terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Reflexão do dia – José Serra

O destaque é o estelionato eleitoral. Há quatro meses falavam em investir num monte de coisas, milhões de casas, milhões de creches, de quadras esportivas, de estradas, de ferrovias. A realidade é que está tudo parado, a herança maldita deixada por Lula é gigantesca em razão do descontrole dos gastos, dos maiores juros do mundo, da desindustrialização.

A montagem do governo foi um festival de barganhas e, antes de terminar o segundo mês, ainda tivemos o bloqueio a um salário mínimo melhor, o escândalo de Furnas e a não apuração dos escândalos da Casa Civil. Não é à toa que a presidente fala pouco e nunca de improviso. O atual governo optou por fingir que nada disso é com ele.

SERRA, José. O falso rigor esconde falta de rigor. Entrevista. O Globo, 21/2/2011.

Jabuticaba mista:: Merval Pereira

A comissão do Senado que estudará uma proposta de reforma política, composta na maioria por ex-governadores e dois ex-presidentes da República, começa a trabalhar hoje já com uma tendência contra o voto proporcional prevalecendo. Com a disputa entre o voto em lista fechada e o "distritão" colocada na mesa de discussões, o debate receberá já de saída uma sugestão de peso: o senador Aécio Neves (PSDB-MG) propõe uma junção das duas propostas preponderantes para criar uma terceira via, em busca de um consenso que se mostra difícil de alcançar.

Se o "distritão", sistema que parece ter a preferência, é uma espécie de jabuticaba política - só existirá no Brasil se for adotado -, Aécio propõe uma jabuticaba mista, isto é, que o voto em lista fechada seja adotado junto com o "distritão".

O voto em lista fechada, em que o eleitor vota na legenda e o partido faz a lista dos candidatos, tem o apoio do PT, mas é rejeitado pela maioria dos políticos, e também pela opinião pública.

Os políticos, porque temem ficar nas mãos da "ditadura partidária", na qual a direção terá poderes para montar a lista na ordem que lhe aprouver.

Os eleitores, porque rejeitam a possibilidade de não votar diretamente no seu candidato, mas sim em uma lista que não pode ser mexida.

O "distritão" tem o mérito de valorizar o voto majoritário, elegendo os candidatos mais votados.

Se o primeiro fortalece os partidos de maneira radical, dando às suas direções o poder de escolher a ordem em que cada candidato entrará na lista, o segundo fortalece os candidatos, mas contribui para o enfraquecimento dos partidos.

O ex-governador Aécio Neves acha que justamente por isso seria mais sensato unir as vantagens de cada um para neutralizar suas características prejudiciais.

Também o deputado federal Alfredo Sirkis (RJ), do PV, indicado como o membro titular do partido na comissão da reforma política, está terminando de preparar proposta no mesmo sentido, que considera ser a única que pode reunir "aquele dificílimo consenso sem o qual vamos continuar patinando eternamente".

Tanto Aécio Neves quanto Sirkis acham que o voto distrital misto seria a melhor solução para o sistema eleitoral brasileiro, mas esbarram na impossibilidade de se chegar a um acordo sobre os critérios de divisão dos distritos.

O que dificulta a aprovação de sistemas eleitorais que adotem a divisão dos estados em distritos é o desequilíbrio na representação popular, com um distrito em São Paulo tendo muito mais eleitores do que um de um estado menos populoso. O eleitor dos grandes centros ficaria em desvantagem, seu voto valendo menos do que o do eleitor de um pequeno estado.

Há também o risco de a definição da vontade das maiorias ser uma tarefa difícil com 21 partidos disputando a eleição em um distrito para uma vaga. Haveria a contradição de um sistema majoritário eleger um candidato que tem apenas 15% do eleitorado. Para sanar o problema, a eleição distrital teria que ser disputada em dois turnos, o que complicaria ainda mais.

No entanto, o voto distrital tem, entre suas vantagens, a de abrir ao eleitor a possibilidade de trabalhar contra um candidato, e de fiscalizar o eleito, o que no atual sistema brasileiro simplesmente não existe.

No sistema proporcional de lista aberta que utilizamos, é grande a chance de o eleitor votar em um candidato e ajudar a eleger outro, que pode ser um com o qual ele não concorda e, às vezes, até gostaria de ver fora do Congresso. No de lista fechada, nem mesmo a chance de eleger seu candidato o eleitor terá, correndo o mesmo risco de eleger um outro que não gosta.

Isso porque as coligações partidárias nada têm a ver com o programa dos partidos, mas com o interesse eleitoral imediato.

Por outro lado, o "distritão" torna a vida política brasileira ainda mais personalizada e a busca de coalizões de governabilidade um exercício mais individualizado, o que aprofundaria o fisiologismo.

Segundo Sirkis, o voto proporcional por lista é melhor para fortalecer os partidos, despersonaliza o debate, reforça as perspectivas mais programáticas, "mas não tem chance de ser aprovado, em seu estado puro, porque colide com os interesses da maioria dos políticos, representando uma difícil ruptura com uma cultural político-eleitoral muito arraigada".

Assim como Sirkis, Aécio Neves acha que o voto em lista fechada vai permitir a participação de quadros políticos de alto nível, que não têm popularidade nem esquemas políticos que permitam sua eleição pelo sistema proporcional ou mesmo pelo "distritão".

O nepotismo ou venda de vaga por caciques partidários, defeitos comumente apontados contra o voto em lista fechada, são considerados efeitos colaterais de vida curta, pois nesse tipo de voto a boa imagem do partido seria fundamental.

No "distritão", o efeito principal seria privilegiar aqueles políticos com voto em detrimento dos que se elegem pelo que está sendo chamado de "efeito Tiririca", mas já foi "efeito Enéas", e assim por diante.

Teríamos uma representação por um lado mais vinculada aos partidos e por eles melhor enquadrada programaticamente e, por outro, formada pelos políticos eleitoralmente mais representativos.

O perdedor seria o baixo clero, base do maior atraso político. Na proposta de Aécio Neves, os eleitos pelo voto em lista fechada podem até mesmo ser uma parcela minoritária, entre 30% e 40% dos candidatos, ficando o restante para o voto majoritário do "distritão".

Já Sirkis propõe que as vagas sejam divididas meio a meio entre os dois sistemas. Na eleição parlamentar, os eleitores votariam primeiro no partido e depois, livremente, em um candidato individual.

Nos 50% por voto de lista, haveria uma cláusula de barreira a ser definida, abaixo da qual o partido não teria representação parlamentar.

Os candidatos que se elegessem no "distritão" por um partido que não atingiu os votos mínimos necessários poderiam se unir a um bloco parlamentar existente, ou permanecer avulsos.

Isso diminuiria o número de partidos, eliminando boa parte dos nanicos de aluguel, mas, provavelmente, preservando os ideológicos e programáticos como o PV e o PSOL.

FONTE: O GLOBO

Mudar para conservar:: Dora Kramer

O Senado marcou para hoje o início oficial da discussão da reforma política, que na Câmara só precisa da escolha dos integrantes da comissão extraordinária para começar também a tocar os trabalhos.

Ainda vai se estabelecer uma agenda de assuntos prioritários, mas o que se desenha no horizonte é mais uma vez a discussão de uma pauta voltada para os interesses dos próprios partidos, distante de temas que poderiam de fato alterar a relação entre representantes e representados.

Os mandachuvas do Congresso e os morubixabas com poder de influência sobre as forças políticas mais relevantes ali representadas resolveram que "não adianta" tentar fazer a reforma política ideal.

Por exemplo: nada de mexer no voto obrigatório nem de tentar esmiuçar a proposta do voto distrital (puro ou misto), de modo a explicar o que essas alterações poderiam significar no relacionamento entre o mundo político e a sociedade.

