segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Reflexão do dia – Roberto Freire

O cheiro de jasmin que perfuma o mundo não se desmanchará no ar antes do fim das ditaduras. Que não haja recuo e floresça liberdade Nenhuma ditadura ficará imune. E não importa a torcida dos adeptos da tese de seletividade de ditaduras. Todas estão tremendo.

FREIRE, Roberto. Twitter, 30 de janeiro de 2011

Os sindicatos e a política:: Luiz Werneck Vianna

Os primeiros cem dias consistem na marca cabalística a partir dos quais a imprensa sonda os sinais premonitórios a anunciar o caráter de governos novos. No caso que se apresenta diante de nós, talvez um tempo mais curto possa bastar porque, nestes últimos dias de janeiro, com essa controvérsia sobre o valor do salário mínimo, já se sabe de que algo mudou no estilo e na forma das relações do governo com os sindicatos na passagem de bastão de Lula a Dilma.

A própria retórica encrespada de que fazem uso importantes dirigentes sindicais em defesa de suas posições indica que as tensões contidas nessa matéria não são triviais. Anote-se que a pesada qualificação - política nefasta -, usada por um deles, foi destinada ao governo Dilma, embora tenha sido o de Lula que, em seus últimos dias, condenou ao veto qualquer aumento acima do teto de R$ 540. Aí, talvez, uma pista para elucidar um novo estado de coisas no sindicalismo.

Com Lula, quadro político originário do sindicalismo metalúrgico, vários representantes da vida sindical vão ser alçados a postos influentes em várias agências estatais, quando não ao próprio governo. Nesses primeiros tempos, contudo, os sindicatos praticamente se limitam a manter uma postura solidária ao governo de um ex-sindicalista sempre pronto à interlocução com eles, uma vez que, diante de uma quadra desfavorável ao mundo trabalho como era aquela, não contavam, mesmo que o desejassem, com condições propícias a fim de mobilizar suas categorias, quer em torno de suas demandas, quer, menos ainda, para levá-las a interferir na arena política.

Algo mudou nas relações do governo com os sindicatos

Essa postura favorável ao governo do mundo sindical, no entanto, conhecia uma zona de sombra: historicamente o PT e seus dirigentes sindicais eram defensores do pluralismo sindical, enquanto que a maioria dos sindicatos propugnava pela manutenção do modelo da unicidade, base de sustentação de uma legislação que nos acompanha desde o Estado Novo. Em 2004, depois dos resultados frustrantes do Fórum Sindical, convocado pelo governo com a intenção de promover uma profunda reforma na legislação sindical, essas importantes distinções doutrinárias são canceladas. O que fará as vezes de uma reforma terá o seu sentido original invertido: reforçam-se os vértices da vida sindical, e não as suas bases, resultado oposto à proposta dos próceres sindicais da CUT e do PT, incorporando-se as centrais à estrutura da CLT, inclusive concedendo-lhes acesso a recursos extraídos do chamado imposto sindical.

Unificado em torno de princípios de organização, o sindicalismo passa a ocupar um papel relevante no governo, com as diferentes centrais atuando de modo concertado, do que é melhor exemplo as boas relações entre as antigas rivais CUT e Força Sindical. A crise do "mensalão" que, ao longo de 2005, fragilizou politicamente o governo, atou ainda mais os vínculos entre ele e os sindicatos, cada vez mais influentes nos rumos da administração, inclusive em matéria econômica.

A fórmula atual que preside o reajuste do salário mínimo é filha dessa conjuntura particular, e não à toa, agora, quando as centrais contestam a proposta do governo, estejam tão presentes os sinais de que essa controvérsia é mais política do que propriamente salarial. Na matéria, parecem insinuar as centrais sindicais, suscetibilizadas em razão de se sentirem ultrapassadas na tomada de uma decisão que as afetaria, estar-se-ia diante de um retrocesso na orientação econômica do governo que, na questão salarial e na da elevação dos juros, estaria optando por um caminho adverso a uma estratégia de crescimento, a mais adequada, em sua avaliação, para o momento atual, como o enfrentamento da crise mundial de 2008 teria demonstrado.

Assim, nas negociações ainda em curso entre governo e as centrais sobre a questão do mínimo salarial, de desfecho ainda imprevisível, a novidade é a de que o programa do governo Dilma de racionalização da economia e da administração, com base em sua interpretação do estado de coisas reinante no país e no mundo, entre outros efeitos - inclusive os benéficos - que já está a produzir, traz, entre eles, também os não desejados, como o da quebra do encanto, tão celebrado nos governos de Lula, entre governo e sindicatos.

O sindicalismo vive, no país, um momento de reafirmação, como atestam vários indicadores, entre os quais a expansão dos sindicatos, o número de trabalhadores a eles filiados e significativas conquistas salariais. No mais, reza consensualmente a bibliografia, um mercado de trabalho de pleno (ou quase) emprego, combinado com economia aquecida e amplas liberdades civis e públicas, consiste no ambiente ótimo para sua floração. Em particular, se estão expostos a uma dura competição entre si, política e sindical, como no caso das centrais brasileiras.

Sob essas condições, a um tempo fáticas e institucionais, é equívoco concebê-las no papel de correias de transmissão da vontade do Estado nos moldes da Carta estadonovista de 1937. A partidarização das centrais, de fato, trouxe uma mutação benigna na forma sindical na medida em que obstou uma comunicação direta entre sindicato e Estado - entre eles há os partidos. Sua dimensão claramente malévola está em outro lugar: na distância que ela propicia entre os vértices sindicais e as suas bases, dotando os primeiros de recursos próprios.

Por definição, o aprofundamento da racionalização do capitalismo brasileiro que ora se apresta, não terá como evitar a determinação de fronteiras mais nítidas a separarem o campo da política do campo da economia, ao contrário daquelas linhas frouxas que as demarcavam no segundo mandato de Lula. O sindicalismo poderá continuar a ter assento em posições influentes no governo e em suas agências, mas na gestão dura da administração e da economia, como se pode entrever nesse pequeno episódio do mínimo salarial, crescentes dificuldades devem pavimentar o rumo de suas relações. Sem que se esqueça que há várias centrais em competição, cada qual vigiada por todas as outras. Além do Estado, como já se ouve dos sindicatos, há o parlamento e as ruas.

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador da PUC-RJ. Ex-presidente da Anpocs, integra seu comitê institucional. Escreve às segundas-feiras

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Batalha perdida:: Ricardo Noblat

Em todo início de governo é proibido nomear, gastar e falar; depois todos nomeiam, gastam e falam. (Francisco Dornelles)

“Eu sou um piano de cauda. Não caibo num único ministério”, observou Ulysses Guimarães, então presidente do PMDB e da Câmara dos Deputados, em conversa com o presidente eleito Tancredo Neves no início de 1985. Ulysses emplacou três ministros de uma vez – Pedro Simon, Renato Archer e Waldyr Pires. Tancredo morreu em abril sem tomar posse.

Quando governou Minas nos anos 80, Tancredo foi procurado certo dia por seu secretário Ronaldo Costa Couto com a proposta de demitir 22 mil servidores para enxugar despesas. Cedeu, mas pediu ao secretário que contratasse cerca de mil pessoas com as quais tinha dívidas de gratidão.

No dia seguinte, ao ler no jornal Estado de Minas que o governo dera a largada para um “novo trem da alegria”, Costa Couto reapresentou-se a Tancredo, irritado. “Como a gente demite 22 mil servidores e a notícia que sai é sobre contratados?” Tancredo ensinou: “Mineiro gosta de nomeação. Fui eu que dei a notícia para o jornal”.

Tempos relativamente ingênuos, aqueles, onde os políticos competiam por cargos para empregar amigos, parentes e afilhados. Os empregados retribuíam com pequenos favores. Havia algum tipo de roubalheira, sim. Mas nada que se parecesse com o que ganharia corpo mais tarde. Com o que existe hoje.

A presidente Dilma Rousseff está empenhada em evitar que o loteamento de cargos entre partidos abra espaço em excesso para trambiques, incubadouros de futuros escândalos. Ao contrário de Lula, ela não parece ser muito tolerante com desvios de conduta. E, de resto, carece de lábia para enfrentar dificuldades só na base do gogó.

Determinadas áreas do governo foram reservadas por Dilma para ser entregues a técnicos de reconhecida competência. Ora, sem problemas! Os partidos dispõem de nomes para toda obra. Quer um técnico? Solta um técnico! E uns mais, outros menos, todos acabarão por servir a interesses nada republicanos dos seus patrocinadores.

Vem sendo assim. E nada sugere que deixará de ser assim. Parlamentares fazem emendas ao Orçamento da União destinando recursos para entidades e prefeituras que os ajudaram a se eleger. Em seguida, precisam que os ministérios liberem a grana prevista nas emendas. Aí costumam ocorrer os pequenos e médios trambiques.

Os maiores, que dependem de pessoas bem situadas nos escalões mais elevados de ministérios, empresas estatais e bancos públicos, passam por licitações viciadas, isenções de tributos, pagamento de comissões – e sabe-se lá mais o quê. Os beneficiados contribuem para engordar o caixa de campanha dos partidos.

Um ministro do governo Lula, obrigado a lidar diretamente com deputados e senadores, decidiu escrever um diário. Por quase 30 dias, registrou tudo o que ouviu dos seus interlocutores. Imaginava manter o diário inédito até a sua morte. Por fim, achou mais seguro tocar fogo nas anotações. “Aquilo tudo era impublicável”, lamentou.

