quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Resistência do Brasil à crise 'não é ilimitada', diz Dilma

Na abertura da Assembleia da ONU, presidente defende união dos países

Ao abrir ontem a Assembleia Geral da ONU, a presidente Dilma Rousseff defendeu a união dos países para enfrentar a crise econômica mundial, alertando para o risco de ela se transformar numa "grave ruptura política e social". "Ou nos unimos todos e saímos, juntos, vencedores, ou sairemos todos derrotados", discursou ela, que foi aplaudida seis vezes. Ao falar sobre o Brasil, Dilma disse que o país tem sido, até agora, menos afetado pela crise mundial. "Mas sabemos que nossa capacidade de resistência não é ilimitada", ressalvou. Ao defender a criação do Estado Palestino, recebeu os mais demorados aplausos. Ela ainda destacou o fato de ser a primeira mulher a abrir a Assembleia da ONU e lembrou que foi torturada na ditadura, defendendo o respeito aos direitos humanos em todos os países. Dilma teve encontros bilaterais com chefes de Estado de cinco países, incluindo França e Reino Unido.

Ou união ou derrota

Na ONU, Dilma prega ação conjunta contra crise global e admite que resistência do Brasil é limitada

Cristiane Jungblut e Fernanda Godoy

Em quase 25 minutos de um discurso incisivo e repleto de recados e reivindicações, ontem, na sede das Nações Unidas, a presidente Dilma Rousseff afirmou que há o risco de a crise econômica mundial se transformar numa "grave ruptura política e social", pregou a união dos países para evitar a derrota de todos e reconheceu que o Brasil tem uma capacidade de resistência limitada aos abalos na economia mundial.

No discurso, interrompido seis vezes pelos aplausos dos representantes dos 193 países com assento na ONU, Dilma defendeu enfaticamente a criação do Estado Palestino e afirmou que o Brasil está pronto para integrar, como membro permanente, o Conselho de Segurança da ONU.

Como primeira mulher a discursar na abertura da Assembleia Geral da ONU, ela ficou com a voz embargada ao lembrar sua condição de torturada na ditadura. Foi aplaudida pela primeira vez quando disse que vivia um momento histórico, representando as mulheres. Os mais enfáticos e demorados aplausos foram recebidos quando citou a criação do Estado Palestino:

- É chegado o momento de ter a Palestina aqui representada a pleno título - afirmou.

Mas foi como economista que ela usou boa parte do seu discurso:

- Mais que nunca, o destino do mundo está nas mãos de todos os seus governantes, sem exceção. Ou nos unimos todos e saímos, juntos, vencedores, ou sairemos todos derrotados.

Ao falar sobre o Brasil, disse que o segredo do país foi fortalecer seu mercado interno, mas frisou que o país também tem suas limitações:

- O Brasil tem sido, até agora, menos afetado pela crise mundial. Mas sabemos que nossa capacidade de resistência não é ilimitada.

Foi ao falar da condição de mulher e de lembrar que foi presa política que ela se emocionou:

- Como mulher que sofreu tortura no cárcere, sei como são importantes os valores da democracia, da Justiça, dos direitos humanos e da liberdade.

Ao final da fala do presidente americano, Barack Obama, quando houve o primeiro intervalo, Dilma foi cercada por dezenas de chefes de Estado, que a cumprimentaram efusivamente. A seguir, os principais trechos do discurso da presidente:

CRISE ECONÔMICA: "O mundo vive um momento extremamente delicado e, ao mesmo tempo, uma grande oportunidade histórica. Enfrentamos uma crise econômica que, se não for debelada, pode se transformar em uma grave ruptura política e social. Uma ruptura sem precedentes, capaz de provocar sérios desequilíbrios na convivência entre as pessoas e as nações. Mais que nunca, o destino do mundo está nas mãos de todos os seus governantes, sem exceção. Ou nos unimos todos e saímos, juntos, vencedores, ou sairemos todos derrotados. Agora, menos importante é saber quais foram os causadores da situação que enfrentamos, até porque isto já está suficientemente claro. Importa, sim, encontrarmos soluções coletivas, rápidas e verdadeiras. Há sinais evidentes de que várias economias avançadas se encontram no limiar da recessão, o que dificultará, sobremaneira, a resolução dos problemas fiscais".