Suas excelências decidiram que o Brasil ainda não está preparado para adotar regras vigentes em democracias mais avançadas e, portanto, tendem a fixar um rol de alterações que na verdade não resolvem o principal: a crise de representatividade que assola a nossa política.

Preferem puxar as brasas para as respectivas sardinhas: uns propondo lista fechada para a eleição de deputado, outros defendendo o financiamento público de campanha, indiferentes à óbvia rejeição que a transferência de mais recursos públicos para os partidos provocará na população, quase todos se interessam pela abertura de uma "janela" para permitir o troca-troca partidário.

São itens bastante familiares, por serem muito repetidos como solução ao que aparentemente não tem remédio. Uma inovação, porém, começa a ganhar corpo e a formar consenso entre um grupo de poderosos: eleição majoritária para deputados.

É o chamado "distritão", uma invenção local pela qual o Estado seria o distrito e os eleitos seriam os mais votados, obedecido o número de vagas disponível em cada um dos Estados.

Argumentam seus defensores que isso acabaria com as coligações proporcionais que tantas deformações provocam na representação e traduziria respeito ao conceito de maioria.

Visto de longe, o argumento até faz sentido. Mas, destrinchado, permite que se chegue a conclusão diferente. Um estudioso do tema e defensor do voto distrital - em que o Estado é dividido em vários territórios eleitorais e neles cada partido apresenta apenas um candidato, criando uma relação direta com o eleitorado do distrito -, o ex-deputado tucano Arnaldo Madeira aponta uma série de defeitos.

O mais grave deles o de representar uma troca de seis por meia dúzia. Madeira fez umas contas e chegou à conclusão de que, se a última eleição tivesse sido feita sob esse critério, dos 70 deputados de São Paulo apenas oito não seriam aqueles hoje com mandato. Ou seja, o perfil da bancada seria quase o mesmo.

Outro defeito: como o deputado seria efetivamente dono pessoal dos votos, a consequência natural seria a perda de importância do partido e o aumento do caráter personalista na política. Bom para a democracia? Certamente contraditório com o conceito de que partidos fortes correspondem a uma democracia fortalecida.

Ademais, nem de longe o distritão permite ao eleitor criar um vínculo com o eleito que dê a ele o sentido de posse do representante existente no sistema distrital clássico, ou até no misto, em que parte dos deputados é eleita pelo distrito e parte pela lista partidária.

A questão principal no centro de toda essa discussão de reforma política é o compromisso (ou falta dele) entre quem vota e quem é votado.

Daí talvez a resistência do Congresso a começar um debate em torno do voto distrital, argumentando com a impossibilidade de ser aprovado. O motivo, desconfia Madeira a partir de sua experiência na política, muito provavelmente está no fato de que isso sim altera a representação, "pois desenvolve a consciência da cidadania".

O que de forma alguma interessa a quem se lixa para a opinião pública, assim passa muito bem obrigado de um mandato para outro.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

No compasso de Serra:: Fernando de Barros e Silva

"Já disse e repito: não vou disputar eleição em 2012. Quem está trabalhando com essa hipótese está perdendo tempo." A frase de José Serra, em entrevista ao jornal "O Globo" de ontem, é suficientemente enfática para merecer registro. O tucano diz que não vai concorrer à sucessão de Gilberto Kassab -ponto final.

Apesar do tom taxativo, sabemos que as coisas em política não funcionam assim. Não, pelo menos, com tanta antecedência. E muito menos com ele, Serra.

Tomando o que diz ao pé da letra, Geraldo Alckmin estaria perdendo tempo. Fernando Henrique também. Ambos sustentam internamente que Serra deve ser candidato. Ao governador interessaria muito esvaziar o protagonismo de Kassab, seu desafeto, na sucessão.

A Alckmin, mas sobretudo a Aécio Neves, interessaria demais ver Serra amarrado à cadeira municipal, fora das disputas de 2014.

O tucano não teria condições políticas de repetir o gesto de 2006, quando largou a prefeitura com pouco mais de um ano de mandato para concorrer ao governo (depois de ter assumido que não o faria).

A candidatura Serra em 2012 parece resolver o problema de muita gente, menos o dele. O tucano está diante do seguinte dilema: amargar o ostracismo político até 2014, sem nenhuma garantia, ou arriscar a prefeitura e entrar de novo na contramão do calendário eleitoral? Não é uma decisão simples.

Existe ainda, é claro, a chance de perder a disputa municipal para o PT -seria o cenário-catástrofe. Sem Serra, o tucano-kassabismo tem uma dúzia de candidatos -portanto nenhum. O próprio PT, como informou o "Painel" no domingo, quer esperar o desfecho da novela Serra para definir sua candidatura.

Guardadas as proporções, repete-se em 2011 a situação de 2009, quando a oposição ficou aguardando Serra definir se era ou não candidato à Presidência. A pergunta hoje é: até quando os tucanos podem ficar em compasso de espera?

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Uma especialista e sua circunstância:: Raymundo Costa

Passados 53 dias do novo governo, é cedo para críticas do tipo "estelionato eleitoral" e outras do mesmo calibre ensaiadas por uma parte da oposição. Deve preocupar a presidente Dilma Roussef, no entanto, se o governo começa a dar errado justamente na área em que ela é especialista e na qual fez a fama de boa gestora. Dois apagões, em menos de uma semana, servem desde já de alerta a presidente. Mas há outros motivos de tensão à vista no setor de minas e energia.

As empresas da área petrolífera, por exemplo, já começam a duvidar da capacidade do governo de cumprir o cronograma de execução de dois dos principais eventos previstos para este ano. O primeiro é a realização da 11ª rodada de licitações de áreas de petróleo e gás, a última sob o regime de concessão, prevista para este semestre; o segundo, a licitação dos primeiros blocos do pré-sal, no próximo semestre, segundo anúncio do ministro Edison Lobão (Minas e Energia), quando tomou posse do cargo.

Quando Dilma Rousseff era ministra, Lobão resolvia com ela as principais medidas preparatórias, e quando o assunto chegava à mesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva faltava só finalizar o processo, quase sempre o agendamento da data da reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), necessária à autorização para a ANP promover as rodadas de licitação.

É improvável que Lobão tenha a mesma autonomia. O problema de ter uma presidente especialista nesta área é a tendência inevitável à centralização maior do processo decisório quando o assunto em questão for energia. Dilma seguramente vai querer analisar detidamente a pauta da reunião do CNPE, esmiuçar as minutas de contrato, enfim, sabe em todos os detalhes as condições em que ocorrerá o leilão. É do seu jeito de trabalhar.

Já há dúvidas se leilões do pré-sal começam este ano

A centralização, dependendo do ponto de vista, tanto pode ser um bem quanto um mal. As empresas do ramo, até agora, não faziam maiores reparados à gestão Lula-Dilma-Lobão. Mas já temem que a inclinação centralizadora da presidente possa ser um mal para o setor. O desafio para Dilma é compatibilizar a atenção a ser necessariamente dispensada a uma agenda variada e complexa de governo com a que deve dar a um setor no qual, especialmente sob seu comando, são inadmissíveis apagões. Reais e de gestão.

A agenda de Dilma presidente é maior que a de Dilma ministra ou até mesmo da Dilma candidata. No momento, o empenho da presidente é para aprovar o salário mínimo no Senado, algo indispensável para o esforço fiscal para ajustar as contas do governo e - junto com outras medidas - matar no nascedouro inflação insinuante. Dilma mantém atenção também sobre o PMDB, cuja unanimidade na votação do salário mínimo, na Câmara dos Deputados, de maneira alguma deve ser entendida como um juramento de eterna fidelidade. Quem vota sim 77 vezes está dizendo que também pode votar também 77 vezes não.

