco epistemológico se concentra na obra escrita do gênio italiano que, embora de pequenas dimensões, concentra denso e estimulante pensar, mesmo considerando-se o tempo decorrido e os condicionamentos históricos. A matéria-prima deste importante ensaio são os cadernos de anotações e o Tratado da Pintura, aqui chamado de Livro de Pintura. O pensamento davinciano está por inteiro ali e, revisitado e de novo interpretado, se nos afigura surpreendente, repleto que está de conceitos e percepções muito além das cogitações de sua época, dando a impressão de ter como endereço certo a nossa contemporaneidade, tal a sua originalidade e alcance. Às vezes, o seu pensamento bordejava certa bizarria ao combinar ideias e categorias que tiveram voga no período medieval com incríveis “sacadas” que não encontraram abrigo nos cânones do Renascimento. Pior para os cânones e para os donos da verdade.

A universalidade de seu pensamento, entretanto, torna-se agora mais clara através de uma maneira muito peculiar de abordagem, se revelando quase sempre dicotômica, como dicotômica foi a sua personalidade psíquica, objeto de texto paradigmático, verdadeiro “de profundis” de Sigmund Freud sobre um sonho de Leonardo.

Dialético à moda dos pré-socráticos, podendo ser aparentado num primeiro instante a Empédocles, da Vinci manifesta, porém, uma verdadeira idiossincrasia quanto ao mero dualismo metafísico, rechaçando resolutamente a separação radical entre substâncias ou “princípios universais”, o que faz coincidir seu ponto de vista com a moderna divisão do saber.

Mas o que sustenta a pertinência deste importante estudo é, mais uma vez, a atualidade de da Vinci, em particular o do pensamento escrito, tal como se encontra no Livro de Pintura e nos já citados “cadernos”. Aqui se ressalta uma afinidade sintomática, mas não de todo passageira, com o sempre fecundo Antonio Gramsci, afinidade mais de forma do que de fundo, mais pelo cosmopolitismo de certas posições de ambos e em especial pelo que tange, por exemplo, à chamada “continuidade de todos os fenômenos”. Parte-se aqui das questões levantadas por da Vinci quando procede às comparações da pintura com as outras artes. É esta universalidade de um espírito inquieto que levou Kenneth Clark a uma afirmação conhecida, a de que “toda geração reinterpreta Leonardo”. Não à toa recorre-se nessa instância ao cineasta Serguei Eisenstein, quando ensinava a seus alunos em Moscou sobre a curiosa antecipação da montagem cinematográfica, com som e tudo, já latente nos escritos do mestre italiano, e citava empolgado a descrição que da Vinci fazia do Dilúvio como “folhas para uma montagem audiovisual”.

Partindo da “unificação comparativa” entre línguas e linguagens, povos e culturas, como queria Leonardo, algo parece contemplar aspirações de hoje, a que não era indiferente o “programa universal” gramsciano, num diapasão que nos lembra também a “metodologia polifônica” propugnada por Bakhtin. São caminhos para uma práxis que bem poderia nos levar a uma nova ordem mundial, livre das mutilações e dos perigos de uma famigerada globalização.

Assim como o doce, mas ambíguo, sorriso da Gioconda nos remete sutil ao princípio da contradição que rege todas as coisas, este livro parece nos aliciar, num recuo no tempo, para uma atitude de maior conhecimento do pensamento davinciano, que mesmo diante das restrições de sua época nos propôs questões de máxima complexidade, antecipando-se ao mundo e à modernidade de hoje.

Vladimir Carvalho é cineasta.

FONTE: GRAMSCI E O BRASIL

Paulinho da Viola - Para um amor no Recife

Mãos dadas :: Carlos Drumonnd de Andrade

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.


Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.


O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.