segunda-feira, 14 de março de 2011

Reflexão do dia – Pedro Malan: “o pós-Lula”

" ... em 2003 o então - como ainda hoje - estrategista-mor do petismo (J. Dirceu), reagindo a um comentário público do então ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, [disse]: "Ele deveria estar calado em casa, de pijama e chinelos cuidando dos netos". Que eu tenha tomado conhecimento, ninguém sugeriu o mesmo a Lula. Que, por sinal, disse mais de uma vez que iria mostrar a todos "como deve se comportar um ex-presidente quando desencarna". Deixo ao eventual leitor imaginar a qual (ou a quais) ex-presidente(s) se referia Lula."

MALAN, Pedro. Dilma, lidando com “o pós-Lula”. O Estado de S. Paulo, 13 de março de 2011.

A política e seus sinais:: Luiz Werneck Vianna

Os sinais são muito fortes para serem ignorados: há um novo estado de coisas no mundo que se realiza como que por detrás dos atores, movido por um processo irresistível que a ação humana, embora não tenha mais como barrar, pode e deve procurar dirigir. O levante democrático-popular que varre a margem árabe do Mediterrâneo e se espraia pelo Oriente Médio dá início a uma nova época, independente das peripécias, decerto tumultuadas, que vai conhecer pelo muito caminho que ainda tem pela frente. Dessa feita, a revolução da igualdade, na análise e nos termos de Tocqueville, com quem este texto vinha flertando até aqui, não pode ser denunciada como portadora de ameaças potenciais à liberdade porque ela é feita também em seu nome.

Essa é uma revolução da sociedade civil, como a seu tempo e na sua circunstância, a da Comuna de Paris no longínquo 1871, sem partidos estruturados verticalmente e homens providenciais, conquanto sejam evidentes, particularmente no Egito, a presença de instituições modernas na emergência da rebelião popular. Com o seu desenlace ainda envolto em névoas, de ciência sabida, já se pode dizer que, ali no Oriente, a democracia como valor universal vem ganhando a dimensão que lhe faltava.

Trata-se, sem dúvida, de todo um novo repertório, condenando ao anacronismo as fórmulas prisioneiras das circunstâncias e da cultura do século do qual estamos nos afastando em passo acelerado. No Brasil, desde as lutas contra o regime militar, experimenta-se a internalização desse repertório, sobretudo na forma consagrada pelas instituições da Carta de 88. Contudo, o plano institucional e o da imaginação e o da prática política não vêm guardando entre si relações de homologia.

Assim, enquanto a Constituição, a par de instituir amplas liberdades civis e públicas, abre possibilidades para a democracia participativa, facultando até a intervenção da sociedade no controle de constitucionalidade das leis, e se orienta pelo princípio da descentralização administrativa; no plano do agir político, não só assistimos a um impulso crescente rumo à centralização administrativa, do que são exemplares as políticas públicas de saúde, segurança e educação - para não mencionar o Conselho Nacional de Justiça, criado em 2004, como instância federal de regulação da magistratura - e à centralização política, mal disfarçada pelo nosso presidencialismo dito de coalizão.

A essa forma de presidencialismo, herdeira envergonhada de muitas das tradições do nosso autoritarismo político - não à toa viceja tão bem entre nós -, deve-se o resultado de um Executivo que se impõe como poder hegemônico diante do Legislativo, rebaixado ao papel de caudatário na iniciativa das leis.

Sob a égide do pragmatismo, tanto nos mandatos de FHC como nos de Lula, vive-se uma política que desconhece os termos da sua justificação, malgrado os intelectuais de declaradas vocações teóricas que integraram seus governos - em alguns casos, consensualmente reconhecidas. Ora, denuncia-se a era Vargas como carga obsoleta a ser jogada ao mar, ora reabilita-se acriticamente a sua obra, inclusive em matéria sindical, como referência republicana a ser preservada, sem que se anunciem os fundamentos dessa operação.

Partidos de extração moderna, como o PSDB e o PT, originariamente contestadores do patrimonialismo e de suas práticas a fim de realizar suas aspirações de poder, se associam à personagens do atraso político e social em nome de ampliar suas coalizões e da governabilidade. Nessa batida, o pragmatismo arrisca se desprender dos limites de uma ética de responsabilidade para se acanhar em uma política que sequer cogita da sua justificação, uma vez que adotou como seu o rumo que lhe é indicado pelo regime dos ventos. Sem a animação que os partidos poderiam emprestar à política, afora a cenografia dedicada à contemplação dos que se encontram à margem dos círculos do poder, ela se curva, diante de uma sociedade imobilizada politicamente, ao domínio da razão tecnocrática e ao pragmatismo instrumental.

Imaginação e coragem criativa, contudo, não fariam falta à política de hoje em razão de um diagnóstico não confessado, mas observado pela classe política e suas adjacências: com o Plano Real, de FHC, e as políticas de inclusão social de Lula, o Brasil como que teria chegado ao fim da sua história. A recente campanha presidencial é a melhor ilustração da aceitação desse diagnóstico - os dois principais candidatos se limitaram a disputar quem seria o autor do próximo capítulo a garantir continuidade ao enredo dessa história virtuosa.

Mal comparando, estaríamos, na política, como nas décadas do segundo reinado, quando a política de conciliação entre conservadores e liberais - nos dias de hoje, ainda mal comparando, a articulação entre atraso e moderno, base do nosso presidencialismo de coalizão - apresentou-se como o percurso ideal para se perseguir os fins civilizatórios das elites da época, moderando-se os impulsos de reforma e desconfiando-se da imaginação. Mas, o longo ciclo de FHC a Lula, se preservou os elementos recessivos e anacrônicos da nossa política, modernizou e democratizou de fato a economia e a estrutura social do país, importando com isso novas exigências a serem satisfeitas, em particular as que são portadas pelos trabalhadores e seus sindicatos e das que poderão provir do mundo agrário, se e quando movimentos como o MST romperem com o anacronismo da sua orientação e se renderem ao espírito da época.

Em política, às vezes pequenos sinais também podem ser úteis à observação. No Rio de Janeiro, nesse carnaval que passou, para além das celebridades dos camarotes e dos desfiles das escolas de samba, o fato a registrar está nos jovens dos blocos de rua, especialmente a multidão de adolescentes, que, postos em permanente comunicação por meio de celulares e do Twitter, fizeram uma festa para si, fora do circuito oficial, onde não tinham como entrar.

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador da PUC-Rio.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Só indiretamente dá para perceber os ''lides'' :: Marco Antonio Rocha

A nossa presidente continua não dando lide. Para a imprensa.

Já falamos disso em artigo anterior. Mas, de lá para cá, acompanhando alguns fatos do novo governo, foi possível perceber que, se ela não dá lide para fora do governo, para a imprensa em geral, certamente tem dado lide para dentro do governo.

Em outras palavras, o que ela tem dito, e provavelmente exigido, a portas fechadas, nos gabinetes de reunião, transparece indiretamente em palavras de auxiliares seus ou em documentos oficiais ou, ainda, em novas atitudes de pessoas que já atuavam no período Lula.

A mais recente indicação de que a fala de S. Exca. é mais afirmativa para dentro do governo do que para fora pôde ser avaliada pelo texto da ata da reunião do Comitê da Política Monetária (Copom), possivelmente o último lugar onde alguém iria procurar indícios do que pensa e do que se propõe d. Dilma.

Podemos estar redondamente enganados, mas nesse texto encontramos sinais de uma preocupação de governança séria que vai além do habitual tema central do Copom, que é a elevação ou diminuição da taxa básica de juros, a Selic.

Ali está escrito, no item 31 - que muita gente já comentou -, que "a eventual introdução de ações macroprudenciais (sic) pode ensejar oportunidades para que a estratégia de política monetária seja reavaliada".

Deixando de lado o desejo de comentar o calamitoso, embora crescentemente usado, neologismo - um desrespeito até mesmo à estética vernacular -, notemos que o mercado financeiro reagiu à frase derrubando fortemente os contratos de juros futuros, na BM&F, conforme apontou o jornal Valor. Quem apostava na elevação dos juros perdeu dinheiro e ficou óbvio que o mercado, com o seu habitual imediatismo, interpretou a frase achando simplesmente que a sequência de altas da Selic vai ser interrompida ou até substituída por uma fase de baixas.

Pode ser.

Mas uma outra leitura é possível também.

Quais vinham sendo os fatores que levaram o Copom a ingressar na fase de elevação da Selic nas última reuniões?

Basicamente, a gastança e o relaxamento fiscal do final do período Lula, sob o pretexto de eleger Dilma, mas que resultaram no impulso inflacionário que estamos tendo no momento, com repórteres das TVs empunhando seus microfones nas gôndolas de supermercados para falar dos aumentos de preços dos mais variados produtos, depois que se noticiou o papel importante dos alimentos em geral na formação dos atuais índices de inflação.