A realização da 11ª rodada significa também dinheiro no caixa do governo - as empresas pagam pelo direito de explorar os blocos. Um dinheiro que o governo precisa no atual momento de sufoco fiscal. Ao tomar posse pela segunda vez no Ministério de Minas e Energia, Lobão disse estar "absolutamente convencido" de que o governo deveria fazer, este ano, a rodada 11 de licitação sob o regime de concessão e a primeira do pré-sal sob o regime de partilha".

"A 11ª rodada sob o modelo de concessão nós faremos com segurança, e a primeira rodada do modelo de partilha espero que se possa fazer também este ano", disse o ministro. Pode ser, mas os prazos estão ficando curtos. A 11ª rodada, como se disse, depende de uma conversa detalhada do ministro Lobão com a presidente da República para acertar a convocação do CNPE. Tudo resolvido, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) cuida dos trâmites para última concessão.

A situação do pré-sal, segundo a presidente o "passaporte" do Brasil para o futuro, é bem diferente. Não basta uma decisão administrativa. Desde dezembro está acertado que as licitações dos blocos de petróleo ficariam suspensas até que fosse aprovado o projeto de lei com as novas regras de distribuição dos royalties entre Estados e municípios.

O projeto está na Câmara. Pelo que se viu nas votações dos projetos que regulamentam a exploração da camada pré-sal, ano passado, é plausível a avaliação de entidades ligadas ao setor, segundo a qual dificilmente o Congresso chegará a algum tipo de acordo antes de meados do próximo semestre. Atualmente, são 24 Estados e o Distrito Federal contra Rio de Janeiro e Espírito Santo, que armaram trincheira para manter o sistema atual de distribuição de royalties.

Tanto o governador Sérgio Cabral (RJ) como o governador Renato Casagrande (ES) já sabem que não têm condições de sustentar essa posição até o final e fazem uma política de redução de danos. O mais provável, ao fim da história, é que Rio de Janeiro e Espírito Santo tenham de dividir o muito para que os outros 25 tenham um pouco para repartir entre todos. De qualquer forma, é um acordo difícil e demorado para ser tecido.

Além disso, há a pauta rotineira do Congresso, que pode ser tangenciada na medida da popularidade de Dilma (quanto mais forte a presidente, mas fácil fazer andar os projetos de interesse do governo). Na Câmara já foram apresentados 433 projetos de lei, desde a reabertura do Congresso, e três emendas constitucionais, sem falar nos outros tipos de proposição. Um registro: com 53 dias de governo, nenhuma medida provisória assinada por Dilma tramita no legislativo, sem dúvida um ineditismo pelo menos nos últimos 16 anos.

Apresentado pelos antigo e atual governo como panaceia para os males do país, o atraso na exploração da camada pré-sal significa um duro golpe na confiança do eleitor num governo no qual está indelevelmente marcada. O eleitor não perdoou o apagão no governo tucano e certamente será ainda menos tolerante com um eventual apagão na presidência de uma especialista na matéria.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Governo e oposição no prazo de carência:: Wilson Figueiredo

Na metade do prazo concedido ao novo governo para confirmar a que efetivamente veio, quem está devendo ao eleitorado dizer como pretende não apenas se situar, mas se haver com a responsabilidade e demonstrar que a democracia só tem a ganhar com a alternância dos governantes, é a oposição. Há um vazio à disposição.

Os dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva não vão multiplicar o efeito político da operação de vender como classe média a primeira safra de cidadãos que passaram a fazer três refeições por dia. Ainda falta muito a percorrer no longo caminho para a democracia com características universais, sem os vícios tradicionais.

A classe média foi a última parcela social a se constituir com características que não se limitam a um item ou dois. Nada a ver com a versão lulista. Não é produto da economia e, com a industrialização, apenas se anunciou. Veio para ficar e se multiplicar. É ela que explica melhor o Brasil do que qualquer outra forma de entender o que se passou desde 1930 até hoje. Não foi por acidente que lhe coube o peso político de ser o lastro da democracia que se aperfeiçoa a cada eleição presidencial. A classe média que aí está cresceu e se multiplicou sob os efeitos periódicos da liberdade que não trabalha com exclusividades.

Quem deve reparações à opinião pública de um país que já voltou, mais de uma vez, aos princípios mínimos para retomar do começo a democracia abandonada pelo caminho, é esta oposição que apostou na fatalidade fictícia e deixou de fazer sua parte na ilusão de que o PT e Lula, sozinhos, se dariam mal. Esperou em vão que o tempo se encarregasse de reduzir o efeito e o proveito do lulismo sobre os que se curvaram à incerteza de ter outra refeição no mesmo dia em que fizessem a primeira.

Os papeis não se inverteram na nova situação. A oposição continuou do lado de fora da realidade e nem se dá conta de que têm agora apenas a metade do prazo de carência - aqueles cem dias inventados pelos americanos - tanto a nova governante quanto a velha oposição, que não se mostrou à altura da responsabilidade de espelhar o pensamento crítico dos brasileiros no Século 21. No mensalão, não apenas a situação (que já foi a designação eufemística do governismo) se feriu. A oposição também teve baixas e ficou sem voz para repreender o presidente e sua gente. E acabou incapaz de repelir a afronta de ser tratada de neoliberal, com que o PT a carimbou.

Pois é aproveitar os próximos 50 dias, com disposição de relacionar tanto as diferenças quanto as semelhanças, estas mais que aquelas, entre a palavra dada em campanha pela dupla Dilma-Lula e as ações encaminhadas no governo (deles ou dela). Em matéria de oposicionismo, os brasileiros não têm de que se queixar. Dia virá, mas ainda esta longe, em que a qualidade histórica das nações será avaliada pelo teor de competência oposicionista.

De pouco adianta a oposição insinuar que os governos do PT se fizeram com o exibicionismo lulista, pois não chegaram a praticar um corpo de idéias em torno de princípios, mas trabalharam exatamente a falta de idéias sem princípios. A social-democracia acabou se prestando a ser a caricatura neoliberal com que o petismo se fartou, politicamente, de depreciá-la, até a indigestão provocada pelo mensalão, ainda no primeiro mandato.O efeito perverso foi que a oposição saiu dos dois mandatos consecutivos de Lula devendo satisfações ao eleitorado, que mesmo assim retribuiu _ ao que já se entende por social democracia brasileira _ com uma votação que ainda não está sendo honrada.

Nos primeiros cinqüenta dos cem dias reservados, pela gentileza republicana, a quem chega ao poder, a presidente já disse o suficiente para deixar clara a diferença entre o que pretende e o pouco que ofereceu à sombra do presidente Lula na campanha. E, principalmente, o modo ponderado de desempenhar o mandato, nele ja implícito - tentações à parte - o direito a outro.

É jornalista

FONTE: JORNAL DO BRASIL

FHC: "Poder revela muito mais do que cria ou deforma"

Em tempos de transição na Presidência da República, FHC reflete sobre as nuances do poder

Sônia Racy


O Brasil estreia no quesito mulher-presidente. Dilma exercerá o poder de maneira diferente se comparada a um homem? Como é estar no poder e depois não estar mais? Lula tem deixado claro que não está nada fácil adaptar-se à nova rotina. “É como se você estivesse dirigindo a 300 por hora, desse um cavalo de pau e, de repente, o carro parasse no meio da estrada”, declarou ele ao amigo Ricardo Kotscho semana passada. Depois de anos sem, como se diz em Brasília, tocar em uma maçaneta de porta, o ex-presidente volta agora para lugares e pessoas que já fizeram parte do seu dia a dia. Traz sua transformação pessoal para um ambiente onde, provavelmente, muito pouco mudou. Lula optou por não se afastar do País e tem tentado não interferir no governo da sucessora. O resultado deste esforço é parcial.

