segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Reflexão do dia – Karl Marx

A autoconsciência ao invés do homem. Sujeito-objeto.

As diferenças das coisas são não importantes, porque a substância [é apreendida como autodiferenciação ou porque a autodiferenciação, o diferente, a atividade do entendimento, é apreendida como o essencial. Por isso Hegel, no interior da especulação, faz distinção reais que apanham mesmo as coisas.

A superação da alienação é identificada como a superação da objetividade (um aspecto desenvolvido em particular por Feuerbach).

Sua superação do objeto representado, do objeto como objeto da consciência, é identificada com a superação objetiva real, com a ação sensível distinta do pensamento, com a praxis e com a atividade real.(Ainda para desenvolver.)

MARX, K. A construção hegeliana na fenomenologia – Ideologia alemã. 3ª ed. São Paulo: Editora Ciência Humanas, 1982.p.129.

Dilma e os vários tempos da política:: Luiz Werneck Vianna

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Transparência maior poderia diminuir a desconfiança

A política conhece muitos tempos. Ora exerce seus efeitos na longa duração, em que o movimento que ela ativa é quase imperceptível à observação, embora arraste os caminhos da vida inexoravelmente para uma dada direção, como se cumprisse, diria Tocqueville, um mandato da Providência. Sob o primado desse tempo, a política ficaria como que subsumida ao lento andamento das estruturas, condenando as ações do ator, que não saberia interpretá-lo e a agir de acordo com ele, a uma mera e estéril agitação.

Ora, contrariamente, o seu tempo se encurta, e o transcurso do seu enredo passa a depender da vontade e da capacidade de ação dos atores envolvidos em sua trama. Temos conhecido várias formas de manifestação desses tempos da política, desde a lentidão paquidérmica do 2º Reinado às repentinas acelerações dos anos 1950/60 - exemplar os 50 anos em 5 de JK -, até essa forma que se tornou presente nesses 16 anos de governos do PSDB e do PT, em que ator e estruturas como que se ajustam entre si em favor da obra continuada de consolidação e aprofundamento do capitalismo no país.

Esse tempo de média duração, que já se projeta por mais quatro anos no mandato presidencial de Dilma, continha, no entanto, uma forte possibilidade de ser subvertido: a proposta de uma emenda constitucional que viesse a dispor sobre a possibilidade de um terceiro mandato para Lula. Bastava isso para interromper a rota aprazível, com tempos previsíveis e calculáveis, em que seguimos em marcha quase lenta, para sermos devolvidos à política de conflitos agonísticos de um passado recente. O terceiro mandato somente poderia se justificar em nome de um novo começo para o governo do PT, um retorno à pureza das origens perdida com o que teria sido o passo malfadado, mas obrigatório, em sua própria avaliação, da Carta aos Brasileiros.

Evidente que os ensaios para o terceiro mandato não povoavam apenas a imaginação de Lula, compartilhados por vários do seu entorno. Projetos de emenda constitucional andaram sendo apresentados, e, como sabido, jabuti não sobe em árvore. A decisão, porém, inequivocamente coube a ele, que evitou atravessar aquele Rubicão que mudaria o seu destino e o da República. As sombras que anuviavam as vésperas da posse de Dilma, e que devem acompanhar o início do seu governo, diante de um presidente resplandecente de popularidade, mas no ocaso do seu mandato, provêm do drama pessoal e político que terminou pelo ato de vontade de Lula ao recusar o atalho que tinha à sua frente.

Uma alternativa seria a de confiar os destinos da política ao seu partido, sequer cogitada. A opção de Lula foi a de escolher, entre os quadros de confiança do seu governo, uma candidata em cuja campanha se empenharia, como se candidato fosse, pela sua vitória eleitoral. E daí, um terceiro mandato por interposta pessoa? Ou um gabinete das sombras, eventual crítico do governo de Dilma e sem com ele se comprometer, na preparação de um retorno triunfal na próxima sucessão?

Se um terceiro mandato para Lula somente faria sentido se implicasse um giro radical em favor de uma ética de convicção orientada para os fins de uma política tida, afinal, como justa e desejável, sua recusa a esse caminho não concede a Dilma se não o da ética da responsabilidade, inclusive por razões de estilo pessoal, arredia como é a expressividade própria ao carisma.

O governo de Dilma se vê, assim, desde o seu início, confrontado pela necessidade de eliminar os ruídos que ainda lhe chegam dos tempos em que a tentação do terceiro mandato parecia atraente e de eventuais remorsos pela decisão que o recusou.

Algo dessas marcas está aí presente nesse momento do seu nascimento, reclamando que imponha logo e com precisão os rumos do seu governo.

Dado que seu mandato está de, algum modo, vinculado à herança da obra dos seus antecessores, de antemão pode-se avaliar que a aceleração do tempo não será mobilizada como recurso político. Tudo indica que, com ela e seus homens de governo, ficam para trás veleidades de uma política de modernização pelo alto, que sempre ronda a nossa história republicana com a sua tradição de autoritarismo político.

À sua frente os desafios são imensos, a começar pelas políticas públicas destinadas à saúde e à educação, catástrofes nacionais, e pelas incertezas postas no horizonte pela economia-mundo.

A dimensão sistêmica da economia será enfrentada pelos especialistas integrantes do seu governo, e deverá contar com sua participação, ao que parece com tirocínio na matéria. Mas, qualquer que seja a orientação adotada, ela se verá condicionada, por mais insulada que esteja dos partidos políticos e da sociedade civil, a dialogar com o já vasto circuito, na universidade e na imprensa, inclusive a sindical, de formação da opinião em assuntos econômicos. A ética da responsabilidade, via que se impôs à nova governante, é propícia à lógica da vida republicana, e, como tal, é de se esperar maior influência da política sobre os rumos da economia.

De outra parte, a urgência da questão social, enfaticamente patente nos episódios do Rio de Janeiro, em particular com a ocupação político-militar do Complexo do Alemão, demonstra com clareza que incorporar à cidade milhões de pessoas à margem dos seus valores é obra que transcende em muito a capacidade do Estado e de suas agências. Sem a mobilização da sociedade civil, em uma ação politicamente concertada, não há bom futuro para uma simples ocupação militar. Os indicadores estão à vista de todos: a sociedade civil quer, pode e tem recursos próprios para agir, em particular os estratégicos bens culturais, mas, para que isso ocorra, a adesão do Estado às instituições e aos valores republicanos tem de se tornar absolutamente explícita.

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador do Iesp-Uerj.

Pornografia política :: Denis Lerrer Rosenfield

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A composição do novo governo deu mostras de sexo explícito, com os diferentes partidos da base aliada numa disputa desenfreada por cargos políticos. Nenhum pudor ou vergonha presidiu a ação desses partidos, como se tal busca desenfreada pelo poder não se devesse mascarar. O "prazer" que cada um almeja se mostrou da forma mais crua, mais nua, não se fazendo necessária uma "mise-en-scène", uma encenação. Formas simbólicas de encenação da política, como apresentação de programas, justificativas do que é pretendido fazer com as novas posições de poder e ideias orientadoras da ação nem se fizeram presentes. Foi o deserto da sedução.

