sábado, 24 de dezembro de 2011

Entre a cruz e a caldeirinha:: Bolívar Lamounier

Em números redondos, a nova classe média deve ter hoje uns 50 milhões de eleitores. Sim, eu disse 50 milhões. É um número considerável. Significa que ela pode decidir qualquer eleição, certo? Errado. Uma camada social desse tamanho votar de modo homogêneo é uma hipótese inconcebível. Como os eleitores de qualquer outro grupo social, os da nova classe média podem pender para um lado numa eleição e para o outro na eleição seguinte. Depende das questões que estejam mobilizando o país naquele momento, da credibilidade que os candidatos e partidos tenham ao encarná-las, e por aí afora.

A esse respeito, as duas eleições de Fernando Henrique e a primeira de Lula foram bem eloquentes. Em 1994 e 1998, a questão em jogo era a estabilidade econômica. Em ambos os casos, a classe média ajudou a eleger Fernando Henrique no primeiro turno. Em 2002, a agenda esteve mais voltada para o campo social e o crescimento. Uma parcela importante da classe C votou em Lula, se bem que o fundamental para a vitória dele foi o voto nordestino. O corte decisivo foi o regional.

O voto da classe C fica mais compreensível se levarmos em conta as suas propensões ideológicas? A resposta é não. A parcela do eleitorado que compreende razoavelmente a distinção entre esquerda e direita e decide em função dela não chega a 15%: isso com uma enorme boa vontade, e não só no Brasil, ressalve-se.

Devemos então concluir que as preferências eleitorais carecem totalmente de lógica? Que os enfrentamentos não passam de lutas do tipo cabra-cega? Também não. Há períodos em que as preferências se confundem e outros em que elas se reorganizam e voltam a se diferenciar. Com a ascensão de Lula, está provado que milhões de eleitores confiaram em seu carisma e refletiram menos sobre os próprios valores e interesses individuais.

Paulatinamente, porém, essa situação deve se alterar. Haverá uma bifurcação mais nítida, com uma parte da classe média ainda apostando no intervencionismo econômico do estado e a outra se convencendo de que uma cultura estatizante como a nossa lhe antepõe obstáculos quase insuperáveis.

Ao contrário da classe média antiga para a qual o serviço público (civil e militar) representou uma base econômica segura -, a nova classe média dependerá muito mais do setor privado. É no mercado que ela vai se sustentar, batalhando por empregos ou estabelecendo-se por coma própria. Se bobear, ficará entre a cruz e a caldeirinha.

Haverá empregos de boa qualidade para esses milhões e milhões que estão tentando ascender na escala social? É óbvio que não. A competição será dura. Os jovens terão de se preparar muito, e não preciso lembrar o estado catastrófico em que se encontra a educação pública brasileira.

Terão eles condições de sobreviver e de se desenvolver como pequenos empreendedores? O problema, como ninguém ignora, é que vão enfrentar um estado hostil, ou indiferente, muito pouco amigo dos pequenos negócios.

FONTE: VEJA, nº 50. - 14/12/2011

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