quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Sombra argentina:: Míriam Leitão

A mudança dos pesos do índice de inflação medido pelo IBGE chegou tão na hora certa para o governo que levantou dúvidas. É difícil acreditar que os itens empregada doméstica e educação estão pesando menos nos orçamentos. O IBGE tem um lastro de credibilidade, mas isso é como cristal: não pode trincar. O instituto ontem soltou nota sobre o assunto. Deve mesmo se empenhar para afastar as sombras.

A Argentina está tão aqui do lado que a gente até tem medo de contágio. Lá, o governo Cristina Kirchner fez uma intervenção no Banco Central, destruiu o Indec, instituto de pesquisas oficial. Hoje ninguém mais acredita nos indicadores das contas nacionais.

Aqui, no ano inteiro a inflação de serviços ficou em torno de 9% ou até mais, em 12 meses. Ela voltará a subir com a alta do salário mínimo de 14%. Pois foi exatamente em alguns dos itens que compõem a inflação de serviços, como educação e empregada doméstica, que houve redução mais significativa dos pesos no IPCA. Caiu também o peso do cigarro. O governo subiu o imposto do cigarro, depois adiou para o ano que vem, e o IBGE agora anunciou que ele pesará menos na inflação.

Não acho que seja manipulação. Mas lembro que esta é a terceira dúvida que o Instituto enfrenta nos últimos tempos. O presidente Eduardo Nunes saiu de forma intempestiva do cargo depois de oito anos de bom trabalho. A nova presidente, Wasmália Bivar, é do quadro de funcionários e sempre foi bem avaliada. Houve depois um episódio bizarro de o instituto admitir que durante meses seus índices vazaram. Agora, a nova Pesquisa de Orçamento Familiar deu um resultado muito bom para o governo exatamente na hora que ele mais precisa, quando os juros estão sendo derrubados - hoje, cairão novamente - apesar de a inflação estar acima do teto da meta. Com a nova distribuição de pesos, a previsão de inflação do ano que vem está sendo revista para baixo.

Na nota, o IBGE disse que já havia avisado que alteraria os pesos e destacou principalmente a educação, que caiu de 4,1% para 3,0%. Disse que esses são procedimentos regulares e que está à disposição da mídia para tirar as dúvidas. Ótimo. Diante do mau exemplo do país vizinho, é bom que o IBGE não deixe dúvida sobre dúvida neste caso. O professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, disse ontem que pode haver explicações para todos os casos. Apesar de o trabalho da empregada doméstica estar sendo cada vez mais valorizado, e com isso seus salários, a classe C emergente demanda menos esse serviço do que os outros grupos que sempre estiveram na pesquisa do IPCA:

- De fato, educação, empregada doméstica e cigarro caíram significativamente. Mas sempre houve mudanças e algumas em anos-chave, como em 1995 ou 2002/2003.

Essas mudanças nos índices ocorrem de cinco em cinco anos por causa da Pesquisa de Orçamento Familiar. Ela é feita para saber como se distribuem os gastos nos orçamentos das famílias em cada faixa de renda e assim atualizar a estrutura de pesos no índice para refletir melhor os gastos. Na área da comunicação, por exemplo, o telefone fixo tem tido menor peso, e os celulares estão subindo.

Uma mudança curiosa foi que o chuchu sumiu da amostra. Não haverá mais a inflação do chuchu, que na época de Mário Henrique Simonsen ficou imortalizada quando o ministro explicou a alta do índice pelo pulo do preço do alimento. Entrou quem não estava no índice: carne de carneiro. Novos tempos.

O cigarro vem ficando cada vez menos importante na cesta de consumo, por bons motivos: mais pessoas estão deixando de fumar. Não é a primeira vez que o peso do cigarro cai e espera-se que não seja a última. Note-se que essa queda veio na hora exata, na data para a qual foi adiado o aumento do imposto sobre o produto.
Luiz Roberto Cunha lembra que os novos pesos serão alterados quando houver atualização dessa POF de 2008/2009 para dezembro de 2011. Por enquanto, ele calcula que a nova ponderação significará 0,4 ponto de queda nas previsões de inflação:

- Outros produtos subiram, como automóvel novo, usado, e eletrônicos. Esses setores podem ter um consumo mais fraco no ano que vem por causa da crise, por outro lado, se o governo conceder incentivos ao consumo desses produtos isso elevaria mais a inflação.

Cunha argumenta que o IBGE sempre mudou as ponderações, mas admite que a sensação é que alguns itens que caíram, na verdade, pesam mais - e não menos - no bolso, como educação, empregada doméstica e alimentação fora de casa.

Recentemente, o Banco Central divulgou uma mudança na fórmula de cálculo do endividamento e do comprometimento da renda das famílias com dívidas junto ao sistema financeiro. Caiu de 26% para 21%. Justamente quando os economistas estavam alertando para o risco de se aproximar do patamar de 30% houve a mudança da fórmula e o número caiu.

O melhor em todos esses casos é transparência e muita explicação, porque o Brasil já foi prisioneiro da síndrome de repetir os erros argentinos. Espera-se que a síndrome do chamado " Efeito Orloff" tenha morrido com a hiperinflação.

FONTE: O GLOBO

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