A pornografia distingue-se do erotismo. Ela se caracteriza pela crueza, pela apropriação do corpo do outro, pela ausência de qualquer encenação. Desaparecem quaisquer formas de simbolismo, de aproximação gradativa, de sedução. Os corpos já aparecem nus, em ato. Não há propriamente jogo, salvo o jogo da submissão, da busca imediata do prazer, do objetivo a ser alcançado. Ninguém aparenta algo diferente do que é, assim, apresentado. A política brasileira torna-se, nessa perspectiva, cada vez mais "pornográfica", pois os partidos partem imediatamente para a satisfação dos seus desejos mais imediatos, particulares, procurando mostrar que o poder é somente um instrumento de sua satisfação.

Noções como bem coletivo, validade de ações numa ótica universal e ideias do que seria feito com o poder conquistado são simplesmente descartadas. Cada partido apresenta suas posições de "força", número de deputados, senadores e governadores, como se aí apenas se justificasse a sua ação. Alguns, de forma mais elaborada, poderiam dizer que se trata da própria natureza do "presidencialismo" brasileiro. Este necessitaria desse tipo de aliança, de coalizão, como se outras formas de negociação não fossem possíveis, como, por exemplo, acertos com as oposições em torno de alguns projetos e ideias essenciais para a Nação, independentes de qualquer componente partidário. Ideias de interesse nacional são, por definição, suprapartidárias. Em vez disso, temos a "orgia" das alianças em torno do poder.

O erotismo, por sua vez, encena a aproximação com o outro, joga com formas simbólicas, os corpos não aparecendo nus. Há todo um processo de "despir-se", de acariciar-se, de encenações que devem ser feitas, podendo estas concretizar-se ou não pela "conquista". Os dizeres, as formas de expressão das frases e as palavras utilizadas têm todo um papel essencial, porque delas depende o tipo de aproximação, reservando ao outro o papel de responder com um sim ou um não. Não há imposição. A crueza da abordagem, aqui, se traduziria por seu fracasso. O simbólico preenche uma função essencial no erotismo, sendo um componente central da ação.

Algo análogo se pode dizer da política não pornográfica. Ela se traduziria pela utilização de formas simbólicas, por dizeres implícitos que esconderiam, num primeiro momento, a intenção declarada. A encenação da aproximação é aqui o principal, pois ela se faz sob a forma de discursos e ideias que comprometem os agentes. Há uma "mise-en-scène", uma encenação do coletivo, do universal, do que é o bem de todos, criando parâmetros que devem ser seguidos. A natureza da busca do poder muda, pois, embora ele permaneça o objetivo, se coloca a questão do que fazer com ele. Uma vez de posse desse instrumento, como justificar o seu uso?

Quero dizer com isso que a encenação "erótica" da luta pelo poder obriga os contendores a apresentarem ao público, no caso, os cidadãos, as ideias que dizem defender, as ideias que justificariam suas ações. Estabelecem-se, desta maneira, formas de cobrança pública, obrigando os parceiros a prestar contas de suas ações. Se isso não ocorre, vale somente a conquista crua e a distribuição de privilégios e favores aos que galgaram essas posições. Os que não participam da pornografia política estão fora. Os "vitoriosos" vão usufruir o poder exclusivamente para si.

Velhas oligarquias alternam-se com as novas. O jeito lulista de governar terminou produzindo uma afinidade entre oligarquias alicerçadas na tradição patrimonialista e clientelística brasileira e oligarquias "modernas", disputando entre si espaço num governo de "unidade", capaz de preservar os interesses de ambas. "Peemedebistas" maranhenses tornam-se companheiros de "socialistas" cearenses, cada qual apresentando suas "demandas" por favores e privilégios. O aparentemente novo nada mais é do que a reapresentação de uma velha forma de fazer política.

O PMDB tem sido apresentado como o partido com maior "voracidade", uma amostra da "pornografia política" vigente entre nós. Um olhar mais detalhado talvez nos permitisse colocar uma outra questão. Em que esse partido se distingue dos demais? Os escândalos dos últimos anos, os mensalões, os sanguessugas, as cuecas e os aloprados não foram "peemedebistas", atingindo o PT e outros partidos. A própria palavra mensalão começa também a ser utilizada para caracterizar escândalos de partidos oposicionistas. Ou seja, a "voracidade" tem uma conotação pluripartidária, um nome que serve para distintas agremiações, da situação e da oposição, pondo em cena uma forma de fazer política carente de valores e ideias, carente de qualquer compromisso com o bem coletivo.

É bem verdade que o PMDB fez, particularmente, por merecer. O episódio de nomeação do deputado Pedro Novais, do Maranhão, para o Ministério do Turismo veio acompanhado da descoberta de que verbas de representação, exclusivas da atividade parlamentar, foram utilizadas para gastos num motel. Sua atividade "parlamentar" terminou por produzir indignação pública, porém uma reflexão mais aguçada mostra que sua orgia - vários casais teriam sido convidados para a festividade - se enquadra perfeitamente ao quadro geral da pornografia política. Na verdade, ela faz sentido.

Professor de Filosofia na UFRGS.

Torcida por Dilma:: Ricardo Noblat

DEU EM O GLOBO

"Gosto de falar "nunca antes" porque tem gente que sofre" ( Lula, debochando de adversários e desafetos)

Houve uma cena na posse da presidente Dilma que escapou à atenção da maioria dos jornalistas reunidos no mezzanino do Palácio do Planalto. Foi quando Dilma, depois de discursar no Congresso, desfilava em carro aberto cumprimentando o povo, e Lula, com a faixa no peito, irrompia no salão principal do Palácio para recebê-la no alto da rampa.

O tempo foi curto para que Lula apertasse todas as mãos que se estendiam à sua passagem e atendesse a todos os pedidos de posar para fotos. Mas ele não perdeu a chance de se deter diante de alguns dos futuros ministros de Dilma, vários deles seus ex-ministros, para fazer recomendações de última hora e distribuir instruções.

Atrasou-se alguns minutos e foi obrigado a sair correndo dentro do salão de mãos dadas com dona Marisa para se postar no alto da rampa. Mais tarde, depois de transferir a faixa para Dilma, desceu a rampa junto com ela e mergulhou no meio do povo na Praça dos Três Poderes. Agarrou e foi agarrado. Beijou e foi beijado.

Chorou.

A Lula não se poderá negar o título de o mais informal e emotivo presidente da República da história recente do País. Mas há muito de cálculo na informalidade e na emoção. Foi assim que ele conseguiu estabelecer uma forte ligação com as pessoas e alimentar a adoração de uma grande parcela delas.

A continuidade que Dilma representa está na tentativa de resgate ou de aperfeiçoamento das promessas de campanha de Lula em 2002 e 2006. Fora isso, Dilma será um presidente mais voltado para a administração e menos para a plateia. Lula deverá ajudá-la de dois modos: aconselhando-a e insinuando seu eventual possível retorno no futuro.

Há também muito de cálculo político na admissão do retorno. É tudo o que mais teme a oposição. Por isso ela criará o mínimo de sérios problemas para Dilma com a esperança de que Lula não volte em 2014. Prefere, mesmo que seja para perder, enfrentar Dilma, candidata à reeleição, a Lula, que outra vez eleito poderá se reeleger.

Daqui até 2018 terá se passado muito tempo. Uma nova geração de líderes políticos emergirá com mais força. A idolatria por Lula terá esfriado. E – quem sabe? – o próprio Lula, com mais de 70 anos de idade, poderá ter ganhado o gosto por outras coisas que não seja apenas a disputa de eleições.