Ora, o Banco Central e o Copom reagiram como de hábito, usando a Selic como amortecedora das pressões inflacionárias: se os juros sobem, os consumidores fazem menor uso do crédito, compram menos, a demanda geral se ajusta para baixo, a indústria e o comércio ficam com menos espaço para elevar preços e, no devido tempo, o ímpeto inflacionário se amaina.

Essa receita fez parte do período recente. Mas há uma outra ferramenta para colocar um freio na inflação, que muitos economistas apontavam - o ajuste fiscal, isso é, o corte de gastos do governo - sem que a equipe de Lula tivesse possibilidade de prestar atenção, uma vez que o então presidente não admitia falar disso na disputa eleitoral. E havia ainda a hipótese de se moderar a política de melhoria da renda da população em geral, para encolher o visível descompasso em relação à melhoria da produtividade. Outro assunto detestável para o ex-presidente.

De modo que a frase famosa da Ata indica também que medidas de natureza fiscal e de natureza anticíclica, no que se refere à renda, podem sobrevir. E indica, sobretudo, que a presidente não as descartará caso necessárias. A Ata não as mencionaria, se previsse seu veto ou soubesse que seriam vetadas. O Copom deve ter auscultado Dilma. Havendo sinal verde para políticas fiscal e de rendas mais ajustadas, a política monetária pode ser mais dovish, como disseram alguns financistas, sempre ligados na gangorra imediatista dos juros e imitando o linguajar debiloide de Wall Street. Parece claro que a estratégia do conjunto da política econômica vai se aproximando mais do que recomenda o manual, do que do voluntarismo da chefia. O texto das atas do passado recente era cheio de salamaleques para não pisar nos calos de quem nunca antes na história deste país tinha feito tantos milagres.

Mas houve outros episódios reveladores de uma fala diferenciada da chefia para dentro do governo. Por exemplo, o da representação brasileira na sede da ONU em Genebra, ao receber a exilada iraniana Shirin Ebadi, Prêmio Nobel da Paz de 2003. Na ocasião, a embaixadora do Brasil, Maria Nazareth, disse que o Brasil "apoiava" a posição de Ebadi - para consternação, por certo, do "amigo" do Lula, Ahmadinejad, cujo chanceler, Ali Akbar Salehi, não se furtou de queixar-se, ao Estado, de que seu governo se sentirá "decepcionado" se o Brasil mudar de posição em relação ao Irã. O que - tudo indica - já aconteceu, pois, antes, um dos poucos lides que Dilma dera para a imprensa fora sobre sua oposição ao tratamento que o Irã dispensa às mulheres.

Enfim, não dá mais para ignorar os sinais de que a criatura difere em boa medida do seu esforçado criador.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Porta de fábrica:: Melchiades Filho

Dilma nunca teve forte ligação com os sindicatos, mesmo quando o então marido advogava para o setor. A presidente considera obsoleta a legislação trabalhista, reclama de "pelegos" acolhidos por Lula no governo e desdenha da pauta das centrais, a começar pela proposta de redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais. Por isso nem piscou ao mandar achatar o salário mínimo.

Mas daí a largar ao relento os sindicalistas? Nem a pau, Paulinho.

Num cenário de contração econômica, é impensável o Planalto permitir que as centrais se desgarrem. Até porque a oposição, em fase de reciclagem, cuida de cortejar os descontentes. Vide a foto de Aécio Neves com a Força Sindical, no auge da novela do mínimo.

Tampouco interessa a Dilma insinuar ruptura com o legado do "presidente dos trabalhadores". Em palavras e gestos, ela faz charme para as elites, mas não a ponto de alienar a maioria dos eleitores.

Há ainda outra razão para manter a Presidência próxima do movimento sindical: a disputa no PT.

O partido, que um dia esteve dividido em muitas correntes, hoje tem, de fato, apenas duas: os pró-Dilma "pragmáticos", que topam tudo pela "governabilidade", e os pró-Dilma "indóceis", que batem lata por uma agenda de esquerda.

Embora em declínio, os sindicalistas ainda têm peso (e dossiês) para definir qual lado sai vencedor.

A bancada ligada à CUT, por exemplo, emplacou o novo presidente da Câmara dos Deputados, o ex-metalúrgico Marco Maia -sindicalistas "pragmáticos" formaram aliança com a porção "indócil".

O mesmo se deu na eleição da CCJ, principal comissão da Casa. Ricardo Berzoini, ligado aos bancários, perdeu agora, mas garantiu o comando no ano eleitoral de 2012.

Dilma havia tirado sindicalistas de vários de seus espaços de atuação política (Previ, Banco do Brasil, Petros). Mas a tendência é de repactuação. Nomeações vêm aí.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Jaqueline já era:: Ricardo Noblat

"Jaqueline Roriz é uma pessoa de boa índole e fácil trato, filha zelosa, mãe dedicada, esposa amantíssima" (Nota do PMN)

O que distingue Jaqueline Roriz (PMN-DF) dos seus 512 colegas deputados federais eleitos ou reeleitos em outubro? Nada. Salvo o fato de que Jaqueline foi filmada recebendo dinheiro de Caixa 2 para financiar sua campanha, e os outros não foram filmados. Nunca se sabe, é verdade. Há sempre uma câmera, um gravador ou um celular à espreita.

Jaqueline é filha de Joaquim Roriz, quatro vezes governador do Distrito Federal e notório pilantra. Eleito senador em 2006, renunciou ao mandato para escapar de ser cassado. Um grampo da polícia captou sua voz negociando a partilha de R$ 2,2 milhões com o então presidente do Banco Regional de Brasília, Tarcísio Franklin de Moura.

No seu último governo, Roriz delegou ao delegado Durval Barbosa a tarefa de arranjar dinheiro sujo para pagar despesas de campanhas de aliados. Durval deu conta do recado, mas foi além: para eventual uso futuro, passou a registrar em vídeo a entrega do dinheiro e conversas comprometedoras com políticos e empresários.

Procedeu em legítima defesa. Temia ser descoberto, processado e preso. Essa foi a gênese do escândalo do mensalão do DEM do Distrito Federal, que resultou na prisão e renúncia ao governo de José Roberto Arruda, sucessor de Roriz, na renúncia e cassação de deputados distritais e na destruição de reputações que pareciam sólidas.

Durval entregou sua videoteca ao Ministério Público Federal ao ver o perigo de se dar mal em um processo e ao sentir-se abandonado por Arruda, a quem filmara com um maço de R$ 50 mil nas mãos. O vídeo de Jaqueline é novidade para o distinto público - não é para o Ministério Público, com quem Durval negociou a delação premiada.

Como não é novidade o vídeo onde Durval conversa com Agnelo Queiroz (PT), ex-ministro dos Esportes do governo Lula, e atual governador do Distrito Federal. A conversa nada teve a ver com dinheiro de campanha. Mas a divulgação, hoje, do seu teor constrangeria - e muito - Agnelo, segundo pessoas que tiveram acesso ao vídeo.

O destino do mandato de Jaqueline pertence a seus colegas. Ou a ela mesma caso prefira imitar o pai e renunciar. Bobagem a história de que o mandato dela será preservado porque o crime de embolsar dinheiro ilegal ocorreu em 2006. Na época, Jaqueline era candidata a deputada distrital.

Presidente do PMDB, da Câmara dos Deputados e da Assembléia Constituinte de 1988, Ulysses Guimarães ensinava: “No Congresso, se você tem maioria, só não faz mulher virar homem nem homem virar mulher”. Nos anos 60, o relógio da Câmara foi atrasado em algumas horas para que uma votação terminasse oficialmente antes da meia-noite.

Luiz Estevão de Oliveira foi acusado de ter desviado dinheiro da construção do Fórum da Justiça do Trabalho em São Paulo antes de se eleger senador pelo PMDB do Distrito Federal. Cassaram-lhe o mandato em meados de 2000 sob a alegação de que mentira para seus pares ao se defender. Ora, a lei admite que você minta para não ser punido.

O mensalão do PT custou a José Dirceu a chefia da Casa Civil da Presidência da República e, em seguida, o mandato de deputado federal. De nada adiantou ele alegar que não exercia o mandato quando o mensalão foi denunciado pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Precisava rolar uma cabeça coroada do PT para salvar a de Lula.

Lei não retroage para punir. Mas a da Ficha Limpa retroagiu e barrou candidaturas. O Supremo Tribunal Federal dividiu-se quanto à questão. Mas o Tribunal Superior Eleitoral, não. O respeito à ética é condição indispensável para quem aspire representar o povo no parlamento ou exercer cargos públicos.

Jaqueline já era. Seu partido, o PMN, é uma sigla de aluguel. O sobrenome de Jaqueline acaba pesando contra ela. E a Câmara não parece disposta a inaugurar uma nova legislatura sob a marca da conivência com a quebra de decoro. Acabar em pizza é corriqueiro. Começar com pizza é indigesto.