CULPADOS: "Não é por falta de recursos financeiros que os líderes dos países desenvolvidos ainda não encontraram uma solução para a crise. É, permitam-me dizer, por falta de recursos políticos e, algumas vezes, de clareza de ideias. Parte do mundo não encontrou ainda o equilíbrio entre ajustes fiscais apropriados e estímulos fiscais corretos e precisos para a demanda e o crescimento. Ficam presos na armadilha que não separa interesses partidários daqueles interesses legítimos da sociedade. O desafio colocado pela crise é substituir teorias defasadas, de um mundo velho, por novas formulações para um mundo novo".

DESEMPREGO: "Enquanto muitos governos se encolhem, a face mais amarga da crise, a do desemprego, se amplia. Já temos 205 milhões de desempregados no mundo".

BRASIL: "O Brasil tem sido, até agora, menos afetado pela crise mundial. Mas sabemos que nossa capacidade de resistência não é ilimitada. Queremos, e podemos, ajudar, enquanto há tempo, os países onde a crise já é aguda. O Brasil está fazendo a sua parte. Com sacrifício, mas com discernimento, mantemos os gastos do governo sob rigoroso controle, a ponto de gerar vultoso superávit nas contas públicas, sem que isso comprometa o êxito das políticas sociais, nem nosso ritmo de investimento e de crescimento. Estamos tomando precauções adicionais para reforçar nossa capacidade de resistência à crise, fortalecendo nosso mercado interno com políticas de distribuição de renda e inovação tecnológica. Há pelo menos três anos, senhor presidente, o Brasil repete, nesta mesma tribuna, que é preciso combater as causas, e não só as consequências da instabilidade global".

PROTECIONISMO: "O protecionismo e todas as formas de manipulação comercial devem ser combatidos, pois conferem maior competitividade, de maneira espúria e fraudulenta".

PALESTINA: "Lamento ainda não poder saudar, desta tribuna, o ingresso pleno da Palestina na Organização das Nações Unidas. O Brasil já reconhece o Estado Palestino como tal. Assim como a maioria dos países nesta Assembleia, acreditamos que é chegado o momento de termos a Palestina aqui representada a pleno título".

PRIMAVERA ÁRABE: "Desde o final de 2010, assistimos a uma sucessão de manifestações populares que se convencionou denominar "Primavera Árabe" (...) É preciso que as nações aqui reunidas encontrem uma forma legítima e eficaz de ajudar as sociedades que clamam por reforma, sem retirar de seus cidadãos a condução do processo".

PAZ SEM FORÇA: "Repudiamos com veemência as repressões brutais que vitimam populações civis. Estamos convencidos de que, para a comunidade internacional, o recurso à força deve ser sempre a última alternativa. A busca da paz e da segurança no mundo não pode limitar-se a intervenções em situações extremas".

CONSELHO DE SEGURANÇA 1: "Muito se fala sobre a responsabilidade de proteger; pouco se fala sobre a responsabilidade ao proteger. São conceitos que precisamos amadurecer juntos. Para isso, a atuação do Conselho de Segurança é essencial, e ela será tão mais acertada quanto mais legítimas forem suas decisões. E a legitimidade do próprio Conselho depende, cada dia mais, de sua reforma".

CONSELHO DE SEGURANÇA 2: "A cada ano que passa, mais urgente se faz uma solução para a falta de representatividade do Conselho de Segurança, o que corrói sua eficácia. O ex-presidente Joseph Deiss recordou-me um fato impressionante: o debate em torno da reforma do Conselho já entra em seu 18º ano. Não é possível, senhor presidente, protelar mais. O mundo precisa de um Conselho de Segurança que venha a refletir a realidade contemporânea (...) que incorpore novos membros permanentes e não permanentes, em especial representantes dos países em desenvolvimento. O Brasil está pronto a assumir suas responsabilidades como membro permanente do Conselho.

FONTE: O GLOBO

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