Quando deixou o poder, Fernando Henrique Cardoso, acompanhado de dona Ruth, decidiu sumir do Brasil e escolheu a França para passar três meses. Ali se habituou novamente a comprar jornal, fazer café, andar nas ruas e pegar metrô. Mesmo assim, segundo admite, a passagem é complicada. FHC recebeu a coluna, na tarde de quarta-feira, para falar sobre poder na condição de ex-presidente e sociólogo. O poder corrompe ou revela o caráter de uma pessoa? Para o intelectual, ele “mais revela” do que transforma. Ou seja, para FHC, a ocasião NÃO faz o ladrão. Aqui vão os principais trechos da conversa.

Qual a diferença entre o poder exercido por uma mulher e por um homem?

Depende. Se a mulher sobe com esta característica, porque é mulher e lutou, é uma coisa. Se sobe porque lutou muito, competiu com outros homens e mulheres de igual para igual, é outra. Ela fica mais dura. No caso atual, a presidente Dilma nunca foi feminista, nunca se apresentou como tal. Nem é uma política. É uma técnica que subiu na base do jogo que aí está. Portanto, não sei se haverá diferença.

Mas ela é mulher. E mulheres são diferentes. O comando de Dilma terá qual componente feminino?

Vamos ver. Ela chegou lá pelas virtudes da profissão, da política, da coisa de tecnicalidade e não pelas características de personalidade. Então não sei se esse lado da mulher adjetiva vai florescer.

Para se ter poder é necessário, de fato, aparentar poder?

Em geral, sim, mas não necessariamente. Você às vezes tem que disfarçar o poder para exercê-lo. A tradição brasileira é muito mais de disfarçar do que de aparentar. As famosas coisas que Getúlio fazia, por exemplo: fingia que ia fazer algo e ia para um outro lado. Acho que, em geral, quem tem consciência do poder não vai exibi-lo. Ao exibir, abre o jogo e cria o contra corpo.

Lula exerceu o poder por meio da popularidade?

Ele parecia gostar da exterioridade do poder muito mais do que da eficácia de uma decisão. Gostava do aplauso. É uma forma de exercer o poder. Mas nunca vi no Lula um homem de Estado, um poder no sentido mais forte, daquele que tem visão, sabe que tem que alcançar seus objetivos e constrói o caminho. Ele construiu o poder para si mesmo.

O senhor acha que ele não tinha um projeto para o Brasil?

O que tinha, esqueceu no caminho. Adotou o que existia, não o que ele havia proposto. Até me pareceu interessante o Lula no Fórum Social no Senegal, que é o fórum contra a globalização. Ora, o Lula foi o presidente que mais ajudou o Brasil a se globalizar. Aderiu inteiramente. Eu não estou criticando por ele ter feito a adesão. Estou criticando a mudança, essa inconsistência. Ele não tinha um propósito. Este já havia sido dado pela sociedade. Ele assumiu aquilo e como que surfou na direção que a sociedade estava apontando. Não contrariou para mostrar que tinha um objetivo e a força de mudar algo em curso para chegar ao seu objetivo.

No mundo, as pessoas hoje pensam mais no poder do que em um projeto de Nação?

Vamos pegar o que aconteceu nos Estados Unidos no século 18. Bem ou mal, aqueles líderes definiram um caminho, criaram a declaração universal da democracia, a Constituição americana, adotaram as concepções de Montesquieu e por aí foram. Tinham uma visão de futuro e aquilo marcou tudo. Mesmo um tipo como Napoleão, que é o oposto da coisa americana. Aqui, José Bonifácio tinha essa percepção e sabia o que queria. D. Pedro II, se não tinha uma visão, alguma ideia ele tinha de que tinha que civilizar isso aqui. Eu acho que alguns presidentes brasileiros tiveram, como o Getúlio: você pode não concordar com a visão dele, mas ele tinha noção de Estado herdada dos positivistas, autoritária e tal. Alguns tiveram uma certa noção, desenharam o que era possível para o País, mesmo que não tivessem uma coisa tão fundamental como os grandes pensadores americanos.

Obama tinha um projeto quando se elegeu?

Não. O Obama tinha um discurso: “Sim, nós podemos”. Podemos o quê? Nesse aspecto, ele tem uma certa semelhança com o Lula, porque os dois simbolizavam alguma coisa. Não é que tivessem que ter uma proposta. Eles próprios já simbolizavam mais democratização: venho de baixo e chego lá, sou negro e chego lá. Aquele discurso admirável do Obama sobre racismo é uma coisa grandiosa. Mas não é um projeto de Nação. Ele também chegou lá e fez uma tentativa de melhorar o bem-estar da população com seu projeto de saúde. Conseguiu mais ou menos, não tudo que queria. E ficou perdido por isso, passou a ter que resolver os problemas deixados por outros. Ou seja, como enfrentar a crise do capitalismo com os instrumentos disponíveis? Daí por diante, inundou o mundo de dólares, salvou os bancos. Não creio que fosse projeto dele. Foi engolfado pela situação.

O senhor acha que Dilma assumiu o poder com um projeto?

Acho que não. Ela nunca falou à Nação sobre isso. Vai tocando no dia a dia. Qual é o projeto? O que está bem, que continue. Acabar com a pobreza, todos nós dissemos isso e todos nós fizemos um pouco nessa direção. Não só eu, antes de mim também o Itamar, o Sarney, os militares. Isso não é um projeto de Nação: é uma necessidade. Não podemos ter um País com esse grau de pobreza. Nesse momento em que ninguém pode mais ter um projeto desligado do mundo, visto que o grande problema hoje é ligado à globalização, não dá para você ter um caminho que não incida e sofra as consequências do mundo. Temos que discutir estratégias.

Em entrevista à Globo News, o senhor definiu o poder como duro, difícil e sofrido. Qual é o real poder de um presidente no Brasil?

É o de convencimento. Ele tem de convencer o País e o Congresso a ir num certo rumo. Caso contrário, as forças constituídas não mudam nada, ficam repetindo o que elas são. Para exercer de fato o poder no sentido pleno, ao exercê-lo, ele tem que mudar as coisas numa determinada direção. Fora disso, não consegue. A sociedade tem que cobrar mais. O que a sociedade quer? Se o presidente tiver visão das coisas, ele pode até capitanear a mudança, mas ela nunca é dada só pela vontade do presidente. Ela capota diante das instituições e da tradição do que está estabelecido.

Existe uma versão “criminalizadora” da política e do poder, sugerindo que pessoas boas entram na política e aí se tornam más e corruptas. Poder corrompe ou revela o caráter?

Mais revela. É claro que o poder absoluto dá mais chances aos mais fracos de ficarem maus. Veja, vamos falar português claro: uma pessoa que tem posição de mando (não precisa ser presidente) tem enormes possibilidades de enriquecer. Ele tem informações e pode usá-las. O que freia isso, o que inibe? É você mesmo. Quando você não o faz, é você mesmo que deixa de fazê-lo. Não é que o poder está impedindo. Então, acho que poder revela muito mais do que cria ou deforma. É claro que a permanência no poder deforma, porque essas chances vão se repetindo, repetindo… e aí chega um momento em que o risco de você incorrer em erro é maior.

Vou lembrar a frase de que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Antes de corromper, o poder não deslumbra?

A muita gente, sim. Vou falar em termos pessoais: eu nunca me deslumbrei.

Quem o conhece, diz que o senhor era uma pessoa antes de assumir o poder, a mesma pessoa durante e a mesma quando saiu. Mas dentro do senhor, o que mudou no exercício do poder?

Dentro muda. Você vê que as coisas são muito mais difíceis do que você pensava. Você vê que a ambição humana é muito maior do que imagina. Pessoas que são próximas, e você nunca vislumbrou a possibilidade de elas terem uma ambição desproporcional, pedem a você o que não devem pedir. O poder dá uma percepção talvez mais realista do ser humano.

Como isso mudou o senhor como pessoa?