FONTE: O GLOBO

Orçamento clandestino :: Paulo Brossard

Nos primeiros dias do mês, um dos nossos grandes jornais publicou matéria referente aos chamados “restos a pagar”, acrescentando que no dia 1º haviam sido pagos R$ 28 bilhões a esse título, mas que restariam por pagar R$ 98 bilhões. Também se falava em cancelamento de contratos que envolviam mais de 33 bilhões, o equivalente ao custo estimado do trem-bala entre Rio e São Paulo. Ainda se aludia a medida tomada pela ministra do Planejamento orientando seus colegas no sentido de selecionar as despesas contratadas pelo ex-presidente e que não seriam honradas por sua sucessora. Enfim os fatos não poderiam ser mais graves e, a meu juízo, perturbadores.

Os números eram de tal dimensão que, em face da perplexidade em que me achava, preferi não enumerá-los, até para não contribuir à difusão de dados que poderiam ser inexatos. Levei a minha perplexidade a esse ponto, e a prudência me aconselhou a discrição. Passados os dias de Carnaval, porém, nada menos que o secretário do Tesouro foi além da Taprobana em declarações públicas e publicadas que não deixavam mais sequer o benefício da dúvida, envolvendo pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, que é uma fundação federal ligada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

Pois bem, fechando os olhos para a suma gravidade que o fato abriga, basta dizer que os números são astronômicos e a prática que se estendeu nos oito anos do melhor governo de todos os tempos, são de fazer corar um frade de pedra. Disse-se, por exemplo, que a senhora presidente herdou um problema fiscal mais sério de que o desequilíbrio que forçou o governo a cortar R$ 50 bilhões nas despesas programadas para o ano em curso. Fala-se, às abertas, na “maquiagem das contas” e até em “orçamento paralelo”. O fato é que o secretário do Tesouro informou em publicações que correram o mundo pretender pagar somente R$ 41,1 bilhões este ano, quando são R$ 128,8 bilhões os “restos a pagar” acumulados. Não sei se será necessário prosseguir nesse formidável emaranhado entre dois orçamentos, o que foi publicado no Diário Oficial, promulgado e sancionado pela presidente, e o outro, elegantemente denominado de “paralelo”, que talvez fosse melhor chamá-lo de “clandestino” ou “fraudulento”, quem sabe de “clandestino e fraudulento”.

Desde estudante acompanho os assuntos públicos da nação, em vários pontos de observação, mas nunca vira coisa semelhante. De tudo resulta uma certeza certa, ao contrário do que foi apregoado e festejado, os oito anos do presidente Luiz Inácio não foram nem os maiores nem os melhores de todos os governos em todos os tempos...

Em meio a esse espetáculo inominável há um aspecto que se diria burlesco, o mesmo ministro de Estado que, no governo passado, engendrou o orçamento paralelo, sob o atual é de supor-se destinado a desenrolar a milagrosa operação, se não tiver perdido a chave do enigma.

*Jurista, ministro aposentado do STF

FONTE: ZERO HORA (RS)

Falsas clivagens :: Denis Lerrer Rosenfield

O debate sobre a revisão do Código Florestal, que se intensificará nas próximas semanas, está sofrendo um tipo de contaminação - eu diria de poluição ideológica - que falsifica os termos mesmos da questão. Clivagens totalmente equivocadas são produzidas ao sabor das circunstâncias que atingem dimensões morais, sociais e políticas. Todas se articulam em torno das palavras "ruralistas" e "ambientalistas", empregadas por certos formadores de opinião como se simplesmente descrevessem a realidade, quando, na verdade, a deformam.

Do ponto de vista moral, os "ambientalistas" se colocam numa posição moralmente superior, como se fossem proprietários do "dever ser", dos valores que deveriam nortear a sociedade e o Estado. Produziram, para os inadvertidos, tal simbiose com as palavras "natureza" e "moralidade" que, muitas vezes, fica difícil se colocar como seus adversários. A razão é evidente. Os que seriam contra a sua posição seriam, por definição, contra a "natureza" e contra a "moralidade". Ou seja, o seu comportamento e as suas posições seriam "desinteressados", essa suposta "isenção" se transmitindo a ONGs nacionais e estrangeiras, assim como a ditos "movimentos sociais". Financiamento estrangeiro de ONGs, concorrência de produtores rurais e empresas do agronegócio estrangeiras, governos de outros países, posições esquerdistas dos movimentos sociais que atuam como organizações políticas desaparecem num passe de mágica, como se a moralidade fosse, neles, incorporada.

A própria palavra "natureza" tem várias acepções, pois é dita das mais distintas maneiras. Tomemos o seguinte exemplo. Para um francês e um alemão, valendo essa formulação para qualquer país europeu, tão amigáveis em relação ao meio ambiente, a palavra floresta designa bosques que são utilizados para passeios, piqueniques e encontros familiares. Assim, a "floresta" de Fontainebleau, na França, ou a "floresta" negra na Alemanha, tão apreciadas, são "florestas" antrópicas, produzidas pelo homem. Outros exemplos poderiam ser dados em regiões produtoras de vinhos, logo de vinhedos, que são também tomados como lugares de contato com a natureza. Isto é, áreas de agricultura são consideradas também como áreas de preservação da natureza.

Em termos ambientalistas, seriam eles devastadores da natureza, que alteraram radicalmente as florestas nativas, as "verdadeiras" florestas. Mas há um estranho silêncio sobre isso, os ambientalistas europeus e brasileiros se irmanando na defesa da "natureza", defendendo a "reserva legal", que seria, evidentemente, válida só para o Brasil. Se a "reserva legal" é uma medida de preservação da natureza, alguns diriam cientificamente "provada", por que não é ela válida universalmente? Por que as ONGs internacionais não lutam pela reserva legal em seus próprios países de origem? Por que a "verdade" científica vale aqui, e não acolá? Por que os europeus e americanos não recriam, com seus meios científicos e tecnológicos, as "florestas nativas"?

Do ponto de vista social, a mesma falsa clivagem entre "ruralistas" e "ambientalistas" se reproduz. O relatório do deputado Aldo Rebelo seria coisa de "ruralistas", se não de latifundiários inescrupulosos. Tomemos um exemplo. No final de fevereiro, a Federação dos Trabalhadores em Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Fetag-RS) lançou um abaixo-assinado defendendo abertamente a revisão do Código Florestal. Observe-se que se trata de trabalhadores em agricultura, agricultores familiares e pequenos agricultores, que estão simplesmente defendendo o seu pão de cada dia. Temem, se não houver a revisão, ser considerados "criminosos" ambientais da noite para o dia. Dedicam-se às culturas de arroz, uva e maçã, por exemplo, feitas, segundo os casos, em zonas de várzea ou em morros, que seriam simplesmente inviabilizadas. Trabalham com a natureza, não se opõem a ela, querendo ser simplesmente reconhecidos em seus cultivos, diria, "naturais". Por que os "vinhedos" daqui são nocivos à "natureza", enquanto os vinhedos europeus são simplesmente "naturais"?

Note-se que a Fetag-RS, assim como outras Fetags no País, se insurge contra a insegurança jurídica, defendendo, inclusive, a segurança alimentar. São contrários à quebra de contratos por meio de legislações ambientais de efeito retroativo e querem que suas propriedades e o seu trabalho sejam reconhecidos por aquilo que já produzem em áreas consolidadas. Na verdade, o relatório do deputado Aldo Rebelo retira todo esse contingente de trabalhadores e de agricultores familiares da zona de ilegalidade. São tratados como pessoas, e não como "criminosos". Ademais, convém ressaltar que sua defesa da "segurança alimentar" os afasta de ditos movimentos sociais como o MST e a Via Campesina, que procuram inviabilizar a economia mesmo de mercado e o direito de propriedade.

Do ponto de vista político, a clivagem "ruralistas" e "ambientalistas" tampouco reproduz a dicotomia entre "direita" e "esquerda", ou base aliada e oposição, como esses últimos pretendem fazer crer. Suas formulações não resistem nem à mais superficial análise da realidade. O deputado Aldo Rebelo é do PCdoB, e um membro da base aliada. Com ele, tanto na comissão quanto fora dela, estão deputados do PT que defendem as mesmas posições. O mesmo vale para os outros partidos, em especial para o PMDB, outro importante partido da base governamental. Logo, a "esquerda" estaria do lado da revisão do Código Florestal, ao contrário do que é sustentado por ONGs e "movimentos sociais". É bem verdade que deputados da base aliada se encontram também entre os adversários do relatório. O PSDB, por sua vez, se encontra igualmente dividido, com parlamentares seus situados em um e em outro lado. Isso mostra simplesmente a inadequação da utilização da clivagem entre "ruralistas" e "ambientalistas", entre "direita" e "esquerda".

O mundo maniqueísta foi simplesmente deixado de lado.

Professor de Filosofia na UFRGS.