Ficou devendo

O capuchinho italiano Frei Damião de Bozzano, que ganhou fama de santo no Nordeste e foi aclamado como o sucessor do padre Cícero, decorou 19 sermões em português quando chegou ao Brasil e os repetiu ao longo de mais de 50 anos de pregações. A repetição era vista pelo povo como prova irrecusável da coerência dele, homem de uma só palavra. Dilma fez um discurso ao se eleger em outubro. E dois ao tomar posse no sábado. Não se acanhou de repetir nos três as mesmas ideias gerais e platitudes. Até frases. Coerência! Ou falta de melhores redatores.

O prodígio de Agnelo

O novo governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, ex-PCdoB, eleito pelo PT, conseguiu um prodígio: unir contra ele o senador Cristovam Buarque (PDT) e o ex-ministro José Dirceu que sempre viveram às turras. Os dois apoiaram a eleição de Agnelo. Mas na hora de compor o governo, Agnelo ignorou pedidos dos dois. Mais: deixou de atender a ligações de Dirceu ou simplesmente não deu retorno. Também não os convidou para sua cerimônia de posse. Cristovam já rompeu de forma barulhenta com Agnelo. Matreiro, Dirceu só espera a hora de dar o troco.

Mulher meia-oito: Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Dilma Rousseff iniciou seu discurso de posse destacando o "significado histórico" de ser a primeira mulher presidente do Brasil: "Venho para abrir portas". No final, se emocionou ao lembrar dos que estiveram com ela na luta armada contra a ditadura: "Muitos da minha geração, que tombaram pelo caminho, não podem compartilhar a alegria deste momento.

Divido com eles essa conquista, e rendo-lhes minha homenagem".

Na abertura, o elogio da condição feminina, projetando o futuro; no encerramento, a memória dos radicais da geração meia-oito, reparando o passado: foi a moldura que Dilma escolheu para seu retrato ao vestir a faixa presidencial.

Não havia, porém, nessa evocação histórico-sentimental da guerrilha, nada que desviasse a presidente de seu eixo pragmático. Entre uma ponta e outra, o recheio do discurso passou em revista a pauta já conhecida do "melhorismo" (o que já fizemos e o que ainda falta fazer), tudo com bom senso e equilíbrio, sem rancores nem radicalismos.

A ênfase, como deveria ser, ficou reservada ao combate à miséria: "A luta mais obstinada do meu governo será pela erradicação da pobreza extrema". Trata-se, afinal, de um governo "de esquerda", apesar do consenso, formado desde FHC, de que "governar é um processo".

Se Dilma começou bem, Lula poderia ter terminado em melhor companhia. O fato de Sarney tê-lo acompanhado no avião de Brasília até em casa foi de um oportunismo patético, mas também algo muito simbólico. Tão patético e simbólico quanto Lula, já "ex", num palanque em S. Bernardo ao lado de Sarney, pragejando pela enésima vez contra "as elites deste país".

O velho remanescente da ditadura que deu posse a Dilma no Congresso era prestigiado horas mais tarde no ABC por Lula, o maior líder popular da história. Este é o Brasil.

Sobre relatividade da política e das nuvens:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Este Lula, já que não existe outro para lhe mover concorrência, parece que, daqui por diante, vai mesmo se recolher à discrição inerente a ex-presidentes, mas sem abdicar de oferecer-se a qualquer momento, dependendo menos do calendário esportivo para 2014 que das circunstâncias políticas que se juntam e se separam como as nuvens, sem dar satisfações. Agora parecem alguma coisa, daqui a pouco estarão muito diferente. Desde Aristófanes, portanto antes dos políticos mineiros, os gregos já sabiam lidar com a relatividade da política por intermédio das nuvens.

Na sua última semana como presidente atônito, Lula manteve a vazão de palpites que, por onde passa, despeja em estado bruto, sem qualquer tratamento, a pretexto de prestação de contas, sem conferir sentido adequado ao que será entregue em seu nome, se e quando ficar pronto. A taxa de repercussão semanal do que ele promete caiu na razão direta do tempo presidencial disponível e na razão inversa da objetividade à qual virou as costas. Do que disse por aí, nada vai além de reciclagem para 2014.

O presidente que acaba de sair para outra, reabastecido pelas pesquisas que já captam 87% de beatificação política em seu louvor, dispõe de um capital de risco a ser investido no mandato de Dilma Rousseff. Evidentemente, com as cautelas recomendáveis num país onde a única volta ao poder, por via eleitoral, foi a do presidente Getúlio Vargas em 1950, mas ao preço de sua vida.

Quem se saiu bem no governo (bem demais, por sinal) foi o presidente JK. Ao contrário do começo, no fim do seu governo tudo se ajustou. Mesmo assim, o sucessor veio pela oposição, que tem (ou teve) poder sedutor sobre o eleitorado. Kubitschek saiu com data marcada para voltar, como se dizia à época, “nos braços do povo quem tem o povo no coração”. Era um caso de sucesso pessoal. Não havia pesquisa, mas sobrava opinião pública. Kubitschek passou a ser o alvo oculto de uma crise operada em três dimensões: como referência oculta do moralismo oposicionista, na campanha presidencial de Jânio Quadros e, por último, na ruidosa erosão constitucional que se consumou em definitivo em 1964. Havia um elo entre a asfixia política da volta de Vargas e o inconformismo intolerante pela vitória de JK, que tirou o pão (Maria Antonieta diria o brioche) da boca oposição. Em 1965 a sucessão não teria candidatos, pois não haveria eleição direta, nem candidatos. Seria ocioso repetir, não por algum fato específico, mas pelo conjunto de maus costumes políticos, num país que não vacila em sacrificar princípios éticos a pretexto de tirar o atraso.

O saldo político capaz de garantir respeito pela História deixou de ser motivo de orgulho republicano. A confiança na política e, principalmente, nos políticos, vem descendo em direção ao ponto mais baixo da normalidade.Voltando ao começo, que é o fim que Lula se propôs – desde que elegeu Dilma Rousseff – o ex-presidente se considera apto a governá-la, por um controle nem tão remoto que criasse margem de risco desnecessária, nem tão perto a ponto de dar o mesmo trabalho que um terceiro mandato. Com ou sem reeleição, o ex-presidente Lula se diz interessado em se desencantar do poder e se deslocar em todas as direções que possam servir aos fins sem necessidade de defini-los com clareza.

Como o próprio Lula expôs, no café da manhã com os jornalistas credenciados junto ao Planalto, se ele sair do governo mas continuar na política, vai ficar com a presidência zumbindo na cabeça. A condição de ex presidente não elimina velhos demônios que costumam visitá-lo. E não resiste à tentação de marcar presença no espaço político. É, portanto uma questão de tempo, que também não brinca em serviço.