Talvez endureça um pouco, porque você desconfia, a pessoa vai te procurar e você pensa: “O que será que ela quer?”. Em vez de partir do princípio de que não quer nada que seja negativo. Começa a ficar com um pé atrás, fica esperto, astuto para o mal que possa vir. Mal no sentido do inapropriado. A Ruth pesou muito também no meu estilo, porque era muito direta, muito simples, sempre teve horror de ostentação de poder e dessas coisas. Minha família não ficou deslumbrada. Até hoje, quem são os meus amigos mais próximos? São os da universidade, que eu já tinha antes. Com quem eu convivo? Com as pessoas que sempre convivi. É claro que acrescentei, mas nunca mudei de grupo, de camada, de círculo.

Quando o senhor saiu do poder, teve síndrome de abstinência?

Não, não tive. E tomamos uma resolução, Ruth e eu. Imediatamente saímos do Brasil. Por três meses ficamos na França e tomamos decisões claras: não vamos ter automóvel, segurança, assessores. Vinha um rapaz da embaixada brasileira uma ou duas vezes por semana trazer correspondência e conversar. Andei de metrô. Fiz isso logo para me dizer: não sou mais presidente. E passei a desfrutar das coisas que eu gosto. Ir a museus, comprar livros, comecei a me preparar para escrever um livro, via meus amigos, ia comer em restaurantes que eu gostava, ia ao teatro, andava a pé. Foi uma terapia de choque, digamos assim.

Como é o poder para o senhor hoje em dia?

Hoje não tenho poder nenhum. Posso ter é influência, que é uma outra coisa. É a capacidade de a partir do que você fala e faz, influenciar o comportamento de terceiros. Poder é quando você pode obrigar, eu decreto tal coisa e passa a valer. Você tem a capacidade de coagir o outro, pela lei no caso da democracia, mas mesmo a lei está baseada na força, tem autoridade.

O poder leva ao autoengano? Por exemplo, muita gente critica que o senhor deveria ter feito muito mais marketing dos coisas que conseguiu fazer durante seu governo, em lugar de esperar que a história lhe fizesse justiça.

É possível que o poder iluda. No caso do marketing, eu mesmo tinha muita resistência. Por outro lado, naquela época isso não seria tolerável, as finanças não eram tão favoráveis assim. A Bolsa Escola, por exemplo, foi a origem de todas as bolsas. Distribuímos 5 milhões de bolsas e eu não usei isso como se fosse dádiva.

O senhor achava que haveria um reconhecimento natural ao seu governo?

Eu não estava nem pensando nisso. Tinha uma dúvida profunda: não sei se estou constituindo um começo ou um interregno. Eu dizia isso: essas coisas que nós estamos fazendo, eu não sei se é o começo de uma mudança ou se é um momento que depois vai regredir. Vendo hoje, algumas coisas foram um começo, a estabilidade foi uma delas, assim como a área social. Outras foram um interregno, como a concepção de secularizar mais a política e não ficar nessa coisa patrimonialista.

Mas e o marketing?

Nunca tive a preocupação de fazer propaganda em termos pessoais, realmente não pensei. Alguém me perguntou como vou ser visto daqui a 100 anos. Será que eu serei visto? E se eu for bem-visto, estarei morto. De que adianta? (risos) E tem o seguinte: a História modifica o julgamento. Dependendo de cada momento da História, você é bom ou é mau, isso vai variando. Se você fez alguma coisa que mereça ser vista por ela, ótimo. Mas isso não quer dizer que sua posição está assegurada, porque alguns vão dizer que foi bom e outros que foi mau. Depois muda a geração, o que era bom virou mau, o que era mau virou bom. Isso é muito comum, não só no poder. Eu estava lendo hoje numa revista: “Baudelaire não conheceu a glória quando vivo”. Pode ser. Mas de que adianta conhecer a glória morto?

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO / CADERNO 2, 21/2/2011.

O que pensa a mídia

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Oposição e PT reagem a Serra

Em reação às críticas de José Serra ao governo Dilma, o presidente do PT, José Eduardo Dutra, disse que “o fracasso lhe subiu à cabeça”. Líderes da oposição elogiaram o tucano, mas, nos bastidores, alguns desaprovaram os ataques.

Criticada por governistas, entrevista de Serra divide opiniões entre aliados

Para Dutra, "fracasso lhe subiu à cabeça"; houve incômodo também no PSDB

SERRA: para ex-governador, Dilma marcha para "estelionato eleitoral"

Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. Os governistas reagiram ontem com ironia à entrevista do ex-governador paulista José Serra ao GLOBO, na qual o tucano acusa a presidente Dilma Rousseff de marchar para "um estelionato eleitoral". Em seu Twitter, o presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra, disparou logo cedo: "O fracasso lhe subiu à cabeça". Mas, embora alguns tucanos tenham reprovado reservadamente o tom de Serra, o líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR), concordou com a subida do tom do discurso do companheiro contra o governo.

- O governo Dilma comete sim um estelionato eleitoral. Pois durante a campanha, o que ouvimos dela foi que o Brasil era o paraíso das facilidades. Com a manipulação de números, mistificação e mentiras, a ficção venceu a verdade. E eis que a realidade surge agora nas decisões tomadas pela presidente da República - reforçou Dias.

Intenção seria candidatura em 2014

Nos bastidores, porém, a postura assumida por Serra teria incomodado não só uma parte dos tucanos, como também representantes do DEM. Há quem tenha percebido nas entrelinhas da entrevista do ex-governador muito mais que uma simples sinalização de que ele pretende se manter na vida pública. A impressão de alguns deles é que Serra não só trabalha para viabilizar uma nova candidatura à Presidência em 2014, como para impedir a possibilidade de o senador Aécio Neves (PSDB-MG) entrar na disputa.

- Ouvi na semana passada de um deputado tucano que a ausência de Serra do cenário nacional ajuda a arejar o partido e diminui o clima de tensão e medo que prevaleceu nos últimos anos em razão de sua influência no comando do PSDB - confidenciou um líder da oposição, preferindo não ser identificado.

Já o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) disse que assinaria embaixo de tudo que foi dito por Serra na entrevista:

- Concordo com tudo. Há um contraste entre o que dizia a candidata Dilma e o comportamento da presidente. Quem não se lembra quando ela disse: "Onde já se viu falar em ajuste fiscal?".

O senador paulista concordou com a avaliação de que o PSDB não deve antecipar o debate eleitoral de 2014, mas precisa investir antes na sua unidade.

Entre os petistas, a agressividade de Serra contra Dilma foi tratada com ironia. Para o presidente nacional do PT, a entrevista de Serra mostra rancor e está descolada da realidade.

- O discurso dele não encontra eco nem no PSDB. Por isso ele está que nem siri na lata - criticou Dutra.

Para o senador Lindberg Farias (PT-RJ), Serra parece ainda não ter descido do palanque eleitoral:

- Como falar em estelionato eleitoral menos de dois meses (depois) do início do governo Dilma? Quem entende bem de estelionato é o Serra, que assinou um documento em cartório prometendo cumprir seu segundo mandato de prefeito até o final.

Na avaliação do líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), Serra precisa abandonar a ideia de que ainda disputa a eleição presidencial, pois não haverá terceiro turno:

- Minha impressão é que Serra está falando sozinho. Ele precisa ter cuidado para não se desqualificar, pois sua fala pesada e agressiva não influencia nem a oposição. Acho que ele está sem eixo. Sua entrevista é quase um grito mudo.

Na opinião do líder do DEM na Câmara, Antonio Carlos Magalhães Neto (BA), Serra faz cobranças corretas em relação ao governo Dilma.

- A entrevista guarda coerência com o que Serra vinha dizendo durante a campanha eleitoral. Ele faz cobranças corretas em relação a Dilma e continua sendo um importante líder da oposição no país - afirmou.