FONTE: O GLOBO

Obrigado, mas preferi outra:: José de Souza Martins

Dos aprovados para a USP, 2562 desistiram. Explicações oficiais e de cursinhos nada explicam

Dos aprovados no vestibular da Fuvest cujos nomes constavam da primeira lista de convocados para matrícula, na capital e no interior, 24%, por algum motivo, deixaram de matricular-se em diferentes cursos da USP e desistiram de suas vagas. Uma segunda chamada foi feita e já agora uma terceira. Pode parecer estranho que 2.562 pessoas aprovadas para ingresso na mais prestigiosa universidade brasileira e uma das cerca de 200 mais importantes do mundo tenham desistido do privilégio por nada. As razões apresentadas tanto pela USP quanto pelo MEC e pelos cursinhos, na verdade, nada explicam: multiplicação de vagas nas universidades federais, escolha de vagas com base nos resultados do Enem e as bolsas concedidas pelo ProUni para ingresso em escolas superiores particulares. Esses seriam, eventualmente, motivos para não tentar o vestibular na USP, porque mais seletivo. Mas não os motivos para obter uma vaga através do vestibular mais exigente e depois recusá-la.

Os 13% de desistência semelhante, em 2005, já representavam uma incógnita que pedia estudos e pesquisas, sobretudo para sustentar medidas de economia de recursos públicos no supostamente mau investimento em vagas que não serão preenchidas ou o serão com estudantes que não obtiveram o melhor resultado no processo seletivo. Ou então para desenvolver uma economia mais ampla de apoio a alunos que estão ingressando ao mesmo tempo na idade adulta e na universidade e relutam em assumir um compromisso que poderá custar-lhes mais do que podem, apesar de universidade pública e gratuita.

Notícia da Folha de S. Paulo informa que, dos 19 cursos com índice superior a 40% de renúncia à matrícula, 16 estão no interior. Vários são os fatores que podem contribuir para a desistência. O mais provável é o de que os candidatos tenham feito inscrição em mais de um vestibular e em outros cursos de seu maior interesse em outras universidades. Dos inscritos no vestibular de 2009, 68% pretendiam fazê-lo também em outras universidades, incluídas as públicas.

Renúncias têm havido até em cursos de grande procura, na capital. Dos três cursos de maior procura e de maior prestígio, direito, engenharia e medicina, não foi propriamente pequeno o índice de renúncia ao direito de matrícula na primeira chamada - respectivamente 11,6%, 19,7% e 5,7%. Todos cursos de alta disputa pelas vagas, com respectivamente 19, 14 e 49 candidatos por vaga. Seria, portanto, temerário inferir desses indicadores que haja excesso de oferta de vagas em relação à demanda. Sabemos todos que a universidade não é um supermercado, cuja dinâmica siga as oscilações do gosto e do consumo. Ao contrário, ela tem se antecipado à procura, oferecendo formação em função das carências que são as da própria produção e distribuição do conhecimento. É o que a USP tem feito com as novas licenciaturas para formação de docentes para o ensino médio em campos mais abrangentes da ciência.

A pesquisa que a Fuvest fez entre os vestibulandos, em 2010, mostra a proporção dos que se inscreveram em primeira opção em determinado curso. Em direito, o curso foi primeira opção para 57,9% dos inscritos para o diurno e apenas para 28,9% dos aprovados para o noturno. Medicina, o curso com maior número de candidatos por vaga, não foi primeira opção para 11,4% dos vestibulandos que para ele se inscreveram. E engenharia da produção, na Escola Politécnica, foi primeira opção para 41% dos aprovados. Ser chamado para um curso de segunda e terceira opção certamente representa uma frustração suficiente para estimular a renúncia à vaga e até a evasão posterior.

Uma universidade como a USP vai além da graduação. Envolve um complexo de compromissos e projetos também, e sobretudo, na pesquisa e na pós-graduação.

O prestígio da USP é medido por critérios que envolvem esse conjunto denso: os resultados das pesquisas, as publicações, as participações de seus pesquisadores em reuniões científicas dentro e fora do Brasil, a formação de novos doutores.

Não é casual que a USP esteja praticamente entre as 200 mais importantes universidades do mundo, no ranking do Times Higher Education, de Londres.

Com o esclarecimento da instituição que o prepara de que ela está muito perto de retornar à lista: no ranking de 2005 a USP estava em 196º lugar e em 2007 em 175º lugar. A instituição sublinha que ela "esteve muito perto de entrar na lista das 200 instituições deste ano". E destaca que, no Brasil, provavelmente, apenas no Estado de São Paulo há universidades de classe internacional.

Lembro que a USP, a Unicamp e a Unesp têm docentes em tempo integral, com doutorado, significativo desempenho em pesquisa e fundos adequados do governo, o que se deve sobretudo à Fapesp. O deslocamento da USP e de muitas outras universidades do mundo se deve ao aumento da competição pelas melhores colocações. A Alemanha emplacou apenas três universidades entre as cem primeiras.

José de Souza Martins, Professor Emérito da Universidade de São Paulo, é autor de A sociabilidade do homem simples (Contexto)

FONTE: ALIÁS/O ESTADO DE S. PAULO (13/3/2011)

Se a História tem lógica... :: Ferreira Gullar

A ação do povo desorganizado no Oriente Médio tornou-se um fato dominante da atualidade política internacional, a exigir dos especialistas análises e interpretações nem sempre concordantes, mas que nos dão, no mínimo, a certeza de que ali se iniciou um momento novo de sua história.

O assunto é complexo por muitas razões e, particularmente, porque cada um daqueles países tem composição social, histórica, cultural e política diversa, mas, às vezes, com fatores idênticos, indo desde os fatores religiosos até as divergências tribais. Seria ingênuo ignorar o peso que tem em tudo isso a riqueza petrolífera e as consequentes relações de interesses estabelecidos, em função disso, com as potências ocidentais. Daí o papel que tem exercido, sobre este ou aquele país da região, o poder econômico, político e militar, seja dos americanos, seja dos europeus.

Em face de tão complexa realidade, os comentaristas se perguntam o que resultará dessa onda revolucionária que varre atualmente aquela região e que, ao que tudo indica, tende a se alastrar por todo o Oriente Médio e o norte da África.

Uma questão frequente, nessas especulações, é saber que tipo de governo vai surgir após a derrubada dos regimes autoritários. Surgirão ali governos democráticos ou novas ditaduras?

E ainda a pergunta que mais preocupa: pode acontecer que, como no Irã, criem-se naqueles países teocracias islâmicas dispostas a deflagrar, contra o Ocidente, uma guerra santa? Essa possibilidade abate o otimismo dos que veem com esperança a revolta popular naquela região. Embora não descartando definitivamente essa possibilidade, a maioria dos comentaristas a considera remota pelo fato de que as palavras de ordem dos revoltosos não envolvem questões religiosas: eles reivindicam direitos à cidadania e ao pleno exercício da liberdade política, econômica e cultural.

Essa interpretação parece pertinente pelo fato mesmo de que a maioria dos promotores da revolta é constituída de jovens que, graças à internet, tomaram conhecimento de que uma sociedade mais aberta e mais moderna é possível. São jovens e desejam a felicidade de inventar sua própria vida.

A esses dados acrescento algumas observações, que talvez ajudem a prever o desdobrar desse processo renovador. Pode ser esclarecedor lembrar que os regimes de países como o Egito e a Líbia nasceram da derrubada de monarquias apoiadas na fé religiosa e que foram substituídas por regimes supostamente identificados com o sentimento popular.

Noutras palavras, um líder militar, seja Nasser ou Gaddafi, valendo-se do baixo nível de consciência política do povo e intitulando-se defensor do pan-arabismo, institui uma ditadura e se transforma em um novo "monarca". Travestido de salvador do povo, apropria-se dos meios que lhe permitem gozar de todos os privilégios, extensivos aos filhos, parentes e apaniguados, como uma nova corte. Assim, passa ele a falar não apenas em nome do povo mas em nome de Alá também.

Gaddafi, por exemplo, veste-se como um personagem mítico que ora é um imperador, ora um beduíno, ora um marechal, dando-nos a impressão de que está prestes a desfilar na Marquês de Sapucaí.

Não terá sido essa uma etapa inevitável por que teriam mesmo que passar aqueles países antes de alcançarem a democracia? Se esse raciocínio estiver certo, se a resposta for sim, dificilmente aqueles povos substituirão os mubaraks e os gaddafis por outros ditadores.

O pan-arabismo acabou há muito tempo e a imagem dos salvadores da pátria se desfez. Construir no Oriente Médio regimes democráticos de verdade não vai ser fácil, mas é bem possível que a etapa agora seja essa.

É um ponto de vista que talvez se justifique se levarmos em conta as circunstâncias históricas em que aquelas ditaduras se impuseram: era o período da Guerra Fria que, opondo o sistema capitalista e o sistema socialista, favorecia, especialmente naquela região, a exploração das teses anticapitalistas e antiocidentais. A aspiração a uma sociedade mais democrática e mais moderna se sobrepõe, nos dias de hoje, às questões religiosas e ideológicas.