Lembranças e inquietações :: Paulo Brossard

DEU NO ZERO HORA (RS)

Outro dia, em razão de determinado ato acadêmico, andei pelos corredores da velha Faculdade da Avenida João Pessoa, verificando que os corredores eram os mesmos, mas faltava alguma coisa no ar. Na tentativa de recuperar fiapos do tempo passado pensei em recordar, aqui e ali, os lentes que conheci mais de perto. A circunstância de registrar os 63 anos da colação de grau da turma que ingressara em 1943 e dela se despedira em 1947, me levou a evocar a figura de Darcy Azambuja, de quem ouvira a primeira aula. A propósito, nunca me esqueci da aula magna por ele proferida no ano anterior, ao ensejo do início do ano acadêmico. A guerra havia ceifado vidas, riquezas, nações, e seu desfecho era incerto e ainda havia muito a destruir. O orador fez um apanhado magistral da hecatombe, e as pessoas afeitas às belas letras gostariam de ler a peça de 1944, que a revista Estudos publicou.

Aproveitando a deixa, é natural que me fixe na pessoa do diretor da Escola, Elpídio Ferreira Paes. Latinista de prol, possuidor de farta cultura clássica, conquistara a cátedra de Direito Romano. A matéria era lecionada no primeiro ano e os acadêmicos, saídos de ginásios diversos, recebiam certo choque ao defrontarem-se com uma exposição diferente de uma matéria semelhante a muralha cheia de dificuldades, a começar a língua. O professor, cuja estatura não era elevada, calvo, sobraçando o grosso volume do Corpus Juris Civilis, inspirava receio.

Extremamente dedicado à Faculdade, destituído de vaidades, de hábitos simples, conduzia os estudantes com seriedade e cortesia; não me recordo de um só incidente ou choque com um único estudante nos cinco anos em que o tive como diretor. Tenho lembrança de que em situações várias, com energia discreta, defendeu a Faculdade em emergências delicadas; fui testemunha ocular de algumas dessas situações e posso dizer que ele exerceu a autoridade devida sem deixar de abrigar no coração um favo de mel, que ocultava discretamente. Com o vasto conhecimento que armazenara, poderia ter escrito manual, sistema ou tratado acerca da matéria que lecionou anos a fio, mas ficou na sua tese de concurso e poucos artigos. Morava no coração da Rua da Praia, no edifício do Clube do Comércio, olhando as belas árvores, povoadas de pássaros ao entardecer e ao amanhecer, sempre com a companhia amorosa de dona Izolda.

O domingo que anteceder à publicação deste artigo será o último da presidência do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, que num momento menos feliz se autoproclamou o maior e melhor presidente da República em todos os tempos. Em tempos idos, dizia-se que elogio em boca própria é vitupério. O fato é que no dia 1º de janeiro a presidente será outra pessoa (até hoje não consegui compreender por que foi escolhido esse dia para a transmissão do cargo do Chefe de Estado, por todos os motivos o pior de todos os dias). Mas, já que o homem foi de tal maneira jactancioso, em artigo anterior lembrei fatos que não recomendavam a soberba autoridade.

Como mera testemunha do duplo quatriênio, lembrarei dois ou três fatos sumarissimamente. Ninguém ignora que entre nós o erário é o maior sócio e sócio privilegiado de todos os que trabalham e produzem no Brasil e ninguém contesta que a carga fiscal é muito alta, notadamente quando comparada com a qualidade dos serviços públicos. E nada foi feito no sentido de aliviar a situação, que é antiga.

Outrossim, a taxa de juros reais é a maior do mundo desde o início do consulado até seu dia derradeiro. E ainda agora, de certo modo invadindo o novo governo, foi anunciado seu iminente agravamento. Os oito anos decorridos foram vãos na medida em que nada foi feito para corrigir o triste primado.

Por derradeiro, se é exato que nunca se vira presidente com 80% ou mais de popularidade, também é certo que jamais se vira tamanha publicidade a bafejá-la. Sem falar na publicidade legal, em oito anos, o governo gastou cerca de 10 bilhões de reais e no último ano, até a primeira semana de dezembro, o gasto foi de um bilhão e cem milhões, coisa de 3 milhões diários. Agora, para festejar a “despedida”, mediante 325 veículos de comunicação, foram despendidos mais 20 milhões para engrandecer o maior governante de todos os tempos. Nunca se vira coisa igual nem parecida desde o governo de Tomé de Souza...

* Jurista, ministro aposentado do STF

Eliseu Resende – atuação na merenda escolar::Denise Paiva

“Lei, decreto, medida provisória?
Eu resolvo isto agora!”
(Eliseu Resende)

Com o apoio do presidente; a cumplicidade de alguns ministros; respaldo da sociedade civil; e a colaboração do pessoal técnico considerado da vanguarda progressista e competente de vários ministérios e notadamente do Ipea idéias e propostas de trabalho ganhavam hegemonia no discurso e na prática do núcleo duro do poder.

Itamar, certa feita, me disse: “Você parece assombração”. Embora não esti­vesse na reunião no Alvorada, parecia que estava, pois de repente o Eliseu co­meçou a falar: “leite, fome, merenda, cesta básica...” e não falou em baixar juros, nem em combate à inflação. Falou tanto sobre merenda que considero até que deixou o ministro da Educação Murílio Hingel enciumado... Fingia irritação, mas senti muita alegria nos seus olhos quando falava sobre isso.

Vale falar da merenda, até porque não só é o maior programa assistencial do mundo no campo da alimentação, mas foi aperfeiçoado e assegurado no governo FHC, pelo Comunidade Solidária e pelo próprio Ministério da Educação. Este Pro­grama tem continuidade como uma irreversível e unânime conquista nacional

A descentralização e a cobertura universal da merenda escolar era um dos compromissos do governo Itamar no combate à fome, e um projeto profissional antigo e obstinado da Anna Pelianno, que nos fez assumi-lo por inteiro na reunião da Frente Nacional dos Prefeitos.

O processo de descentralização deflagrado pelo Ministério da Educação e como prioridade do presidente Itamar corria “bem” e aceleradamente quando começaram a aparecer as dificuldades e resistências através dos loobies de empresas dos formulados; da burocracia que centralizava os recursos; e, de repente, um argumento perigoso de que poderia haver queda na qualidade nutricional e/ou falta de supervisão técnica prejudicando as crianças.

Por sorte, o ministro Hingel tinha uma posição firme e nomeou para a Fundação de Assistência ao Estudante – FAE, o professor Iveraldo Lucena que em nenhum momento fraquejou no propósito de descentralizar a merenda e mantinha conosco uma aliança inquebrantável.

Na luta e na vitória que consagrou o Brasil como tendo o maior programa social do mundo, houve uma decisão/ação rápida e burocrática do ministro Eliseu Resende. Este é apenas um exemplo de como as transformações podem acontecer quando partem de quem comanda a área econômica. Neste caso, uma mudança que alimenta todos os dias, milhões e milhões de crianças no país.

Relatei ao ministro Eliseu sobre as resistências que poderiam dificultar o processo de descentralização da merenda. Ele se entusiasmou convencido dos benefícios da descentralização no que tange o barateamento do custo, qualidade nutricional e aquecimento às economias locais e decidiu agir:

“Lei, decreto, medida provisória?” Indagou.

“Eu resolvo isto agora.”

Chamou um assessor: “Me mostre o orçamento” (...) “Aqui está, alimentação escolar”. “Mude isso já! Qualifique esta rubrica como: alimentação escolar descentralizada. E assegure o recurso para cobertura universal!”.

Fiquei boquiaberta e aprendi de vez a lição de que a vontade política aliada à competência administrativa supera qualquer totem orçamentário.