» In memoriam

Em 1965, antes de passar o cargo ao seu sucessor, o governador da Guanabara, Carlos Lacerda, sugeriu ao seu vice, Raphael de Almeida Magalhães, o mais carioca dos mineiros: “Vamos jantar para discutir eventuais erros que cometemos”. Os dois moravam no bairro do Flamengo. O jantar aconteceu no apartamento de Lacerda. Que conversou sobre tudo – menos sobre erros. Ao se despedir de Raphael à porta do prédio, Lacerda lembrou: “Ih, esquecemos de examinar os erros”. “Pois é”, aquiesceu Raphael. “Mas pensando bem, não erramos”, encerrou Lacerda. Com a morte de Raphael, o País perdeu um homem público de primeira e um excelente contador de histórias.
FONTE: O GLOBO

O que Dilma espera?:: Daniel Piza

Quando vai começar o governo Dilma? Depois do carnaval? Janeiro termina amanhã e quase nada se viu. É claro que a ampla bancada chapa branca da mídia já encontra motivos para elogios genéricos, em especial o de que ela tem um perfil mais administrativo; ou seja, estaria preocupada em fazer a máquina funcionar melhor e não em sair mundo afora fazendo discursos bravateiros enquanto os outros tomam decisões práticas. E é certo que se dê a governos iniciantes uma "lua de mel" de cem dias, como se diz, antes de sair emitindo julgamentos definitivos. Mas quanto antes ela apresentar suas propostas, mandar ao Congresso e mostrar à sociedade os planos e as reformas que acredita poder fazer, melhor. O capital político de sua votação não pode ser desperdiçado, ainda mais quando há tarefas inglórias pela frente.

Na realidade, há sacrifícios a fazer, mas é justamente por isso que ela precisa lançar diretrizes maiores, alimentar esperanças mais consistentes. Entre os sacrifícios está o de corrigir o caos fiscal que herdou do governo Lula. Os restos a pagar, a queda do superávit e a carência de investimentos não são problemas pequenos; a inflação vem subindo e o PIB não deve chegar a 5% neste ano. O aumento da arrecadação e dos ingressos externos não cobre o rombo, por mais maquiagem contábil que se faça com futuros faturamentos de estatais. Os juros oficiais já subiram e as obras de infraestrutura estão atrasadas. Como Lula em 2003, Dilma terá de passar por um primeiro ano de contenção firme, apesar da melhor conjuntura econômica. Mas dificilmente conseguirá neutralizar as críticas com slogans sociais e gestos carismáticos.

O que tivemos até agora foi a triste divisão do butim; isto é, o PMDB e o PT se engalfinhando por ministérios, estatais e cargos de confiança, todos em número absurdo sob qualquer parâmetro internacional. Escrevi uma vez que o PT seria o PMDB do século 21, o maior e mais fisiológico partido brasileiro, e o tempo vem confirmando a suspeita. Para uma legenda que nasceu reformista, há 30 anos, com apoio de intelectuais como Sergio Buarque de Holanda, é um destino melancólico. Mas a situação é favorável a médio e até a longo prazos. O Brasil está na moda, com desemprego baixo, commodities ainda em alta e a perspectiva de eventos esportivos (Copa em 2014, Olimpíada em 2016) e o pré-sal. Politicamente, o governo quase não enfrenta oposição; basta citar nomes como Aécio Neves e Gilberto Kassab e verificar.

Só que, para aproveitar de verdade esse cenário, além do corte nos gastos públicos, Dilma precisa dizer a que veio. Uma reforma que seria importante é a política, mas, pelo descrito acima, é difícil apostar nela, a não ser em um ou outro item (fidelidade partidária, cláusula de barreira ou qualquer coisa que impeça um número tão alto de partidos sem representatividade). Os esforços deveriam ser concentrados em duas áreas, cada uma em seu ritmo. Primeira, a melhora do ambiente econômico: a redução e simplificação da carga tributária e algumas medidas antiburocráticas permitiriam que as empresas pagassem melhor, fossem mais produtivas e cobrassem preços menores, pois o custo de vida está acima de qualquer senso. Segunda, uma profunda revisão da educação, para ter mão de obra bem mais qualificada e desempenho melhor em provas mundiais.

Essas duas ações significariam que o Brasil não quer ser apenas um exportador de ferro, soja e carne, movido por empregos de baixa escolaridade; quer ter um parque industrial amplo e inovador, com uma sociedade mais moderna e civilizada. Como nos tempos do regime militar, o debate econômico no Brasil se limita aos números do PIB, como se o avanço educacional e cultural viesse por inércia. Não vem. É preciso investir não apenas em bolsas sociais, mas em infraestrutura como saneamento e transporte, dois itens essenciais que a maioria não tem como deveria ter. E é preciso fazer o que os chineses já estão fazendo e os coreanos fazem há uma geração: perseguir metas e mudar conteúdos da educação, valorizando a economia criativa e a pesquisa tecnológica. Mas cadê os projetos e cronogramas de Dilma nessas duas áreas fundamentais? Para usar uma canção do seu tempo, "quem sabe faz a hora, não espera acontecer".

Temo que parte dessa paralisia se explique por sua crença de que "o Estado voltou", expressa durante a crise financeira mundial de 2008. Como os governos precisaram socorrer os mercados financeiros, à beira do colapso pela facilidade de conceder empréstimos e hipotecas, muita gente achou também que o intervencionismo estatal seria retomado; li até elogios ao "capitalismo de Estado" chinês, que seria semelhante ao que EUA e Europa tiveram no passado. Nada disso. Agora são os governos que estão reduzindo gastos e impostos de novo, mergulhados em déficits; e o enriquecimento da China só se deu no momento em que ela liberou a iniciativa privada, não o contrário. No caso do Brasil, onde o Estado é carcomido por incompetência e corrupção, a tendência jamais pode ser a de ampliar seu tamanho, e sim a de melhorar suas funções.

Dilma poderia ler O Mundo em Queda Livre, de Joseph Stiglitz, que mostra como hoje cabe ao Estado um papel de regulamentador e indutor, não de controlador e produtor. O mercado não é autossuficiente, como dizem os conservadores (vulgo "neoliberais"); sua soma final não é o reequilíbrio cíclico. O Estado, no entanto, não substitui nem pode emperrar seu dinamismo. Nem Hayek nem Keynes, diz Stiglitz; Estado e mercado não são entidades opostas, nunca foram. Se o governo Dilma continuar a pensar que seu trabalho é apenas estimular o consumo e adotar políticas compensatórias, acreditando que o BNDES e o fluxo de dólares podem dar conta de todos os investimentos necessários, pagará um preço cedo ou tarde. Tirar peso do Estado das forças produtivas e melhorar sua eficiência na formação educacional são a chave para sair do vergonhoso lugar que o Brasil ainda ocupa no ranking do IDH. A hora é agora.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Câmara partida:: Fernando Rodrigues

Na jovem democracia brasileira, a Casa do Povo que toma posse amanhã tem algumas características raras e/ou inéditas:

1) Fragmentação recorde - A Câmara terá 22 partidos representados. É o número mais elevado desde a volta do pluripartidarismo, no início da década de 80. Na Colômbia, há 12 partidos com deputados eleitos. No Chile, 8. No México, só 7. Já a exótica e em crise eterna Argentina tem 35 blocos políticos no Congresso -eleitos pelo modelo distrital, o que serve de alerta aos defensores desse sistema como panaceia para o Brasil;

2) Concentração - 8 dos 22 partidos com deputados eleitos receberam 75,4% dos votos para a Câmara na eleição do ano passado;

3) Nanicos - O Brasil tem hoje 27 partidos. Os 5 que não elegeram deputados tiveram, juntos, 0,6% do total de votos para a Câmara;

4) PMDB grande - Desde 1986, nunca um partido havia eleito deputados em todas as 27 unidades da Federação. No ano passado, o PMDB foi o único a repetir a façanha. O PT terá representantes de 23 Estados e do Distrito Federal.

Como se observa, a democracia brasileira tem defeitos e assimetrias. O principal problema é corolário do democratismo de leis benemerentes com agremiações sem o apoio popular devido.

Com o fim da ditadura, fazia sentido dar tempo de TV, dinheiro do fundo partidário e benefícios fartos a todos os novos partidos. Mas passaram-se 25 anos. Se em um quarto de século uma sigla não se estabeleceu, é lesivo à democracia manter as vantagens oferecidas.

Das possíveis alterações nas regras eleitorais, duas mitigariam as mazelas nacionais: o fim das coligações para eleger deputados e a criação de uma cláusula de desempenho -só teria amplo acesso à TV a sigla com 5% ou mais dos votos. Haveria uma profilaxia no horário eleitoral. Seriam escoimados os embusteiros que há décadas vendem ideias rejeitadas pelo eleitor.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Caso Battisti, questão de somenos?::Paulo Brossard

Ainda não se passou um mês do termo do maior e melhor governo da história do Brasil, segundo a versão de seu protagonista, assoalhada aos quatro ventos, e sua sucessora continua a ter de digerir capítulos indigestos da herança recebida.

O caso da extradição do italiano Battisti é um deles e não é dos menos expressivos. Curiosamente, o presidente expirante aguardou até o último dia de seu mandato para, louvando-se em parecer da Advocacia-Geral da União, e com base nele, negar a extradição. Nesse entretempo, não cessaram manifestações de entidades de alta responsabilidade. Uma delas do Parlamento Europeu... outra do chefe de Estado da República Italiana dirigida à presidente da República do Brasil.

Não quero e não devo rediscutir teses que o Supremo Tribunal Federal já enfrentou, decidiu, e que poderá ter de voltar a pronunciar-se à vista e consequência do conflito arquitetado, mas posso e devo fazê-lo como cidadão e como estudante de temas jurídicos, a fim de opinar acerca da singularidade da emergência; contudo desejo limitar o campo de apreciação aos seus termos mais singelos e objetivos.

Tendo sido encaminhado ao Supremo Tribunal Federal o pedido de extradição formulado pelo Estado italiano, processada a querela, a decisão derradeira seria da Corte Suprema, como se lê na Constituição, artigo 102, “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente a guarda da Constituição cabendo-lhe: I – processar e julgar originariamente g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro”. Foi o que se deu, tendo o Supremo Tribunal determinado que, quanto à entrega do extraditando, o presidente da República tinha obrigação de agir nos termos do tratado firmado entre o Brasil e a Itália.