FONTE: ILUSTRADA/FOLHA DE S. PAULO (13/3/2011)

Governo quer minirreforma na Previdência

Sem conseguir implementar uma ampla reforma da Previdência, o governo pretende atuar em três pontos específicos: o regime complementar dos servidores públicos, benefícios como pensão por morte e o fator previdenciário

Três atos na Previdência

Governo quer mexer em regime de servidores, benefícios como pensão por morte e fator previdenciário

Martha Beck e Cristiane Jungblut

A histórica barreira à realização de uma ampla reforma da Previdência - que toque em pontos sagrados como fixação de uma idade mínima para aposentadoria - levou o governo a optar por mudanças mais específicas. A estratégia é a mesma que se quer adotar na reforma tributária: trabalhar para minimizar problemas. No caso previdenciário, a equipe econômica quer mudar regras que hoje pesam sobre as contas públicas. O governo terá três focos de atuação: o regime de previdência complementar dos servidores públicos, benefícios como pensão por morte e o fator previdenciário.

Em termos políticos, a questão da previdência complementar enfrenta resistência de partidos ligados ao sindicalismo, a começar pelo PT. No Congresso, o tema do fim do fator previdenciário é explosivo. O auge da polêmica foi quando o Congresso aprovou, no texto de uma medida provisória, o fim do fator previdenciário. Diante do susto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou a medida.

No caso do regime dos servidores públicos, o governo quer aprovar projeto que cria o fundo de previdência complementar da categoria. A proposta foi enviada ao Congresso em 2007 e engavetada por pressões da própria base aliada, em especial PT e PCdoB. A intenção é negociar com o Congresso a aprovação da medida o mais rapidamente possível.

Somente no ano passado, a União desembolsou R$51,3 bilhões para garantir a aposentadoria de apenas 949.848 servidores públicos. O quadro é discrepante em relação ao regime do INSS, que paga aposentadorias para 24 milhões de pessoas e tem um gasto anual de R$42,8 bilhões.

Teto para servidores seria de R$3,6 mil

O projeto prevê que o fundo será apenas para novos servidores federais e terá alíquota máxima de contribuição de 7,5%, acompanhando tendência do mercado de fundos de pensão. O tema é polêmico inclusive no governo, porque só teria resultado em até 30 anos. Se o fundo dos servidores públicos entrasse em vigor, o teto para aposentadoria seria o mesmo do INSS, R$3.689,66. Para receber mais seria necessário contribuir para o fundo.

- Você tem hoje no Brasil servidores públicos se aposentando com salário integral elevadíssimo e gente pondo a culpa dos problemas da previdência em pessoas que ganham um salário mínimo - diz o economista da consultoria Tendências Felipe Salto.

Já os benefícios de pensão por morte, segundo técnicos do governo, precisam mudar porque as regras dão margem a distorções. Um exemplo clássico é o de um trabalhador mais velho que se casa com uma jovem. Se ele falecer logo após o casamento, ela terá o direito de receber não apenas sua aposentadoria, mas uma pensão vitalícia por morte no mesmo valor.

- No Brasil, não existe qualquer restrição para o cônjuge. Em caso de morte, ele tem direito a uma pensão vitalícia independentemente da idade. Já os filhos recebem o benefício até os 21 anos - afirma o economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcelo Caetano.

Idade mínima para cônjuge ter pensão

Segundo o especialista, nos Estados Unidos, por exemplo, cônjuges com menos de 60 anos não têm direito a receber pensão por morte. Existem apenas algumas exceções para o caso dos casais com filhos. Caetano defende a fixação de uma idade mínima para o cônjuge receber o benefício ou a limitação do tempo para o pagamento.

No caso do fator previdenciário, o governo quer manter o mecanismo. Ele foi criado para ser usado no cálculo do benefício do regime privado de aposentadoria, que considera o valor das contribuições, idade e expectativa de vida, atuando como espécie de redutor. A ideia é incentivar o trabalhador a ficar mais tempo no mercado para elevar aposentadoria. O fator, criado em 1999, trouxe economia de R$10 bilhões aos cofres públicos até 2009.

- O fator confere maior equilíbrio ao fluxo de caixa do sistema previdenciário, na medida que o segurado que se aposenta precocemente recebe, em contrapartida, menor aposentadoria - afirma a especialista em previdência e consultora Meiriane Nunes Amaro.

Dentro do governo, há técnicos que acreditam que o mecanismo já não surte o efeito esperado. Por isso, no governo Lula se incentivou a proposta do "fator do B", a chamada "Fórmula 95": a soma da idade e do tempo de contribuição deve chegar a 95 anos, no caso de homens, e 85 anos, mulheres, para a aposentadoria integral.

Relator de projeto sobre o fim do fator, o deputado Pepe Vargas (PT-RS) defende a aprovação da "Fórmula 95" e diz que a adoção simples de uma idade mínima seria um desastre para o trabalhador mais pobre:

- Adotar idade mínima é pior, é transpor a Europa para o Brasil.

A oposição cobra dos governistas um posicionamento, já que nem o PT costuma apoiar os técnicos.

- O PT precisa se manifestar antes sobre esses pontos. É uma incongruência total: a área econômica diz uma coisa e a política, outra - disse o líder do DEM na Câmara, ACM Neto.

- O governo terá que oferecer medidas amargas - acrescentou o líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias.

FONTE: O GLOBO

Direita ideológica some do quadro partidário brasileiro

Em crise no país, legendas liberais trocam de nome para tentar sobreviver

Militantes dizem faltar espaço para ideias de direita; especialista vê consenso social-democrata no Brasil


Uirá Machado e Mauricio Puls

Partidos explicitamente da direita ideológica tornaram-se produto raro no mercado político brasileiro. As legendas "liberais" praticamente desapareceram: das oito siglas com esse nome criadas após a redemocratização do país, só resta uma.

A remanescente é o PSL, que agrega o nome "social" ao "liberal" e tem um deputado federal. Os demais representantes do liberalismo decidiram trocar de nome após o fiasco eleitoral de 2006.

O PL fundiu-se com o Prona no PR (Partido da República) no final daquele ano, e o PFL passou a se chamar Democratas no início de 2007.

A mudança fez bem ao PR. O partido elegeu 40 deputados no ano passado, contra 23 em 2006 e 26 em 2002. Já o DEM mantém rota declinante: 105 deputados federais eleitos em 1998, 84 em 2002, 65 em 2006 e 43 em 2010.

Sem boas perspectivas, grande parte dos ex-liberais planeja seguir o prefeito paulistano Gilberto Kassab num processo de conversão maciça ao "socialismo" do PSB.

ALTERNATIVAS

A situação inusitada faz com que pessoas de direita não encontrem representatividade nos atuais partidos.

É o caso dos membros do Movimento Endireita Brasil. Filiados ao DEM, reclamam da falta de receptividade do partido "às ideias de direita, liberais" (veja texto abaixo).

Raciocínio similar guia o capitão da PM Augusto Rosa, de Ourinhos. Ele quer fundar o Partido Militar Brasileiro, de centro-direita -posição que "ninguém representa".

Para o cientista político Fernando Abrucio, da FGV, o quase sumiço das legendas liberais resulta do "consenso social-democrata que se consolidou no país após os governos FHC e Lula".

Segundo Abrucio, "hoje é praticamente inviável eleitoralmente defender abertamente bandeiras liberais, sobretudo se isso implicar cortes em gastos sociais".

HISTÓRIA

A marca "liberal" (nome de um grande partido da era imperial) ressurgiu em 1984, quando dissidentes do regime militar decidiram apoiar a candidatura de Tancredo Neves (PMDB) à Presidência.

O uso desse nome visava dissociar o grupo da ditadura militar e realçar sua adesão aos valores liberais (defesa da liberdade individual e crítica à ingerência do Estado).

Essa escolha foi reforçada pelas vitórias de políticos neoliberais no Reino Unido (Thatcher) e EUA (Reagan).

Em 1985, a Frente Liberal se transformou em partido. No mesmo ano, Alvaro Valle, outro dissidente da ditadura, fundou o Partido Liberal. No ano seguinte, os "liberais" elegeram 124 deputados federais, contra 57 dos partidos de orientação "trabalhista".

A queda do Muro de Berlim, em 1989, fortaleceu o liberalismo em todo o mundo. Francis Fukuyama, autor de "O Fim da História", anunciou a sua vitória definitiva. Na avaliação do economista Roberto Campos, o liberalismo tinha vencido não apenas como doutrina intelectual, mas "como práxis política".

A partir de 1990, os governos Collor (1990-1992), Itamar (1992-1994) e FHC (1995-2002) adotaram medidas liberalizantes, privatizando estatais e desregulamentando as relações trabalhistas.

No plano da "práxis política", porém, a história teve curso mais complicado. Os resultados eleitorais dos "liberais" se revelaram piores que os dos "trabalhistas".