A passagem de Eliseu pelo Ministério da Fazenda foi curta e teve significado reconhecido.

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Casa Civil encerra caso Erenice sem punições

DEU EM O GLOBO

Acusada de tráfico de influência, ex-ministra continua sendo investigada pela PF e pela Controladoria-Geral da União

Chico de Gois

BRASÍLIA. A comissão de sindicância instaurada na Casa Civil em 18 de outubro para apurar denúncias de tráfico de influência envolvendo os servidores Vinícius de Oliveira Castro e Stevan Knezevic terminou sem apontar irregularidades por parte dos dois. Não houve punições. Já as acusações envolvendo Erenice Guerra, ex-chefe da Casa Civil, continuam sendo investigadas pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União. Como ela era titular da pasta, não podia ser investigada por uma sindicância interna.

Vinícius é filho de Sônia Castro, que aparece como sócia de filhos de Erenice, entre eles Israel Guerra, na Capital Assessoria e Consultoria. Stevan é funcionário concursado da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e também era sócio de Israel. Ele teria intermediado a renovação de licença para a MTA Linhas Aéreas nos Correios. Em setembro de 2010, a revista "Veja" acusou Vinícius de receber um envelope com R$200 mil a título de propina. A sindicância não conseguiu provar que esse pagamento tenha existido.

No último dia do ano, sexta-feira, o Diário Oficial da União publicou uma portaria do então ministro Carlos Eduardo Esteves Lima para uma nova sindicância, dessa vez para analisar um convênio assinado em 2005 entre a Unicel e a diretoria de telecomunicação da Casa Civil para testes de um serviço móvel especializado. O documento original não foi encontrado pelos servidores que apuraram as eventuais irregularidades. A Unicel tinha como diretor comercial o marido de Erenice, José Roberto Camargo Campos.

O relatório da comissão de sindicância ficou pronto no início de dezembro, mas se tornou público só agora porque o ex--chefe da Casa Civil determinara ao departamento jurídico que fizesse uma análise.

Caso Battisti só é crise para os italianos

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

O primeiro escalão do governo Dilma minimizou o mal-estar diplomático causado pelo refúgio político concedido ao ex-ativista Cesare Battisti. Governo italiano cogita recorrer à Corte de Haia.

Ministros amenizam e italianos ameaçam

Para Cardozo e Patriota, a permanência de Battisti no Brasil não criará uma crise diplomática. Mas a Itália já pensa em rever um acordo de cooperação militar

Alana Rizzo

O novo governo brasileiro minimizou a crise diplomática entre o Brasil e a Itália provocada pela decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de conceder refúgio político ao ex-ativista Cesare Battisti, preso desde 2007 na Penitenciária da Papuda. Lula negou, no última dia do ano, a extradição de Battisti. Segundo um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), a decisão segue todas as cláusulas do tratado de extradição firmado entre os dois países.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, descartou qualquer possibilidade de rever o ato de Lula que, segundo ele, está em “estrita consonância” com a visão do Supremo Tribunal Federal (STF). “Não há por que a decisão do presidente Lula ser atacada do ponto de vista de sua validade ou judicialidade”, disse Cardozo sobre uma eventual revisão pelo Supremo.

O ministro destacou ainda o embasamento jurídico do parecer da AGU e disse não crer em retaliações. “O Brasil tem relações históricas com a Itália, os italianos são nossos irmãos. Discordâncias existem e sempre existirão no campo da relação entre os países, mas, neste caso, estamos defendendo a nossa soberania.”

Sinais positivos

O ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, afirmou que a presença do embaixador italiano Gheraldo della Francesca na posse da presidente Dilma Rousseff pode ser entendida como um sinal “do desejo dos dois países de prosseguir o relacionamento e de dar ênfase às convergências e a uma agenda construtiva”. A presença dele estava confirmada desde sexta-feira, mas, mesmo assim, depois da cerimônia, o novo ministro não descartava a possibilidade da retirada do embaixador italiano do país.

Assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia também usou a presença do embaixador na cerimônia de posse como um “indício de que a disposição é muito mais para o diálogo e para uma solução diplomática”. Segundo Marco Aurélio, a decisão é soberana e foi tomada com forte fundamentação jurídica. “O país é soberano para decidir, e isso não nos traz nenhuma preocupação”, afirmou, depois da cerimônia de transmissão de cargo no Ministério das Relações Exteriores. Ele afirmou não temer uma possível discussão do caso na Corte Internacional de Justiça (CIJ) de Haia.

Corte de Haia chega a ser cogitada

Leonardo Santos

O ministro das Relações Exteriores da Itália, Franco Frattini, afirmou para a imprensa italiana que o governo estuda a possibilidade de recorrer a Corte Internacional de Justiça (CIJ) de Haia contra a negativa do Brasil de extraditar o ex-militante de extrema esquerda Cesare Battisti. Mas enquanto não procura a corte, o governo italiano adianta que vai contestar a decisão na Justiça brasileira. “Apresentaremos um recurso ante a suprema corte brasileira contra a decisão, que surpreendeu inclusive juízes brasileiros de renome” afirmou Frattini.

Para Frattini, é impensável os argumentos usados por Lula de que um tratado bilateral seja dispensado com o fundamento de que o retorno de Battisti à Itália conduziria ao agravamento de sua situação ou a um risco a sua vida. “Com todo o respeito, não é a Itália o país dos desaparecidos, não é aqui que se tortura, onde se faz desaparecer os presos”, disse o ministro em entrevista ao jornal Corriere della Sierra.

A negativa dada no último dia de governo de Luiz Inácio Lula da Silva também pode repercutir negativamente em outro tratado firmado entre os dois países. O parlamento italiano deve analisar, nas próximas semanas, um acordo entre o Brasil e a Itália que prevê o desenvolvimento de projetos de navios de patrulha oceânica, fragata e embarcações de apoio logístico. “Talvez ele não seja rejeitado, mas poderia ser arquivado, adiado” disse o ministro.

Frattini reitera que a Itália tentará de tudo para reverter a decisão de Lula, porque ela abre “um precedente muito grave, que poderá ter um impacto no destino de muitos criminosos foragidos”.
“Existem princípios que valem mais do que tudo, e a luta contra o terrorismo não pode tolerar buracos negros, como as causadas por Lula”, disse o ministro.

Logo após o anúncio do ex-presidente Lula de que Battisti permaneceria no Brasil, Roma convocou de volta o embaixador da Itália no Brasil, Gherardo La Francesca. A iniciativa teve o objetivo de deixar claro que a decisão desagradou o governo italiano e que poderia ser um primeiro passo para o rompimento das relações diplomáticas. Mas a presença de La Francesca na posse da presidente Dilma Rousseff foi interpretada pela diplomacia brasileira como um sinal de que Brasil e Itália prosseguirão com um bom relacionamento.

Cardozo defende permanência de Battisti

DEU EM O GLOBO

Ministro da Justiça diz que decisão de Lula é correta e que duvida de retaliação da Itália

BRASÍLIA. O novo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, defenderam ontem a decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de manter o ex-ativista político Cesare Battisti no Brasil. Para Cardozo, a determinação está fundamentada em parecer "substantivo" da Advocacia-Geral da União (AGU). Para eles, a medida também coincide com posição do Supremo Tribunal Federal (STF), que aprovou a extradição do militante italiano, mas entendeu que a palavra final é do presidente.