FONTE: O GLOBO

Comissão do Senado atrasa reforma política

Colegiado criado por presidente da Casa, José Sarney, para debater mudanças compromete a votação em plenário de 70 propostas já aprovadas pela CCJ

Rosa Costa

A intenção do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), de controlar os rumos da discussão da reforma política vai atrasar a votação no plenário de propostas já aprovadas ou prontas para ser votadas pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Já existem na CCJ 70 projetos e emendas que abrangem todas as questões da reforma política, desde a fidelidade partidária até a adoção do financiamento público de campanha.

Foi justamente o excesso de temas que sempre impediu a reforma política de sair do papel. Pior: sem negociações entre os principais líderes partidários, nem mesmo matérias já votadas conseguem avançar. Há quatro anos, por exemplo, a CCJ aprovou mudanças para acabar com a farra da posse dos suplentes de senadores, mas desde então nada foi feito para incluir o texto na pauta de votação do plenário.

A comissão da reforma política foi criada por Sarney e será instalada amanhã. Ele se valeu de critérios aparentemente pessoais para escolher seus integrantes, deixando de fora os desafetos políticos Jarbas Vasconcelos (PE) e Pedro Simon (RS), apesar de serem os peemedebistas que mais discutem o assunto no Senado.

Os convites feitos por Sarney para formar a comissão incluem dois ex-presidentes da República Fernando Collor (PTB-AL) e Itamar Franco (PPS-MG) e senadores recém-eleitos cuja proximidade lhe interessa.

Há quatro dias, Sarney atendeu a uma queixa do PC do B, do PSOL e da bancada feminina, que reclamavam da ausência de mulheres na comissão especial. Nomeou mais três membros para o colegiado: as senadoras Vanessa Grazziotin (PC do B-AM), Ana Rita (PT-ES) e Lúcia Vânia (PSDB-GO). O prazo de trabalho da comissão é de 45 dias, sob a presidência do senador Francisco Dornelles (PP-RJ).

A própria existência da comissão é questionável. Na conversa com colegas, Dornelles reconhece que o colegiado não pode avançar além do que já fez o Senado. E que, para dar resultado, tem de definir as mudanças prioritárias, preferencialmente com base nas propostas já em tramitação.

Para tentar contornar o problema, Dornelles planeja fazer uma seleção de normas em vigor que devem ser alteradas, e não uma reforma.

Ex-presidente da CCJ, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) reconhece o risco de a comissão repetir o que ocorreu em 1999, quando outra comissão patrocinou uma proposta de reforma que até hoje está engavetada na Câmara. Nos últimos quatro anos, foram feitas outras tentativas, também abandonadas por falta de consenso.

"Temos projetos em abundância. Acredito que essa comissão deveria decidir por maioria os temas essenciais entre os projetos que estão em andamento na Casa", argumenta Demóstenes, membro da comissão.

Ele defende, ainda, a realização de um trabalho "enxuto" para impedir "que a discussão descambe para a linha filosófica". É nessa linha que o vice-presidente Michel Temer (PMDB) também tem insistido, defendendo uma reforma restrita a três ou quatro itens, para que seja viável.

Os pequenos partidos também querem a participação popular na reforma política. Eles estão coletando assinaturas para criar a Frente da Reforma Política, cujo lançamento está previsto para o dia 23 de março.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Centrais agora lutam por correção da tabela do IR

Objetivo é que aumento seja de 6,47%

Martha Beck

BRASÍLIA. Derrotadas na votação do salário mínimo, as centrais sindicais agora se armam para brigar com o governo pela correção da tabela do Imposto de Renda da pessoa física. Para defender a aprovação de um mínimo de R$545 na Câmara dos Deputados, a equipe econômica propôs, como moeda de troca, um reajuste de 4,5% nas faixas de renda do IR pelos próximos quatro anos. No entanto, as centrais querem que o aumento para 2011 seja de, pelo menos, 6,47% - valor correspondente ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulado em 2010 e que serviu como base para o cálculo do novo salário mínimo.

- A proposta das centrais continua sendo uma correção de 6,47% para a tabela este ano - afirmou o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna.

Juruna diz acreditar que o governo terá menos margem de manobra na negociação do IR considerando que perdeu popularidade por causa do salário mínimo.

- O que reivindicamos é a correção da tabela para 2011 em 6,47%, que foi o índice de inflação do ano passado, a corroer os salários dos trabalhadores. Para 2012 até 2015, vamos negociar qual será o índice - disse o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Arthur Henrique.

A proposta dos técnicos da equipe econômica, porém, é corrigir a tabela nas mesmas condições em que foi reajustada desde 2007. Eles consideram que os contribuintes já foram beneficiados por medidas adicionais, como a criação de duas novas alíquotas do IR, o que tornou a cobrança do imposto mais equilibrada. Além disso, o reajuste de 4,5% representa uma renúncia fiscal de R$2,2 bilhões por ano (R$8,8 bilhões até 2014).

Mas a defasagem na tabela é maior até do que pedem as centrais. Estudo do Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal (Sindifisco Nacional) mostra que, de 1995 a 2010, a correção da tabela do IR foi de 88,51%, contra uma inflação medida pelo IPCA de 209,36% - o que deixa um resíduo de 64,1% ainda a ser compensado.

FONTE: O GLOBO

Planalto blinda votação do mínimo no Senado

Defensor do salário de R$560, senador Paulo Paim já demostra disposição para votar amanhã com o governo

PAULO PAIM: "O meu voto é simbólico. O risco de o governo perder é zero. Mas é preciso mostrar unidade"

Gerson Camarotti

BRASÍLIA e BARRA DOS COQUEIROS (SE). O Palácio do Planalto decidiu blindar a votação no Senado do projeto de lei que estabelece o salário mínimo de R$545, para evitar surpresas na votação de amanhã. Um dos principais focos de atuação passou a ser o senador Paulo Paim (PT-RS), que ontem deu sinais de que está disposto a votar com o governo, uma semana após anunciar que lutaria por um mínimo de R$560. Hoje, a presidente Dilma Rousseff faz uma reunião de manhã, no Palácio do Planalto, para analisar a votação no Senado.

A possibilidade do recuo de Paim acontece após forte ação do governo, principalmente depois das ausências petistas e de dois votos contrários de parlamentares do partido na votação da Câmara. O Planalto considera fundamental a unidade dos 15 senadores do PT, como um fator simbólico para a condução da base aliada no Congresso. Tanto que o chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, foi escalado para negociar pessoalmente com Paim.

Para justificar o possível recuo, Paim alegou que é melhor ter uma política permanente de valorização do mínimo. Mas avisou que quer uma sinalização do governo sobre apreciação do projeto de lei que acaba com o fator previdenciário e uma negociação para reajuste dos aposentados que ganham acima do mínimo:

- O meu voto é simbólico. O risco de o governo perder é zero. Mas é preciso mostrar unidade, principalmente porque meu mandato sempre esteve associado à luta do salário mínimo. Acho que o mais importante é uma política salarial que tenha como regra o reajuste da inflação mais o crescimento do PIB. Se tenho essa garantia, é mais importante do que antecipar R$15. Por isso, concordo em aprovar o projeto, mas com a possibilidade de discutir o fim do fator previdenciário e a aposentadoria para aposentados e pensionistas.

O Palácio do Planalto também tenta evitar surpresas na bancada do PMDB. A maior preocupação é com a possibilidade de um destaque do líder do partido, Renan Calheiros (AL), para criar um dispositivo que garanta o ganho real para o mínimo em períodos de crescimento negativo da economia. O vice-presidente Michel Temer e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), foram escalados para conversar com Renan.

Recomendação do governo é derrubar destaques

O governo quer evitar a aprovação de destaques, para que o texto não volte à Câmara. Segundo Jucá, os destaques da oposição serão votados. Mas a recomendação do governo é derrubar todos. Ontem, o PMDB tentava mudar três votos resistentes à proposta do governo: de Pedro Simon (RS), Luiz Henrique (SC) e Jarbas Vasconcelos (PE).