As poucas legendas que adotaram o termo "liberal" logo sumiram, e PFL e PL desistiram da marca após 2006.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

DEM consolida influência de Aécio

Reunião que levará Agripino a presidente da sigla servirá para alinhar projeto de 2014 e buscar voto conservador da nova classe média

Marcelo de Moraes

Depois de atravessar sua pior crise interna, o DEM se reúne amanhã para sacramentar a escolha do senador José Agripino Maia (RN) como seu novo presidente e assegurar a influência majoritária do senador Aécio Neves (PSDB-MG) como preferido do partido para as eleições de 2014.

Mais do que ser mera legenda de suporte para a campanha presidencial de um político tucano, o DEM quer deflagrar a estratégia nacional para assegurar sua sobrevivência política. A ideia do partido é investir nos eleitores da classe média, especialmente aqueles que chegaram há pouco tempo nessa faixa, impulsionados pela ascensão que tiveram durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na avaliação dos dirigentes do DEM, essa nova classe média é conservadora nos costumes e cobra uma atuação mais presente do Estado. Nessas análises, o comando do partido concluiu que esse grupo de eleitores demanda uma participação direta do governo, mas de uma forma diferente do que se imaginava. Não se trataria de estatizar empresas ou rechaçar privatizações, mas sim de exigir que a administração pública garanta a eficiência de serviços públicos - nas áreas de educação, saúde e segurança, por exemplo.

"A pessoa que agora tem dinheiro para comprar um aparelho celular quer que esse serviço seja bom. E quer também que o preço caiba no fim do mês no seu orçamento. E isso eles não recebem do Estado", diz o atual presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), que apoia seu sucessor, Agripino. "É a mesma coisa com as passagens aéreas. Viajar de avião não é mais algo restrito às elites e esses novos consumidores cobram qualidade no serviço."

Para o comando do partido, as eleições de 2010 teriam demonstrado que esse eleitor é conservador e ficou órfão de um candidato especificamente voltado para ele. Por conta disso, teria migrado para a candidatura de Marina Silva (PV), justamente porque ela empunhava publicamente algumas bandeiras de interesse desse grupo, como, por exemplo, a oposição à legalização do aborto.

A discussão do tema virou um dos pontos centrais da campanha presidencial no primeiro turno, chegando a monopolizar os debates entre a petista Dilma Rousseff e o tucano José Serra.

Velório. A convenção do DEM também pode marcar o fim de uma disputa interna que quase provocou a implosão do partido.

Interessados em assumir o poder e promover uma guinada em seus rumos, um grupo integrado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, acabou saindo derrotado e deixará o DEM. Kassab leva com ele a administração da maior prefeitura do País, mas também carregará alguns representantes da ala mais conservadora.

Para o ex-prefeito do Rio César Maia, a ocasião é perfeita para que o partido consiga consolidar sua refundação. O movimento foi iniciado com o abandono do nome PFL, em 2007, e baseado na tentativa de caminhar para uma ideologia de centro, desvinculado da velha Arena.

O ex-prefeito é contundente em relação à saída do partido dos setores dissidentes. "Diria que essa convenção do dia 15 de março é o velório da Arena e será a afirmação do DEM", afirma.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Desafio do partido agora é conter sangria de filiados

Marcelo de Moraes

Para assegurar seu futuro político, o novo comando do DEM iniciou articulações para tentar conter a perda de filiados. A sangria, iniciada desde que o petista Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência em 2003, fez com que o partido - assim como as outras siglas de oposição - desidratasse de forma impressionante em pouco mais de dez anos.

A legenda tem hoje apenas 44 deputados federais e 5 senadores. Em 1998, quando o tucano Fernando Henrique Cardoso foi reeleito presidente da República com o pefelista Marco Maciel como vice, a legenda tinha 105 deputados - apenas 3 a menos do que a soma hoje de PSDB, DEM e PPS. Em 2002, fechou a legislatura no Senado com 19 senadores.

O plano da direção do DEM é evitar que esse quadro se agrave muito. O problema é que a disputa interna pelo partido já provocou um grave efeito colateral. O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, deixará a legenda para fundar um novo partido, o PDB.

O trabalho agora do DEM é evitar que a saída de Kassab provoque um estrago maior ainda, com a desfiliação de outros integrantes. Se a prefeitura paulistana está perdida, a legenda, pelo menos, conseguiu garantir a manutenção de seus dois governos.

O governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo, que chegou a discutir com Kassab sua possível filiação ao PDB ou até a entrada no PSB, decidiu permanecer no DEM. "Sim, fico no DEM", confirmou o governador ao Estado, por mensagem eletrônica.

Rosalba Ciarlini, do Rio Grande do Norte, assegurou sua permanência depois que o senador José Agripino Maia (RN), seu aliado direto, foi indicado novo presidente do DEM.

A favor do DEM está a Lei Eleitoral. Se a entrada num novo partido pouparia os dissidentes da perda de mandato por infidelidade, há ainda temor da consolidação da nova legenda. Como não tem bancada de deputados, o PDB ainda precisaria enfrentar incertezas sobre recebimento de recursos do fundo partidário e tempo de propaganda no rádio e na TV.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Aécio Neves estréia no Senado 'à procura da batida perfeita'

Raquel Ulhôa

Maior aposta da oposição para a disputa presidencial de 2014, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) não causou, no primeiro mês de mandato no Senado, preocupação à base governista ou entusiasmo aos que buscam alternativa ao governo do PT. O que mais se ouve é que "ele ainda não disse a que veio". É cedo, mas a atuação do presidenciável - "estratégica" para alguns ou "apagada" para outros - começa a inquietar políticos da oposição que esperavam compensar a desvantagem numérica no Congresso com um desempenho aguerrido.

De acordo com aliados, a estratégia do ex-governador está correta. Alguém que foi governador por oito anos e postula ser candidato a presidente da República não poderia "entrar de sola" e se desgastar no dia a dia do Legislativo. "Tem que ir marcando posições que consolidem sua liderança nacional", diz um deles. A tese é que ele "não jogue para a plateia, como querem alguns", e se preserve para grandes embates.

Aécio ainda não fez seu discurso de estreia. Planeja fazê-lo no fim do mês. Nas vezes em que usou o microfone para encaminhar votações de medidas provisórias, não empolgou o plenário. Com bom trânsito entre senadores de todos os partidos, ele mantém a fama de bom articulador. Mas, em sua primeira iniciativa no Senado como negociador - na votação do reajuste do salário mínimo - foi praticamente desautorizado pelo partido.

Alguns consideraram "factóide" a reunião com representantes de centrais sindicais em seu gabinete. O encontro foi divulgado antes e, no fim, o senador defendeu em entrevistas que o PSDB apoiasse o reajuste do mínimo para R$ 560, como reivindicavam as centrais, como "plano B", já que era certa a derrota do valor de R$ 600, defendido pelo candidato do PSDB a presidente, José Serra, na campanha.

Aécio argumentou que o partido não poderia ficar isolado naquela votação e deveria aproveitar a chance para retomar a interlocução com o setor. Proximidade que poderia se estender na discussão de outros temas. A movimentação de Aécio causou desconforto no partido, por dar a ideia de estar abrindo mão de um compromisso de campanha.

Os tucanos disseram que votar a favor dos R$ 560 depois que a proposta de R$ 600 fosse rejeitada seria o caminho natural. Mas sem fazer alarde. Até o presidente nacional do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE), saiu a campo para dizer que a bancada deveria defender a bandeira de Serra na campanha (R$ 600) sem titubear. O líder da bancada do Senado, Álvaro Dias (PR), também foi contra "recuar".

A votação do salário mínimo - até agora a mais importante da atual legislatura - é citada por alguns senadores como exemplo de atuação hesitante do ex-governador. Ele foi o último a falar, por volta de 23h, já durante a votação do destaque mais importante para a oposição: o que suprimia o artigo do projeto que conferia ao Executivo o poder de fixar o mínimo por decreto presidencial, de 2012 a 2015.

Fez um pronunciamento restrito à questão do decreto, que não prendeu a atenção do plenário - já cansado e sonolento àquela altura. O foco jurídico foi considerado fraco, se comparado a argumentação defendida antes por senadores como Demóstenes Torres (DEM-GO) e Pedro Taques (PDT-MT). Se nos palanques Aécio entusiasma a militância com seu discurso, na tribuna a maestria não é a mesma.

Aécio nem conseguiu atrair a atenção de Paulo Paim (PT-RS), mesmo quando fez uma provocação a ele. Leu declaração do então deputado petista em 1998, na Assembleia Constituinte, na qual Paim criticava a fixação do salário mínimo por decreto-lei, sem passar pelo Congresso - exatamente a prerrogativa retomada por Dilma Rousseff no dispositivo que estava em votação. O artigo foi mantido no texto e a oposição apresentou ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra ele no Supremo Tribunal Federal (STF).