- Não tenho a menor dúvida de que a decisão do presidente Lula foi correta. O Brasil é um país soberano, e o presidente decidiu em estrita consonância com o nosso direito e com aquilo que o STF havia determinado - afirmou Cardozo, após a cerimônia de transmissão de cargo no ministério.

Cardozo disse não acreditar em retaliação do governo italiano, que criticou o Planalto duramente e ameaçou adotar providências para convencer as autoridades brasileiras a voltar atrás. Battisti foi condenado na Itália à prisão perpétua pelo assassinato de quatro pessoas na década de 1970, quando integrava o grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). Ele foi julgado à revelia, após fugir do país. Sua defesa nega envolvimento do italiano nos crimes e diz que provas falsas foram apresentadas para incriminá-lo.

- Não creio que uma decisão como essa possa comprometer nossos laços de amizade profundos com a Itália. As discordâncias existem no campo das relações entre nações, mas, neste caso, estamos exercendo nossa soberania - argumentou o ministro.

Ele afirmou estar convicto das razões que embasaram a decisão de Lula e que, por isso, dificilmente poderá haver reviravolta no STF:

- Não digo pelo Supremo, mas acho que não haverá por que a decisão ser atacada.

Garcia também sustentou que a decisão de Lula tem fundamentação jurídica. Disse que também não está preocupado com a ameaça do governo italiano de recorrer à corte de Haia:

- É uma decisão soberana que o governo brasileiro tomou com forte fundamentação jurídica. O país é soberano para decidir - disse Garcia.

O assessor não vê risco de rompimento das relações entre o Brasil e a Itália. A presença do embaixador italiano na posse da presidente Dilma seria uma indicação de que o diálogo entre os dois países não será interrompido.

- Poderá haver um constrangimento durante um período brevíssimo, mas a presença do embaixador da Itália na posse da presidente Dilma é uma indicação de que há disposição de continuar com o diálogo - afirmou.

O primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, também minimizou o impacto da decisão brasileira nas relações com a União Europeia:

- Entre a União Europeia e o Brasil existe uma relação estratégica. Nada afetará essa união - disse.

Ministra recorda ''efeitos nefastos de censura'' e prega liberdade

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Helena Chagas elogia Franklin Martins, o antecessor, e promete ter 'postura de jornalista' na Comunicação Social

Leonencio Nossa e Rafael Moraes Moura

Com discurso conciliador, a jornalista Helena Chagas assumiu ontem a Secretaria de Comunicação Social. Na posse, reafirmou declarações da presidente Dilma Rousseff em defesa da liberdade de imprensa. "É desnecessário lembrar aqui as numerosas vezes em que a presidente Dilma demonstrou seu profundo apreço por esse importante pilar da democracia", disse. "Abrir mão da liberdade de imprensa é impensável também para a minha geração, que é aquela que cresceu durante o regime militar."

Helena afirmou que, num governo democrático, a comunicação social deve passar sempre pela "rigorosa e intransigente" defesa da liberdade de imprensa. Ressaltou que, no cargo de ministra, manterá a postura de jornalista, que na avaliação dela tem a função de garantir às pessoas informações suficientes para formar sua própria opinião e ter uma postura autônoma.

Ao lado de Franklin Martins, seu antecessor, Helena contou que conheceu Luís de Camões nas edições censuradas do Estado, durante a ditadura militar. "Conheci cedo os efeitos nefastos da censura. Eu lia quase diariamente os grandes poetas, Camões, Os Lusíadas, nas capas do Estadão, onde meu pai trabalhava", disse, sorrindo. "Por ser criança, demorei para entender que a poesia estava ali para substituir matérias censuradas."

Helena elogiou o trabalho de Martins e disse que dará continuidade a ações do ministro, garantindo que manterá "critérios técnicos" na distribuição das verbas publicitárias.

Em sua despedida, Franklin disse que não faria um discurso político, mas pessoal, pois tinha "brigado muito" nos últimos anos. Diante de uma plateia de jornalistas, desabafou: "Você vai precisar de sorte, porque as feras aqui são muito simpáticas porque é um momento de posse. Depois disso, sai de baixo."

Foi diplomático ao comentar a relação "excepcionalmente tensa" da área de comunicação social do governo Lula com a imprensa. Avaliou que a criação da TV Pública, uma de suas ações no governo, enfrentou "olhos mesquinhos, preconceitos rasos e ressentimentos". Mas ressaltou que Helena Chagas tem capacidade e experiência para assumir a pasta.

Helena Chagas defende liberdade de imprensa

DEU EM O GLOBO

Jornalista, que trabalhou na campanha de Dilma, assume a Secretaria de Comunicação

Chico de Gois

BRASÍLIA. A nova ministra da Secretaria de Comunicação Social (Secom), a jornalista Helena Chagas, assumiu o cargo defendendo a liberdade de imprensa. Disse que continuará a política adotada por seu antecessor, Franklin Martins, de ter "critérios técnicos" para a publicidade oficial e valorização da mídia regional. Mas, como reconheceu o próprio Franklin, ela não comprará todas as brigas do antecessor e será mais "jeitosa" no trato com a mídia.

Os oito anos de mandato do ex-presidente Lula foram marcados por uma relação conflituosa entre o governo e a imprensa. Em diversas ocasiões, Lula criticou a atuação dos meios de comunicação, embora também tenha sempre defendido a importância da livre imprensa.

Helena, que foi responsável pelo contato da presidente Dilma Rousseff com a mídia durante a campanha, lembrou que a essência da profissão de jornalista é servir ao público:

- Comunicação social, num governo democrático, passará sempre pela rigorosa e intransigente liberdade de imprensa. Tivemos plena liberdade de imprensa no governo Lula e continuaremos a ter. Esse não é um assunto em questão.

Dilma enfrenta crise entre PT e PMDB pelo segundo escalão

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A primeira missão dada pela presidente Dilma Rousseff ao ministro Antonio Palocci (Casa Civil) foi a de buscar a pacificação do PMDB, informam João Domingos e Denise Madueño. O partido vive momento de estresse no relacionamento com o PT, que se apossou de cargos importantes antes dominados por peemedebistas, como a presidência dos Correios e a Secretaria de Atenção à Saúde, e agora pretende avançar sobre a Fundação Nacional da Saúde (Funasa). São postos que controlam grandes orçamentos: a Atenção à Saúde, R$ 45 bilhões; os Correios, R$ l2 bilhões; a Funasa, R$ 5 bilhões. Têm presença em todas as regiões do País, o que dá visibilidade ao partido que os controla. Dilma teme que o PMDB inicie movimento de retaliação aos petistas em votações importantes, como a da medida provisória que fixou o salário mínimo em R$ 540. A situação é tão grave que o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), e o ministro Alexandre Padilha (Saúde) protagonizaram um bate-boca, com acusações e ofensas de parte a parte. Dilma convocou para hoje a reunião do Conselho Político, integrado por líderes dos partidos governistas. Quer iniciar as conversações de paz o quanto antes.