Em Sergipe, onde ontem se encontrou com governadores do Nordeste, a presidente Dilma Rousseff frisou a importância do projeto de lei com as regras de reajuste do mínimo:

- É importante para o Nordeste a política de reajuste e valorização do salário mínimo que aprovamos em primeira instância na Câmara e que esperamos aprovar no Senado. Por quê? Porque ela garante um horizonte de crescimento do salário mínimo de forma sistemática.

Colaborou: Chico de Gois

FONTE O GLOBO

Dilma descarta alívio fiscal para governadores

A chefes de Executivo do Nordeste, presidente diz que não vai recriar CPMF nem mexer na Lei Fiscal

Julia Duailibi

A presidente Dilma Rousseff se recusou ontem a acolher duas das principais demandas apresentadas pelos governadores durante a reunião de trabalho no 12.º Fórum dos Governadores do Nordeste, em Barra dos Coqueiros, Sergipe.

Durante o encontro fechado com a presidente, os governadores não conseguiram avançar em dois pontos polêmicos da pauta: a adoção de novos mecanismos para o financiamento da saúde, nos moldes da extinta CPMF, e a renegociação do índice que corrige a dívida dos Estados com a União, demanda também já exposta pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB).

O governador de Alagoas, Teotônio Vilela (PSDB), levantou a questão da dívida. Pegaram carona o governador da Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB), que definiu seu Estado como "falido" e quase na "ilegalidade", e a governadora do Rio Grande do Norte, Rosalba Ciarlini (DEM), para quem as receitas de 2011 não cobrem as dívidas contraídas em 2010.

Dilma afirmou, então, ser contra alterar parâmetros da Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe a renegociação das dívidas. Disse aos governadores, no entanto, que eles poderiam buscar alternativas. Citou como exemplo o empréstimo tomado pela Prefeitura do Rio, no Banco Mundial, que serviu para abater parte de sua dívida com a União.

Em 1997, os Estados renegociaram suas dívidas com a União, que passaram a ser corrigidas pela inflação medida pelo Índice Geral de Preços (IGP-DI) mais 6%. Os governadores resolveram não incluir a questão na Carta da Barra dos Coqueiros, divulgada ao fim do encontro, para evitar a impressão de que estariam pressionando a presidente.

Antes de a reunião começar, governadores também defenderam a criação de mecanismos alternativos para financiar a saúde. "É fundamental implementarmos uma nova contribuição", declarou o governador do Ceará, Cid Gomes (PSB). O petista Jacques Wagner, da Bahia, seguiu a mesma linha: "Sou a favor de uma nova contribuição, sim."

Dilma, porém, disse não haver espaço para um novo tributo e que os governadores deveriam se dedicar mais à gestão da saúde. "É um discurso em que fomos derrotados no passado. A gente tinha razão, tinha. O problema é que fomos derrotados", afirmou a presidente, de acordo com relato de presentes na reunião.

Os governadores de Sergipe, Marcelo Déda (PT); do Rio Grande do Norte, Rosalba Ciarlini (DEM), e de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), disseram ser contra um novo imposto. Dilma cedeu em um ponto. Disse ao mineiro Antonio Anastasia (PSDB), que foi convidado para o encontro, que o Plano Nacional de Mineração vai aumentar os royalties pagos pelas empresas aos governos estaduais.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Kadafi bombardeia civis nas ruas e diplomatas se asilam

Missão líbia na ONU acusa ditador de genocídio e pede sua renúncia

Numa violenta tentativa de conter protestos que exigem sua renúncia, o ditador líbio, Muamar Kadafi, ordenou o bombardeio, com aviões militares, de civis em Trípoli. O ataque mais forte ao ditador veio de sua missão na ONU, onde o vice-embaixador Ibrahim Dabbashi pediu sua renúncia: “Kadafi declarou guerra ao povo e está cometendo genocídio.” Embaixadores líbios na Índia, na China e na Liga Árabe deixaram o cargo e pediram asilo. O ministro da Justiça renunciou.Dois pilotos de caças aterrissaram em Malta e desertaram. Segundo testemunhas, a capital foi bombardeada várias vezes, e haveria pelo menos 61 mortos desde a madrugada. A sede do Parlamento, a rádio e a TV estatal teriam sido incendiadas e saqueadas. Isolado pela comunidade internacional, após condenações em massa, o ditador apareceu na TV e declarou: “Estou em Trípoli, e não na Venezuela.Não acreditem nos canais que pertencem a esses cachorros vira-latas.”

Aviões de Kadafi atacam civis

Missão líbia na ONU pede renúncia de ditador, acusando-o de genocídio, e oficiais desertam

MORADORES DE Benghazi comemoram sobre um tanque: imagens de origem desconhecida são enviadas à imprensa internacional, impedida de atuar no país

PRÉDIOS PEGAM fogo nos arredores de uma base das forças de segurança em Benghazi: segunda maior cidade do país estaria tomada pela oposição, com o apoio de militares desertores


TRÍPOLI- Baixas significativas, como a renúncia de um ministro, a deserção de diplomatas e oficiais do Exército, críticas severas de antigos aliados e a oposição de proeminentes líderes tribais parecem não ter intimidado o ditador líbio, Muamar Kadafi. Com os protestos chegando a Trípoli, o mais antigo governante do mundo árabe não hesitou em bombardear a capital numa violenta tentativa de conter as manifestações por sua renúncia. Coube a seu filho, Seif al-Islam Kadafi, fazer um novo pronunciamento à TV, alertando para o ataque contra "sabotadores" e desmentindo o bombardeio a civis, mas apenas a "depósitos de munição em áreas desabitadas". Além de mortes causadas pela ofensiva aérea, informes de ativistas e organizações internacionais davam conta de uma escalada alarmante de violência, com confrontos entre manifestantes e milícias pró-regime. Horas depois de muita expectativa sobre um pronunciamento à nação, Kadafi foi à TV estatal. E em 15 segundos, ignorou a crise, limitando-se a dizer, sob um guarda-chuva branco:

- Estou em Trípoli, e não na Venezuela.

A aparição-relâmpago surpreendeu - e confundiu quem esperava um posicionamento oficial do excêntrico ditador num momento em que mesmo seus mais altos funcionários desafiam sua autoridade, como o vice-embaixador da Líbia na ONU, Ibrahim Dabbashi.

- Kadafi declarou guerra ao povo e está cometendo genocídio - afirmou o diplomata.

Embaixadores líbios na Índia, na China e na Liga Árabe deixaram o cargo em protesto à ofensiva do governo, e pediram asilo. O ministro da Justiça, Mustafa Mohamed Abud al-Jeleil, também renunciou em protesto ao "uso excessivo de violência". Relatos até então desencontrados de militares desertando nas cidades de Trípoli e Benghazi ganharam peso quando dois caças Mirage da Força Aérea da Líbia aterrissaram em Malta. Segundo autoridades locais, os pilotos, dois coronéis, decolaram de Trípoli, mas se recusaram a cumprir as ordens de alvejar a população civil. Voando a baixa altitude para fugir de radares, os dois desviaram de sua rota e pediram asilo político.

Mercenários estrangeiros desembarcam atirando

Outro revés a Kadafi veio de líderes tribais. O xeque Faraj al-Zway, líder da tribo al-Zuwayya, influente no oeste da Líbia - onde se concentra boa parte da produção petroleira do país - ameaçou impedir as exportações. Akram al-Warfali, líder da tribo Warfala, uma das maiores do país, também anunciou seu apoio à revolta, afirmando que "Kadafi não é mais um irmão".