Ora, tratando-se de competência originária e cabendo ao Tribunal Supremo processar e julgar a extradição, nele começa e termina o julgamento da extradição requerida, pois só a ele compete processar e julgar a extradição requerida. Em matéria de extradição, em lei alguma se reserva atribuição à Advocacia-Geral da União. De mais a mais, convém lembrar que o presidente da República não é parte do processo de extradição. Partes são o requerente e o extraditando.

Quando o ex-presidente, no último dia de seu mandato, praticamente “recorreu” da decisão do Supremo Tribunal Federal para um serviço de assessoramento do Poder Executivo, embora não houvesse recurso, na prática “cassou” o acórdão do Supremo Tribunal, prolatado em processo originário e portanto irrecorrível. Ainda mais, o então presidente da República deixou de observar o expresso na ementa do acórdão da extradição, aliás, transitado em julgado:

“(...) Obrigação apenas de agir nos termos do Tratado celebrado com o Estado requerente. (...) Decretada a extradição pelo Supremo Tribunal Federal, deve o Presidente da República observar os termos do Tratado celebrado com o Estado requerente, quanto à entrega do extraditando.”

Ainda mais, o Executivo atribuiu-se a prerrogativa de ignorar o julgamento do Supremo e, ignorando-o, a ele atribuir o caráter de mera opinião. Ora, o Supremo Tribunal Federal não dá opiniões a ninguém; sendo órgão máximo do Poder Judiciário, não lhe cabe emitir pareceres para fins acadêmicos, mas processar e julgar conclusivamente.

Para encerrar, se bem me lembro, em nenhuma das extradições requeridas, processadas e julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, a douta Advocacia-Geral da União teve acesso. Esta parece-me a situação a que o país foi jogado, como se a questão fosse de somenos.

*Jurista, ministro aposentado do STF

FONTE: ZERO HORA (RS)

O caso Battisti e a Constituição :: Renato Janine Ribeiro

O Supremo Tribunal Federal (STF), ao rever o caso Battisti, terá de se pronunciar, direta ou indiretamente, sobre dois pontos cruciais de nossa vida constitucional - o que não afeta somente os juristas, mas também os cidadãos, e nesta condição me exprimo. O primeiro ponto é o sentido de crime político. Nossa tradição constitucional proíbe a extradição por esse tipo de delito. Portanto, Cesare Battisti, culpado ou não, só poderia ser entregue à Itália caso seu crime não fosse político. Ora, à primeira vista os atos de que é acusado têm motivação política. O que torna difícil aceitar esse caráter talvez seja nossa tendência a achar que crimes políticos são bonitos, dignos, melhores do que crimes comuns. Em regra, sim. Criminosos políticos geralmente são pessoas perseguidas por delito de opinião - ou seja, não são criminosos, criminoso é quem os persegue, como em nossa ditadura - ou, em menor número de casos, pessoas que recorreram à violência, roubando e até matando, mas isso porque não podiam defender suas ideias, numa sociedade que carecia de liberdades políticas. Nessa descrição se encaixa a grande maioria dos delitos políticos e não há como lhes negar alguma ou mesmo muita nobreza.

Contudo o terror italiano dos anos 1970 - ou o colombiano das últimas décadas - se dá no interior de sociedades democráticas. Concordo que nem a Itália da época nem a Colômbia de hoje são modelos de perfeição política, mas o fato é que se podia e se pode organizar em partidos, disputar eleições, clamar pela apuração honesta de atos criminosos do poder. A questão que fica é: quem usa armas contra tais regimes, mesmo quando estes cometem injustiças, pode ser entendido como criminoso político? Isso é decisivo para o Brasil e a América Latina, criadora do conceito de asilo político. Podemos, como disse acima, sair do conceito heroico e bonito de crime político e aceitar que certos crimes praticados na democracia ou com crueldade são políticos e merecem, pois, asilo. Ou podemos - mas esta é uma novidade cujo preço deve ser meditado - pensar que quem se revolta contra autoridades legitimamente constituídas, eleitas democraticamente, num país em que vige o Estado de Direito, não merece ser considerado criminoso político. Ou seja, as fronteiras da política seriam as da democracia. Lutar contra a democracia seria negar a política. Não seriam criminosos políticos os que violam direitos humanos, procuram acabar com as eleições e impor uma ditadura. Será isso mesmo? Ou será que até democracias têm sua parte de sombra, como a Turquia, Estado de Direito, mas no qual os curdos têm dificuldade de se organizar para defender seus direitos?

Outra hipótese é considerar não só o contexto (constitucional ou arbitrário) em que se pratica o crime político, mas os meios que seu autor usa. Matar indiscriminadamente ou colocar bombas que matem civis, pior, crianças ou idosos, significaria sair do crime político e entrar no terrorismo. Pode ser. Assim ocorreu na Itália. Mas lembrem que o grupo de Menachem Begin, mais tarde primeiro-ministro de Israel, explodiu um hotel em Jerusalém, no tempo do mandato britânico, matando 91 pessoas, inclusive civis. Então, se o critério for o meio empregado - a agressão a não militares, o terrorismo -, às vezes será difícil diferenciar o terror condenável e daquele cujo sucesso ulterior o absolve.

Mas essa é uma decisão que o STF terá de tomar. Terá de definir o que é crime político. Isso também significa dizer o que é, e o que não é, política.

O segundo ponto a examinar é a prerrogativa do presidente da República de dar a última palavra em asilo, extradição e expulsão de estrangeiros. O tribunal foi ambíguo a esse respeito. Em sua primeira deliberação, reconheceu que cabia ao presidente a decisão. Ficou esquisito: o STF deliberava, mas não decidia. Dias depois, o Supremo deu a entender que o presidente deveria seguir sua deliberação. Aqui, a situação também é complicada.

Por um lado, se o presidente tiver de acompanhar o Supremo, a separação dos Poderes - princípio constitucional fundamental - é posta em xeque. Cada vez mais o Judiciário e o Ministério Público, dois Poderes não eleitos, intervêm na coisa pública. Será isso bom? Com frequência eu vibro com o conteúdo de suas intervenções. Mas a questão não é se concordamos ou não com o que eles fazem. A questão é que, numa democracia, os principais Poderes devem ser os eleitos: Legislativo e Executivo. Quando o Judiciário e o Ministério Público ocupam seu território, as normas podem até melhorar, mas não a qualidade da democracia, o engajamento da sociedade e a educação política dos cidadãos. Não é fortuito que juristas falem em "tutela" dos direitos humanos. Sei que a palavra tutela tem vários sentidos, mas mesmo assim me inquieto. Porque a democracia é justamente o regime em que não cabe tutor.

Por outro lado, a Constituição também exige que as decisões - pelo menos as do Executivo e do Judiciário - sejam motivadas, isto é, que sejam expostas as suas razões. São tais arrazoados que nos permitem questionar as decisões, abrindo o espaço público, sem o qual, como sustenta Lênio Streck a propósito do júri (que não motiva suas deliberações), não há espírito republicano. Ora, se as decisões do presidente forem finais e irrecorríveis, subtrairemos do exame judicial assuntos de interesse público. Parece que o STF pende para esse lado: mesmo naquilo que o presidente tem a prerrogativa constitucional de decidir, ele tem de se justificar, e essa justificação pode ser revista pela Corte Suprema. Essa tese é positiva.

Mas notem também que é delicada. Imaginemos que um dia se conteste a nomeação de um ministro de Estado, por inepto, ou a concessão de uma condecoração pelo chefe de Estado, por imerecida. Onde terminará o exame, pelo Judiciário, das decisões do Poder Executivo? Como ficarão a separação dos Poderes e o respeito à escolha, pelo povo, dos seus dirigentes? Questões difíceis, que espero sejam devidamente debatidas e decididas pelo STF.

Professor Titular de Ética e Filosofia Política da USP

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O começo da história:: Ricardo Melo

Colocado contra a parede, o egípcio Hosni Mubarak recorre ao receituário tradicional dos ditadores. Manda os tanques para as ruas, fuzila manifestantes e "nomeia" títeres da camarilha dirigente para que tudo mude, desde que fique como está.

Tarde demais. Como nas revoluções clássicas, o povo do Egito saiu às ruas sem saber exatamente o que quer ou o que virá. No entanto, sabe muito bem o que definitivamente não quer mais. O relato de correspondentes sobre a força dos protestos mostra que só com um banho de sangue o déspota do Cairo conseguirá ficar de pé.

O pânico entre os donos do mundo é generalizado. Motivos há de sobra.

Desde a Segunda Grande Guerra, o equilíbrio no Oriente Médio repousa em bases frágeis. De um lado, um país como Israel militarizado até os dentes e financiado a fundo perdido pelas potências ocidentais. De outro, autocracias árabes coniventes com a manutenção da pobreza, a subserviência diante da plutocracia ocidental e o esmagamento do povo palestino.

Não é à toa que, não mais que de repente, os EUA fazem apelos para uma "transição para a democracia" no Egito. Por que demoraram pelo menos 30 anos? O governo Mubarak não começou no mês passado, tampouco há alguns anos. Há três décadas vem sendo exemplo de absoluta falta de democracia combinada com a perpetuação, e ampliação, de bolsões de miseráveis.

Mas, aos olhos de Washington, cumpria o papel de guardião de uma área estratégica no fornecimento de petróleo. Agora tudo tende a ficar fora de lugar. Sem partidos representativos e deixado à deriva por tanto tempo, o povo egípcio pode tanto virar presa de mais uma teocracia retrógrada como de uma safra de oportunistas. Pode também surgir uma liderança acidental - o futuro é uma incógnita.