Dilma pede a Palocci que administre confronto PT-PMDB por 2º escalão

Substituições de peemedebistas por petistas na Saúde e nos Correios provocam estresse entre dirigentes partidários, e presidente busca arbitrar confronto; disputa poderá ter reflexos em votações importantes e na definição do comando da Câmara

João Domingos e Denise Madueño

A primeira missão dada pela presidente Dilma Rousseff ao ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, foi a de buscar a pacificação do PMDB. O partido vive um momento de forte estresse no relacionamento com o PT, que se apossou de cargos importantes antes dominados por peemedebistas, como a presidência dos Correios e a Secretaria de Atenção à Saúde, e agora pretende avançar sobre a Fundação Nacional da Saúde (Funasa).

São postos que dominam orçamentos gigantescos: a Secretaria de Atenção à Saúde, perto de R$ 45 bilhões; os Correios, R$ 12 bilhões; a Funasa, R$ 5 bilhões. Têm presença em todas as regiões do País, o que dá uma grande visibilidade ao partido que as controla. Dilma teme que o PMDB inicie algum movimento de retaliação aos petistas em votações importantes, como a da medida provisória que fixou o salário mínimo em R$ 540.

A situação é tão grave que o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), e o novo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, protagonizaram um bate-boca, com acusações e xingamentos (ver Bastidores). Dilma convocou para hoje reunião do Conselho Político, que é integrado pelos líderes e presidentes dos partidos da coligação do governo. Quer dar início às conversações de paz hoje mesmo.

O vice-presidente, Michel Temer (PMDB), vai participar da reunião do Conselho Político. Palocci disse ao Estado que espera contar com a ajuda dele. "Temer continuará a ser um importante interlocutor no PMDB", disse ele. O vice continuará a ter controle sobre o partido, visto que apenas se licenciará da presidência do PMDB. Enquanto isso, o partido será presidido interinamente pelo senador Valdir Raupp (RO).

Reflexos. Henrique Eduardo Alves alertou ontem o candidato petista à presidência da Câmara, Marco Maia (RS), da possibilidade de a insatisfação da bancada com a perda de cargos no segundo escalão transformar-se em uma crise com reflexos na eleição na Casa.

Alves se reuniu com Maia e reclamou da troca de comando na Secretaria de Atenção à Saúde do ministério da Saúde. Padilha substituiu Antonio Beltrame, que tinha o apoio do PMDB, por Helvécio Magalhães, ligado ao PT de Minas. O líder peemedebista acusou Padilha de atropelar o PMDB. "O partido não merecia a forma como foi feita (a substituição). Fazer sem conversar não vai dar certo, a bancada não vai aceitar. Queremos o direito de conversar e não sermos atropelados", reclamou.

"É melhor ser leal e dizer isso com franqueza do que a bancada responder de forma emocional e descoordenada na votação. Não quero que Marco Maia pague esse pato, que não merece", disse. Alves demonstrou que o diálogo com Padilha está suspenso ao informar que não vai à cerimônia de transmissão de cargo no Ministério da Saúde, hoje.

Para evitar novas surpresas, a cúpula do PMDB na Câmara e no Senado vai se reunir no próximo dia 10 para fazer o levantamento de todos os cargos que o partido ocupa no segundo escalão e os postos que pretendem assumir. A lista será enviada a Dilma.

O atrito entre os dois partidos foi debatido ontem por petistas. O deputado André Vargas (PT-PR) reconheceu que há queixas do PMDB, mas disse acreditar na moderação dos novos ministro. "As mudanças têm de ser feitas com cuidado e muito zelo."

Em bate-boca por cargos, deputado cita até o mensalão

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A montagem do segundo escalão federal mal começou e a disputa por cargos entre o PMDB e o PT já ganhou dimensão de crise política. Os ânimos acirraram-se a tal ponto que o líder do partido na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), teve uma conversa tão áspera com o futuro ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT), que beirou o rompimento.

É o que relata um dirigente do PMDB, segundo quem o bate-boca telefônico entre os dois na terça-feira foi ríspido nos decibéis e no conteúdo. "Parece que vocês não aprenderam com o mensalão. Depois não venham correr atrás do PMDB para resolver os problemas (do governo e do PT)", disse Alves ao ministro, revoltado com a notícia de que seu partido perderia o cargo mais estratégico do ministério e o comando da Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

Outro peemedebista explica que a referência ao episódio que ficou conhecido como escândalo do mensalão foi para lembrar ao ministro o momento mais crítico do governo Lula, quando o apoio do PMDB foi fundamental para manter a governabilidade. O parlamentar acrescenta que o líder deixou claro que seu partido não aceitava perder posições, sobretudo sem aviso prévio.

Segundo esse interlocutor, o ministro tentou acalmar Alves e contemporizar. "Não se preocupe. Vocês vão ter tudo lá (no ministério)", teria dito Padilha de acordo com o peemedebista. "Não quero nada. Fique com tudo", reagiu o líder.

O nervosismo do líder dá a medida exata da pressão que ele tem recebido. Vários deputados avaliam que Alves negociou mal e ainda permitiu que o partido saísse do embate carregando sozinho a pecha de fisiológico, embora todos tenham brigado por espaço.

Os insatisfeitos dizem que Alves se preocupou mais em construir sua candidatura à presidência da Câmara em 2013, conforme acordo com o PT, do que em defender os interesses da bancada peemedebista.

Apesar de céticos, opositores elogiam gesto de Dilma

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Líderes da oposição receberam com ceticismo os acenos feitos por Dilma Rousseff em seu discurso de posse, anteontem. Apesar disso, apontaram ter havido um avanço em relação à postura do ex-presidente Lula.

"É sempre essa mesmice no Brasil: quem ganha sinaliza para a oposição, e a oposição diz que será responsável", afirmou o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP). Roberto Freire, do (PPS-SP), foi na mesma linha: "Começo de governo é assim. Fazem-se acenos à oposição. O antecessor de Dilma era um desrespeitador da oposição. Espero que ela não siga essa prática".

Cotado para presidir o DEM, o senador Agripino Maia (RN) disse estar aberto às negociações com o governo em torno de reformas. "Foi um bom começo. Não é o diálogo com beltrano ou sicrano. E sim com as teses da oposição. Nós temos demandas, as reformas tributária e trabalhista, por exemplo. Esperamos um bom debate e o respeito às opiniões", afirmou ele.

Oposição pede debate sobre mínimo

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Um dia depois de a presidente Dilma Rousseff ter defendido o diálogo com a oposição, o presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), sinalizou ontem que o partido poderá votar a favor da manutenção do valor de R$ 540 para o salário mínimo. A fixação do novo mínimo deverá ser um dos primeiros embates do novo governo com o Congresso. "Defendo que não tenhamos uma posição pré-estabelecida em relação ao salário mínimo. Queremos dialogar com a equipe econômica e ver qual o impacto nas contas públicas de qualquer valor acima dos R$ 540", disse Maia.

PSDB e DEM enfrentam divisão interna

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Brasília - A oposição põe os pés no governo de Dilma Rousseff (PT) assaltada por conflitos internos entre grupos que defendem uma posição menos ofensiva e aqueles que desejam manter um forte embate com o novo governo petista.

No PSDB, o ruralista Antonio Duarte Nogueira Júnior (SP) é o favorito na disputa pela liderança do partido na Câmara, com o apoio da bancada mineira, que deve emplacar o deputado Paulo Abi Ackel (MG) na liderança da minoria.

O deputado ACM Neto (BA) deve retomar a liderança do DEM na Câmara como meio de fortalecer seu grupo na disputa interna pelo comando do partido e evitar qualquer possibilidade de distensão da oposição no relacionamento com o Palácio do Planalto.

