terça-feira, 1 de novembro de 2011

OWS, capitalismo e democracia :: Luiz Gonzaga Belluzzo

Os moradores de Flitch, no estado do Michigan, (EUA) perderam o emprego na fábrica de autopeças fechada sob a pressão da concorrência chinesa. Indagado sobre o destino dos desempregados, o economista Gregory Mankiw respondeu candidamente: "As pessoas têm que se mover". Afirmou isso depois de ter proclamado a necessidade de um curso de economia no ensino médio para que o público em geral possa ter uma visão mais acurada da globalização.

O economista de Harvard, Richard Freeman, diz, em artigo recente, que a velha conversa sobre os benefícios do comércio - na situação em que os países avançados produzem bens de alta tecnologia com trabalho qualificado enquanto os menos desenvolvidos se dedicam aos setores de mão de obra não qualificada - "tornou-se obsoleta com a presença da China e da Índia". Nos anos 90, Paul Krugman, o economista laureado com o Nobel, patrocinou uma cruzada ideológica contra os movimentos antiglobalização que profligavam a perda dos bons empregos americanos para os trabalhadores produtivistas da Ásia. Já em meados da primeira década do terceiro milênio, Krugman foi obrigado a reconsiderar seus pontos de vista. Indagado sobre as razões da mudança, Krugman respondeu: o avanço da China.

Os fenômenos centrais da economia de nosso tempo são o acirramento da concorrência entre as grandes empresas internacionais, a escalada da financeirização e as rápidas mudanças na geoeconomia mundial. As posições relativas de países, continentes e classes sociais sofreram alterações tão radicais quanto perturbadoras. Alguém designou esses deslocamentos tectônicos como "desenvolvimento desigual e combinado".

Nas regiões ditas desenvolvidas, já no crepúsculo dos anos 90, era possível ouvir os clamores das manifestações antiglobalização. A toarda subiu muitos decibéis na posteridade da crise iniciada em 2008. Ontem, as gentes do movimento Ocupe Wall Street (OWS) eram dez gatos pingados. Hoje, os céticos de ontem observam o descontentamento dos "perdedores" se alastrar mundo afora. Agora já são muitos e a mídia global cuida de discernir se os manifestantes carregam o "anti-capitalismo" (sic) nos ossos ou apenas nas mochilas que levam às costas.

Nos círculos bem pensantes há desconforto com o mau humor dos cidadãos que não só rejeitam as consequências da crise, mas, sobretudo, contestam o modelo social e econômico que conduziu o planeta à beira de uma (outra) Grande Depressão. Os 99% sofrem as agruras da estagnação dos rendimentos familiares nos últimos trinta anos, das ocupações precárias, do desemprego de longo prazo, do aumento da pobreza e do desamparo na doença.

No torvelinho do desencontro das palavras de ordem, da diversidade de pontos-de-vista, os participantes dos protestos revelam uma percepção comum: a liberdade e a autonomia dos indivíduos de carne e osso não decorre naturalmente do movimento desembaraçado de mercadorias e de capitais. Os arautos do livre mercado asseguravam que a liberdade humana decorre do impulso natural do homem à troca, ao intercâmbio, à aproximação por meio do comércio etc.

É de lei reconhecer que Adam Smith corretamente chamou a atenção para o caráter libertador da economia mercantil capitalista e para as suas potencialidades. Marx, herdeiro e defensor das postulações do Iluminismo, da Revolução Francesa e admirador do caráter transformador do capitalismo, indagou se as relações de produção e as forças produtivas do novo modo de produção permitiriam, de fato, a realização da Liberdade e da Igualdade.

Entre tantas definições, o capitalismo pode também ser entendido como a coexistência de "duas naturezas": 1) a enorme capacidade de criar, transformar, dominar a natureza, suscitando desejos, ambições e esperanças; 2) as limitações à sua capacidade de distribuir a renda e a riqueza, de entregar o bem estar e a autonomia individual a todos os encantados com suas promessas. Não se trata de perversidade, mas do seu modo de funcionamento.

Constrangidos pela concorrência e liberados das travas da regulação pública, os detentores de riqueza, não escapam dos estados de euforia e de apetite pelo risco que, culminam na decepção, na crise e na desvalorização da riqueza. Quando sobrevém o colapso da confiança, os indivíduos racionais e calculadores são açoitados pela "busca desesperada da riqueza líquida".

A volúpia coletiva pela busca do dinheiro, a forma geral da riqueza, termina por destruir, em seu movimento maníaco, não só as suas formas particulares como também as condições de vida dos indivíduos atropelados pelo estouro da manada. Os mercados e seus agentes, diga-se, não estão certos nem errados. Estão simplesmente obrigados a tomar decisões que, em seu imaginário peculiar, são as apropriadas para proteger ou acrescentar o valor de sua riqueza. Na verdade, eles são "pensados" por uma lógica que não controlam.

Nesse ambiente darwinista, são cada vez mais frequentes as arengas dos economistas, sacerdotes da religião dos mercados, contra as tentativas dos simples cidadãos e cidadãs de barrar a marcha do Moloch insaciável e ávido por expandir o seu poder. A gritaria dos sábios das finanças é desferida contra os "desvios" da política, contra os surtos de "populismo".

Os que protestam nas ruas do mundo sabem que as novas formas financeiras contribuíram para aumentar o poder das grandes corporações. As fusões e aquisições suscitaram um maior controle dos mercados e promoveram campanhas contra os direitos sociais e econômicos, considerados um obstáculo à operação das leis da concorrência.

A lógica da economia destravada restringe o espaço democrático e impede que os cidadãos, no exercício da política tenham capacidade de decidir sobre a própria vida.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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