Porém já é possível contabilizar vários perdedores. Entre eles, os que apostavam no fim da história após a queda do Muro de Berlim.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A trilogia impossível::José Márcio Camargo

A inflação está de volta às manchetes. China, Brasil, Índia, Colômbia, Coreia do Sul, União Europeia, Inglaterra, enfim, apenas os Estados Unidos e o Japão continuam com taxas de inflação estáveis ou em queda. O irônico é que a principal causa da volta do fenômeno inflacionário é o excesso de liquidez gerado pela política monetária do banco central americano, o Fed. Como ele emite dólares, que é a moeda utilizada para as transações comerciais e financeiras internacionais, um aumento de liquidez acima do que a economia americana é capaz de absorver é automaticamente desviado para o resto do mundo, aumentando a demanda por bens, serviços e ativos reais e financeiros nos outros países. O resultado é a pressão sobre os preços dos bens, commodities e serviços (inflação) e o aumento dos preços dos ativos reais e financeiros (bolhas).

Apesar da aceleração da taxa de inflação, as taxas de juros reais continuam muito abaixo de antes da crise econômica de 2008/2009, e os bancos centrais têm resistido a aumentá-las preventivamente, o que diminuiria os custos da estabilização.

A resistência dos bancos centrais deve-se a dois fatores. Nos países desenvolvidos, as economias ainda não retomaram uma trajetória de crescimento sustentável, continuam com grande ociosidade e elevadas taxas de desemprego. Na verdade, com os atuais níveis de taxas de juros e liquidez, os elevados déficits fiscais e ociosidade, essas economias deveriam estar "voando". Ao contrário, elas estão apenas começando a "engatinhar". Um aumento dos juros, nessas condições, traz consigo o risco de uma diminuição do já baixo crescimento, o que poderia levar a um duplo mergulho na recessão, o que os bancos centrais pretendem evitar a qualquer custo.

Entre os emergentes, a questão é que o excesso de liquidez tem gerado forte pressão por valorização das taxas de câmbio. Dado o diferencial (atual e esperado) de crescimento e de juros entre os países desenvolvidos e os emergentes, a liquidez excedente tem se deslocado na direção desses últimos, gerando aumento da oferta de dólares e sua desvalorização. Isso afeta a competitividade das empresas desses países, reduz as exportações e aumenta as importações, com efeitos negativos sobre o crescimento. Para evitar uma excessiva valorização das moedas e um possível risco de desindustrialização, os bancos centrais intervêm no mercado de câmbio, criam controles de capitais e evitam aumentar os juros.

Porém, em economia, nem tudo é possível e restrições precisam ser respeitadas. Em especial, sabe-se que é impossível adotar, simultaneamente, câmbio fixo, política monetária independente e liberdade do fluxo de capitais.

Suponha, por exemplo, que o país adote uma política de câmbio fixo. Se a taxa de juros interna for maior que a externa, o país atrai capitais internacionais e o fluxo de capitais aumenta, o que gera pressão por valorização da taxa de câmbio. Se a taxa de câmbio nominal permanecer constante, o aumento de liquidez leva a um aumento da taxa de inflação e, portanto, a uma valorização real da moeda. O aumento da inflação gera expectativa de aumento dos juros, o que eleva o fluxo de capitais e a pressão por valorização cambial. Nesse caso, a solução seria introduzir controles sobre o fluxo de capitais, ou flexibilizar a política cambial, ou adotar a política monetária de seus parceiros comerciais.

Os países emergentes bateram nessa restrição. Para evitar a valorização de suas moedas, estão introduzindo controles de capitais e tornando suas políticas monetárias mais dependentes da adotada pelo Fed, mantendo taxas de juros muito baixas e aceitando uma taxa de inflação mais elevada. Com isso, suas taxas de câmbio real estão se valorizando, ainda que as taxas nominais possam permanecer constantes, ao mesmo tempo que os controles de capitais e as intervenções no câmbio têm se intensificado.

Em países como o Brasil, com baixa taxa de poupança, um risco adicional é de que a introdução de controles acabe afugentando os capitais de longo prazo, dificultando o financiamento do déficit em conta corrente e forçando uma redução drástica do crescimento.

Porém o problema estrutural persiste. Enquanto o Fed insistir com sua política de gerar liquidez excessiva, as pressões inflacionárias continuarão a se aprofundar. A menos que os países emergentes decidam atacar o problema com políticas monetárias mais duras do que as atualmente vigentes, aceitem uma valorização mais pronunciada de suas moedas com menos crescimento ou decidam fechar sua conta de capitais. Eventualmente, os aumentos dos preços das commodities acabarão chegando à economia americana, gerando pressões inflacionárias e queda da renda real e do consumo, o que poderá afetar negativamente o crescimento. Por outro lado, caso as expectativas de inflação sejam afetadas, poderão forçar o Fed, o Banco Central Europeu ou o Banco da Inglaterra a reduzir a liquidez e aumentar os juros. É a trilogia impossível.

Economista da Opus Gestão de Recursos e Prof. Do Departamento de Economia da PUC/Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Fantasmas otimistas do passado de Davos:: Timothy Garton Ash

Confiança liberal dos anos 1990, quando até a Rússia e a China pareciam voltar-se ao capitalismo tradicional, se defronta com distintas versões nacionais de capitalismo

Três cúpulas de Davos depois do Grande Crash do Ocidente, começamos a ver onde estamos. Não ocorreu o colapso total do capitalismo democrático liberal, como alguns temiam na dramática reunião aqui realizada no início de 2009, mas não houve tampouco a grande reforma do capitalismo ocidental, então a esperança pia de Davos.

O capitalismo ocidental sobrevive, mas ferido, carregando uma pesada carga de dívida, desigualdade, demografia, infraestrutura negligenciada, insatisfação social e expectativas irreais. Enquanto isso, outras variantes de capitalismo - chinesa, indiana, russa, brasileira - estão crescendo, explorando as vantagens do atraso e sua dinâmica econômica está rapidamente se traduzindo em poder político. O resultado? Não um mundo unipolar, convergindo para um modelo único de capitalismo democrático liberal, mas um mundo não polar, divergindo para muitas versões nacionais diferentes de capitalismo, com frequência não liberal. Não uma nova ordem mundial, mas uma nova desordem mundial. Um mundo caleidoscópico - fragmentado, superaquecido, prenhe de conflitos futuros.

Não era para ser assim. Lembram o triunfalismo liberal dos anos 1990, quando os velhos adversários do Ocidente pareciam estar vencidos? Até a Rússia e a China estavam se voltando para o capitalismo, e isso devia seguramente trazê-las, com o tempo, para a democracia.

Lembram disso? "As grandes lutas do século 20 entre liberdade e totalitarismo terminaram com uma vitória decisiva das forças da liberdade - e um modelo sustentável único de sucesso nacional: liberdade, democracia e livre empresa. No século 21, somente países que compartilharem um compromisso com a proteção de direitos humanos básicos e garantirem a liberdade política e econômica conseguirão liberar o potencial de seu povo e assegurar sua prosperidade futura." Essas foram as palavras de abertura da estratégia de segurança nacional dos EUA adotada pelo governo de George W. Bush em 2002.

Não é impossível que no longo prazo essas palavras se mostrem corretas. Não é impossível que daqui a cinquenta anos voltaremos a elas e diremos: sim, no fim das contas, prosperidade nacional e poder não poderiam se divorciar de respeito aos direitos humanos e liberdade política. Eu espero fervorosamente que sim. Mas como um internacionalista liberal que acredita profundamente em liberdade e direitos humanos, e compartilhou parte da euforia liberal dos anos 90 - embora não aquela pretensão arrogante de um "modelo sustentável único" - devo dizer que as coisas não parecem assim em 2011.

De um lado, porque o Ocidente dilapidou sua vitória do fim do século 20. Como ocorre com frequência na história, depois da arrogância veio o castigo. A despeito de toda retórica altissonante do discurso sobre o Estado da União do presidente Obama na semana passada, as dificuldades de implementar as reformas que ele propõe no disfuncional sistema político americano são assustadoras. Ser mais otimista sobre as perspectivas de reforma na Europa exigiria um Dr. Pangloss "bombado".

De outro lado, países fora do Ocidente histórico descobriram combinações jamais sonhadas na filosofia triunfalista liberal dos anos 90. Eles combinam o dinamismo de economias de mercado com o regime de partido único ou de uma única família, propriedade estatal ou híbrida de empresas, corrupção massiva e desprezo pelo Estado de Direito.

Um purista do capitalismo liberal dirá, "mas isso não é capitalismo!", ao passo que um muçulmano liberal poderia dizer, "mas o que a Al-Qaeda prega não é o islamismo!". Mas o Islã tem algo a ver com isso, afinal; e o capitalismo tem algo a ver com as taxas assombrosas de crescimento econômico e acumulação de capital que já transformaram a China numa superpotência emergente. Contra a sabedoria convencional dos anos 90, ocorre que se pode estar meio grávido.

Essa é uma grande parte da "nova realidade", que é o tema do encontro anual deste ano do Fórum Econômico Mundial. Seu programa otimisticamente proclama "Normas Compartilhadas para a Nova Realidade".

Mas Yan Xuetong, um analista chinês estimulante de relações internacionais, argumenta que potências emergentes naturalmente trazem para a mesa suas próprias normas, e tentam disseminá-las o melhor que podem. Ele tem alguma razão. Estarão China e Rússia, ou até, quanto a isso, Índia e Brasil, mais ou menos prontos a adotar normas ocidentais do que há dez anos? Menos. Estarão países no Sul global mais ou menos divididos entre as normas ocidentais e as chinesas do que estavam há dez anos? Mais.

Como um internacionalista liberal, acredito que ainda devemos tentar trabalhar por "normas compartilhadas para a nova realidade". Mas comecemos reconhecendo que uma das feições definidoras dessa nova realidade é, de fato, que há normas divergentes. Os governantes da China não acham necessariamente que nós deveríamos fazer as coisas da sua maneira, mas eles decerto não acham que eles deveriam fazer as coisas da nossa maneira. Aliás, eles provavelmente estão muito felizes com um mundo em que os americanos, os chineses e os europeus conduzem seus negócios ao seu próprio modo dentro de suas fronteiras, e, em certa medida - é aqui que a coisa fica confusa e perigosa -, dentro de suas esferas de influência. Isto é, incidentalmente, mais ou menos como Samuel Huntington vislumbrou evitar seu "choque de civilizações".