Ao entardecer, milicianos pró-Kadafi usavam alto-faltantes para pedir aos moradores de Trípoli que permanecessem em casa. Com as telecomunicações aparentemente cortadas, era difícil contactar números de telefones no país. Segundo a rede al-Jazeera, panfletos distribuídos em Guiné e Nigéria convocavam mercenários para lutar na Líbia em troca de US$2 mil por dia.

Testemunhas afirmam que a capital líbia foi bombardeada várias vezes, com intervalos de 20 minutos, e haveria pelo menos 61 mortos desde a madrugada. A sede do Congresso Geral do Povo, assim como a rádio e a TV estatal teriam sido incendiadas e saqueadas. Na Praça Verde, no centro de Trípoli, manifestantes enfrentaram mercenários que desembarcavam a bordo de cerca de dez caminhonetes. Com armas automáticas, o grupo chegou atirando para o alto e, depois, fez dos manifestantes seu alvo.

Segundo a Human Rights Watch, pelo menos 233 pessoas morreram em cinco dias, embora opositores garantam que o número seja bem maior. Os relatos da violência preocuparam o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que telefonou para Kadafi e pediu o fim dos confrontos e "um diálogo amplo para atender às demandas do povo líbio". A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, rompeu o silêncio e defendeu "o fim do derramamento de sangue".

Houve protestos em Bayda, Derna, Tobruk e Misrata. Diante de rumores de que oficiais líbios abandonaram postos de controle na fronteira, o Exército do Egito enviou dois hospitais de campanha ao posto de Salum para evacuar seus cidadãos presos no país vizinho. A cidade de Benghazi, centro dos protestos, estaria tomada pela oposição, que conseguiu atrair desertores e apreender armas e veículos militares.

- Ainda estamos recebendo feridos graves. Posso confirmar 13 mortes em nosso hospital, mas a boa notícia é que as pessoas estão cantando e comemorando do lado de fora ao constatar que o Exército está do lado deles. Há apenas uma brigada, a al-Sibyl, contra o povo - contou o médico identificado como Mohamed, do hospital al-Jalaa, à al-Jazeera.

FONTE: O GLOBO

Crise da Líbia:: Míriam Leitão

Estamos vivendo um momento da História em que a página está aberta. Tudo pode ser escrito. A Líbia rebelada contra o aparentemente eterno Muamar Kadafi seria considerada uma improbabilidade há poucas semanas. Ao mesmo tempo, o trágico banho de sangue das últimas horas era de se temer, sendo ele quem é. A Líbia tem a maior reserva de petróleo e gás da África e é grande fornecedor europeu.

Seus menos de dois milhões de barris de produção por dia não parecem muito, perto dos 10 milhões da Arábia Saudita, mas a Líbia tem reservas e clientes importante (vejam no gráfico): 79% do petróleo que produz são vendidos para a Europa. Depois de ser considerado terrorista por muito tempo, Kadafi foi aceito e elogiado nos últimos anos. O governo americano normalizou relações e trocou embaixadores em 2009; o então primeiro-ministro inglês Tony Blair tratou-o como estadista; o ex-presidente Lula foi lá e voltou convencido de que ele estava iniciando uma reforma democratizante; em 2008, a ONU aceitou que o país participasse do Conselho de Segurança como membro não permanente, e em 2010 a Líbia foi eleita para o conselho de Direitos Humanos da ONU.

Kadafi é um governante louco e tirânico que acredita ter criado um sistema único. Quando o ex-presidente Lula esteve em Trípoli, em 2003, escrevi neste espaço que a visita não tinha propósito, pé ou cabeça.

E isso porque o Itamaraty aceitou imposições grotescas do cerimonial do ditador, entre elas uma esdrúxula visita ao túmulo do pai de Kadafi e aulas de geopolítica na sua tenda de propaganda, e Lula ainda o chamou de “velho amigo”. Mas o governo brasileiro não foi o único a tratá-lo como estadista, quando ele é o que está mostrando ser nas últimas horas: um ditador sanguinário, que não tem dúvidas em mandar bombardear seu próprio povo. A Líbia é de curta história como país independente.

Primeiro, parte do Império Otomano; a partir de 1911, colônia da Itália; de 1943 em diante sob controle inglês e francês.

Só em 1951 virou país independente, e há 42 anos é governado pelo mesmo ditador que sustenta ter criado um novo sistema m i s t u r a n d o i s l a m i s m o com socialismo, mas que na verdade é apenas mais uma ditadura. Durante muitos anos foi tratado como um governante pária, com seu regime colocado sob sanções. Mas depois as sanções foram suspensas e o governante aceito em nome dos negócios.

O país tem 44 bilhões de barris de petróleo, o que é a maior reserva da África, e tem 54 trilhões de pés cúbicos de reservas de gás. Havia grande expectativa de a produção ser elevada, porque inúmeras empresas estavam se instalando no país para explorar petróleo e gás. Ontem, a ordem na maioria das companhias internacionais instaladas no país era retirar todo o seu pessoal e parar as atividades.

Em 1960, a produção chegou a três milhões de barris/ dia, mas depois caiu. A intenção era voltar a esse nível, por isso ontem a cotação abriu em alta e assim ficou durante todo o dia. A economia da Líbia é totalmente dependente do petróleo: 25% do PIB, 80% das receitas tributárias e 95% das exportações.

Apesar de ter uma população pequena — ao contrário do Egito — tem alguns dos mesmos problemas presentes na crise egípcia: alto desemprego, alto preço de alimento, importação da maior parte dos alimentos necessários ao abastecimento, gastos exorbitantes com arsenal militar, uma grande pobreza e, principalmente, uma ditadura de décadas.

A atual onda de rebeldes é apenas árabe, porque atinge países não árabes. É em grande parte na África, mas pode ir além do continente.

Não há mais limite, apesar de cada país ter uma situação totalmente diferente do outro e cada governante ter tido reações também diversas: Tunísia, Egito, Iêmen, Bahrein, Argélia, Marrocos, Uganda, Irã e Líbia.

Para onde mais pode se espalhar o movimento? Para qualquer lugar. O que era impensável poucas semanas atrás não é mais. Aumentou a incerteza, o risco, mas também a esperança.

O jornalista e escritor Robert Fisk, do jornal inglês “The Independent”, escrevendo de Bahrain, sustenta que são revoltas seculares e não religiosas. Apesar disso, vários analistas falam muito dos riscos de extremismos religiosos. Fisk acha que esses analistas não estão entendendo as peculiaridades de cada país, e a natureza da revolta, mas alerta que todos esses governantes contra os quais a população se rebela foram apoiados, armados e sustentados por anos pelos governantes democráticos do Ocidente, principalmente os Estados Unidos.

Há um preço a pagar por isso.

FONTE: O GLOBO

Elis Regina - Folhas Secas - Nelson Cavaquinho

O Rio – continuação::João Cabral de Melo Neto

Ou
relação da viagem
que faz o Capibaribe
de sua nascente
à cidade do Recife

Do Petribu ao Tapacurá

As coisas são muitas
que vou encontrando neste caminho.
Tudo planta de cana
nos dois lados do caminho;
e mais plantas de cana
nos dois lados dos caminhos
por onde os rios descem
que vou encontrando neste caminho;
e outras plantas de cana
há nas ribanceiras dos outros rios;
que estes encontraram
antes de se encontrarem comigo.
Tudo planta de cana
e assim até o infinito;
tudo planta de cana
para uma sô boca de usina.

As casas não são muitas
que por aqui tenho encontrado
(os povoados são raros
que a cana não tenha expulsado).
Poucas tem Rosarinho
e Destêrro, que está pegado.
Paudalho, que é maior,
está menos ameaçada,
Paudalho essa cidade
construída dentro de um valado,
com sua ponde de ferro
que eu atravesso de um salto.
Santa Rita é depois,
onde os trens fazem parada:
só com medo dos trens
é que o canavial não a assalta.