Em comum, os dois deputados têm a pouca idade, vêm de famílias tradicionais de políticos e vão pegar pela frente partidos divididos. ACM Neto (DEM) tem 31 anos e é neto de Antonio Carlos Magalhães, que dominou a política baiana até a sua morte, em 2007. Duarte Nogueira, o "Nogueirinha", tem 46 anos e é filho do ex-prefeito de Ribeirão Preto Duarte Nogueira, que governou a cidade duas vezes (de 1969 a 1973 e de 1977 a 1983).

Junto com o pai, Duarte Nogueira iniciou a sua carreira política no PFL em 1985, foi para o PTB, aderiu ao PRN na era Collor, voltou para o PFL, onde ficou até entrar definitivamente no PSDB, em 1999. O apoio do pai fez dele, aos 31 anos, secretário de Habitação de Mário Covas, em 1995. É próximo do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, de quem foi secretário de Agricultura e Abastecimento. Está indo para o seu segundo mandato na Câmara dos Deputados e promete uma oposição não tão generosa, como a que prega o senador eleito Aécio Neves (MG), nem tão a agressiva como a defendida pelos partidários do candidato derrotado a presidente, José Serra.

"Oposição tem que ser oposição", afirma Duarte Nogueira, definindo, porém, o limite dessa atuação. "Não adianta só apontar o dedo na ferida dos governos. Temos que sair na frente com propostas". Dá como exemplo o caos aéreo: "Não adianta só criticar. Temos que avaliar se é melhor privatizar os aeroportos, fazer concessões a empresas para administrá-los ou melhorar a gestão do Estado", afirma.

O candidato a líder do DEM, ACM Neto, ocupa a trincheira para evitar que o partido amenize a ofensiva antipetista mantida pelos dois maiores partidos de oposição durante os oito anos de governo Lula. Líder da bancada em 2008 e aliado do presidente da legenda, deputado Rodrigo Maia (RJ), o deputado baiano é um dos protagonistas no embate travado contra o grupo do ex-presidente Jorge Bornhausen (SC) e seu filho, o atual líder, deputado Paulo Bornhausen (SC). As duas correntes terão o decisivo confronto na convenção nacional do partido em março, mas a disputa para liderar os 43 deputados eleitos irá antecipar o debate.

O grupo de Maia e ACM Neto acusa os adversários internos de estarem muito próximos ao governo, movimento que seria constatado pelas conversas do seu maior expoente no Executivo, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, com o vice-presidente eleito e presidente nacional do PMDB, Michel Temer. Outro indício disso foi o apoio manifestado por Paulo Bornhausen ao candidato do governo a presidente da Câmara, Marco Maia (PT). Do outro lado, há a tese de que a oposição precisa manter diálogo aberto com o governo sem deixar de ter o viés crítico que caracteriza o partido. O apoio a uma candidatura alternativa poderia tirar da Mesa o partido, já reduzido nas urnas nas últimas eleições.

"Devemos estar abertos ao diálogo institucional. Na medida em que o governo queira debater projetos, estaremos abertos. Mas evidente que isso não significa nenhum tipo de moleza para o papel que devemos cumprir: acompanhar cada ato do governo, cobrar cada promessa de campanha e mostrar o que é propaganda e o que é realidade", diz. Para ele, o diálogo deve ser restrito a uma agenda convergente, baseada, por exemplo, na reforma política, no debate sobre o financiamento da saúde sem criação de tributos e na discussão sobre melhorias na segurança pública.

ACM Neto deve enfrentar na disputa interna o nome que Bornhausen tem articulado nos bastidores: Marcos Montes (MG). Médico, ex-prefeito de Uberaba e ex-secretário de Desenvolvimento Social e Esportes no primeiro mandato do governador Aécio Neves (PSDB), Montes foi reeleito para seu segundo mandato e é atual vice-líder do partido na Câmara. Um terceiro nome tem sido ainda colocado na disputa, como "independente": Mendonça Prado (DEM-SE).

Na bancada, porém, ACM Neto é favorito, muito em razão do fato de já ter sido líder e também porque o presidente do partido, também deputado, é seu aliado. De acordo com ele, a oposição na era Lula foi "competente no Parlamento, principalmente o DEM, que marcou em cima e não se furtou nas horas mais espinhosas como mensalão e a queda da CPMF" -uma crítica indireta ao PSDB, que não embarcou no acirramento da crise do mensalão e teve defecções ao votar o fim da CPMF.

Com ACM Neto, a forte crítica ao governo deve continuar a ser feita pela legenda, mas é preciso fazer com que a crítica política que se faz no Congresso chegue à sociedade. "O que ocorre dentro do Congresso fica muito restrito às classes políticas. Não soubemos levar esse trabalho para as ruas. Esse é o principal desafio nessa legislatura".

O esboço dessa estratégia, no entanto, só poderá ser melhor traçado após a convenção de março. "Somente a partir da convenção vamos ter elaborado esse plano, mas tem uma agenda pesada que não avançou nesses oito anos na qual pode haver pontos de convergência". C.J.

Nilze Carvalho - Nordestino

Aos que virão depois de nós:: Bertolt Brecht

I

Eu vivo em tempos sombrios.
Uma linguagem sem malícia é sinal de
estupidez,
uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ainda ri é porque ainda não
recebeu a terrível notícia.

Que tempos são esses, quando
falar sobre flores é quase um crime.
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?
Aquele que cruza tranqüilamente a rua
já está então inacessível aos amigos
que se encontram necessitados?

É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso. Nado do que eu faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado.
(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)

Dizem-me: come e bebe!
Fica feliz por teres o que tens!
Mas como é que posso comer e beber,
se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?
se o copo de água que eu bebo, faz falta a
quem tem sede?
Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.

Eu queria ser um sábio.

Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:
Manter-se afastado dos problemas do mundo
e sem medo passar o tempo que se tem para
viver na terra;
Seguir seu caminho sem violência,
pagar o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.
Sabedoria é isso!
Mas eu não consigo agir assim.
É verdade, eu vivo em tempos sombrios!

II

Eu vim para a cidade no tempo da desordem,quando a fome reinava.
Eu vim para o convívio dos homens no tempo
da revolta
e me revoltei ao lado deles.
Assim se passou o tempo
que me foi dado viver sobre a terra.
Eu comi o meu pão no meio das batalhas,
deitei-me entre os assassinos para dormir,
Fiz amor sem muita atenção
e não tive paciência com a natureza.
Assim se passou o tempo
que me foi dado viver sobre a terra.

III

Vocês, que vão emergir das ondas
em que nós perecemos, pensem,
quando falarem das nossas fraquezas,
nos tempos sombrios
de que vocês tiveram a sorte de escapar.

Nós existíamos através da luta de classes,
mudando mais seguidamente de países que de
sapatos, desesperados!
quando só havia injustiça e não havia revolta.

Nós sabemos:
o ódio contra a baixeza
também endurece os rostos!
A cólera contra a injustiça
faz a voz ficar rouca!
Infelizmente, nós,
que queríamos preparar o caminho para a
amizade,
não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.
Mas vocês, quando chegar o tempo
em que o homem seja amigo do homem,
pensem em nós
com um pouco de compreensão.