As "normas compartilhadas" se limitariam, então, a um conjunto realmente mínimo de regras para a ordem, o comércio, o tráfego aéreo internacionais, etc., com forte presunção de respeito à soberania nacional - em especial, a das grandes potências. Assim, uma das divergências fundamentais de nosso tempo é sobre quantas ou de quão poucas normas compartilhadas precisamos.

O que decorre daí para os povos de países que têm versões de capitalismo mais ou menos liberais, mais ou menos democráticas? (E há variações enormes entre elas, também. Vejam a Itália e a Hungria de hoje. Vejam os grandes bancos britânicos teoricamente privados, agora estatizados. Esse "modelo sustentável único" sempre foi um mito duplo: nem único, nem sustentável. Duas coisas decorrem de tudo isso. Primeiro, precisamos colocar nossas casas em ordem. Médico, cura a ti mesmo. Os passos mais importantes que podemos dar para exercer nossa influência externa são os que damos em casa. Vivemos durante décadas com um paradigma de progresso em que cada geração seria mais rica que a anterior. Agora será difícil admitir que nossos filhos serão menos prósperos, menos seguros ou menos livres do que nós fomos.

Segundo, provavelmente teremos de diminuir - ao menos por enquanto - nossas expectativas por aquelas "normas compartilhadas" da ordem internacional liberal. Isso significa fazer escolhas difíceis.

Colocamos a preservação da paz, no sentido mínimo da ausência de uma grande guerra entre Estados, à frente de tudo? Ou a reversão do aquecimento global? Ou manter abertos os caminhos do comércio e das finanças internacionais? Ou defender direitos humanos básicos? Evidentemente queremos todas essas coisas boas, e todas são, em alguma medida, relacionadas às outras. Mas precisamos nos adaptar às nossas circunstâncias.

Se isso parece uma perspectiva deprimente, então me permitam dourar a pílula. Tanto as esperanças quanto os temores de Davos há três anos já pareceram irreais. Os de Davos de 10 anos atrás parecem ser de um mundo diferente; de 20 anos atrás, quase de um universo diferente. A história está cheia de surpresas, e ninguém é mais surpreendido por elas do que os historiadores. / Tradução de Celso M. Paciornik

Professor de Estudos Europeus na Universidade Oxford

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Manipulação da China ameaça os objetivos do Mercosul::Rubens Ricupero

A visita de Dilma Rousseff à Argentina não será a ocasião para relançar a integração porque mais uma vez não coincidem os ciclos políticos e econômicos dos países.

Do lado brasileiro, o governo começa, enquanto, do outro lado, termina. As políticas econômicas e os resultados em inflação, deficit orçamentário, câmbio e proteção à indústria são contrastantes e difíceis de harmonizar.

Não obstante, o encontro pode ser a oportunidade de reflexão sobre os dilemas do Mercosul, que enfrenta ameaças de fora e de dentro.

De fora, afastado o perigo da Alca, que teria dissolvido o bloco na geleia da integração subordinada aos EUA, o risco provém da China.

A diferença é que, graças à opacidade que lhes permite manipular câmbio, empréstimos e favores tributários para estimular exportações, os chineses não precisam negociar acordos para passar por baixo de qualquer barreira.

O resultado é que a China ocupa mercados destinados em princípio à indústria dos parceiros do Mercosul. A China põe assim em risco o próprio pressuposto da integração: viabilizar a industrialização de cada país graças aos ganhos de escala derivados da soma dos membros.

Sem manufaturas competitivas para exportar, o que resta aos latinos é acentuar o aspecto das economias em que são concorrentes, não complementares: o de exportadores de commodities minerais e agropecuárias.

Na medida em que a China se torna o motor do avanço das exportações para todos, desaparece outro objetivo da integração, que é aumentar o comércio dentro da zona.

A ameaça de dentro se origina da frustração com projeto que estancou.

Após atingir o pico em 1997-98 (17%), o comércio intrazona caiu. As vendas dos parceiros a terceiros se expandem muito mais rápido do que dentro do bloco. Nem o grupo nem o mercado brasileiro se revelaram capazes de proporcionar aos sócios demanda que lhes possibilitasse diversificar e desenvolver as economias.

Diante disso, a Argentina optou pelo unilateralismo: protege seus interesses sem ligar para regras. A resposta do Brasil é contemporizar.

Falta iniciativa para pôr fim aos casuísmos e renovar o conceito da integração.

Será preciso partir de realidade inexistente na fundação do bloco: a China e a acentuação da dependência de Brasil e Argentina das commodities.

Integrar concorrentes na exportação de commodities não faz sentido.A fim de sair do dilema, os dois países terão de, finalmente, enfrentar o desafio da sua persistente falta de competitividade.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Repressão militar cresce no Egito

As Forças Armadas do Egito apertaram ontem as medidas para conter os protestos de manifestantes que exigem a renúncia do presidente do Egito, Hosni Mubarak. Na Praça Tahrir, epicentro da crise, caças da Força Aérea fizeram voos rasantes, buscando um efeito psicológico de intimidação contra os ativistas. O presidente não deu qualquer sinal de estar pensando em deixar o poder. Jornais independentes já falam em 150 mortos.

Países tiram seus cidadãos do Egito

Jamil Chade

O Itamaraty afirma que já retirou turistas do Egito. Mas brasileiros acusam o governo de não ter um plano de ajuda para os visitantes que ontem continuavam presos em hotéis do Cairo. Segundo a embaixada brasileira no Egito, um primeiro grupo de turistas foi levado no sábado para a Espanha. O Itamaraty afirma estar à disposição para ajudar a quem solicitar a retirada. Estima-se que cerca de 200 brasileiros residam no Egito.

Apesar das promessas de ajuda do governo, um grupo de 14 brasileiros que havia viajado para o Cairo para um casamento acusou o governo de não estar provendo a assistência prometida. Diante da crise, a festa que contaria com mil convidados foi cancelada.

Segundo o grupo, diplomatas brasileiros disseram que nada poderiam fazer para ajudar e compararam a situação com a dos turistas israelenses, americanos, franceses e sauditas que eram socorridos por suas embaixadas. A Turquia mandou dois aviões, e a Arábia Saudita, oito. A Grã-Bretanha também estaria avaliando o envio.

Ontem, todas as atrações do Egito foram fechadas. As pirâmides não estão autorizadas a receber turistas, enquanto voos foram em grande partes cancelados ou modificados. O turismo é uma das maiores fontes de renda para o governo de Mubarak.

Sem opções, turistas israelenses presos no Hotel do Cairo após o toque de recolher se divertiram assistindo ao noticiário da TV estatal egípcia, que praticamente não mostrava cenas das manifestações e censurava grande parte das críticas ao regime de Mubarak.

"Parece que estão mostrando outro país", dizia um deles. "Viemos ao Egito para sair da confusão que é Israel e descansar", lamentava Igal, um vendedor de seguros de Tel-Aviv.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Oposição se articula para fim da ditadura no Egito

Prêmio Nobel egípcio pede saída de Mubarak e se aproxima de muçulmanos

Uma semana após o início dos protestos no Egito, a oposição prepara-se para a queda do regime de Hosni Mubaraki e, dividida, briga pela liderança de um governo de transição. O Prêmio Nobel da Paz Mohamed El Baradei, o líder mais conhecido no Ocidente, deixou a prisão domiciliar e pediu a saída imediata do presidente, em discurso na Praça Tahrir, epicentro dos protestos no Cairo. Acompanhado por militantes da Irmandade Muçulmana, lançou-se como líder da transição, mas foi ignorado pela principal coalizão oposicionista, que divulgou manifesto propondo uma Assembléia Constituinte. Já o ditador se reuniu com os militares e ampliou o toque de recolher, mais uma vez ignorado pelos manifestam que voltaram em massa às ruas, informa Fernando Duarte.

A REVOLUÇÃO DO MUNDO ÁRABE

Dividida, oposição mostra força

ElBaradei dá como certa queda da ditadura no Egito, e coalizão publica manifesto

Fernando Duarte

Passada uma semana do início dos violentos protestos do Egito, o presidente Hosni Mubarak ainda tenta se agarrar ao poder, e ninguém sabe que lado o Exército - cujos tanques estão nas principais ruas do país - vai tomar em meio ao impasse. No exterior, EUA e União Europeia subiram o tom nas críticas ao regime. Já a oposição interna aborda o fim dos 30 anos de ditadura como algo sacramentado, ainda que haja sérias divisões dentro do movimento. De um lado, o advogado Mohamed ElBaradei, vencedor do Prêmio Nobel da Paz 2005 e ex-presidente da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), e que não é filiado a nenhum partido. Na outra ponta, uma coalizão de legendas de oposição, autora de um manifesto, divulgado ontem, que explicitamente excluía ElBaradei, pois o texto ressaltava o apoio a uma transição onde nenhum indivíduo teria poderes especiais.

A ressalva representa uma ducha de água fria à oferta feita por ElBaradei - na semana passada, ele manifestou seu desejo de liderar a transição para o regime democrático. Embora seja dono de um imenso prestígio internacional, o advogado enfrenta o ressentimento da oposição egípcia. Muitos políticos o associam ao atual regime, por Mubarak ter apadrinhado sua indicação para a AIEA. E, também, por ter retornado ao país somente após as primeiras grandes manifestações nas ruas.

- Nós todos respeitamos Mohamed ElBaradei. Estamos unidos a ele na demanda por reformas democráticas e pelo fim de um regime opressor. Mas ele não pode chegar agora querendo comandar a oposição depois de se ausentar de manifestações em que líderes partidários saíram às ruas sem saber se levariam tiros e onde receberam pancadas e gás lacrimogêneo - criticou Hossam El Khouly, membro do Comitê Executivo do Al Wafd, o mais antigo partido egípcio (fundado em 1919) e integrante da coalizão oposicionista.