Na opinião de alguns senadores, Aécio chegou a ser "ofuscado" por Itamar Franco (PPS-MG), que roubou a cena ao longo do dia, ao provocar embates verbais com o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e o líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR). Itamar tem se destacado no plenário por criticar o domínio da maioria na Casa, contestar discursos de aliados do Palácio do Planalto, cobrar reconhecimento às realizações de governos anteriores a Luiz Inácio Lula da Silva e exigir da Mesa Diretora do Senado cumprimento do regimento.

Em defesa de Aécio, aliados dizem que ele falou na hora certa, ou seja, no momento da votação do destaque da oposição. E o fez cumprindo uma tarefa partidária e abrindo mão de se pronunciar num horário de mais movimento, que lhe daria mais visibilidade e destaque. O comportamento de Aécio na bancada, por sinal, é elogiado por tucanos. Ele é tido como agregador e disciplinado.

Por exemplo: como principal representante do PSDB na comissão de senadores que vai apresentar proposta de reforma política - a outra tucana é Lúcia Vânia (PSDB-GO) -, ele pediu que os colegas de bancada opinassem sobre os pontos submetidos à discussão da comissão. A intenção é defender posições que sejam majoritárias no partido.

Há quem acredite que Aécio pode encontrar na discussão da reforma política um foco para sua atuação parlamentar e para se firmar como liderança nacional. Aos poucos, ele vem antecipando algumas posições, como a defesa de um sistema de votação chamado de "distritão misto". Também admitiu a possibilidade de abertura de um prazo ("janela") para o político mudar de partido sem perder o mandato.

Um assunto ao qual Aécio pretende dar atenção especial em seu mandato no Senado, segundo informou à bancada, é a questão federativa. O senador critica a concentração de recursos na União e defende uma descentralização, uma maior autonomia financeira dos municípios.

Um dos "embates" para os quais Aécio estaria se preparando é uma possível tentativa do governo de criar um novo imposto para financiar a saúde. Quando governador, ele recomendou a renovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), como fez o então governador de São Paulo, José Serra. Agora, diz que a bancada estava certa ao votar pela derrubada da CPMF. Agora pretende reagir contra.

No discurso de estreia do mandato no Senado, espera-se que Aécio faça uma avaliação dos primeiros meses do governo e aponte um norte para o comportamento da oposição. Com base no qual tem dito, deve defender uma atuação "propositiva".

Por enquanto, o senador mineiro tem feito críticas ao governo de forma pontual. Na votação da medida provisória que autorizou o Tesouro Nacional a conceder empréstimo de até R$ 30 bilhões para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no dia 1º de março, Aécio apontou o que chamou de "grave contradição entre a política monetária e a política fiscal desse governo": enquanto o Banco Central é obrigado a aumentar os juros, a equipe econômica estabelece novos gastos por meio desses financiamentos.

Segundo ele, os cortes de R$ 50 bilhões ao orçamento da União não foram explicados com clareza - "mas vamos acreditar nas boas intenções do governo", disse. "Enxuga-se com uma mão e se permite que o BNDES, com juros subsidiados, faça uma ação na contramão daquilo que a equipe econômica do governo vem anunciando."

Na votação do mínimo, Aécio apontou "viés autoritário" do governo, por suprimir do Congresso a tarefa de fixar o mínimo. Ele também tem criticado a forma de tramitação das MPs. "Enquanto nós continuarmos aqui analisando, com a premência do tempo, como ocorre hoje, medidas provisórias que - muitas delas - não apresentam relevância e urgência preconizada na Constituição, nós vamos estar diminuindo em muito a importância do Congresso Nacional e abdicando da nossa responsabilidade de legislar."

Um senador próximo de Aécio diz que ele ainda busca a "calibragem" entre a atuação entre atividades rotineiras do Legislativo e o debate "qualificado" de grandes temas - que gostaria de desenvolver. "Ele está à procura da batida perfeita, como diz a música de Marcelo D2."

Integrantes da base governista afirmam que Aécio deve ser observado com atenção, por se tratar de virtual adversário em 2014. Avaliam que, por enquanto, a atuação "tímida" dele não ameaça a tranquilidade governista na Casa. Mas avisam que o PT pretende reagir a eventuais ofensivas do ex-governador. "Se ele botar muito o pescoço pra foram, vamos ter que bater."

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Centrais abrem disputa por espaço em estatais

Ana Paula Grabois e Cristiane Agostine

Com forte influência entre os servidores e funcionários de estatais, a CUT será a maior beneficiada com a abertura dos conselhos de administração das empresas públicas à participação dos empregados. A Força Sindical, segunda maior central do país, tem como principal base os trabalhadores da iniciativa privada, especialmente em São Paulo.

Em sua primeira reunião com as centrais sindicais, a presidente Dilma Rousseff anunciou, na sexta-feira, a portaria que regulamenta a participação de um representante dos empregados nos conselhos das empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias com pelo menos 200 funcionários, como Petrobras, Banco do Brasil e Furnas . Os trabalhadores terão assento no conselho de 59 estatais, com direito a remuneração.

A participação dos empregados nas estatais é uma reivindicação das centrais, apresentada ao governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2008. A lei, apresentada pelo Executivo ao Congresso em 2008, foi sancionada por Lula no fim de dezembro de 2010. A portaria do atual governo regulamentou a lei.

O secretário-geral da CUT, Quintino Severo, comenta que será "inegável" a ampla presença de trabalhadores ligados à entidade nos novos assentos. "Na grande maioria das 59 estatais, os sindicatos são filiados à CUT", afirma. "As grandes negociações coletivas do setor público são coordenadas pela nossa central", diz Severo.

Pelas regras, qualquer empregado poderá se candidatar ao conselho administrativo. A escolha se dará por meio de votação direta entre os funcionários.

No comando da Força Sindical, a segunda maior central do país, o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP) comenta que a CUT deve ter mais espaço nos conselhos do que as demais centrais, mas comenta que existirão embates. "Haverá eleição para escolher o representante. Como muitos sindicatos dos servidores públicos são ligados à CUT, a tendência é que eles elejam mais representantes", diz. "Mas não significa que não terá disputa. Além disso, há trabalhadores sem ligações com sindicatos", afirma.

Presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Wagner Gomes reforça: "Vai ter disputa onde tiver mais de uma central na mesma estatal haverá um embate". Gomes cita estatais Petrobras e Correios, onde a CUT, CTB e UGT lutam por espaço.

Dirigentes de centrais elogiam a abertura dos conselhos de administração aos trabalhadores como uma forma de aumentar a transparência das empresas. "Os funcionários vão se comprometer muito mais com a empresa. Vão poder opinar", diz Severo, da CUT. No entanto, analisam que o poder do empregado no conselho será limitado. "O representante é mais para a fiscalização. É um ato simbólico, mais do que ter participação efetiva", afirma Gomes, da CTB. Na Petrobras, o conselho é formado por nove representantes atualmente. No BNDES, são onze.

A portaria veta a participação dos empregados em reuniões que tratem de temas trabalhistas, como remuneração, benefícios e paralisações.

A remuneração paga aos conselheiros das estatais varia. No ano passado, um conselheiro da Petrobras recebeu R$ 7,4 mil por mês, totalizando R$ 88,8 mil anual. No BNDES, a remuneração é de R$ 5,3 mil mensal. Na Eletrobras, o pagamento mensal era de R$ 4,2 mil e no Banco do Brasil, R$ 3,6 mil.

VALOR ECONÔMICO

Oposições ensaiam jogo duro na Câmara

No centro da disputa estão as medidas do governo para afrouxar as regras dos investimentos e despesas da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016

Tiago Pariz e Josie Jeronimo

Em resposta ao rolo compressor que o governo construiu no Congresso, líderes dos partidos de oposição deixaram de lado a postura dócil e se uniram para obstruir os trabalhos na Câmara e constranger os aliados no Palácio do Planalto no Senado. Na falta de diálogo com os governistas sobre pautas polêmicas, DEM e PSDB montaram um grupo de trabalho para debater projetos e se organizaram para barrar a flexibilização as licitações de obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Apenas projetos de cunho social, como a medida provisória que garante créditos para merenda escolar, serão poupados.

Os dois partidos adversários da presidente Dilma Rousseff debatem hoje com as lideranças do governo o regime especial de concorrência para evitar a alteração profunda da lei de licitações. “Começaremos a semana obstruindo a pauta. Está prevista uma reunião com os parlamentares sobre a concorrência. É preciso ter bons avanços para desistirmos da obstrução”, afirmou o líder do DEM, deputado ACM Neto (BA).

O governo está empenhado em permitir que projetos da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas 2016 driblem o atual regime de concorrência. A flexibilização na proposta original permite aditivos aos contratos e elevação desenfreada do preço das obras, sem nenhum teto. A lei de licitações limita em 50% o aumento do valor dos contratos diante de variações de preços. A aplicação do regime especial teve de ser retirado da medida provisória que tratava da Autoridade Pública Olímpica (APO) para o governo conseguir aprovar o órgão. Com isso, o governo enxertou a proposta na MP 510 que versa sobre dívida tributária.

