segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Expulso na ditadura, padre ganha visto definitivo

Dilma garante permanência no país a Vito Miracapillo, banido pelos militares em 1980 por se negar a rezar missa

Evandro Éboli

BRASÍLIA. No mesmo dia em que a presidente Dilma Rousseff assinou a lei que cria a Comissão da Verdade, na sexta-feira passada, o governo brasileiro decidiu conceder o visto de permanência definitiva ao padre italiano Vito Miracapillo, de 64 anos, expulso do país pelos militares em 1980, por ter se negado a celebrar uma missa em homenagem ao Sete de Setembro, no interior de Pernambuco. O Ministério da Justiça atendeu aos apelos de Miracapillo, que esteve em agosto no Brasil e reforçou seu desejo de retornar ao país.

O religioso, que mora na Itália, já havia feito algumas tentativas para voltar ao Brasil durante os oito anos do governo Lula, mas sem sucesso. Hoje, o Departamento de Estrangeiros, ligado à Secretaria Nacional de Justiça, deve publicar no Diário Oficial a garantia da permanência do padre no Brasil.

Miracapillo pretende voltar a trabalhar na Pastoral da Igreja Católica na diocese de Palmares, em Ribeirão, cidade a 87 quilômetros de Recife. Antes de ser expulso do país, num ato do então presidente João Figueiredo, ele trabalhou por sete anos com movimentos sociais ligados aos cortadores de cana de açúcar. A região da agroindústria açucareira é foco de tensão e de violência no campo.

Em 1993, o presidente Itamar Franco revogou o ato de sua expulsão, mas o governo não concedeu a ele a permanência definitiva. Com isso, Miracapillo passava por constrangimentos toda vez que chegava ao país para curtas temporadas, pois, na alfândega, a Polícia Federal desconfiava da legalidade de sua condição, por causa dos registros de expulsão do país.

Para o governo de Dilma, a expulsão do pároco italiano se deu em razão da arbitrariedade e ilegalidade da decretação da medida, fundada na "malfadada doutrina da segurança nacional" e que "serviu de amparo para vários abusos cometidos pelas autoridades de então, conduta que não encontra mais espaço no Estado Democrático de Direito".

"A supressão daquele ato abusivo possibilitou o restabelecimento da permanência no Brasil do senhor Vito Miracapillo, e a reparação dos excessos cometidos à época, reforçando, dessa forma, os princípios democráticos e humanitários que orientam as ações desta Secretaria de Estado", afirmaram, em nota, o secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão, e a diretora do Departamento de Estrangeiros, Izaura Maria Soares Miranda.

Severino Cavalcanti, ex-presidente da Câmara dos Deputados e, à época, deputado estadual pelo antigo PDS, em Pernambuco, perseguiu Miracapillo e o "denunciou" ao então ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel. Em discursos na Assembleia, Severino tratava o pároco como "padre subversivo". Em 2005, o parlamentar renunciou a seu mandato na Câmara, acusado de envolvimento num esquema de pagamento de propina.

Miracapillo foi expulso por ter se recusado a atender pedido do prefeito de Ribeirão naquele período, Salomão Brasil, também do PDS, para celebrar a missa. O padre argumentou que, sob uma ditadura, o país não era independente. Num comunicado ao prefeito, o religioso afirmou que não havia ocorrido ainda a efetiva independência do povo, "reduzido à condição de pedinte e desamparado de seus direitos". Na época, o STF confirmou a decisão de Figueiredo por 11 a 0.

O advogado de Miracapillo, o ex-deputado estadual Pedro Eurico (PSDB), reuniu-se com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em setembro e oficializou, mais uma vez, o pedido do religioso, que foi atendido. Segundo ele, não havia sentido o Brasil assegurar a permanência do ex-terrorista Cesare Battisti no país, e negá-la a Miracapillo.

- Em boa hora o governo refez esse erro histórico.

FONTE: O GLOBO

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