Obama conversa com liderança árabe

ElBaradei, no entanto, mostrou ontem obter vantagem no quesito carisma. Ele reforçou seu engajamento ao aparecer em meio aos manifestantes na Praça Tahrir, no centro do Cairo, provocando histeria. Tamanha foi a comoção que o advogado, supostamente em prisão domiciliar desde sexta-feira, quase não conseguiu cumprir a promessa de discursar no local. Usando um megafone, tentou manter o ânimo da população pedindo-a para continuar nas ruas, apesar de mais um dia de toque de recolher e da recusa de Mubarak de deixar o poder.

- Ninguém vai poder parar o que vocês começaram nos últimos dias - exaltou. - Todos nós queremos o fim do regime, e hoje (ontem) estamos começando uma nova era. Vamos dizer ao presidente que ele precisa deixar o país o mais rápido possível para que possamos seguir adiante.

O advogado, porém, não foi o única ignorado no manifesto da coalizão oposicionista. Na solenidade de ontem, realizada na sede do Al Wafd, no bairro de Gizé, também se notou a ausência de representantes da Irmandade Muçulmana, o principal grupo político-religioso do país, cuja possibilidade de ascensão, devido a seu respaldo junto aos mais pobres, preocupa os setores seculares.

No entanto, é difícil imaginar uma reforma que não inclua um maior reconhecimento da Irmandade, a quem especialistas atribuem o aumento da quantidade de manifestantes nas ruas. Houve um grande acréscimo no contingente de revoltosos desde os primeiros dias, quando os líderes do grupo não deram apoio formal ao movimento.

Desde sexta-feira, quando a Irmandade finalmente engrossou as fileiras dos protestos, é comum ver a população interromper seus gritos de ordem para rezar, um gesto respeitado até pela polícia de choque nos enfrentamentos. Ontem, na Praça Tahrir, integrantes do grupo muçulmano tentavam organizar a multidão para que ouvissem o discurso de ElBaradei, o que sugere uma possível aliança à frente.

Embora o domingo tenha sido bem menos tenso do que os dias anteriores, nem por isso as autoridades egípcias deixaram de lado as tentativas de intimidação dos manifestantes. O governo anunciou nova ampliação no horário do toque de recolher - a partir de hoje, ele vigora das 15h às 8h (entre 11h e 4h, no horário de Brasília).

No fim da tarde, quando a multidão se aproximava da Praça Tahrir, principal palco dos protestos, caças da Força Aérea e um helicóptero de combate sobrevoavam o centro da cidade. As TVs egípcias também divulgaram imagens de uma visita do presidente a um centro de comunicações militares, algo interpretado como uma tentativa de mostrar controle sobre as Forças Armadas, em meio a relatos de deserções e debates entre oficiais.

- Há certamente divisões entre os militares. Do contrário, teríamos visto tanques na rua desde o primeiro dia - avaliou Yassin Tageldin, vice-presidente do Al Wafd. - Está cada vez mais claro que Mubarak tem os dias contados.

O manifesto de ontem reivindicou a criação de uma Assembleia Constituinte, responsável por assegurar a alternância de poder. A transição seria comandada pelo relator do Parlamento egípcio, Fathi Sorour, que permaneceria à frente do país até as eleições presidenciais, no fim do ano. O pleito caminha para deixar de ser um mero jogo de cena sempre usado por Mubarak e seu Partido Democrático Nacional para se manterem no poder.

Ontem, Cairo continuava sem acesso à internet. Houve também relatos de que a polícia, sumida após os enfrentamentos com a população, estaria voltando às ruas de parte da capital. Este retorno poderia gerar tensões junto ao Exército, que assumiu a missão de garantir a segurança das principais cidades do país.

Os militares, porém, não conseguiram impedir a fuga de detentos do presídio de Abu Zaabal, no Cairo, que teria ocorrido no sábado. Pelo menos oito pessoas já fugiram do país pela Faixa de Gaza.

O responsável pelo terminal de Rafah, em Gaza, Ghazi Hamad, afirmou à agência AFP que o posto fronteiriço ficará fechado "por vários dias". Ainda de acordo com ele, os guardas do setor egípcio, receosos com a onda de violência, não trabalham desde quarta-feira. Já o movimento islâmico Hamas, que controla o terminal, reforçou o patrulhamento na região.

Ontem, o presidente dos EUA, Barack Obama, conversou sobre a crise egípcia com autoridades de países árabes: o rei saudita Abdullah, o premier israelense Benjamin Netanyahu e o primeiro-ministro turco Tayyip Erdogan. Já o secretário de Defesa americano, Robert Gates, conversou com seu colega egípcio, o ministro Mohamed Hussein. O Pentágono não divulgou detalhes sobre o diálogo.

A instabilidade política provocou uma correria para o Aeroporto do Cairo, mas quem chegava ali - muitos sem reservas - testemunhava um número crescente de voos sendo cancelados, inclusive pela falta de tripulação. O aeroporto, que era motivo de orgulho do governo, lembrava um campo de refugiados com piso de mármore. Muitos viajantes estão lá há dias e alguns, doentes, tiveram de receber atendimento médico.

FONTE: O O GLOBO

Novo mínimo pode ser aprovado por voto de liderança

Aliados ameaçam aprovar mínimo mais alto

Raymundo Costa

A insatisfação entre os partidos da base aliada do governo pode levar a presidente Dilma Rousseff a sofrer sua primeira derrota na Câmara já na votação do valor do novo salário mínimo, fixado em R$ 540. Segundo avaliação feita no PT, a única alternativa do governo, para não sofrer um fracasso, é a medida provisória baixada em dezembro ser aprovada sem ir à votação do plenário, por acordo entre os líderes partidários.

Um bom indicador do tamanho da insatisfação das bancadas será a eleição do presidente da Câmara, em eleição marcada para amanhã. Se o candidato dissidente Sandro Mabel (PR-GO) tiver algo em torno dos 180 votos, já será um dado preocupante para o Palácio do Planalto, na avaliação de líderes aliados. A intenção dos descontentes, nos partidos, não é derrotar o candidato do PT, Marco Maia (RS), mas mandar um recado para a presidente Dilma.

O valor do mínimo é fixado desde 2006 com base num acordo feito pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com as centrais sindicais, pelo qual é corrigido pela média da variação do Produto Interno Bruto (PIB) dos dois anos anteriores, mais a inflação do último ano. Os R$ 540 foram decretados quando a inflação de 2010, medida pelo INPC, ainda não era conhecida. Divulgado o índice, o governo reconheceu que o valor correto seria R$ 543, mas o Ministério da Fazenda admitiu que poderia arredondar para R$ 545. No limite.

Embora avaliem que Dilma terá um ano relativamente calmo no Congresso, líderes aliados acreditam que haverá crises localizadas na Câmara. Não uma crise oriunda da disputa com a oposição, que conta com apenas 111 deputados, mas crise nascida na própria base.

Como é normal em início de governo, a expectativa em relação a Dilma é favorável no Congresso. Forte também está o PT, que fez a maioria numa Casa, a Câmara, em que o PMDB esperava fazer as maiores bancadas. Nesse cenário, Dilma e o PT têm conduzido o debate sobre a formação do governo sem dar muita importância aos pemedebistas, que fizeram a segunda maior bancada.

Em relação aos outros partidos da base, a relação é ainda mais subordinada. O PSB, sigla que mais cresceu entre os aliados, está descontente com sua fatia de poder, mas também com a maneira pela qual foi tratado durante as negociações para a composição do ministério.

Nos bastidores, líderes do PSB acusam o governo de jogar numa eventual divisão entre o grupo do Ceará, liderado pelos irmãos Cid e Ciro Gomes, e o governador de Pernambuco e presidente do PSB, Eduardo Campos. Causou mal-estar também o vazamento da notícia de que o senador Antônio Carlos Valadares (SE) ocuparia um ministério a ser criado a fim de abrir a vaga para seu suplente, o presidente do PT, José Eduardo Dutra.

Os partidos médios também manifestam desconforto com o fato de o PDT manter uma pasta do porte do Ministério do Trabalho, quando perdeu deputados na eleição e nem sequer elegeu um governador de Estado. E é justamente no PTB que se dá a maior movimentação em torno do novo salário mínimo: o deputado e presidente da Força Sindical (FS), Paulo Pereira da Silva (SP), é o autor da emenda que fixa o novo valor em R$ 580.

O governo nega, mas líderes aliados na Câmara acreditam que o Ministério da Fazenda pode chegar à quantia de R$ 550. Mesmo nessa hipótese, considerada um grande avanço pelo PT, há pessimismo entre líderes aliados. A tendência é que a Câmara aprove uma emenda com valor superior ao máximo que o governo propuser. "Se for R$ 550, passa a emenda com R$ 560; se for R$ 560, passam os R$ 580 da Força Sindical", diz um petista bem situado.

Além disso, com a Força liderando um movimento por um salário maior, os deputados ligados às outras centrais, inclusive à CUT, sentem-se desconfortáveis em apoiar o valor menor proposto pelo governo. A candidatura Sandro Mabel à presidência da Câmara já é reflexo desse clima. O recado para Dilma é que o governo tem maioria confortável na Câmara, mas com um nível muito alto de insatisfação, que, a qualquer momento, pode evoluir para uma crise.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Projeto elimina o quociente eleitoral

Cristian Klein

A presidente Dilma Rousseff retrocedeu na pretensão de aprovar uma reforma política enviada pelo Executivo, mas mudanças no sistema eleitoral brasileiro continuam mobilizando os partidos e devem entrar na pauta da legislatura que se inicia a partir de amanhã.

A novidade é que ganha força no Congresso a proposta de emenda constitucional (PEC), de autoria do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), apelidada de "distritão".

O projeto foi apresentado em 2007, na esteira da polêmica votação sobre o assunto - que derrotou a lista fechada - e começou a germinar aos poucos, a ponto de agora ser abraçado como modelo preferido da cúpula do PMDB. O vice-presidente Michel Temer já demonstrou entusiasmo pela ideia. O vice-líder do partido na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), é um defensor ferrenho.