O líder da minoria na Câmara, Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), criticou essa manobra e disse que a obstrução começa já na proposta que prorroga os contratos das franquias dos Correios, a ser votada nesta semana. Além das discussões da oposição com o governo, as lideranças do DEM e da minoria na Câmara debatem como unificar a atuação na Câmara.

Senado

No Senado, a oposição já se prepara para o embate do reajuste da tabela do Imposto de Renda. Para o líder do PSDB na Casa, Álvaro Dias (PR), no entanto, não há espaço para obstrução. A tática é obrigar votações nominais, como a que ocorreu no salário mínimo, para tentar constranger em votações polêmicas os senadores aliados. “Estamos pedindo votação nominal, ao contrário do que ocorria no ano passado. Para aprovar, o governo tem que colocar a maioria no plenário e deixar todos expostos”, afirmou o paranaense.

O DEM quer usar a votação do reajuste do IR, que será enviado via MP ao Congresso nesta semana, para abrir um diálogo com o PMDB do vice-presidente Michel Temer. “Antes de tudo, é preciso saber qual é a posição do PMDB sobre o reajuste da tabela do Imposto de Renda e do aumento de impostos. Não haverá nenhuma reação irrefletida (sobre as obstruções), o interesse do DEM é o interesse da sociedade. Se após melhora das condições de recolhimento de o Imposto de Renda, o governo anunciar aumento de impostos, vamos ganhar adeptos para reagir contra isso. Agora, temos que ver qual é a posição dos enganados. Conforme o PMDB declarou, não houve conversa com eles sobre o reajuste da tabela do Imposto de Renda, então eles são os enganados.”

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Dividido, DEM escolhe novo comando e espera Kassab

Prefeito de São Paulo prepara criação de novo partido

Maria Lima, Diana Fernandes e Leila Suwwan

BRASÍLIA e SÃO PAULO. Em mais uma tentativa de renovação, depois de um longo período de disputas internas e sob ameaça de grande debandada, o DEM elege amanhã um novo comando nacional na expectativa de se manter como o segundo maior partido de oposição ao governo. Com a presidência do DEM garantida na convenção de amanhã, o senador Agripino Maia (RN) reconhece que sua principal tarefa será harmonizar e reorganizar a legenda - que, dividida, deverá perder, nos próximos dias, sua maior estrela com mandato, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

O partido aguarda, até a convenção de amanhã, a resposta oficial de Kassab, para legitimar ou não a presença de pessoas de seu grupo na nova composição da Executiva Nacional. O prefeito paulistano pretende criar o PDB (Partido da Democracia Brasileira), mas deve ficar no DEM até que o novo partido seja legitimado pela Justiça Eleitoral.

Kassab se encontrará com líderes do DEM amanhã

Responsável pela criação jurídica do PDB, o advogado Alberto Rollo afirma que falta apenas a decisão política para marcar a data do evento de fundação e início da coleta de assinaturas. Segundo ele, Kassab deve decidir a questão na segunda quinzena deste mês.

Kassab negou ontem o empenho nos últimos tempos na manobra política. O prefeito não confirmou sua participação na convenção do DEM, mas disse que irá se encontrar com líderes do partido amanhã.

- Ele me parece determinado e animado. O que falta é a decisão do Kassab. É a parte política: se o nome do partido será mesmo esse, qual será a ideologia. Após o retorno dele, devemos tomar as providências, entre 15 e 30 de março. É provável que o evento seja em Brasília, inclusive com o início da coleta de assinaturas - disse Alberto Rollo.

Kassab tentou negar a iminência da criação do novo partido e afirmou que nos últimos tempos suas prioridades foram administrativas, não políticas.

- Todos sabem que não tive nenhuma movimentação político-partidária nos últimos meses, até porque aguardo a convenção do meu partido - disse Kassab ontem, durante inspeção de serviços na região da Marginal Tietê, na capital paulista.

Após um evento inicial de fundação de associação, há necessidade de coleta de quase 500 mil assinaturas de eleitores, para registrar o novo partido no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A respeito da possibilidade de eventual fusão com o PSB, o advogado diz ter sugerido ao prefeito uma possibilidade flexível, de coligação eleitoral.

Kassab espera levar para a nova legenda um maior número de colegas do DEM, inclusive aqueles que teriam dificuldade de compor um partido governista e, principalmente, de esquerda, como a senadora Katia Abreu (TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura.

- O partido fez todas as gestões que deveria para que o Kassab permanecesse no DEM. Ele tem um compromisso conosco de, até o dia da convenção nacional, dizer se fica ou se sai. Ele se deu esse prazo - disse Agripino, ontem.

Sobre sequelas que ficarão da disputa do grupo do atual presidente Rodrigo Maia (RJ) com o de Jorge Bornhaunsen (SC), Agripino disse que sua tarefa será administrar diferenças:

- A partir de terça-feira, essa será minha tarefa. Tem divergências? Tem. Mas não há divergências em torno das ideias liberais do partido.

FONTE: O GLOBO

Elis Regina & Tom Jobim - "Aguas de Março" - 1974

Liberdade:: Paul Éluard

Além de ser um poema magnífico do ponto de vista literário, "Liberté", de Paul Éluard, carrega consigo o peso da História. Escrito em 1942, com o título "Une Seule Pensée" (Um Único Pensamento), esse texto foi transportado clandestinamente da França, ocupada pelos nazistas, para a Inglaterra.

Em 1943, traduzido para vários idiomas, o poema foi distribuído como um panfleto, lançado por aviões aliados nos céus da Europa conflagrada.

O responsável por contrabandear essa preciosidade da França ocupada para a Inglaterra foi um brasileiro, o pintor pernambucano Cícero Dias (1907-2003). Em reconhecimento a essa proeza, Dias foi condecorado pelo governo francês com a Ordem Nacional do Mérito, em 1998.

Paul Éluard — nom de plume de Eugène-Émile-Paul Grindel (1895-1952) — foi um dos expoentes da poesia surrealista. Membro do Partido Comunista Francês, participou da Resistência aos nazistas na Segunda Guerra Mundial.

Além do ato heróico de Cícero Dias, Éluard tem outro ponto de contato com o Brasil. Em 1913-14, foi colega do poeta Manuel Bandeira num sanatório em Clavadel, na Suíça. Lá, ambos se tratavam de tuberculose.

Aqui, o poema "Liberté", ou "Une Seule Pensée", aparece numa tradução escrita a quatro mãos, ainda nos anos 40, por Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira

(Tradução de Carlos Drumonnd de Andrade e Manuel Bandeira)

Nos meus cadernos de escola
Nesta carteira nas árvores
Nas areias e na neve
Escrevo teu nome

Em toda página lida
Em toda página branca
Pedra sangue papel cinza
Escrevo teu nome

Nas imagens redouradas
Na armadura dos guerreiros
E na coroa dos reis
Escrevo teu nome

Nas jungles e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
No céu da minha infância
Escrevo teu nome

Nas maravilhas das noites
No pão branco da alvorada
Nas estações enlaçadas
Escrevo teu nome

Nos meus farrapos de azul
No tanque sol que mofou
No lago lua vivendo
Escrevo teu nome

Nas campinas do horizonte
Nas asas dos passarinhos
E no moinho das sombras
Escrevo teu nome

Em cada sopro de aurora
Na água do mar nos navios
Na serrania demente
Escrevo teu nome

Até na espuma das nuvens
No suor das tempestades
Na chuva insípida e espessa
Escrevo teu nome

Nas formas resplandecentes
Nos sinos das sete cores
E na física verdade
Escrevo teu nome

Nas veredas acordadas
E nos caminhos abertos
Nas praças que regurgitam
Escrevo teu nome

Na lâmpada que se acende
Na lâmpada que se apaga
Em minhas casas reunidas
Escrevo teu nome

No fruto partido em dois
de meu espelho e meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo teu nome

Em meu cão guloso e meigo
Em suas orelhas fitas
Em sua pata canhestra
Escrevo teu nome

No trampolim desta porta
Nos objetos familiares
Na língua do fogo puro
Escrevo teu nome

Em toda carne possuída
Na fronte de meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo teu nome

Na vidraça das surpresas
Nos lábios que estão atentos
Bem acima do silêncio
Escrevo teu nome

Em meus refúgios destruídos
Em meus faróis desabados
Nas paredes do meu tédio
Escrevo teu nome

Na ausência sem mais desejos
Na solidão despojada
E nas escadas da morte
Escrevo teu nome

Na saúde recobrada
No perigo dissipado
Na esperança sem memórias
Escrevo teu nome

E ao poder de uma palavra
Recomeço minha vida
Nasci pra te conhecer
E te chamar

Liberdade