Embora possa parecer simples e lógico - como a relação de aprovados num vestibular - o distritão seria um raríssimo sistema eleitoral. Enquanto o modelo clássico de voto distrital - predominante nos países anglo-saxões - elege apenas um representante por circunscrição, o distritão elegeria quantos deputados ou vereadores os Estados e os municípios tiverem.

Em São Paulo, por exemplo, na eleição para a Câmara, ganhariam vaga os 70 candidatos mais votados - independentemente do total alcançado pelo partido ou coligação.
Essa seria a principal diferença para o modelo atual, em que o primeiro critério de distribuição das cadeiras leva em conta a votação proporcional dos partidos e coligações, medida pelo quociente eleitoral.

O maior objetivo da proposta é acabar com a chance de um candidato bem votado ficar de fora enquanto outro, de baixa votação, se elege devido ao quociente eleitoral alcançado pelo partido detentor de grandes puxadores.

O caso mais radical dessa distorção ocorreu em 2002, quando cinco candidatos do Prona chegaram à Câmara com votação pífia - quatro deles com menos de 673 votos - graças à marca extraordinária de Enéas Carneiro: 1.573.642 votos.

Essa possibilidade não existiria no distritão. Os votos passariam a ser apenas dos candidatos. Isso, no entanto, poderia tornar o sistema mais personalista. O modelo, que caiu no gosto de líderes do PMDB, está no extremo oposto ao que o PT insiste em aprovar - a lista fechada, pela qual os eleitores votariam só em partidos e não mais em candidatos.

Eduardo Cunha argumenta que o sistema não é necessariamente incompatível com o fortalecimento dos partidos. "Basta aprovar mecanismos de fidelidade partidária", afirma Cunha, embora ele mesmo tenha sido autor de uma proposta, em 2009, que previa a redução do prazo mínimo de filiação partidária de um ano para seis meses, exigido dos candidatos nas eleições.

Para o deputado, uma das principais vantagens do distritão seria o enxugamento do número de candidatos. "Não vou lançar mais candidatos de 2 ou 3 mil votos. É muito desgastante para o dirigente do partido ter de ficar à procura de pessoas sem qualquer expressão política e incluí-las na lista apenas para crescer o bolo de votos", diz.

Eduardo Cunha considera que a primazia do critério partidário na distribuição das cadeiras, como é hoje, não fortalece as legendas porque seria artificial. O mecanismo de agregar votos em torno do partido estaria baseado nessa cooptação de candidatos sem vínculos com a agremiação. "Se você quer linha partidária vai para a lista fechada. Mas aí o primeiro nome da lista será o da mulher do líder do partido; o segundo, o do filho dele; o terceiro, o do sobrinho; e assim por diante", critica.

O deputado - conhecido pelos imbróglios em negociações de cargos - afirma que "ninguém vota em mim porque estou no PMDB, mas porque são meus eleitores".

Autor da proposta, Dornelles considera que o sistema "nem fortalece, nem enfraquece" os partidos, mas sugere em seguida que a tendência seria mais de fortalecimento, por meio da redução do quadro partidário.

A lógica, argumenta o senador, é que o distritão acabaria automaticamente com as coligações, pois as tornariam sem sentido. Com a disputa baseada apenas nos votos dos candidatos, não haveria necessidade de os partidos ultrapassarem o quociente eleitoral. Como as coligações são, essencialmente, trampolins para que legendas nanicas superem o quociente e consigam emplacar seus candidatos, elas ficariam desamparadas, extinguindo-se naturalmente.

Inversamente, o distritão poderia gerar incentivos à fragmentação partidária, já que um político poderia abrir sua própria sigla e obter o mandato exclusivamente com seus votos. Dornelles discorda: "Ele não mudaria para um partido pequeno porque não teria direito a comissão, voto de liderança, relatoria. Um político de expressão eleitoral só recorre à legenda pequena em último caso."

Sobre a origem da ideia do distritão, o senador afirma que sempre foi um entusiasta do voto distrital clássico, uninominal, que elege um representante por circunscrição. Mas como a criação de pequenos distritos seria muito complexa, imaginou um modelo que aproveitasse os distritos brasileiros como eles já são - coincidindo com os Estados (nas eleições para deputados) e com os municípios (vereadores). "O distrital puro causaria divergências enormes, não haveria consenso", afirma Dornelles.

O senador do PP admite que sua proposta é mais uma rejeição ao sistema proporcional em vigor no Brasil há décadas do que um modelo de preferência. "E porque só temos debatido o sistema de lista fechada, ao qual sou totalmente contrário", diz.

Para integrantes do PT, a adesão ao distritão é vista como uma reação que pretende prejudicar os partidos de esquerda. "Precisamos fazer um diálogo com o PMDB, porque parte dele sempre foi a favor da lista fechada", afirma Paulo Teixeira (SP), próximo líder da bancada do PT na Câmara, ao reconhecer que o apoio do aliado ao distritão dificulta as pretensões de seu partido.

Teixeira considera que "a reforma política é uma prioridade do país" e uma tarefa urgente do Parlamento. Ao citar uma pesquisa recente na qual 80% dos parlamentares do Congresso se disseram favoráveis à reforma, o deputado afirma que o próximo presidente da Câmara - o favorito, Marco Maia, é do PT - deve formar uma comissão especial para debater e votar o tema. "O ponto de partida poderia ser o projeto do governo de 2009. A bancada do PT está empenhada", diz.

Paulo Teixeira ressalta que a reforma do sistema eleitoral deve vir acompanhada de uma reforma partidária, para consolidar um conjunto de normas que acabaram sendo criadas pelo Judiciário.

O petista critica o distritão por fortalecer muito a visão do voto pessoal. Essa característica, porém, é amenizada no mais novo projeto que embala integrantes do PSDB.

O partido - que sempre teve uma posição recalcitrante em relação ao tema e já apoiou o voto distrital, o distrital misto alemão e até a lista fechada do adversário PT - se empolga agora por um modelo que vem sendo chamado de "distritão misto". Apresentado em 2009 pelos deputados paulistas Mendes Thame e Emanuel Fernandes, o projeto é uma espécie de mistura do modelo atual, proporcional, com o distritão de Francisco Dornelles. O objetivo é aproximar a relação entre os eleitos e seus eleitores. A ideia é que num Estado como São Paulo, que tem 70 deputados, fossem criados, por exemplo, 10 distritos de sete representantes, ou 14 que elegessem cinco cada.

"Resolveria uma distorção absurda. Em São Paulo, um deputado tem que se reportar a 30 milhões de pessoas, enquanto no Reino Unido ele responde a um eleitorado de 200 mil", compara Mendes Thame.

Para o deputado, uma das vantagens de sua proposta em relação à PEC enviada pelo senador Dornelles, é que não mudaria o sistema brasileiro de proporcional para majoritário, o que implica mudança da Constituição e a difícil obtenção de uma maioria de dois terços.

"O nosso projeto é imensamente melhor, mais simples", defende Thame, que não vê problema na complexidade de criação dos distritos, afirmando que ela se daria "apenas na primeira eleição".

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Furnas pressionou BNDES em prol de sócio suspeito

Furnas pressionou o BNDES em 2008 pela liberação de um empréstimo de R$ 587,9 milhões para a construção de uma hidrelétrica no interior de Goiás em sociedade com uma empresa considerada suspeita pelos técnicos do banco.

O BNDES suspendeu a assinatura do contrato de financiamento após Furnas incluir entre os sócios do empreendimento a Companhia Energética Serra da Carioca.

Além de considerá-la com um "conceito cadastral ruim", técnicos do banco ressaltaram em relatório interno obtido pela Folha a existência de investigações contra diretores da empresa.

O BNDES só liberou o financiamento depois que a empresa saiu do negócio.

Dossiê enviado pelo petista Jorge Bittar ao Palácio do Planalto acusa Furnas de beneficiar a Serra da Carioca em uma operação financeira que teria causado prejuízo à estatal do setor elétrico.

Furnas abriu mão da opção de compra de ações por R$ 6,9 milhões, mas sete meses depois comprou da Serra da Carioca os mesmos papéis por R$ 80 milhões.

No dossiê, o prejuízo é atribuído ao grupo do deputado federal Eduardo Cunha, responsável pela indicação do presidente de Furnas. Cunha nega.

Quinta-feira, procurada pela Folha, Furnas disse que desconhecia a suspensão do financiamento. No entanto, documentos mostram que a estatal tentou reverter a decisão, em prol da manutenção da Serra da Carioca.

Em carta de março de 2008, o então presidente de Furnas, Luiz Paulo Conde, nomeado por influência de Eduardo Cunha, pede ao presidente do BNDES, Luciano Coutinho, "apoio" para o "equacionamento dessa gravíssima situação".

No documento, Conde diz que Furnas pode desistir do negócio e queixa-se que técnicos do banco propuseram a substituição da empresa sem "qualquer justificativa".

No pedido de financiamento aprovado em 2007, um dos sócios da hidrelétrica era a empresa Oliveira Trust. Três meses depois, sua participação foi comprada pela Serra da Carioca.

Ao menos um aliado de Eduardo Cunha tem ligações com a Serra da Carioca. Trata-se de Lutero de Castro Cardoso, ex-presidente da Cedae (Companhia de Águas e Esgotos do Rio), indicado pelo cargo pelo aliado.

Segundo documentos da Junta Comercial de São Paulo, Cardoso era um dos diretores da Gallway Empreendimentos e Participações Ltda., que detinha parte das ações da Serra da Carioca.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Novas regras para o loteamento

Gerson Camarotti e Cristiane Jungblut

O Palácio do Planalto decidiu estabelecer um novo critério para iniciar o loteamento político do segundo escalão, depois da eleição para as presidências da Câmara e do Senado, amanhã: a divisão dos cargos será feita proporcionalmente ao mapa de poder real do novo Congresso que assume esta semana. Com isso, parlamentares derrotados e sem voz não terão vez. Essa estratégia foi acertada com a presidente Dilma Rousseff pelo chefe da Casa Civil, ministro Antonio Palocci. As escolhas começam a ser definidas esta semana.

A demora para o início das negociações foi motivada pelo temor do governo de fazer uma distribuição antecipada dos principais órgãos e estatais sem ter a garantia de votos correspondentes. Como houve renovação superior a 40%, a ordem é atender a quem tem voto. Com isso, a ideia é evitar o loteamento dos principais cargos com derrotados.

A primeira reunião será entre Palocci e o líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves (RN).

- A intenção é resolver as questões e não deixar isso em aberto, para evitar marola e não ter ruído. E vamos resolver logo, não só com o PMDB, mas com todos os partidos - alertou Henrique Alves.

Furnas fica com R$1,26 bilhão do bolo

Os investimentos das estatais, principal foco da briga entre partidos, chegam a R$107,05 bilhões para 2011. Segundo dados do Ministério do Planejamento, o grupo Petrobras é o campeão, respondendo por R$91,3 bilhões. Mas já está decidido que não haverá mudança na estatal. O grupo Eletrobras, atual feudo do PMDB, responde por R$8,1 bilhões. Somente Furnas fica com R$1,26 bilhão dessa fatia. A Chesf, comandada pelo PSB, terá investimento de R$1,5 bilhão.

Já a Eletronorte, outro feudo peemedebista, contará com R$807 milhões, enquanto a Eletrosul, controlada pelo PT, terá R$445 milhões para investir. A partir da próxima semana, Dilma decidiu que vai se concentrar primeiro nas estatais do setor elétrico. Como ex-ministra de Minas e Energia, a presidente vai escolher pessoalmente: ela quer que os partidos indiquem nomes, mas estes precisarão ter história no setor e passar pelo seu crivo profissional.

Segundo um interlocutor da presidente, a filtragem será muito maior do que no governo Lula. A avaliação é que com Dilma haverá uma forma diferente de negociar, porque ela não só conhece qualquer nome apresentado como já tem sobre ele um conceito.

Há forte incômodo dos peemedebistas com a ação do PT nos bastidores para tirar a legenda de cargos de diretoria do setor elétrico. Apesar de o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, ser do PMDB, o partido sabe que não terá autonomia sobre todos os cargos. Mas, depois dos ataques, integrantes do PMDB avisaram que vão desfazer a ideia de que o setor elétrico é um feudo do PMDB. Atualmente, o PT tem 60% das diretorias das estatais do setor elétrico, enquanto o PMDB ocupa 30%. As demais diretorias são ocupadas por nomes indicados por PSB, PR e PSC.

Saída de Nadalutti está decidida

Uma contabilidade peemedebista indica que o PT tem hoje 25 das 31 diretorias de planejamento, de engenharia e de operação da Eletrobras e subsidiárias. Essas são consideradas diretorias estratégicas nas estatais por causa da coordenação de obras. Nos bastidores, o PMDB tem argumentado que todas as indicações para esses cargos foram feitas em sintonia com a própria Dilma, quando ela comandou a Casa Civil do governo Lula, ou antes mesmo, quando a presidente comandou Minas e Energia.

De forma reservada, o próprio Lobão já deu sinal verde para Dilma colocar Flávio Decat na Eletrobras. E vai negociar nomes técnicos com Dilma para Furnas e Eletronorte. Com isso, já é consenso a substituição do atual presidente da Eletrobras, José Antonio Muniz, afilhado político do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

Também já foi decidida uma substituição em Furnas, considerada um feudo do PMDB do Rio de Janeiro e atual foco de crise com o PT. O atual presidente de Furnas, Carlos Nadalutti Filho, não ficará no cargo.

Para compensar a perda da Eletrobras e o fim da influência em Furnas, o PMDB deve reassumir o comando da Eletronorte. Para o cargo, José Antonio Muniz deve ser deslocado da Eletrobras. A estatal foi comandada até o ano passado por outro aliado do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), Jorge Palmeira, que faleceu em agosto. O atual presidente, Josias Matos de Araújo, não tem apoio político. Na Chesf haverá mudança, mas o PSB deve manter o controle. Já o PT manterá o controle da Eletrosul e de Itaipu sem substituições.

Dilma também decidiu ser criteriosa com as demais estatais. O PT passou a comandar os Correios, que saiu do controle do PMDB e conta com investimento previsto de R$500 milhões este ano. Já Docas, com R$705 milhões de investimento, deve ser loteada entre PMDB e PR. No caso dos bancos oficiais - o Banco do Brasil, com R$2,1 bilhões em investimentos, e a Caixa Econômica Federal, com R$951 milhões - não haverá mudança de comando. Mesmo assim, o PMDB insiste em assumir diretorias e vice-presidências para acomodar derrotados como o ex-governador José Maranhão (PMDB-PB) e o ex-prefeito de Goiânia Iris Rezende.

No caso dos órgãos dos ministérios, a disputa também é grande. O PTB tenta manter a Conab e com isso barrar a tentativa do PT de assumir o órgão - que tem um orçamento de R$2,8 bilhões para 2011. O PTB exige esse espaço como compensação por ter ficado de fora do primeiro escalão. Além disso, o partido também quer manter a Susep (Superintendência de seguro privado) e a Casa da Moeda.

- Queremos manter o que temos e esperamos que o governo ofereça mais alguma coisa, já que ficamos fora do ministério - disse o líder do PTB, Jovair Arantes.

FONTE: O GLOBO

Jarbas diz que Dilma quer deixar reforma política "de lado"

“O governo quer deixar a reforma política de lado”

ENTREVISTA » JARBAS VASCONCELOS

Ed Ruas

De volta ao Senado após o recesso, Jarbas Vasconcelos (PMDB) segue para mais quatro anos na Casa em uma condição diferenciada: terá agora na bancada estadual dois adversários (Armando Monteiro e Humberto Costa). Porém, acredita em uma convivência “democrática e civilizada”. Jarbas vai priorizar a reforma política – “sem ela não saímos desse rame, rame” – e lamenta que o governo Dilma já esteja “querendo deixar o tema de lado”.

JC – Qual a sua expectativa para o retorno ao Senado? Já teria algum projeto em mente?

JARBAS VASCONCELOS – Eu vou dar ênfase à questão da reforma política, que a presidente Dilma está deixando de lado. O Michel Temer reitera isso hoje (ontem), em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. Essa será a minha principal briga, porque sem a reforma não vamos para lugar nenhum. Sem isso, continuamos nesse rame-rame e essa coisa toda. Houve o recesso e o Senado está bastante renovado. Então, vou ver como ficam as coisas lá e a partir disso faço minhas observações. Mas pelo que eu sinto, o que é fundamental para o País é a reforma política e o governo está deixando de lado.

JC – O deputado Raul Henry divulgou na semana passada a criação de uma nova corrente no PMDB, chamada Afirmação Democrática. Como o senhor vê essa ação? Pretende participar?

JARBAS – Essa tem sido minha posição ao longo desses quatro anos. Vejo com bons olhos essa coisa muito altiva, essa iniciativa dos deputados de lutar de forma independente, corajosa e democrática. Coisa que não existe hoje dentro do PMDB. São peemedebistas que estão se reunindo (a ala dissidente) e isso é importante.

JC – Nos últimos quatro anos, o senhor teve como colegas no Senado dois aliados pernambucanos – Marco Maciel (DEM) e Sérgio Guerra (PSDB). Agora serão Humberto Costa (PT) e Armando Monteiro Neto (PTB). Que tipo de relação o senhor espera ter com eles?

JARBAS – Será uma experiência nova. Uma experiência de adversidade, mas que a gente vai ter que conviver. A convivência tem que ser, sobretudo, democrática e civilizada. O respeito será mútuo. É cedo para dizer como será a relação com os senadores (governistas). Eu tenho a minha linha e vou segui-la. Pelo que tenho lido a respeito dos dois, eles têm o mesmo procedimento (de seguir a linha deles). Vão defender o governo federal e estadual.

JC – Algum tipo de articulação será feita, de união em prol de projetos para Pernambuco, por exemplo?

JARBAS - É muito cedo. Eu vou pra Brasília amanhã (hoje), a posse é terça-feira (amanhã) e na quarta e quinta começamos a discutir as comissões. Então, deixa primeiro eu sentir os ares lá.

JC – A oposição deverá manter uma espécie de bandeira branca com relação ao governo Dilma nos primeiros seis meses? Até sentir a relação dela com o Congresso?

JARBAS – Oposição não tem complementação. Não tem esse negócio de oposição respeitosa, construtiva... Oposição é oposição. Se ela está fazendo um governo regular e se distanciando do estilo folclórico de Lula, ótimo. Isso é uma coisa positiva para o País. Mas temos que acompanhar essa partilha do governo, que não é uma coisa correta. Ainda tem a reforma política que ela se comprometeu em todos os debates da eleição. Só acho que é muito ruim a gente continuar com um Congresso que vem, não só desde o governo Lula (2003-2006 e 2007-2010), mas desde Itamar (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002), um Congresso funcionando na base do fisiologismo, do toma lá, dá cá e da troca de cargos.

JC – E em um Senado que terá mais uma vez José Sarney (PMDB-AP) na presidência?

JARBAS – É. É um desânimo para qualquer pessoa ver a quarta investidura de Sarney no Poder. E ainda dizer que foi convocado... Que renovação pode se esperar? O que a classe política que tem se debatido, envolvida em um desgaste profundo, ganha com Sarney comandando do Senado pela quarta vez, depois de uma legislatura marcada por profundos desencontros nesses dois anos? Nada!

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Elis Regina - Corsário

Evocação do Recife::Manuel Bandeira

Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
— Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado
e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê
na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!

A distância as vozes macias das meninas politonavam:
Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão

(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)
De repente
nos longos da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.

Rua da União...
Como eram lindos os montes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
— Capiberibe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro
os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras

Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou
a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
— Capiberibe
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era cozido
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro
como a casa de meu avô.